A VIOLÊNCIA SEXUAL APRESENTADA EM DOCUMENTÁRIOS: ANÁLISE A PARTIR DA OBRA “UM CRIME ENTRE NÓS”

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17162329


Beatriz de Oliveira Toral1


RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar o documentário Um Crime Entre Nós (2020), relacionando-o à problemática da violência e da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. A pesquisa adota uma metodologia qualitativa, utilizando o filme como fonte de análise e reflexão, em diálogo com a literatura especializada e com marcos legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Henry Borel. A obra audiovisual revela a gravidade e a invisibilidade desses crimes, evidenciando a cultura do silêncio, a fragilidade das instituições de proteção e os impactos devastadores na vida das vítimas. O estudo demonstra que a violência sexual produz consequências emocionais, sociais e físicas duradouras, conforme apontam autores como Guerra (2007) e Azevedo (2007), sendo necessária uma resposta intersetorial que articule políticas públicas, justiça, educação e mobilização social. Conclimos que Um Crime Entre Nós desempenha papel relevante como instrumento de sensibilização e conscientização, ao denunciar a naturalização da exploração sexual e ao reforçar a urgência de ações efetivas no enfrentamento desse problema.
Palavras-chave: Violência sexual. Exploração sexual. Crianças e adolescentes. Documentário. Políticas públicas.

ABSTRACT
This article analyzes the documentary "Um Crime Entre Nós" (2020), relating it to the issue of violence and sexual exploitation of children and adolescents in Brazil. The research adopts a qualitative methodology, using the film as a source of analysis and reflection, in dialogue with specialized literature and legal frameworks, such as the Child and Adolescent Statute and the Henry Borel Law. The audiovisual work reveals the gravity and invisibility of these crimes, highlighting the culture of silence, the fragility of protective institutions, and the devastating impacts on the lives of victims. The study demonstrates that sexual violence produces lasting emotional, social, and physical consequences, as pointed out by authors such as Guerra (2007) and Azevedo (2007), requiring an intersectoral response that articulates public policies, justice, education, and social mobilization. We conclude that "Um Crime Entre Nós" plays a relevant role as an instrument of awareness and consciousness-raising, denouncing the normalization of sexual exploitation and reinforcing the urgency of effective action to address this problem.
Keywords: Sexual violence. Sexual exploitation. Children and adolescents. Documentary. Public policies.

1 INTRODUÇÃO

Pedofilia

Ele disse: 'eu tenho um brinquedo
Vem aqui, vou mostrar pra você'
Ele disse: 'esse é o nosso segredo
E ninguém mais precisa saber'

'Eu não vou te fazer nenhum mal', ele disse
E então me pegou pela mão
Ele disse que era normal, que pedisse
E eu não tinha porque dizer não

Não sou eu mais em mim
Não sou eu mais
Sou só nojo de mim
Só nojo, por dentro

Não sou eu mais em mim
Não sou eu mais
Sou só nojo de mim
Só esquecimento

Ele disse: 'eu tenho um presente
Vem comigo que eu vou te mostrar'
Ele disse: 'isso é só entre a gente
E não é pra ninguém escutar [...]2

A música do grupo de pop rock Titãs intitulada “Pedofilia” chama a atenção ao fato da pedofilia, aliás, algo que remete a questão da violência e também de exploração sexual. Isso se dá porque, a pedofilia é alimentada, em grande medida, pela exploração sexual de crianças e de adolescentes. Por outro lado, ao refletirmos sobre a música somos também impelidos em analisar a importância que a arte exerce como um meio de prevenção e de divulgação de elementos atrelados a violência sexual que afeta crianças e adolescentes. Assim como a arte expressa na música há ainda elementos atrelados a peças teatrais, filmes e documentários no enfrentamento dessa violação que afeta esses públicos tão vulneráveis no Brasil.

Dessa maneira, é importante frisar que a violência contra crianças e adolescentes constitui um dos mais graves problemas sociais e de saúde pública no Brasil, atingindo dimensões que comprometem o desenvolvimento humano, violam direitos fundamentais e perpetuam ciclos de exclusão. Apesar dos avanços jurídicos conquistados a partir da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, que asseguram proteção integral e prioridade absoluta a esse público, a realidade evidencia a persistência de diferentes formas de violência — física, psicológica, sexual e negligência — em contextos familiares, comunitários e institucionais.

Estudos e relatórios de organismos nacionais e internacionais demonstram que a violência sexual, em especial, configura-se como uma das modalidades mais alarmantes, frequentemente marcada pela invisibilidade, pela cultura do silêncio e pela revitimização das crianças e adolescentes que denunciam. Tais fatores indicam não apenas falhas na efetivação das políticas públicas de proteção, mas também a naturalização cultural da violência como prática de controle e poder.

Diante desse cenário, a presente pesquisa adota uma metodologia qualitativa, entendendo que a análise desse fenômeno exige mais do que dados numéricos: requer a interpretação dos sentidos sociais, culturais e subjetivos que sustentam a perpetuação da violência (Minayo, 2014). Como recurso metodológico, foi escolhido o documentário Um Crime Entre Nós (2020), produzido pelo Instituto Liberta em parceria com o Maria Farinha Filmes, que aborda de forma crítica a exploração sexual infantil no Brasil. A obra foi utilizada como fonte de análise por reunir depoimentos de especialistas, vítimas e representantes da sociedade civil, além de apresentar dados e imagens que revelam a gravidade e a complexidade da problemática.

A utilização de filmes e documentários em pesquisas qualitativas tem se consolidado como estratégia relevante na produção acadêmica, pois essas narrativas audiovisuais permitem acessar representações sociais, ideologias e experiências coletivas (Napolitano, 2015; Nichols, 2016). Segundo Napolitano (2015), o cinema pode ser entendido como uma fonte histórica e cultural que, além de informar, interpreta a realidade, oferecendo elementos para análise crítica. Nichols (2016), por sua vez, ressalta que o documentário constitui uma forma singular de discurso social, capaz de articular vozes e perspectivas que dificilmente encontram espaço em outras mídias. No caso, tal definição também se aplica quando recorremos a documentário, como o caso. Dessa forma, o uso do documentário Um Crime Entre Nós como objeto de estudo não apenas enriquece a análise, mas também amplia a compreensão das múltiplas dimensões que envolvem a violência contra crianças e adolescentes no Brasil.

Assim, este artigo tem como objetivo analisar a violência contra crianças e adolescentes no Brasil a partir do documentário Um Crime Entre Nós, utilizando a abordagem qualitativa para compreender os significados sociais e culturais da violência, suas causas estruturais e os desafios enfrentados pelas políticas públicas de enfrentamento e proteção. Busca-se, dessa forma, contribuir para a reflexão crítica e para o fortalecimento da rede de garantia de direitos, promovendo avanços na luta contra a violência e na defesa de uma infância e adolescência livres e seguras.

Para a composição do texto houve a organização do mesmo por meio da apresentação inicial e conceituação da Violência Sexual e da Exploração Sexual contra crianças e adolescentes, seguida pela apresentação resumida do documentário. Por meio dessa disposição é possível inferir e observar elementos que o documentário retrata em relação a violência e a exploração sexual, porém, com uma abordagem que deflagra situações que estão presentes no cotidiano das pessoas. Por conseguinte, é possível inferir que a violência sexual e a exploração sexual, assim como a negligência são retratadas na obra que, pode ser um importante dispositivo e meio de divulgação sobre essas situações que ainda afetam o nosso cotidiano.

A elaboração do presente texto adveio do interesse do autor em se aprofundar em estudos que estabeleçam uma relação entre fenômenos como a violência e as expressões artísticas. O desejo em conhecer mais sobre o tema e de compreender essas representações como meios de divulgação e de prevenção da violência sexual proveio do fato de o autor do presente manuscrito atuar constantemente com casos de violência em decorrência da sua prática junto a escuta especializada.

2 A VIOLÊNCIA SEXUAL E EXPLORAÇÃO SEXUAL

A violência sexual contra crianças e adolescentes é considerada uma das formas mais graves de violação de direitos humanos, pois ocorre em um momento de desenvolvimento biopsicossocial e compromete a saúde física, mental e social das vítimas. De acordo com Habigzang e Koller (2011), essa violência se caracteriza por qualquer ato de natureza sexual em que a criança ou adolescente é utilizado para a satisfação de um adulto ou de um adolescente mais velho, em uma relação marcada pela desigualdade de poder, coerção e ausência de consentimento.

Azevedo e Guerra (2007) destacam que a violência sexual não pode ser compreendida como um fenômeno isolado, mas sim como resultado de fatores estruturais relacionados às desigualdades de gênero, geração, poder e condições socioeconômicas. Para os autores, a naturalização da violência e o silêncio das famílias e instituições contribuem para a perpetuação do problema.

A violência sexual apresenta-se em diferentes modalidades: abuso sexual intrafamiliar, quando ocorre dentro do ambiente doméstico, praticado por pessoas de confiança ou parentes próximos; abuso sexual extrafamiliar, quando o agressor não possui vínculo direto com a vítima; e a exploração sexual, que envolve mercantilização do corpo infantil em troca de dinheiro, favores ou vantagens (Brasil, 2013).

A exploração sexual, segundo Libório e Castro (2010), ultrapassa a dimensão interpessoal e assume caráter social e econômico, envolvendo redes de aliciadores, consumidores e a omissão do poder público. Suas modalidades incluem a prostituição, a pornografia infantil, o turismo sexual e o tráfico de crianças e adolescentes. Minayo (2006) complementa afirmando que a exploração sexual está vinculada a contextos de pobreza, exclusão social e falta de acesso a políticas públicas de proteção.

As consequências da violência e da exploração sexual são profundas e de longo prazo. Habigzang e Koller (2011) apontam impactos psicológicos como depressão, ansiedade, baixa autoestima, dificuldades de aprendizagem e risco de revitimização. Do ponto de vista social, as vítimas tendem a apresentar dificuldades de inserção escolar, isolamento social e prejuízos na construção de vínculos afetivos.

No âmbito legal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990) assegura proteção integral e estabelece que nenhuma criança ou adolescente deve ser submetido a qualquer forma de exploração ou violência. Além disso, o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (Brasil, 2013) define estratégias de prevenção, atendimento às vítimas, responsabilização dos agressores e fortalecimento das redes de proteção. Contudo, como observa Assis (2019), ainda existem desafios na efetivação dessas políticas, como a falta de recursos, a desarticulação institucional e a insuficiência de formação profissional.

Já a Lei Henry Borel (Lei nº 14.344/2022) disciplina, conforme os artigos 2º. e 4º. No artigo 2º. há descrição do que pode ser tipificado como violência, e, nela podemos ler: “Art. 2º. Configura violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente qualquer ação ou omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou dano patrimonial.”(Brasil, 2022), destacando a violência de forma a relacioná-la ao dano que resulta às vítimas, crianças e adolescentes. A legislação se mostra como extremamente importante ao passo que faz um distinção entre violência sexual, abuso sexual, tráfico e a exploração sexual conforme o citado artigo 4º.

III – violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda:
a) abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro;
b) exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico;
c) tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação.

Portanto, a violência e a exploração sexual contra crianças e adolescentes são fenômenos multidimensionais, que não podem ser analisados apenas em sua dimensão individual, mas como reflexo de desigualdades estruturais e de uma cultura de silêncio e impunidade. O enfrentamento exige ações integradas entre Estado, sociedade civil e famílias, incluindo a aplicação rigorosa da lei, a capacitação de profissionais da rede de proteção, campanhas de prevenção e a promoção de uma cultura de respeito e valorização da infância e adolescência.

2.1 O documentário “Um crime entre nós” e a violência, abuso e exploração sexual

O documentário Um Crime Entre Nós, lançado em 2020, é uma produção do Instituto Liberta em parceria com a Maria Farinha Filmes, com direção de Tiago Pimentel e produção de Estela Renner. A obra tem como objetivo principal dar visibilidade ao grave problema da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, abordando-o de forma crítica e abrangente.

Ele reúne depoimentos de especialistas, ativistas, vítimas e representantes da sociedade civil, além de apresentar dados estatísticos oficiais, pesquisas e análises sobre a magnitude da violência sexual no país. Logo no início, destaca-se a dimensão alarmante do problema: milhares de crianças e adolescentes são vítimas de abuso e exploração sexual todos os anos, muitas vezes em espaços que deveriam oferecer proteção, como o lar e a escola. Os dados, representativos do período em que o documentário foi produzido nos fazem pensar que, apesar da legislação de proteção no país, a redução de casos ainda não se mostra como eficiente no sentido de minimizar a ocorrência de tais eventos. Em trechos iniciais do mesmo é apresentado pelos depoentes que: “A exploração sexual de crianças e adolescentes é um crime que acontece todos os dias, em todas as regiões do Brasil. É um crime silencioso, que acontece perto de nós, mas que muitas vezes escolhemos não enxergar.”

Teoricamente, conforme indicam Azevedo;Guerra (2007), a forma de lidar com a violência no Brasil é totalmente afetada pelo nosso processo histórico uma vez que a violação é lida como educação e não como agressão. No âmbito da violência sexual, por outro lado, as raízes históricas também condicionam o tratamento conferido a esse fenômeno ou melhor dizendo o seu não tratamento, sua não intervenção.

Azevedo e Guerra (2007) oferecem uma análise aprofundada sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes, destacando sua evolução histórica e os fatores que contribuem para sua perpetuação. Segundo as autoras, a violência sexual infantil é um fenômeno complexo, enraizado em relações de poder desiguais e frequentemente ocultado por normas sociais que minimizam sua gravidade.

Azevedo e Guerra (2007) enfatizam que, ao longo da história, a sociedade tem negligenciado a gravidade da violência sexual contra crianças e adolescentes, muitas vezes tratando-a como um tabu ou um problema privado. Essa invisibilidade contribui para a perpetuação do ciclo de abuso e dificulta a implementação de políticas públicas eficazes de prevenção e enfrentamento.

Além disso, as autoras discutem como fatores socioculturais, como a desigualdade de gênero, a estrutura familiar patriarcal e a falta de educação sexual, desempenham papéis significativos na ocorrência e perpetuação da violência sexual infantil. Eles argumentam que é essencial uma abordagem multidisciplinar e interinstitucional para combater efetivamente esse tipo de violência, envolvendo educação, saúde, justiça e assistência social. Isso porque a falta de ação e de discussão sobre esses temas os torna elementos de difícil apreensão na realidade brasileira.

Um dos eixos centrais do documentário é a cultura do silêncio que envolve esses crimes. Muitas vítimas não denunciam por medo, vergonha ou por não serem acreditadas. Isso reforça a impunidade e perpetua a violência. Como é enfatizado em diversas falas, a exploração sexual infantil é um crime invisibilizado, que permanece oculto em virtude de tabus sociais e da negligência institucional. De forma que, infelizmente a violência sexual traz contornos a sua constituição pois é um crime sob o qual ninguém deseja ou quer falar.

O documentário também discute os fatores estruturais que favorecem a exploração sexual, entre eles a desigualdade social, a pobreza, a discriminação de gênero e a fragilidade das políticas públicas. São destacadas as modalidades de exploração, como prostituição, pornografia infantil, turismo sexual e tráfico de crianças e adolescentes, todas conectadas a redes criminosas que lucram com a vulnerabilidade das vítimas. Inclusive, o documentário enfatiza um elemento importante e que está associado ao fato de que algumas famílias acabam lucrando com a exploração sexual, e, por isso, não denunciam e ainda escondem a violência sexual vivenciada.

Outro ponto abordado é o impacto da violência na vida das crianças e adolescentes, que vão desde traumas psicológicos, sentimentos de culpa e vergonha até dificuldades em estabelecer vínculos afetivos e sociais na vida adulta. Especialistas entrevistados ressaltam que as marcas deixadas pelo abuso podem comprometer de forma irreversível o desenvolvimento integral das vítimas.

Segundo Azevedo; Guerra (2007) e em concordância com os dados apresentados no documentário, a violência sexual contra crianças e adolescentes gera danos profundos e multifacetados, que atingem tanto o desenvolvimento físico quanto o emocional e social das vítimas. Dentre as consequências, ou resultados, as autoras asseveram que pode haver resultados emocionais ou psicológicos, impactos no desenvolvimento escolar e ainda resultados no aspecto físico.

No que diz respeito as consequências emocionais e psicológicas as autoras destacam que algumas as marcas psíquicas do abuso podem ser permanentes, produzindo transtornos de ansiedade, depressão, baixa autoestima e sentimentos de culpa e vergonha. Segundo elas, a criança vítima tende a desenvolver dificuldades de confiança, medo de abandono e insegurança em relações interpessoais futuras, ou como indicam: A violência sexual imprime na criança uma ferida narcísica que compromete sua capacidade de confiar no outro e de elaborar vínculos afetivos estáveis” (op. cit., p. 89).

Há, conforme salientado acima, incidências no aspecto do desenvolvimento escolar, e dentre eles as autoras indicam que crianças e adolescentes explorados sexualmente apresentam frequentemente quedas no rendimento escolar, evasão ou isolamento. As autoras relacionam a violência ao rompimento de laços sociais, pois muitas vezes a vítima é estigmatizada ou silenciada, comprometendo também sua socialização.

Já os efeitos físicos e comportamentais, de acordo com Azevedo; Guerra (2007), a violência sexual pode ainda ocasionar lesões físicas, problemas ginecológicos e de saúde sexual, além de comportamentos autodestrutivos como automutilação, tentativas de suicídio e uso de substâncias. Segundo as autoras, tais comportamentos são expressões de um sofrimento não reconhecido e não elaborado.

As autoras apontam que a intervenção adequada, com profissionais com formação interdisciplinar, pode minimizar os efeitos da violência vivida no contexto da infância. Por outro lado, sem intervenção adequada, muitas vítimas permanecem expostas a novas situações de violência, tal como retratado no documentário. Aliás, é lítico inferir, por outro lado que a ausência de apoio familiar e institucional reforça a vulnerabilidade social e amplia o risco de exploração sexual contínua. O documentário apresenta, de forma contundente, a realidade da desproteção , sobretudo do Estado, em relação a violência sexual e a exploração sexual.

Aliás, é correto destacar que o documentário evidencia ainda a insuficiência da rede de proteção no Brasil. Embora existam legislações como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e planos de enfrentamento à violência sexual, a realidade mostra que os mecanismos de denúncia e responsabilização ainda são frágeis, seja pela falta de estrutura, seja pela desarticulação entre diferentes instituições como escolas, saúde, assistência social e sistema de justiça.

Outro aspecto importante ressaltado no documentário é a necessidade da mobilização social para romper com a cultura de silêncio e impunidade. A obra propõe a conscientização coletiva como passo fundamental para fortalecer as denúncias, apoiar as vítimas e exigir políticas públicas efetivas. Nesse sentido, o documentário não se limita a denunciar, mas também atua como instrumento de educação social e sensibilização, instigando o expectador a refletir sobre seu papel na luta contra a exploração sexual infantil.

Portanto, Um Crime Entre Nós cumpre uma função social e educativa, ao expor a gravidade da violência sexual contra crianças e adolescentes e ao chamar atenção para a responsabilidade compartilhada entre Estado, sociedade e famílias no enfrentamento desse crime. Sua relevância acadêmica reside no fato de oferecer não apenas relatos e dados, mas também uma narrativa crítica que contribui para a compreensão da complexidade do problema e para a construção de estratégias de prevenção e combate à exploração sexual infantil.

3 CONCLUSÃO 

O documentário Um Crime Entre Nós evidencia de forma contundente a gravidade da violência e da exploração sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, trazendo à tona não apenas estatísticas alarmantes, mas também relatos que escancaram o sofrimento das vítimas e a fragilidade da rede de proteção. Ao adotar uma metodologia qualitativa, a análise da obra permitiu compreender a complexidade do fenômeno, ressaltando que se trata de um crime estrutural, invisibilizado por uma cultura de silêncio e pela insuficiência de políticas públicas eficazes.

Fica evidente que a violência sexual não é um problema restrito ao âmbito privado, mas um desafio coletivo, que exige o engajamento da sociedade, do Estado e das famílias. A partir das reflexões apresentadas no documentário e do diálogo com a literatura científica, constata-se que o enfrentamento da exploração sexual demanda ações intersetoriais que articulem educação, assistência social, saúde, sistema de justiça e mobilização comunitária.

Portanto, a principal contribuição do documentário está em sensibilizar e conscientizar a população sobre a urgência do tema, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de romper com a naturalização e o silêncio que ainda permeiam a questão. O combate à violência e à exploração sexual contra crianças e adolescentes deve ser compreendido como prioridade ética, política e social, pois garantir a proteção integral da infância e da juventude significa assegurar um futuro mais justo, digno e humano para toda a sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ASSIS, S. G. de. Violência e direitos de crianças e adolescentes. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2019.

AZEVEDO, M.A.; GUERRA, V.N. de A. Violência sexual contra crianças e adolescentes: realidades e desafios. São Paulo: Cortez, 2007.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília: Senado Federal, 1990.

BRASIL. Lei nº 14.344, de 24 de maio de 2022. Institui medidas protetivas de urgência no âmbito da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 25 maio 2022.

BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Brasília, 2013.

HABIGZANG, L. F.; KOLLER, S. H. Violência sexual contra crianças e adolescentes: teoria, pesquisa e prática clínica. Porto Alegre: Artmed, 2011.

LIBÓRIO, R. M. C.; CASTRO, F. de S. Exploração sexual comercial de crianças e adolescentes: uma realidade em questão. Psicologia & Sociedade, v. 22, n. 1, p. 156-164, 2010.

Minayo, M. C. de S.  O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª edição. São Paulo: Hucitec, 2014.

NAPOLITANO, M. Como usar o cinema em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.

NICHOLS, B. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus Editora, 2007.

FONTE

UM CRIME ENTRE NÓS. Direção: Tiago Pimentel. Produção: Estela Renner. Produção: Maria Farinha Filmes; Instituto Liberta. Brasil: Maria Farinha Filmes, 2020. Documentário (75 min.).


1 Psicóloga graduada pela Unip. com pós graduação em Psicologia Organizacional e do Trabalho (Faveni), Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes (UNIP) e Programação Neurolinguística (PNL). Coordenadora do CRAS de Palmital, responsável pela Escuta Especializada no Município. E-mail: [email protected]

2 Disponível em https://www.letras.mus.br/titas/pedofilia/. Acesso: 10 de set, 2025