A MÚSICA COMO FERRAMENTA PEDAGOGICA PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ESCOLA MUNICIPAL AQUILINO DA MOTA DUARTE NO MUNICIPIO DE BOA VISTA – RORAIMA, NO ANO 2019.
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10676730
Kaline Rodrigues Barroso1
RESUMO
É uma concepção unânime o fato de que a criança é um ser único, que interage como o meio, carrega ideologias, emoções e história. Nesse sentido, a música atrai e motiva as crianças, tornando-as mais atentas ao que o professor transmite no decorrer da sua aprendizagem. A música eleva o nível cultural, consola e alegra, favorece a sensibilidade, a inteligência, a criatividade e outros fatores importantes para o desenvolvimento intelectual e cognitivo. Essa relação da educação da criança com a música despertou o interesse investigativo, base do presente trabalho. Partiu-se de uma pergunta problematizadora central: Qual é a realidade da utilização da música na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte e sua inserção no processo de aprendizagem, considerando-a como ferramenta para formação do educando? No que toca à relevância dos estudos em torno da música e da Educação, ressalta-se que a música merece ocupar na educação um lugar importante, uma vez que é capaz de enriquecer o ser humano através do som e do ritmo, mas também pelas virtudes da melodia e da harmonia. Nesse sentido, pode-se depreender que o presente estudo aborda um tema amplo e capaz de explorar diversas possibilidades para educandos e educadores. Todos esses fatores associados tornam-se justificativa para a realização da presente investigação, devido à colaboração que se pode aportar no âmbito acadêmico, mas, principalmente, por que este trabalho envolve o lado social e a formação plena dos estudantes. Metodologicamente, esta pesquisa possui abordagem qualitativa, exploratória e descritiva, além da utilização de pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, com utilização de questionário semiestruturado. O objetivo geral foi diagnosticar a realidade da utilização da música, entendendo-a como instrumento de suporte no desenvolvimento das habilidades dos educandos, no escopo da Escola Municipal Aquilino da Mota. Os objetivos específicos foram: apontar a perspectiva histórica da utilização da música no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem; analisar a música como ferramenta pedagógica, atrelando brevemente a legislação e as políticas educacionais aos processos de formação docente e formas de utilização da música em sala de aula; apresentar o posicionamento dos profissionais participantes da pesquisa com relação às concepções do uso da música em sala de aula, da estrutura das escolas para uma abordagem metodológica que associe a música. Os resultados indicaram que há alguns professores que utilizam a música como suporte para a alfabetização e para as questões linguísticas, mas, ainda assim, a música não está inserida, de fato, na escola em questão; e mesmo que os professores e o gestor entendam sua importância no processo de aprendizagem, considerando-a como ferramenta para o desenvolvimento dos estudantes, as iniciativas são poucas, a disponibilidade de materiais é pequena, a motivação dos professores e do gestor não fomenta a aprendizagem musical no espaço da unidade educacional, e não há indicação de projetos e planejamentos voltados para momentos musicais na escola. Pode-se concluir, de uma forma mais generalizada, que o que acontece na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte segue o mesmo padrão da maioria das escolas brasileiras, ou seja, gestores educacionais e docentes não enfatizam a música como instrumento facilitador e estimulador da aprendizagem e desenvolvimento das capacidades cognitivas dos estudantes.
Palavras-chaves: Educação. Música. Ensino e Aprendizagem.
ABSTRACT
It is a unanimous conception that the child is a unique being, who interacts as the medium, carries ideologies, emotions and history. In this sense, music attracts and motivates children, making them more attentive to what the teacher conveys during their learning. Music raises the cultural level, comforts and rejoices, favors sensitivity, intelligence, creativity and other important factors for intellectual and cognitive development. This relationship between the child's education and music aroused the investigative interest, the basis of the present work. It was based on a central questioning question: What is the reality of the use of music in Aquilino da Mota Duarte Municipal School and its insertion in the learning process, considering it as a tool for the formation of the student? Regarding the relevance of studies around music and education, it is emphasized that music deserves to occupy an important place in education, since it is capable of enriching the human being through sound and rhythm, but also by virtues. of melody and harmony. In this sense, it can be inferred that the present study addresses a broad theme and able to explore various possibilities for students and educators. All these associated factors become justification for this research, due to the collaboration that can be brought in the academic field, but mainly because this work involves the social side and the full formation of students. Methodologically, this research has a qualitative, exploratory and descriptive approach, in addition to the use of bibliographic research and field research, using a semi-structured questionnaire. The general objective was to diagnose the reality of the use of music, understanding it as a support instrument in the development of students' skills, within the scope of Aquilino da Mota Duarte Municipal School. The specific objectives were: to point out the historical perspective of the use of music in the development of the teaching-learning process; analyze music as a pedagogical tool, briefly linking the legislation and educational policies to the processes of teacher education and ways of using music in the classroom; to present the position of the professionals participating in the research regarding the conceptions of the use of music in the classroom, from the school structure to a methodological approach that associates music. The results indicated that there are some teachers who use music as a support for literacy and language issues, but even so, music is not actually inserted in the school in question; and even if teachers and the manager understand its importance in the learning process, considering it as a tool for student development, there are few initiatives, the availability of materials is small, the motivation of teachers and the manager does not encourage learning. musical space within the educational unit, and there is no indication of projects and planning for musical moments in school. It can be concluded, more generally, that what happens at Aquilino da Mota Duarte Municipal School follows the same pattern as most Brazilian schools, that is, educational managers and teachers do not emphasize music as a facilitating and stimulating instrument for learning and development of students' cognitive abilities.
Keywords: Education. Music. Teaching and learning
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como temática central a relação da aprendizagem de crianças do Ensino Fundamental com a utilização da música nas escolas. A criança é um ser único, não estático, interage como o meio em que convive, traz consigo ideologias, emoções e história. Sousa (2003, p. 21) considera que, quando “a criança canta, grita, ri, bate palmas, com os pés, corre, salta e dança, efetua estas atividades porque disso tem necessidade. Há uma força motivacional que a impele para tal”, ou seja, “os jogos musicais e corporais das crianças, espontâneos e simultâneos têm a sua razão psicobiológica”.
Também não se pode esquecer, como já apontado por Souza (2003) e corroborado por Brito (2003, p. 35), que antes mesmo de seu nascimento a criança já está em contato com o universo sonoro, “pois na fase intrauterina os bebês já convivem com um ambiente de sons provocados pelo corpo da mãe, como o sangue que flui nas veias, a respiração e a movimentação dos intestinos. A voz materna também constitui material sonoro especial e referência afetiva para eles”.
Teixeira (2017) acrescenta que a música faz parte espontaneamente da criança, que, por sua vez, deseja se tornar um ser sonoro. Quando se auxilia na expansão dessa musicalidade interna, além de proporcionar que a criança seja uma pessoa mais nobre, proporciona também felicidade.
Tratando-se de educação, a música é uma ferramenta fundamental “para alfabetizar, resgatar a cultura e ajudar na construção do conhecimento pela criança” (SILVA, 2012, p. 36, apud TEIXEIRA, 2017, p. 5). A música não só atrai a criança como a motiva, tornando-a mais atenta ao que o professor pretende. Para Sousa (2003, p. 21), “em educação pela arte, não se considera que a fala ou a leitura pertençam à área de «português» ou de «letras», mas à área da música. A fala é a criação pura de sons através do mais aperfeiçoado e do mais belo dos instrumentos – a voz”.
Souza (2003) considera que a música é a arte que permite obter conjuntos de sons que são entendidos não como resultados do acaso, mas como estruturados numa dada forma, e, da sua percepção, nasce o prazer, sensível, afetivo ou intelectual. Como várias outras artes, a música é considerada uma linguagem universal, encontrada na história da humanidade desde tempos imemoriais.
Diante desse contexto, foi despertado o interesse investigativo, base do presente trabalho, analisando alguns pontos significativos na relação aprendizagem de crianças do Ensino Fundamental com a música. Essa escolha se fundamenta no fato de que atuo profissionalmente desde o ano de 2002 como professora de canto coral, e desde 2014 como arte educadora na Prefeitura Municipal de Boa Vista, Roraima. Antes do ano de 2014, também já atuava em sala de aula, no ensino regular, com turmas de 2º ano do Ensino Fundamental, e vivia uma forte pressão por parte dos gestores educacionais, que mantinham o discurso voltado para: “professora, ainda há 10 criança que não sabem ler na sua turma”, ou “professora, todos eles têm que saber escrever até julho”. A alfabetização se mostrava um obstáculo quando optei por utilizar a música como estratégia de alfabetização, obtendo bons resultados.
Essas dúvidas fomentaram a necessidade de se analisar, em campo, as razões que levam os educadores a não utilizar a música no Ensino Fundamental. Percebi que os professores não utilizavam a música como ferramenta porque não sabiam o que fazer e nem como fazer. Não consegui caminhar nessa direção da pesquisa porque os docentes não se mostraram receptivos. Foi então que mudei a perspectiva, e resolvi falar sobre a importância da música na aprendizagem dos estudantes de Ensino Fundamental, a partir de um diagnóstico de como a música vem sendo usada em um determinado espaço educacional. Tornou-se importante para os meus estudos verificar por que os professores só utilizam a música na hora do lanche, ou na entrada, ou, ainda, em datas comemorativas; ou quais são as dificuldades metodológicas dos educadores para a utilização da música como instrumento de melhoria na qualidade da aprendizagem e da formação individual dos alunos.
Nessa conjuntura, considerando a necessidade de delimitação do escopo da investigação, e tendo em vista o acesso a instituições de educação que poderiam colaborar com esta pesquisa, foi determinada a seleção de uma escola municipal instalada no centro da cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima, localizado na região Norte do Brasil, estado dividido em 15 municípios, com uma extensão territorial de 224.298,980 km² e com a menor população do país. O Estado de Roraima está localizado no extremo Norte do Brasil. Seus limites geográficos encontram a Venezuela ao Norte e Noroeste, o estado do Amazonas ao Sul e Sudeste, a Guiana Inglesa ao Leste, o estado do Pará ao Sudeste (IBGE, 2019).
A escola em questão, Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, especificamente de Ensino Fundamental, teve 400 matrículas no ano de 2018, 66 alunos do 1º ano do ciclo Fundamental I, 102 no segundo ano, 73 no 3º ano, 88 no 4º ano, e 68 no 5º ano do Ensino Fundamental I, conforme os dados da Fundação Lemann (QEDU, 2019).
A partir desse cenário, associando as questões relativas à utilização da música em sala de aula, surgiu a pergunta norteadora da presente investigação, ou sua problemática central:
Qual é a realidade da utilização da música na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019, e sua inserção no processo de aprendizagem, considerando-a como ferramenta para formação do educando?
Surgiram, além disso, alguns outros questionamentos iniciais, que despertaram tal interesse, tendo partido de indagações como:
De que forma se dá a música como ferramenta pedagógica na sala de aula, na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019?
Como acontece a utilização da música no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019?
Qual a representação mental / posicionamento dos profissionais participantes da pesquisa com relação ao uso da música em sala de aula na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019?
Sabemos que a musicalidade é explorada na Educação Infantil, mas um fator que se tornou intrigante foi o porquê de esse procedimento ser quase completamente substituído por metodologias pedagógicas expositivas e menos atraentes, deixando de ser uma ferramenta útil para professores e alunos; especialmente por que a música seria um meio que, em conjunto com outros, contribuiria para o enriquecimento pessoal e desenvolvimento da personalidade.
Iniciando as investigações, foi possível perceber que há estudiosos que se dedicaram ao tema da música em seus trabalhos acadêmicos, como Faria (2001), Camargo (2009), Machado (2012), Loewenstein (2012), Medeiros (2013) e Teixeira (2017), dentre outros. Entretanto, a perspectiva dessas pesquisas se voltava mais para a Educação Infantil, ou para a aprendizagem de línguas estrangeiras, não abordando a questão do Ensino Fundamental e esse abandono da música nessa etapa da vida das crianças, quando as aulas assumem um caráter mais expositivo.
Franco e Ament (2017, 105), abordando a importância dos benefícios da música na educação, afirmaram que
No Brasil, após um longo recesso, a música volta a ser incluída no curriculum nacional de educação por meio da Lei nº 11.769/083, sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e desde então há um enorme esforço de educadores musicais em efetivar a Educação Musical no Ensino Básico, tendo em vista que não é tarefa fácil, pois poucas são as diretrizes que orientam como deverá ser ordenada a grade curricular da disciplina, e até mesmo há dúvida sobre quem deve ministrar as aulas. Sendo assim, em meio a essa verdadeira revolução, educadores por vezes se deparam com dificuldades práticas até mesmo no momento de ministrar as aulas de música, mesmo em locais já determinados a receberem a disciplina.
O objetivo geral desta pesquisa, diante dos pontos expostos, foi:
Analisar a realidade da utilização da música na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019, e sua inserção no processo de aprendizagem, considerando-a como ferramenta para formação do educando.
Ademais, foram adotados objetivos específicos, que direcionaram toda a investigação:
Apresentar a música como ferramenta pedagógica na sala de aula, na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019;
Descrever a utilização da música no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019;
Apresentar a representação mental ou posicionamento dos profissionais participantes da pesquisa com relação ao uso da música em sala de aula na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019.
Nesse contexto, no que toca à relevância dos estudos em torno da música e da Educação, é importante ressaltar que Willems (1970, p. 12) considera que a música merece ocupar na educação um lugar importante, uma vez que “enriquece o ser humano pelo poder do som e do ritmo, pelas virtudes próprias da melodia e da harmonia; eleva o nível cultural pela nobre beleza que emana das obras-primas; dá consolação e alegria ao ouvinte, ao executante e ao compositor”. Para o autor, a música “favorece o impulso da vida interior e apela para as principais faculdades humanas: vontade, sensibilidade, amor, inteligência e imaginação criadora” (WILLEMS, 1970, p. 12).
Conforme Teixeira (2017), nenhum trabalho voltado para a utilização da música na formação e educação dos sujeitos apresenta pontos negativos desse processo. Nesse sentido, pode-se depreender que “este é um tema amplo e existem ainda várias possibilidades para o seu estudo e melhor compreensão do tema, devido à importância dos benefícios que a música pode ter para educadores e educandos” (TEIXEIRA, 2017, p. 15).
Ademais, “além do entendimento da música como prática social e de seus benefícios, poderíamos também pensar que temos que integrar a música na escola porque existe uma lei federal, número 11.769, aprovada em 2008 [...], que determina seu ensino” (MOREIRA; SANTOS; COELHO, 2014, p. 49); e, ainda, “é necessário que os professores se reconheçam como sujeitos mediadores de cultura dentro do processo educativo e que levem em conta a importância do aprendizado das artes no desenvolvimento e formação das crianças”, especialmente porque “no contexto escolar a música também ensina o indivíduo a ouvir e a escutar de maneira ativa e refletida” (MOREIRA; SANTOS; COELHO, 2014, p. 49).
Deve-se considerar, ainda, conforme apontam Franco e Ament (2017, p. 1-5-106), que
falta por vezes aos docentes de música um pleno entendimento da importância da educação musical com subsídios científicos que comprovem os benefícios nas diversas áreas, como social, cultural, psicomotricidade e até mesmo no desenvolvimento neurológico. Estar munido desses conceitos, benefícios e provas científicas não é apenas imprescindível para um melhor desempenho e consciência nas práticas docentes, como também são de grande utilidade, pois ajudam na argumentação, persuasão e defesa do trabalho de educação musical.
Todos esses fatores associados tornam-se justificativa para a realização da presente investigação, devido à colaboração que se pode aportar no âmbito acadêmico, no que diz respeito à Educação, mas, principalmente, por que este trabalho envolve o lado social e a formação plena dos educandos, para que se tornem cidadãos críticos e dinâmicos em uma sociedade que tende cada vez mais às transformações, a partir do posicionamento e das ações dos educadores e de todos que estão atrelados às mais diversas formas de educação.
Desse modo, este trabalho se divide em capítulos, para além da introdução e das considerações finais, sendo que o capítulo I apresenta uma análise de como a música influencia o corpo humano ou como age sobre ele, ou seja, de que forma a música atua na percepção da realidade, no jogo das emoções, no processo de aprendizagem, e isso, partindo, ainda, da perspectiva histórica da música e as metodologias a ela atreladas. O capítulo II aborda o universo escolar, legislação relativa à música, a questão da formação de professores e autonomia didática, ademais das maneiras de utilizar a música em sala de aula como ferramenta pedagógica e as possibilidades alternativas de envolvimento da música no espaço educacional. O capítulo III traz a abordagem metodológica da qual esta pesquisa partiu. E o capítulo IV aporta os resultados e a discussão pertinentes para se responder à questão problematizadora desta investigação, contrapondo o que os participantes da pesquisa contestaram com o que os autores e estudiosos da área acreditam e já afirmaram em torno da educação musical, da aprendizagem e da música na escola.
CAPÍTULO I: PERSPECTIVA HISTÓRICA DA MÚSICA – APRENDIZAGEM ESTIMULADA PELA MÚSICA
Como afirma Candé (1994), a música sempre fez parte da história do homem, e, mesmo antes do conhecimento acerca das primeiras civilizações, é bastante provável que os primitivos associassem a música a situações míticas e de reverência a deuses, assim como acontecia durante a Antiguidade. Nas palavras de Franco e Ament (2017, p. 106), “a música está na vida do ser humano desde a concepção da espécie, ela é reflexo direto do ser humano, das sociedades, das culturas e até mesmo dos pensamentos filosóficos durante os séculos”.
Silva (2012) acrescenta que, para além da utilização da música como fonte de ligação com a espiritualidade, também os homens a atrelavam à cura de doenças, à fertilidade, ao nascimento, casamento e morte, atuando, inclusive, na transmissão oral de cultura. Nesse contexto, Barro, Marques e Tavares (2018, p. 2) apontam que a música é
um dos instrumentos imprescindíveis para a compreensão da evolução das sociedades. Ao lado das demais expressões artísticas, fornece à História registros notadamente importantes das manifestações da cultura de cada povo, registrando seus hábitos, emoções, religiosidade, mitos, e o processo educativo.
Apresentando a questão com palavras poéticas, Uriarte (2004, p. 246) afirma que
o homem nasceu num mundo repleto de sons. O trovão, amedrontando-o, tornou-se símbolo dos poderes celestiais. Os habitantes do litoral conheciam o bom ou o mau humor dos deuses pelo bramir das águas. Os ecos eram oráculos e as vozes dos animais, revelações.
Esses fatores são demonstrados em imagens rupestres de diversas cavernas, imagens nas quais as pessoas são identificadas cantando, dançando e tocando instrumentos. De acordo com as hipóteses levantadas, embora não haja comprovações maiores que as expostas nas pinturas rupestres, na Pré-História, os homens, então, utilizavam-se da música e produziam sons a partir daquilo que encontravam na natureza. Candé (1994) acrescenta que no meio dos historiadores ainda não encontraram vestígios mais sólidos em torno das manifestações iniciais do uso e das criações musicais como arte, mas sempre atrelada aos ritos religiosos.
Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 43) corroboram essa perspectiva, afirmando que “a música, como qualquer outra arte, acompanha historicamente o desenvolvimento da humanidade. Antes mesmo do descobrimento do fogo, o ser humano já se comunicava por meio de sinais e sons rítmicos”.
No decorrer da Antiguidade, já se pode encontrar sinais dessas manifestações, imagens de instrumentos, e até mesmo indicações de partituras nas culturas grega, egípcia, romana e na Mesopotâmia. Embora não haja explicações claras sobre como eram produzidos os instrumentos, muito se associava suas criações aos próprios deuses. Filósofos como Sócrates, Aristóteles e Platão declaravam que as artes atuam na formação dos cidadãos da Grécia Antiga e Clássica. Pitágoras, no século VI a.C. estudou profundamente os sons e as produções musicais, relacionando a música com a matemática, como uma chave de indicação de todos os segredos do universo, afirmando, inclusive, que todos os astros etéreos produzem sons em tonalidades harmônicas e diferentes (CANDÉ, 1994); e “no Império Romano, sob influência da cultura helenística, a música foi valorizada a ponto de ocupar um lugar como ciência entre as “artes liberales”” (URIARTE, 2004, p. 246).
De acordo com Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 41), “a importância da música como disciplina é um assunto relevante desde a antiguidade, pois a formação musical oferece o auxílio ideal para o desenvolvimento psíquico e emocional de crianças e jovens”. Franco e Ament (2017, p. 105) acrescentam que
A Música tem sua importância e seus benefícios defendidos e afirmados desde os tempos da antiga Grécia, em que, no conjunto de matérias da educação da época, conhecidos como Trivium (Gramática, Retórica, Dialética) e Quadrivium (Aritmética, Geometria e Música) [...], já estavam os ensinos musicais inseridos como disciplina componente formal da educação.
E, ademais, Silva (2012) declara que no decorrer da história da humanidade, pessoas envolvidas nas mais diversas áreas do saber teorizaram acerca da música e de sua forte influência na aprendizagem, podendo-se incluir psicólogos e pedagogos mais atualmente, mas também filósofos e pensadores, desde os pré-socráticos na Grécia Antiga. Esses filósofos pré-socráticos acreditavam que a música era parte da constituição essencial do universo, capaz de harmonizar o caos.
Provavelmente, Pitágoras foi o primeiro a utilizar a música pedagogicamente, e, já que em seu cotidiano, consolidou o conceito da música como arte e como extensão da matemática, tendo influenciado o desenvolvimento do ensino da música durante a Idade Média. Nesse período, conforme Candé (1994), a Igreja Católica, com sua postura controladora das normas sociais, políticas e culturais, estabeleceu a música como uma demonstração de amor a Deus por meio dos cantos gregorianos, que, obrigatoriamente, faziam parte dos cultos religiosos, promovendo uma intensa divulgação desse tipo de música e do conhecimento dos instrumentos musicais, o que, nos séculos XV e XVI, representava intelectualidade, aceitação nas elites da sociedade, e elegância. Já em meados do século XVII e início do XVIII surgiram as músicas barrocas, um reflexo do intuito social de distanciamento da hegemonia Católica, buscando-se um estilo mais elaborado, dramático, ligado à vida dos homens, suas emoções, e à natureza.
Esse momento histórico da música é a semente de músicos como Monteverdi com o surgimento da ópera, além de Johann Sebastian Bach, falecido em 1.750. A música que nasceu a partir dessa época, clássica ou erudita, representava a mais alta casta social, e o novo estilo germinou, na entrada da Idade Moderna, as orquestras, destacando-se Ludwig Van Beethoven e Wolfgand Amadeus Mozart como os mais célebres compositores. Para Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 44), “com o decorrer do tempo e com a modificação no espaço geográfico o homem tornou-se civilizado descobrindo a linguagem e a escrita, mas, apesar disso, a música faz parte de seu contexto histórico na modernidade e na contemporaneidade”.
É importante para o presente trabalho apontar que, mesmo que na Idade Média a música tenha sido associada à riqueza e luxuosidade, também se percebe que esteve atrelada a questões religiosas, assim como aconteceu na Pré-História a na Antiguidade. Sobretudo, deve-se ter em mente que, apesar dessa ligação com a espiritualidade humana, o que foi o mote da importância da música como elevação social, já que a Igreja Católica mantinha uma postura hegemônica e controladora e disseminava um novo estilo musical e a utilização cultural de instrumentos, também a música foi associada à intelectualidade, ao conhecimento, à inteligência, desde Pitágoras. Desse modo, entende-se que o uso da música na aprendizagem e no desenvolvimento do conhecimento não é uma novidade. Nesse sentido, é importante analisar essa relação da música com a aprendizagem e como a música pode interferir e auxiliar na aquisição de conhecimentos.
1.1 A MÚSICA E O SER HUMANO
Marinheiro e Pereira (2017), ao analisarem os benefícios da música no escopo do desenvolvimento mental infantil apresentam alguns pontos relevantes:
A sensibilidade se vê aflorada, e o confronto dos problemas cotidianos se torna mais fácil, especialmente com relação aos sentimentos mantidos por pessoas próximas.
A fluência de ideias e da noção espacial aceleram o pensamento, levando-o a alcançar soluções mais rápidas e livres, menos condicionadas, o que se atrela a qualquer âmbito da vida da criança.
A flexibilidade e adaptação a diferentes situações do dia-a-dia também é fortalecida, promovendo um ajuste criativo mais eficiente; o que se associa à melhoria na capacidade de reorganização e redefinição acerca do aprendizado de qualquer ordem.
A abstração é favorecida, na medida em que o contato com a música, ou com qualquer arte, fomenta a análise cerebral das várias partes de uma situação problema, conectando relações específicas entre elas.
A organização, ou seja, a reunião em arranjo lógico de todas as partes de alguma composição qualquer, é desenvolvida, principalmente considerando os avanços da neurociência, e a identificação de uma pluralidade de inteligências.
Ainda segundo Marinheiro e Pereira (2017), um professor ou educador que busque desenvolver tais pontos e promover esses benefícios deve se relacionar com recursos pedagógicos alternativos, que promovam a convivência harmoniosa, e, além disso, apresenta metodologias e linguagens diversificadas, incentivando, inclusive, os estudantes que se mostram mais dispersos, já que a música é uma ferramenta interessante e capaz de eliminar o sentimento de que a aprendizagem é enfadonha. Enquanto recurso pedagógico, ela desenvolve a produção do conhecimento e do progresso individual nas áreas cognitivas, culturais, social, etc.
Para Franco e Ament (2017, p. 107), a música “não só deve ser apreciada como um modo de entretenimento em seus contextos estéticos e emocionais, mas principalmente deve ser utilizada como ferramenta fundamental no pleno desenvolvimento educacional do ser humano”. Franco e Ament (2017, p. 108) apontam:
A música, de modo interativo, se relaciona nos campos intelectual, emocional, afetivo e no âmbito motor. No contexto intelectual, justifica-se em função da nossa percepção musical estética e estrutural, pois é necessário que ocorram processos intelectuais de raciocínio e decodificação; no campo afetivo psíquico, pelo fato de que a música mexe com nosso tempo e espaço; e, no âmbito motor, porque a música é intrínseca aos movimentos, seja para quem ouve, seja pra quem toca.
No que tange à neurociência, embora ainda seja uma área de estudo que pode ser entendida como recente, há investigações em torno dos efeitos da música no cérebro humano, efeitos em pessoas que estão ou não expostas à aprendizagem musical, ao ouvir e ao fazer música, ao tocar, se expressar por meio dela ou compor sons. Ainda que os resultados não possam ser considerados como absolutamente conclusivos, Franco e Ament (2017) afirmam que o processamento cerebral relacionado com a música é intenso e magnífico. As novas descobertas nesse campo têm demonstrado que há milhares de neurônios atrelados a esse universo, em muitas partes distintas do cérebro, comprovando uma multiplicidade de raciocínios e processor envolvidos.
Os neurocientistas divergem em alguns pontos, no que se refere a essas partes do cérebro que são afetadas ou movimentadas por meio da música, sendo que há estudiosos que declaram associação da música com partes cerebrais voltadas para a decodificação e áreas mais estruturais, e outros que defendem a atuação do sistema límbico, atrelado à memória, emoções e aprendizagem. Segundo apontam Franco e Ament (2017), o cerebelo, responsável pela concepção temporal e coordenação motora, também demonstra uma atuação intensa relacionada com a música. Algumas pesquisas laboratoriais já constataram que apenas ao ouvir músicas, essa parte do cérebro se manifesta, algo que não ocorria quando essas mesmas pessoas ouviam sons desorganizados, aleatórios ou ruídos. Além disso, foi constatado que quando uma música emociona o ouvinte, a partir da atuação do cerebelo, são processados neurotransmissores que promovem o bem-estar, como a dopamina e a noradrenalina. A dopamina é um dos grandes responsáveis pelo funcionamento saudável do cérebro, e a noradrenalina ativa a amígdala, que processa e condiciona as emoções.
O neurologista Gottfried Schlaug (2011, apud FRANCO; AMENT, 2017, p. 109) declara: “Praticamente não existe nenhuma outra habilidade, nenhuma ação humana que precise de tanta atividade cerebral. A pergunta que se deveria fazer é: que partes do cérebro não estão ativas quando se toca um instrumento musical?” Ainda segundo Franco e Ament (2017), outro neurologista, Oliver Sacks, é categórico ao afirmar que o funcionamento cerebral de músicos e não músicos é visivelmente diferente, é notável. É de se ressaltar que Oliver Sacks (2011, apud FRANCO; AMENT, 2017, p. 110)
exibe casos de pacientes incapazes até mesmo de se lembrar dos parentes mais próximos, mas que se lembram com precisão de músicas que ouviam há décadas atrás, ou ainda o caso de uma paciente que tem sua memória completamente deteriorada, afetando até mesmo as funções mais básicas do cérebro, mas que, ao sentar-se no piano, lembra e toca com perfeição obras de música erudita de grande complexidade. Estes são fatos que comprovam que a música tem propriedades e benefícios que vão muito além do mero entretenimento e, embora seja um grande universo a ser descoberto, há a certeza de que é uma possível fonte de recursos contra males da vida muito maior do que se imagina.
Como continuam Franco e Ament (2017), a inteligência hoje é dividida em sete tipos diferentes: lógico matemática, naturalista, intra e interpessoal, cinestésica corporal, musical, espacial, e linguística ou verbal. Para cada uma delas, há momentos considerados mais oportunos para seu desenvolvimento durante a infância, o que os especialistas denominam janela das oportunidades, e, até os 10 anos de idade, essas janelas estão mais abertas, o que significa que o desenvolvimento de todas as inteligências é mais facilmente elaborado pela criança. Embora todas as inteligências possam ser desenvolvidas no decorrer de toda a vida, acredita-se que há momentos nos quais os estímulos são mais bem recebidos pelo cérebro, o que se daria até essa idade, segundo os estudos já apresentados pela neurociência.
De acordo com Miranda (2013), a música desencadeia diferentes tipos de emoções ou de estados emocionais, tema amplamente discutido em muitas áreas de conhecimento, como a própria neurociência, a psicologia, a fisiologia, a psicanálise, a filosofia, entre outras. A música, nesse sentido, tende a possibilitar que algumas emoções específicas sejam evocadas por meio dos intervalos melódicos, da harmonia escolhida, dos registros agudos ou graves, do andamento, tempo, das dissonâncias e consonâncias. Todos esse fatores são capazes de provocar emoções específicas e comuns a todas as pessoas, ainda que uma mesma música também possa estimular emoções diferentes em pessoas diferentes, o que poderia significar, e isso ainda está em estudo pelos especialistas da neurociência, que a emoção provocada pela música pode estar associada às vivências anteriores de cada sujeito, ou, até mesmo, ao seu contexto social e cultural.
Ademais, independentemente da letra (da expressão verbal da música) e do conhecimento ou não do seu teor por parte do ouvinte, essas questões são evidentes. Ou seja, mesmo ouvindo uma música em outra língua e não entendendo o que está sendo dito, a música provoca emoções e reações, conferindo à música um valor muitas vezes simbólico atrelado à melodia. Por exemplo, ao conhecer uma pessoa, uma música que estiver sendo tocada ao fundo pode se tornar um gatilho da lembrança daquela pessoa para sempre, consolidando uma relação afetiva da música com algo específico (MIRANDA, 2013).
Miranda (2013) acrescenta que há muitos estudos sendo realizados em torno dos tipos de emoções que podem ser provocados pelos diferentes tipos de música, partindo-se de teorias também diferentes. Há os que adotam a postura chamada absolutista, para os quais as emoções oriundas da música são consequências de julgamentos racionais, estéticos e intelectuais (associados apenas à estrutura cerebral voltada para a decodificação) – a emoção seria uma recompensa dessa decodificação –, e há os que acreditam na capacidade da música para evocar emoções rotineiras como medo, alegria, tristeza, ou seja, atuando no sistema límbico, no processamento das emoções. Nesse contexto,
Como as emoções em geral, a emoção musical procede de uma dinâmica de forças, como no campo da física, e a conduta do homem tomado pela emoção se caracteriza como um fenômeno tanto orgânico quanto psíquico. O resultado é uma forma de comportamento, e, como tal, pessoal. Envolvendo um conteúdo ativo (motor), intelectual (mental), afetivo(psicológico) e tributário dos sistemas de percepção (auditivo, sistema de percepção interna, sistema tátil, visual), tanto quanto da relação do sistema nervoso com o endócrino, o conteúdo ativo se traduz, na emoção musical, numa reação ao objeto apresentado ou representado (formas sonoras em movimento); o conteúdo intelectual diz respeito ao conhecimento, objeto da emoção, e o afetivo remete a emoção propriamente dita, exprimindo na acepção ampla desse termo os valores que a situação vivenciada significa para o sujeito (SEKEFF, 2007, p. 60, apud MIRANDA, 2013, p. 16).
Conforme Miranda (2013), os nervos se excitam devido à ação de alguns fenômenos físicos e outros psíquicos, e a emoção que se sente por meio da música fomenta respostas do organismo. Assim, o som, fenômenos físicos e acústicos, a matéria primordial da música age sobre o sistema nervoso autônomo, sustentação das reações emocionais. As respostas fisiológicas que o organismo dá a esses impulsos está atrelada às relações sonoras, associando, evocando, integrando timbres, altura, duração, intensidade, relaxamento e tensão, densidade e rarefação, e outros elementos dessas substâncias acústicas, podendo alcançar até o tálamo. Além disso, é importante ressaltar que as definições métricas das músicas também podem, já comprovadamente, desencadear emoções, a partir da pulsação esperada pelo ouvinte.
Por outro lado, o cerebelo é uma parte cerebral associada com o tempo e os movimentos do corpo. A filogenética já comprovou que, no que toca à evolução humana, essa é a uma das partes mais antigas do corpo, e, agindo como regente das fibras nervosas, apresenta reações intensas e fortes quando em contato com sons harmônicos, em contraposição com sons confusos ou ruídos, quando permanecem inativados. Essa parte do cérebro está intimamente ligada a outras que também atuam sobre as emoções, como a amígdala e o lobo frontal, que planeja e controla impulsos. Na ação musical, o cerebelo ajuda no acompanhamento do tempo, na constância, mas, ainda, atua na produção e na liberação de neurotransmissores que promovem a sensação de bem-estar.
Figura 1: Localização do cerebelo
Miranda (2013, p. 21) acrescenta que o cerebelo apresenta forte ação
mesmo que o ouvinte não possua os conhecimentos musicais necessários para reconhecer seu valor estético, pois pelo seu caráter ambíguo, a música estimula inúmeros modos de apreensão de seus sentidos. Mas com certeza, ele se beneficiaria muito mais se possuísse a capacidade de reconhecer os códigos, a trama, a alternância entre sons e silêncios, as dissonâncias, ou seja, o reconhecimento intelectual de uma determinada peça.
De acordo com Mónico, Santos-Luiz e Souza (2015), para além desses fatores emocionais, há muitas pesquisas desenvolvidas e que já podem comprovar alguma relação entre a aprendizagem e a música. Alunos que têm experiências musicais ou educação musical tendem a notas mais elevadas do que os que não são expostos a esse contato. Há estudos, inclusive, que indicam uma relação entre o tempo de educação musical em horas por semana, e a diferença de notas entre estudantes. Quanto mais tempo se está em contato com a música, mais altas são as notas dos alunos. Existem estudos cujos resultados não são conclusivos, mas muitos deles ainda buscam demonstrar cientificamente esses benefícios acadêmicos promovidos ou associados à música.
Ainda segundo Mónico, Santos-Luiz e Souza (2015), suas pesquisas indicaram que há disciplinas cujos professores apontam índices mais elevados de melhorias na capacidade cognitiva dos estudantes, sendo que em História e Português, os avanços dos alunos foram mais notáveis, seguindo-se a Matemática, as Ciências Naturais, a Geografia e a Físico-Química. Os benefícios não foram apenas percebidos nas notas dos alunos, mas em suas maneiras de discutir os problemas escolares que lhes foram propostos, e o desenvolvimento pessoal global também se viu bastante modificado, junto à melhorias nos trabalhos em equipe, motivação, disciplina e comportamento de um modo geral, responsabilidade, sensibilidade e autonomia em sala de aula.
Para que todos esses fatores sejam alcançados no desenvolvimento humano, Miranda (2013) acrescenta que o processamento da música acaba exigindo a utilização de áreas muito vastas do cérebro, responsáveis por questões muito diferentes, atingindo desde a saúde metal até a saúde física dos sujeitos.
Um mapeamento realizado pela neurociência aponta a atividade neurológica com apenas a audição de músicas, mostrando imagens diversas de acordo com timbres, ritmos, altura, métrica e melodias das canções. Algumas atividades cerebrais complexas são ativadas pela música de maneira simultânea e bastante difusa. Miranda (2013) afirma que essas atividades cerebrais demonstradas abarcam desde a memória à linguagem, desde a motricidade às emoções, desde a cognição à sensação mais superficial, e outras reações processadas do lado direito do cérebro. Há, ainda, alguns parâmetros para essas percepções estimuladas e estimuláveis: o andamento, o contorno, a duração, a intensidade, a altura, o timbre, a localização espacial e a reverberação da música. Desse modo, pode-se entender que ouvir música, assim como fazer música, é uma ação que requer esforço e intensa atividade de todo o cérebro, levando a que se entenda a música como uma combinação de 3 tarefas. Essa intensa atividade cerebral pode ser observada na figura 2, a seguir, indicando, para além do cerebelo, outros pontos que atuam em função da música:
Figura 2: Atividade cerebral relacionada à música
Miranda (2013) também acrescenta que há diversas terapias que envolvem a música, demonstrando-se até mesmo um auxílio na capacidade regenerativa de alguns quadros clínicos de doenças mentais e físicas com velocidade mais rápida do que quando se utilizam outros tratamentos convencionais. A condição biológica a que o indivíduo é levado, a melhoria de aspectos de sua imunologia, o equilíbrio das suas atividades cerebrais, o maior equilíbrio do funcionamento do sistema endócrino, das emoções e respostas motoras são já bastante evidentes cientificamente. Assim, “independentemente do nível de inteligência, ou de problemas de natureza cognitiva, todos respondem aos estímulos musicais da mesma forma que indivíduos considerados dentro da faixa de normalidade” (MIRANDA, 2013, p. 30).
Buscando o amparo da neurociência, Miranda (2013, p. 32) abordou a música em diferentes aspectos e benefícios para o desenvolvimento humano, incluindo as interações e comportamentos, e,
foi possível constatar que a música exerce um papel fundamental nas emoções humanas com a capacidade de despertar estados emotivos, resgatar memórias, instigar um desenvolvimento intelectual para a compreensão de algumas peças, a aquisição de uma maior consciência e inteligência emocional, melhoras significativas da autoestima, aprimoramento dos pensamentos criativos, além de ajudar a desenvolver um maior raciocínio lógico e refinar a disciplina e hábitos de estudo.
Partindo dessa ótica da neurociência, deve-se ressaltar que a música tem um papel fundamental em diversas áreas cerebrais, oferecendo aporte quanto ao comportamento, à sensibilidade, à aprendizagem, à inteligência, ao sistema imunológico, e outros fatores, já que a música desenvolve regiões cerebrais que não são exercitadas por pessoas que são apartadas do contato com ela.
1.2 MÚSICA E APRENDIZAGEM
Relativamente aos primeiros impactos dos sons e da música, Sousa (2003), invocando investigações sobre a percepção e a resposta de bebês recém-nascidos à música, declara que ainda no útero da sua mãe a criança já ouve os sons do batimento do coração e a voz dela. Através do líquido amniótico, também lhe chegam outras vozes, como a do pai e de outros familiares. Assim, “quando nasce, já há sons que lhe são familiares e que integram o universo sonoro em que viverá. Enquanto viver, vive num contexto sonoro em que os sons nunca deixam de existir” (SOUZA, 2003, p. 55).
Oliveira Junior e Cipola (2017, p. 127) coadunam com essa perspectiva e declaram que “a música pode atrair e envolver as crianças elevando sua auto-estima, a criatividade e a imaginação. Desde o útero materno a criança sofre influências musicais distintas, ambiente musical freqüentado pelos pais e pela sociedade em que está inserida”. Franco e Ament (2017, p. 106) acrescentam: “sabe-se, porém, que a importância da música vai muito além do impacto emocional, sensorial e psicológico que ela nos causa; a relação é muito mais profunda, a música afeta e modifica o ser humano em sua totalidade”.
Souza (2003, p. 55) ainda afirma que “o útero será a primeira sala de concertos”. Por sua parte, elevando a música, Read (1982, p. 86-87) declara que “os sentimentos artísticos só podem desenvolver-se com a cooperação da música, a única arte inerentemente livre do raciocínio”. Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 42) acrescentam que “no contexto escolar, a música ensina o indivíduo a ouvir e a escutar de maneira ativa e refletida. Não significa que a música se torne o único recurso de ensino, mas de que forma pode facilitá-lo, pois o aluno convive com ela desde muito pequeno”.
Silva (2012), por seu turno, declara que a música não é apenas uma ferramenta de auxílio no processo de ensino e aprendizagem, mas ela é necessária, na medida em que recupera uma condição natural de linguagem humana, com a atuação de aspectos cognitivos, mas, sobretudo, afetivos, estéticos e sensíveis, que interferem na capacidade comunicativa das crianças, atendendo a impulsos voltados para a exploração e a descoberta, apartando, ainda, a monotonia da sala de aula.
Durante o século XVIII, de acordo Franco e Ament (2017, p. 106), “muitos compositores se utilizavam da “doutrina dos afetos”, segundo a qual, por meio da manipulação de intervalos melódicos, dissonâncias e consonâncias, acreditava-se gerar diferentes estados emocionais nos ouvintes”. O impacto que a música exerce pode ser retratado através de alguns ilustres pensadores, como Schopenhauer, que viram na música uma forma de expressão da mais “profunda realidade humana” e de outros músicos, como Bethoven, que consideram a música “uma revelação que ultrapassa qualquer filosofia” (WILLEMS, 1970, p. 7).
No século XVIII, o músico e filósofo Rousseau escreveu sobre a natureza humana e, por meio de uma criança fictícia, sua obra trouxe propostas educacionais sob uma perspectiva filosófica da educação, colocando a música como foco. Segundo Camargo (2009), Rousseau propôs que a música é um gosto que pode ser desenvolvido a partir da imitação e da reprodução dos sons oriundo da natureza e do meio. Pestalozzi e Fröebel, do século XIX, influenciaram a criação de métodos pedagógicos por John Dewey, Maria Montessori e Ovide Decroly já no século XX, outorgando à música papel de destaque na aprendizagem, principalmente no início do desenvolvimento linguístico, ou seja, na Educação Infantil. De acordo com Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 46),
no início do século XX, aparecem os métodos ativos de Decroly, Montessori, Dalton e Pakhurst, formando a nova escola. Esses pensadores trataram a música como um dos principais recursos didáticos para o sistema educacional, reconhecendo o ritmo como um elemento ativo da música, favorecendo as atividades de expressão e criação.
Nessa direção, Smith (2000) afirma que o homem é naturalmente um ser social, na medida em que ao nascer está condicionado ao relacionamento com o meio e precisa desenvolver suas capacidades comunicativas. Essa comunicação, Smith (2000, p. 13) afirma que é “o relacionamento linguístico realizado entre dois seres da mesma espécie”, e que para que ocorra, precisam existir línguas mediadoras, formas de expressão singulares e ao mesmo tempo coletivas que agem como entes culturais, algo que também se manifesta na música. Como ente cultural, Wazlawich, Camargo e Maheirie (2007, s.p) afirmam que a música está em todas as situações e lugares do cotidiano. Ela é
[...] criada e recriada pelo fazer reflexivo-afetivo do homem, é vivida no contexto social, histórico, localizado no tempo e no espaço, na dimensão coletiva, onde pode receber significações que são partilhadas socialmente e sentidos singulares que são tecidos a partir da dimensão afetivo-volitiva e dos significados compartilhados.
Não se pode ignorar que a música pode fortalecer laços e sentimento de ternura, de amizade e irmandade, o que pode ser estimulado dentro da sala de aula. Ferreira (2006, p. 13) declara que “com o uso da música é possível ainda despertar e desenvolver nos alunos sensibilidades mais aguçadas, na observação de questões próprias à disciplina alvo”. Silva (2012) também afirma que a música favorece o desenvolvimento da autonomia, da criticidade, da criatividade e da aquisição de conhecimentos.
Além disso, Bürman et al (2002) declaram que a música também influencia no comportamento individual, além do social, especialmente porque ela ajuda na atribuição de significados e associação de emoções, através de suas diferentes combinações que podem levar uma pessoa do riso às lágrimas em questão de segundos, da alegria à indiferença, da satisfação ao nojo. Essa geração de emoções transcende as fronteiras culturais e tornam a música simbólica.
Pode-se dizer que “a música tem a capacidade de produzir em humanos profundas emoções, como alegrais e tristeza para mudar nosso estado de espírito [...] ou para transformar o ambiente em que nos encontramos” (BÜRMAN, et al, 2002, p. 85). Igualmente, Oliveira Junior e Cipola (2017, p. 127) apontam que “levar a música para a sala de aula, como auxílio pedagógico é fundamental, tanto para o desenvolvimento do ensino aprendizagem como também o desenvolvimento afetivo, cognitivo, motor e convívio social”. Ademais, “a música tem a função de ser um agente facilitador e integrador no processo educacional” (OLIVEIRA JUNIOR; CIPOLA, 2017, p. 132). Santos (2019, p. 1.674) corrobora, afirmando que
a música auxilia no processo de construção do conhecimento. Quando a percepção musical é desenvolvida, torna-se propicia para o desenvolvimento da oralidade, do vocabulário, da sensibilidade, da afetividade, do senso rítmico, da imaginação, da memória, da concentração, da atenção, do respeito mútuo, da socialização e da criatividade.
Wazlawich, Camargo e Maheirie (2007) também corroboram, declarando que é de modo emocionado que os significados da música são construídos, a partir dos órgãos do sentido. Tais significados são construídos e reconstruídos constantemente nas sociedades, através das relações estabelecidas pelos sujeitos históricos, que objetivam a música. Objetiva-se a subjetividade, e é a música que torna audível essa subjetividade. Como instrumento sociocultural, ela transmite crenças e ideologias, explicita ideias, ou seja, torna-se viva. Assim, os significados atribuídos são também frutos da convivência com a própria música, com sua interiorização, gerando significados coletivos. Nesse sentido, Oliveira Junior e Cipola (2017, p. 133) acrescentam:
A criança em contato com a música vai explorando novos caminhos improvisam e criam espontaneamente, orientadas por alguns critérios pré-definidos. Muitas vezes, as crianças trocam e inventam nova letra para a uma canção, achando esse processo divertido e engraçado. Criam gestos enquanto cantam, imitam os gestos dos colegas ou fingem estar tocando um instrumento musical. Em meio a essa coletividade e pensando na integração do som com o corpo, se faz necessário dar liberdade para as crianças expressarem suas vontades.
Loeweinstein (2012) afirma que a música ativa mentalmente o sujeito, aportando calmaria e leveza, e, no escopo da aprendizagem, a música desperta sensações alegres e agradáveis, mediante lembranças ou recordações de vivências anteriores. Essa seria a razão pela qual as brincadeiras e canções infantis exercem um poder mágico nas crianças, independentemente de suas idades. Para Oliveira Junior e Cipola (2017, p. 134), “valorizar a improvisação das crianças nessa faixa etária é uma das formas de construir e organizar o mundo que a cerca”.
Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 46) alertam que
as atividades musicais na escola podem ter objetivos profiláticos, nos seguintes aspectos: Físico: oferecendo atividades capazes de promover o alívio de tensões devidas à instabilidade emocional e fadiga; Psíquico: promovendo processos de expressão, comunicação e descarga emocional através do estímulo musical e sonoro; Mental: proporcionando situações que possam contribuir para estimular e desenvolver o sentido da ordem, harmonia, organização e compreensão.
Albuquerque (2019, p. 125-6) declara, por sua vez, que
podemos explorar a música em diversas formas, por inteiro, desde a sonoridade até a letra, facilitando o processo de educar a criança, desenvolvendo nas crianças o senso crítico, passando essa a ter uma visão inteira completa, da realidade. A música acaba traduzindo muita coisa, carregada de emoção, e não de razão.
Uriarte (2004, p. 250) coaduna com essa ideia e declara que “a Educação Musical é vista como um processo para a formação de um ouvinte crítico”, e isso porque
os nossos ouvidos estão em constante contato com os mais diversos sons, e as possibilidades de trabalho com a música, no que se refere à interdisciplinaridade, precisão, percepção em vários níveis de exigência, atenção, exposição, sensibilidade e desenvolvimento do gosto, acabam por transformar os ouvintes massificados em ouvintes críticos (URIARTE, 2004, p. 251).
Igualmente, Marinheiro e Pereira (2017, p. 1) ressaltam que “a música proporciona uma autonomia, criatividade e a produção de novos olhares à cerca de temas diversos já sabidos”. Segundo os autores,
é sabido hoje, que a música ajuda no metabolismo corporal, bem como no desenvolvimento mental, lógico e sensível. É com essa análise que se acredita que a música é um poderoso recurso educativo, criador e libertador, contribuindo para que o indivíduo aprenda com mais facilidade quando utilizados elementos do seu cotidiano, caracterizando-se por seu estilo lúdico, tornando mais prazeroso tanto o aprender, como o convívio no ambiente escolar (MARINHEIRO; PEREIRA, 2017, p. 2).
Maheirie (2003) confirma essa estrutura de construção de sentidos por meio da música, sejam eles particulares ou coletivos, e afirma que ela está atrelada ao contexto social, e, inquestionavelmente, permeada de afetividade. Desse modo, o que acontece é que
[...] em primeiro lugar, percebemos sua sonoridade, depois degradamos um saber anterior que tenha uma relação com os elementos percebidos deste som para, em seguida, transformarmos este saber e constituirmos sentido àquela música. Posteriormente, estabelecemos, de forma singular, um significado para a música, compactuando ou não com seu significado coletivo. As características daquela sonoridade surgem como um complexo representativo que aparece determinado pela consciência afetiva, a qual, por vez, lhes dá nova significação (MAHEIRIE, 2003, p. 150).
Nessa mesma perspectiva, Pereira (2007) afirma que a música é um veículo de sentimentos, ideias e informações inserido no contexto sociocultural e no contexto histórico dos sujeitos, e, como recurso didático, pode demonstrar forte elo com o processo educacional.
De acordo com Moreira, Santos e Coelho (p. 43), “a música também proporciona um importante modo de expressão pessoal. Todos sentimos a necessidade de estar em contato com os nossos parceiros e amigos. A autoestima é um subproduto desta expressividade”. Albuquerque (2019, p. 123) corrobora, afirmando que
é importante ressaltar o entendimento de que as linguagens e os códigos são dinâmicos e situados no espaço e no tempo, com as implicações de caráter histórico, sócio lógico e antropológico que isso representa. Devemos considerar as relações com as práticas sociais e produtivas e a inserção das crianças como cidadãos em um mundo letrado e simbólico. A produção contemporânea é essencialmente simbólica e o convívio social requer o domínio das linguagens como instrumentos de comunicação e negociação de sentidos.
No espaço escolar, conforme Wazlawich, Camargo e Maheirie (2007), a música precisa ser entendida como estimuladora de sentidos, para além da audição, uma vez que ela fomenta o desenvolvimento de habilidades motoras, da sensibilidade, do cognitivo humano de um modo geral.
Barros, Marques e Tavares (2018, p. 13) apontam que “boa parte das atividades que trabalham com música auxilia no desenvolvimento do cérebro da criança, favorecendo a formação neuronal e sináptica, e quanto mais planejada e focada for uma atividade, maiores serão seus resultados”; e, além disso, “a música é uma linguagem que serve para organizar, socializar e integrar outras linguagens, agindo como um elemento facilitador da percepção, experimentação, criação e das inúmeras possibilidades expressivas, inclusive a expressão corporal” (BARROS; MARQUES; TAVARES, 2018, p. 15).
Ongaro et al (2006) concordam com essa perspectiva e afirmam que a iniciação musical exercita a memória, a atenção e a capacidade de concentração. Nessa mesma perspectiva, segundo Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 42),
a música pode ser uma atividade divertida e que ajuda na construção do caráter, da consciência e da inteligência emocional do indivíduo, pois desenvolve a mente humana, promove o equilíbrio, proporciona um estado agradável de bem estar, facilita a concentração e o desenvolvimento do raciocínio, sendo também um agente cultural que contribui efetivamente na construção da identidade do cidadão. Pode até mesmo transformar conceitos espontâneos em conceitos científicos. [...] Autodisciplina, paciência, sensibilidade, coordenação, e a capacidade de memorização e de concentração são valorizadas com o estudo da música.
Para Faria (2001) a música e a aprendizagem estão conectadas desde a mais tenra idade, já que com as cantigas de ninar as crianças são embaladas e começam a se sentir parte do mundo, e, independentemente da letra da canção, a melodia pode influenciar positivamente a aprendizagem e contribuir na consolidação de estruturas mentais, uma perspectiva apontada por Vigotsky, especialmente se consideradas as estruturas superiores como emoção, atenção, percepção, etc. Ponciano (2019, p. 323-4) complementa, declarando que
Vygotsky produziu um campo técnico no qual privilegia a linguagem e o significado no desejo de brincar. Quando uma criança evoca, através de uma palavra, um determinado objeto, está explorando, através de signo, as possíveis relações deste objeto com outros objetos, coisas e pessoas e construindo o conceito referente aquele objeto. No nível mental, estará expandindo o imaginário ao substituir elementos concretos por abstratos, colocando-os numa condição de movimentação espacial e temporal e mais amplos estará expandindo os elementos fundamentais para a imaginação. Ao brincar, a criança explora e expande o real. Consequentemente, amplia o imaginário e desenvolve a inteligência. A expansão dos conceitos, através das generalizações que a criança faz, propicia o movimento criativo e contribui para a construção a inteligência.
Faria (2001, p. 4) afirma que “a música passa uma mensagem e revela a forma de vida mais nobre, a qual, a humanidade almeja, ela demonstra emoção, não ocorrendo apenas no inconsciente, mas toma conta das pessoas, envolvendo-as trazendo lucidez à consciência”. Como atividade lúdica, Ponciano (2019, p. 324) afirma que “no brincar, a criança constrói um espaço de experimentação, de transição entre o mundo interno e o externo. O processo lúdico é fundamental no trabalho psicopedagógico”. E, ainda, Machado (2012, p. 13) aponta que “a música é uma componente fundamental no desenvolvimento, por um lado pelo seu aspeto lúdico, por outro no potencial de desenvolvimento de outras competências”.
De acordo com Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 50), “utilizando a música de maneira sensata pode-se oferecer um conhecimento ao educando através do ensino lúdico na linguagem musical”. Ademais, conforme Barros, Marques e Tavares (2018, p. 3), “é notório que o lúdico na Educação Infantil se constitui em estratégias que promovem um aprendizado de qualidade para a criança, além do desenvolvimento de habilidades fundamentais para esse nível”. Também Oliveira Junior e Cipola (2017, p. 132) apontam que “o lúdico funciona como elemento motivador e de estímulos para o desenvolvimento da música, permitindo que ela [a criança] crie seu som, sua música”.
Moreno (2011), por sua parte, afirma que a música tem a capacidade de despertar criatividade e sensibilidade nos alunos, e que o professor pode e deve se utilizar dela como ferramenta planejada, podendo ser alterada conforme a realidade e a necessidade dos estudantes. Para Loeweinstein (2012), na sala de aula é habitual que os estudantes utilizem ipods, ipads, tablets, smartphones e mp4, cantando e interagindo com a música até mesmo por meio de suas próprias criações. Essas situações, quando aproveitadas, podem criar um ambiente considerado mais propício para a aprendizagem. Isso porque, segundo Albuquerque (2019, p. 123), “as crianças vivem uma experiência de modo linear, dia após dia, sua aprendizagem e a construção do conhecimento têm um curso mental próprio, repleto de reproduções mentais, reflexões e repetidas representações”.
Conforme Pereira (2007), a utilização de música pode servir para induzir discussões e incentivar debates, seja pelo gênero musical, seja pela letra, pelo ritmo, etc. Algumas atividades que tomam a música como pretexto geram discussões interessantes e críticas sobre temas como amor, família, amizades, religião, etc., o que auxilia na oralidade, na aprendizagem da gramática e da sintaxe, no comportamento lexical, no conhecimento das variedades linguísticas, e na expressividade dos alunos, na sua habilidade para lidar com a língua. Ou seja, a música pode se mostrar uma ferramenta pedagógica útil para se trabalhar tempos verbais, padrões sintáticos, coloquialismo, todo o sistema linguístico e o que ele envolve, além da aquisição de vocabulário de modo implícito ou intencional, de acordo com a abordagem do professor. Muitas atividades inferenciais podem ser programadas a partir das músicas, jogos de vocabulário e mapas semânticos, mediante a exploração de variados tipos de música.
Nesse contexto, não se pode ignorar que, conforme explica Albuquerque (2019, p. 123),
a voz humana é resultado dos ruídos e dos sons musicais que, produzidos no interior da laringe pelas vibrações das cordas ou pregas vocais, são ampliados e timbrados nas cavidades de ressonância, fazendo parte desse esquema a garganta, a boca e o nariz, que além das suas funções primitivas funcionam como ressonadores, ampliando e enriquecendo a sonoridade.
Isso significa que a voz é um instrumento de sonorização que permite a comunicação e que pode ser também explorado como ferramenta pedagógica. O som faz parte do ser humano naturalmente. Albuquerque (2019, p. 125) ainda acrescenta que
a música estimula o aprendizado, tendo o poder de despertar a criatividade e a atividade infantil, auxiliando a criança no desenvolvimento de suas potencialidades, auxiliando no uso do corpo por meio de comunicação e expressão, conseguindo por meio dela alcançar diversos objetivos como: a melhoria da linguagem, da coordenação, da percepção auditiva, rítmica, das orientações temporal e espacial, do equilíbrio e especialmente da comunicação, o ritmo das canções induz as crianças ao movimento, à maior atividade cerebral, despertando com isso o gosto por cantar, dançar e melhorar ou acelerar o desenvolvimento educacional das crianças envolvidas.
Ademais, Moreno (2011) aponta que a música pode ser utilizada na aprendizagem de sons, relacionando-os às letras, já que a repetição consciente da música aos poucos vai ensinando pronúncias corretas, palavras e expressões que ainda são desconhecidas para o aluno, ou seja, a música aprimora o conhecimento da língua. Nesse sentido, ela é essencial no desenvolvimento linguístico das crianças e não se relaciona apenas com a matemática, mas é uma fonte inesgotável de recursos de ensino, com grande potencial explorador da comunicação e um produto cultural.
A música pode, ainda, aportar elementos de padronização sintática e pode se tornar fundamental na memorização de fatores linguísticos. Pereira (2007) afirma que crianças que aprendem utilizando músicas possuem um vocabulário 30% mais rico, além de melhor associação de ritmo de fala, e associação de sons, grafias e significados, atuando, ademais, sobre a memória de longo prazo. Segundo Teixeira (2017, p. 12), “atividades de musicalização propiciam o movimento, o gesto, o canto e o desenvolvimento das funções motoras, fatores que serão importantes no momento da aquisição da leitura e escrita”.
Nessa mesma direção, Barros, Marques e Tavares (2018, p. 16) declaram que “o ensino e aprendizagem por meio da música motiva a criança a participar de situações de leitura e escrita mais facilmente. Afinal, ela já sabe o que está escrito e pode prestar mais atenção à forma como se escreve”. Ainda como reiteram os autores, “pela inclusão de métodos alternativos, no caso o uso da música, no processo de ensino, a criança pode assimilar com melhor aproveitamento o ato de ler, escrever, e ainda estará socializando-se, e divertindo-se” (BARROS; MARQUES; TAVARES, 2018, p. 17).
No que toca à memorização e a essa associação de aprendizagem linguística, Pereira (2007) explica que se trata de um processo atrelado à lateralização cerebral, conforme os estudos da neurolinguística, neurologia e neuropsicologia. Enquanto a assimilação musical acontece no hemisfério direito do cérebro, a linguística se dá do lado esquerdo. Há indícios de que quando acontece a sinapse verbal, processa-se primeiramente o nível musical. Isso significa que o cérebro capta de imediato os sons, o ritmo e a sonoridade, para que, em seguida, esses sons sejam transmitidos ao lado esquerdo, e as abstrações e contextualizações aconteçam. Nesse sentido,
a memória de longo prazo, ou memória referencial, é a responsável pelo processo de formação e consolidação de arquivos mentais, isto é, pelo armazenamento duradouro de informações. A duração desse armazenamento pode variar de horas a meses e décadas. São exemplos desse tipo de memória as nossas lembranças da infância ou conhecimentos que adquirimos na escola. [...] Fenômeno geralmente descrito como “Não consigo tirar essa música da minha cabeça.”, quando uma pessoa, às vezes sem nenhuma explicação aparente, se vê com uma canção fixa em seu pensamento por um tempo consideravelmente longo, como relatado na literatura sobre neurologia, neuropsicologia e neurolinguística (PEREIRA, 2007, p. 46).
Ainda segundo Pereira (2007), a repetição espaçada das músicas promove a aprendizagem de modo significativo, não apenas pelo seu conteúdo, mas simplesmente pela repetição, que, como forma de atividade lúdica, estimula o interesse e a participação, aproximando o uso da língua de situações reais da vida. Isso faz com que a música seja um instrumento de repetição estimulador e fomentador da automatização linguística, tornando a memorização mais prazerosa. Desse modo, pode-se entender que o uso da música em sala de aula favorece as práticas do professor e a aprendizagem do estudante. Como o professor a utiliza é algo que se relaciona a suas perspectivas e crenças, às suas ideologias e formas particulares de trabalho.
Também nessa mesma direção, Barros, Marques e Tavares (2018, p. 3) afirmam que
tendo como foco a linguagem escrita, o trabalho com músicas no processo de ensino-aprendizagem, os usos de dinâmicas com a musicalidade proporcionariam a criança condições para atingir avanços na escrita e na leitura, bem como, a compreensão da importância destas na comunicação.
Albuquerque (2019) acrescenta que em sala de aula pode-se utilizar a música por meio de diversos recursos didáticos, com brincadeiras e jogos, estimulando o próprio uso do corpo, o que também fomenta as habilidades sensoriais e motoras, atuando em nível mental e cognitivo. Calcada em fatores sociais, a música é uma fonte geradora de saúde física e mental, envolvendo som e ritmo. Trabalhar com as artes na educação, por outro lado, exige que os profissionais queiram construir metodologias diversificadas, interligando áreas de conhecimento, o que acelera a aprendizagem e favorece novas descobertas por parte do aluno de modo espontâneo e criativo, atuando, ademais, sobre as capacidades comunicativas e de expressão. Além disso, “para as crianças o trabalho com música traz diferentes sensações, melhorando no seu aprendizado, fazendo com que a sala de aula se torne um ambiente prazeroso, aumentando o interesse das crianças em participar das aulas como um todo” (ALBUQUERQUE, 2019, p. 122).
Enfim, reafirma-se que a música é importante como ferramenta na sala de aula, posto que “contribui na formação integral da criança se usada com o objetivo de promover o aprendizado, portanto é preciso que os educadores as utilizarem de forma expressiva e significativa que garanta a aprendizagem” (SANTOS, 2019, p. 1.673).
É nesse sentido que se torna também relevante analisar como a música é entendida no escopo dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) das escolas e como acontece, de fato, a utilização da música no Brasil com relação ao seu uso enquanto ferramenta pedagógica.
CAPÍTULO II: O UNIVERSO ESCOLAR – ONDE ENTRA A MÚSICA?
No presente trabalho, o foco não são as aulas de Artes e o ensino sistemático da música, mas sua utilização como ferramenta pedagógica, como parte de uma metodologia. Ainda assim, é importante compreender que a prática do ensino da música nas escolas brasileiras já foi institucionalizada por meio das políticas públicas na época do governo Vargas, a partir das propostas de Villa-Lobos, na década de 30. Mesmo tendo sido uma prática associada ao governo militar, o programa do Canto Orfeônico, que estimulava o canto coral nas escolas públicas é entendido como um marco musical no país, embora essa não seja uma perspectiva unânime, e, como afirma Cruvinel (2008), há também indícios de que as aulas de música já acontecessem nos espaços públicos educacionais antes desse período.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961 instituiu a Educação Musical como disciplina obrigatória, e essa foi uma política que permaneceu até a LDB de 1971, quando a disciplina foi substituída por Artes, englobando artes plásticas, teatro e desenho. Quando essas outras modalidades artísticas foram implementadas, a música perdeu espaço nas escolas, especialmente porque o mesmo professor não teria domínio de todas as modalidades e, gradativamente, o desenho começou a se sobrepor, até mesmo pela facilidade com relação a materiais didáticos e de uso dos estudantes. Como consequência disso, a profundidade artística foi reduzida no que toca à música, ao teatro e às artes plásticas (CRUVINEL, 2008). A esse respeito, Uriarte (2004, p. 249) comenta que
excluída como disciplina do currículo escolar, o que restou, em alguns casos, foram atividades esporádicas de canto, que geralmente se resumem em preparação para repertório (para datas cívicas e/ou comemorativas do calendário escolar) e se confundem como prática de Educação Musical.
Com a LDB de 1996, as Artes se tornam uma área de conhecimento, fomentando a atuação de professores especializados, mediante o fato de ter se tornado disciplina obrigatória em todo o Ensino Básico. Contudo, cada escola passa a ter o direito de escolher as modalidades artísticas de seu currículo, acentuando a redução do lugar da música nesses espaços educacionais. Essa última LDB expande a liberdade das escolas na elaboração de seus próprios projetos pedagógicos, ao mesmo tempo em que os Parâmetros Curriculares acabam sugerindo procedimentos de reflexão e contextualização interdisciplinar, à parte da imposição acerca dos conteúdos ministrados. A ideia principal, como declara Cruvinel (2008), era de descentralização do ensino, de pluralismo de ideias, democratização da educação, multiplicidade de concepções pedagógicas, fatores que poderiam ter estimulado o ensino da música. Mesmo diante da abertura dada pela LDB/1996, os professores especializados em música não conseguiram se reinserir nas escolas. Nessa linha, também Uriarte (2004, p. 247) afirma que “o ensino da música parte da experiência vivida em direção à abstração dos conceitos, assim considerada, pode-se dizer que a alfabetização musical propicia uma construção interdisciplinar”.
Ainda assim, a Lei 11.769, de 2008, alterou o Art. 26 da LDB/1996 e estabeleceu no § 6º que “a música deverá ser conteúdo obrigatório” na Educação Básica (BRASIL, 2008). Segundo Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 41-42),
a Lei Nº 11.769 sancionada pelo presidente Luís Inácio no dia 18 de agosto de 2008, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas de educação básica e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que tem por objetivo geral abrir espaço para que os alunos possam se expressar, se comunicar, bem como promover experiências de apreciação e abordagem em seus vários contextos culturais e históricos.
Barros, Marques e Tavares (2018, p. 2) corroboram:
As Diretrizes Nacionais para a operacionalização do Ensino da Música na Educação Básica (CNE/CEB nº12/2013 de 04/12/2013) apresentam a emergência de um Currículo que contemple uma Matriz de Conteúdos para o Ensino da Música, cujo enfoque seja constituir-se em um instrumento que contribua para o trabalho do professor especialista e não especialista no desenvolvimento da Educação Musical na Educação Básica.
Para além da obrigatoriedade legal, é necessário repensar o caráter utilitário e funcional da música no escopo da educação formal, posto que “por intermédio da linguagem musical, tornar-se-á mais abrangente a apreensão do saber, proporcionando um desenvolvimento mais consistente, implicando em um conhecimento do mundo, gradual, de modo sensível e harmônico” (BARROS; MARQUES; TAVARES, 2018, p. 5). Além disso,
no processo educativo, educador e educando são os construtores do conhecimento cotidiano de suas vidas, seja o de Música, de Português, e/ou de Matemática. Para enriquecer e dinamizar esse processo, em que vai inferindo novas maneiras de perceber e agir no mundo, o ser humano e a cultura contam com a Arte − importante instrumento metodológico para a construção do conhecimento (URIARTE, 2004, p. 249).
Cabe repensar como, a partir das alterações legislativas, a música passou a se concretizar nas escolas brasileiras. Sabe-se, pelo conhecimento de mundo e pelas experiências cotidianas, que as escolas públicas brasileiras não oferecem aulas de música unanimemente. E, ademais, a utilização da música acabou sendo praticamente encerrada na Educação Infantil, não alcançando nem ao menos o Ensino Fundamental I. O que se percebe é o uso da música como algo apenas lúdico para crianças menores, de algum modo, como se a música não ensinasse tudo o que já foi apresentado no capítulo anterior e não fosse capaz de um aporte significativo no processo de ensino-aprendizagem, ou como se as crianças do Ensino Fundamental tivessem perdido a capacidade de aprendizagem através da música. Nesse contexto é que se torna necessário analisar questões relativas à estrutura das escolas e as ferramentas pedagógicas utilizadas atualmente, bem como o modo pelo qual a música pode ser um instrumento de suporte à aprendizagem.
2.1 A ESTRUTURA ESCOLAR E A UTILIZAÇÃO DAS FERRAMENTAS PEDAGÓGICAS
É indiscutível que a escola é entendida como espaço destinado à formação e à informação, e que a aprendizagem precisa acontecer atrelada à realidade dos estudantes, das comunidades, ao universo cultural que cerca os alunos, a fim de expandir os ensinamentos que trazem de casa. Nesse sentido, afirma Albuquerque (2019, p. 126) que essa formação escolar “deve possibilitar o desenvolvimento de capacidades, de modo a possibilitar a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, assim como possibilitar que as crianças possam usufruir das manifestações culturais nacionais e universais”. Portanto, as propostas pedagógicas de cada escola precisam se voltar para a garantia das práticas decididas e planejadas em função dessa realidade dos estudantes e da comunidade, especialmente porque à escola cabe intervir no desenvolvimento e na socialização dos alunos.
Nesse contexto, o Projeto Político Pedagógico (PPP) é um documento que apresenta metas e objetivos almejados pela unidade escolar. É através dele que os gestores educacionais reconhecem e concretizam a participação de educadores, estudantes, comunidade e todos os que atuam no processo de ensino-aprendizagem, como indicado por Oliveira (2019). Segundo a autora,
o PPP pode ser definido como projeto porque traz as propostas de ação a serem executadas, como político por ser a escola um local de formação de cidadãos conscientes, e pedagógico porque organiza os projetos e atividades educativas relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem. Este documento constitui uma das maneiras mais eficazes de auxílio na construção da gestão democrática e participativa nas Unidades Educacionais, sendo um plano orientador das ações e práticas pedagógicas (OLIVEIRA, 2019, p. 565).
Ideologicamente, Lima (2019, p. 1.464) indica o PPP como uma espécie de identidade escolar, posto que nele “deve constar tudo o que ela [escola] defende, seus ideais, a identificação com a comunidade em que está inserida e quais os objetivos que aquela escola pretende alcançar devem estar descritos de maneira clara e objetiva nesse documento”. Para a Fundação Santillana (2016, p. 6),
um Projeto Político Pedagógico exige uma reflexão constante e permanente. As pesquisas mostram que as grandes mudanças necessárias para obter uma Educação de qualidade precisam não só de melhoria da gestão da sala de aula e do desenvolvimento de competências profissionais dos docentes, mas também da organização da escola por meio da elaboração de um projeto que aponte os compromissos que serão assumidos por todos os integrantes da comunidade escolar.
Por outro lado, como declara a própria Fundação Santillana (2016, p. 58), a LDB/1996 representa um marco legal do PPP, já que “regula a elaboração de projetos diferenciados em cada instituição escolar. No entanto, as unidades produzem ou reproduzem PPPs burocraticamente, apenas para cumprir a normatização legal”. Isso significa que muitas vezes a comunidade escolar nem ao menos tem conhecimento do PPP ou participa de sua atualização e elaboração. É o PPP que define quais são as ambições da escola com relação à realidade na qual está inserida. É nele que se determina qual caminho será percorrido por todos. Ele revela metas, planejamentos, projetos, articulações, diagnósticos, e, por meio da participação democrática, cria trajetórias, que não podem, ou ao menos não deveriam permanecer apenas no papel.
Como exigência burocrática da Secretaria de Educação, muitas vezes é concluído sem envolver a comunidade, os funcionários, os professores, e todos os agentes sociais que dele deveriam participar, principalmente porque ele é um auxílio no trabalho pedagógico, indicando não somente o que será feito, mas como será feito para que os estudantes avancem em seu processo de aprendizagem, agregando valores e superando conflitos. É necessário que ele seja visto e compartilhado “como uma sequência de decisões, práticas, escolhas e caminhos no ambiente educacional, que, traduzida em atitudes e métodos, pretende garantir experiências de aprendizagem para os sujeitos que compõem a comunidade escolar” (FUNDAÇÃO SANTILLANA, 2016, p. 11). Isso porque “a potência de um PPP é registrar, orientar, estabelecer ações, metas, estratégias e desejos da vida social escolar” (FUNDAÇÃO SANTILLANA, 2016, p. 12).
Ainda conforme a Fundação Santillana (2016), quando se cria o Plano de Ação, necessário no PPP, de forma coletiva, e se define tudo o que será realizado pela escola, também acontece a detecção dos problemas que a unidade enfrenta em termos sociais e comunitários. Isso possibilita a redução das distâncias entre o que realmente a instituição é e o que ela pretende ser. Além disso, há escolas que acrescentam ao PPP uma proposta curricular, estabelecendo metodologias, conteúdos a serem abordados e expectativas de aprendizagem dos estudantes durante o percurso da escolaridade, ademais dos processo de avaliação e de apoio ao estudante. Essas ferramentas, o plano de ação e proposta curricular também podem estar atreladas ao regimento escolar, que define os procedimentos e normas institucionais, relacionando os propósitos educativos da unidade.
Para Wolffenbüttel (2010, p. 78), “a inserção da música no projeto político pedagógico ocorre através do texto e da ação, das palavras e dos contratos, ou seja, no documento e no cotidiano do projeto político pedagógico escolar”. Nesse sentido, Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 42) acrescentam:
Temos uma riqueza cultural e artística vasta que precisa ser incorporada, de fato, no projeto educacional. Isso só acontecerá se escolas e espaços que trabalham com educação começarem a valorizar e incorporar, também, conteúdos e formas culturais presentes na diversidade da textura social.
Wolffenbüttel (2010), nesse contexto, afirma que, considerando o cotidiano das escolas, a inserção da música no PPP acaba resultando em conflitos, devido às políticas educacionais adotadas pelas unidades, e, até mesmo, pelas políticas públicas que afetam as escolas de um modo mais generalizado. As políticas legislativas que buscam a introdução da música têm se mostrado incompletas e simplistas demasiadamente e, ainda como indica Wolffenbüttel (2010), a redução dos gastos públicos em educação no país e a falta de motivação dos professores são fatores dificultadores da utilização da música nos espaços educacionais. Nesse sentido,
é importante realizarmos dentro das escolas momentos especificamente destinados à escuta musical e a execução de atividades que promovam uma conscientização do universo sonoro existente, o que difere grandemente da simples existência de eventos sonoros na presença da criança (ALBUQUERQUE, 2019, p. 128).
Por outro lado, deve-se pensar também que para a execução das metodologias os professores precisam se valer da utilização de materiais e, nesse sentido, na maioria das vezes, o livro didático se apresenta como o grande direcionador do ensino, já que, por meio dele, o professor economiza seu tempo de planejamento e organização da rotina escolar. Para outros professores, entretanto, como declara Soares (2015), o livro didático e os materiais oferecidos pelo Ministério da Educação (MEC) limitam as possibilidades de atuação do professor em sala de aula, comprometendo sua autonomia didática.
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), nesse contexto, fundamenta-se quase sempre na escolha por parte dos professores de cada escola de qual material será utilizado, e mais de 80% dos alunos da educação básica brasileira recebem esses livros gratuitamente. Sorares (2015) questiona como o livro didático fornecido pelo MEC, mesmo quando escolhido pelos professores, deve ser usado de maneira equilibrada pelo docente. Se o professor se apega ao livro e o segue de modo a não questionar a estrutura, ou a não incrementar aquilo que considera conveniente de acordo com seus alunos e o ambiente no qual atua, apenas reproduz o que os governantes querem que seja transmitido aos estudantes, já que a Secretaria de Educação submete diversos livros a um crivo de seleção para publicação e distribuição.
Ou seja, os professores escolhem, mas antes disso a Secretaria de Educação já restringiu as possibilidades do que será transmitido para crianças e jovens do país. Soares (2015) afirma que ao professor compete determinar se o livro didático utilizado será uma bússola orientadora e facilitadora, ou uma autopista sugerida que fornece também possibilidade de entrada em pequenas estradas subjacentes. O professor, então, define o peso do recurso didático utilizado na escola.
Nesse sentido, por exemplo, Sousa et al (2016) apontam que o Instituto Alfa e Beto (IAB), criado em 2006 por um psicólogo e especialista em temas educacionais, tem desenvolvido projetos voltados para a alfabetização, que têm demonstrado resultados eficientes e altos índices de acertos em escrita e leitura em suas provas e em provas globais de aprendizagem. Mesmo que o IAB acredite que as provas representam uma metodologia que acaba impondo medo nos estudantes e insegurança, crê também ser a única maneira de medir a aprendizagem. Já foram alfabetizadas pelo programa mais de 1 milhão de crianças da rede pública brasileira, e o projeto tem se estendido a instituições privadas. Sua base é a Ciência Cognitiva, atrelada à Pedagogia e à gestão, uma estratégia entendida como o melhor caminho para o impulsionamento da aprendizagem. O IAB aporta materiais didáticos de suporte para alunos e professores, alegando se distanciar das ideologias, mas buscando o desenvolvimento da criatividade e do conhecimento, por parte da criança, do seu potencial e da sua realidade, especialmente através de atividades cooperativas. Contudo, segundo Sousa et al (2016, p. 4), “o programa alfa e beto prepara o aluno como soldado, obriga realizar as atividades conforme é estruturado pelo instituto. E o que sabemos é que as atividades propostas para as crianças devem ser prazerosas”. Conforme os autores,
o programa por meio de seus materiais disponível aos alunos, leva-os a treinar, repetir, tracejar, decodificar. As aulas são prontas e acabadas, onde devem ser realizadas as atividades no horário determinado no plano organizado pelo instituto. Tudo isso tem o objetivo de levar os alunos a serem alfabetizados através do método fônico, na qual ouvem sons repetidos, com palavras descontextualizadas (SOUSA, et al, 2016, p. 5).
Nas investigações de Sousa et al (2016), o programa alfa e beto do IAB oprime os docentes, principalmente porque os recursos didáticos levam os alunos a um esquema de repetição de atividades, um condicionamento. Os autores acrescentam que “não há espaço para o professor reinventar atividades lúdicas que dão prazer ao serem realizados, porque são cobrados para seguir conforme o programa (SOUSA, et al, 2016, p. 6).
Assim como esse projeto, há tantos outros, e os materiais didáticos tendem a seguir essa mesma estratégia de direcionamento daquilo que será realizado em sala de aula, e, em grande medida, a autonomia do professor é reduzida e a música tende a não ser mais utilizada após a Educação Infantil. Ainda assim, “os especialistas no desenvolvimento da criança chegaram à conclusão de que o divertimento pela música, é tão ou mais importante do que a imposição de técnicas na primeira infância” (MACHADO, 2012, p. 14).
Machado (2012) afirma que os pedagogos musicais são quase unânimes em declarar que a capacidade de expressão e a aquisição de competências, quando embasadas na música acabam privilegiando o prazer e a alegria, o que está relacionado com os processos cognitivos da criança. Além disso, à parte da ausência de instrumentos musicais nas escolas e outras ferramentas que seriam necessárias, não se pode ignorar que a voz é o primeiro instrumento com o qual a criança tem contato.
Machado (2012) indica diferentes metodologias de ensino musical utilizadas no decorrer da história da música. Dalcroze, por exemplo, baseou-se em ritmos do próprio corpo humano, associando-os aos ritmos musicais e à capacidade criativa das crianças. A rítmica foi constituída a partir de três elementos fundamentais: música, movimento e coordenação. Por meio do movimento corporal, Dalcroze indicava que a improvisação acontecia mediante os instrumentos de percussão em harmonia com os movimentos corporais e a voz, educando os ouvidos. O japonês Suzuki, por sua parte, criou uma metodologia que aborda a aprendizagem da música como a aprendizagem da língua, como uma língua materna (MACHADO, 2012).
Nesse contexto a música é aprendida como reprodução dos sons que são ouvidos pela criança. Quando uma criança escuta uma palavra a primeira vez, não a entende, mas, mesmo assim, a repete, com erros de pronúncia, muitas vezes, e, na repetição, aperfeiçoa e a compreende; aumentando, gradativamente, seu vocabulário. Do mesmo modo se daria com a música. Nessa mesma direção, Willems concebeu a audição, a canção e o sentido rítmico como elementos fundamentais da música e do seu processo de aprendizagem, como polos operativos, conectando a natureza do ser humano e da música, potencializando o desenvolvimento sensorial e intelectual, ainda como apontado por Machado (2012).
Diante disso, cabe ressaltar que essas metodologias de utilização da música não teriam como serem inseridas em processos institucionais de avaliação do estudante, ainda que, conforme Caetano (2019, p. 1.345), “a educação é uma atividade sócio-política na qual consiste a relação entre sujeito professor e aluno na sociedade”.
A educação brasileira sofreu mudanças nas últimas décadas e o desempenho dos estudantes começou a ser mensurado, assim como dos professores, o que também fomentou uma forte necessidade de se buscar mais atividades de formação, enquanto requisito para que os índices de evasão e reprovação escolar fossem reduzidos, em contraposição aos índices de aprovação estudantil. Ou seja, o professor bem preparado teria a capacidade de reduzir a evasão, a reprovação, e aumentar a aprovação e aprendizagem do estudante. Daí que o docente acaba tendo que se autorrealizar na demonstração de aprendizagem do aluno. O professor, nesse novo modelo educacional, precisa criar um clima que atraia a atenção do estudante, bem como sua concentração, evitando a inibição do educando, mesmo quando ele age de modo indisciplinado. O professor se tornou um mediador que interage com o discente no processo de construção do saber (CAETANO, 2019).
Caetano (2019) acrescenta que é importante ensinar os professores a ensinar, desenvolvendo o raciocínio dos alunos, instigando-os, estimulando seu espírito crítico e cognitivo, sem perder a alegria do aprender. Ao contrário disso,
há, por parte do professor, uma vigilância constante e ameaças, gerando um clima de tensão entre as crianças, por estarem sempre antecipando as consequências de seus “maus atos”: o aluno corre o risco de ficar sem recreio, de ser retirado após as aulas, além de outras ameaças de castigo. Quem é “bem-comportado” recebe recompensas e é apresentado como modelo aos colegas (CAETANO, 2019, p. 1.347).
Ainda conforme Caetano (2019, p. 1.354), “a simples mudança de paradigmas não garante de forma alguma uma mudança de concepção pedagógica, ou seja, de prática escolar”. É, então, necessário superar aqueles valores entendidos como indispensáveis, valores que “apesar de ultrapassados, já não são suficientes para os avanços necessários na prática docente”.
Assim, conhecendo a realidade dos alunos, assumindo o controle da autonomia didática, participando de programas de formação, o docente pode estimular outras atividades em sala de aula, que contribuam para o desenvolvimento dos alunos, como indicado por Lima (2019). Conforme Albuquerque (2019, p. 129),
o professor deve selecionar um material que contenha diversos gêneros e estilos musicais, abrangendo diferentes culturas e épocas. É notável a receptividade e familiaridade dos alunos com as músicas mais ouvidas na sociedade; um bom exemplo é a música popular, e isto também precisa ser levado em conta aproveitando também as contribuições que as crianças escutam em casa ou na rua, o que muitas vezes significa trabalhar com músicas veiculadas pela mídia, que muitas vezes são pobres nas letras, mas, não podemos perder de vista uma das grandes metas da educação musical que é proporcionar novos interesses, novas experiências e novas visões para as crianças. [...] Os professores precisam conhecer a realidade das crianças, deixar que elas cantem as músicas que ela escuta em casa, pois muitas crianças nem escutam rádio, só assistem televisão e só escutam as músicas que aparecem em programas e novelas, é necessário aumentar o repertório das nossas crianças, trazendo especialmente músicas adequadas e de diferentes estilos.
Mesmo dentro de uma visão de autonomia do professor, contrapondo-se à utilização de materiais didáticos que controlam as atividades dentro da sala de aula, a LDB/1996 orienta que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) devem ser seguidos no que tange ao conteúdo ensinado, mas, igualmente, outorga ao docente liberdade em sua atuação em sala de aula, aos gestores e administradores das escolas, uma evidência da oposição à educação estabelecida durante o regime militar nacional (LIMA, 2019).
Nesse sentido, de acordo com Medeiros (2013), aquela antiga função puramente instrutora dos docentes é diluída e se começa a exigir deles, para além do conhecimento científico e técnico da disciplina que ensina, conhecimentos de dinâmicas grupais, da realidade dos estudantes e da comunidade onde trabalha, diferentes formas de atuação didática, o que exige que o professor esteja em constante processo de formação, que se entenda “como aprendiz e como ensinante” (MACHADO, 2013, p.70). Desse modo,
embora haja ainda quem pense que a pessoa que foi preparada para falar, escrever ou investigar sobre determinado tema está, igualmente preparada para o ensinar aos outros, é bem verdade que, no âmbito da formação universitária dos professores, há já algum tempo que se encara a necessidade de formar profissionais competentes que, além de bons conhecedores da matéria que leccionam, sejam capazes de reflectir sobre a sua didáctica, de tomar decisões oportunas sobre a forma de apresentar a matéria nas aulas e de encontrar respostas adequadas a situações novas e imprevisíveis” (FONT, 2007, p.69-70; apud MEDEIROS, 2013, p. 56).
Quando se posiciona como aprendiz, ainda como aponta Medeiros (2013), o professor, em contínuo processo de formação, precisa organizar informações e aprendizados, elaborar e planificar suas ações e procedimentos que utilizará em sala de aula, deverá interpretar e analisar as situações educativas, para que tome as decisões adequadas quanto à sua autonomia e didática. Trata-se de docentes estratégicos, capazes de enriquecer e ampliar tanto a sua formação, como a do aluno, associando a realidade diária da comunidade e, em especial, dos educandos. Esse professor interage com o dia-a-dia, formando os estudantes e a si mesmo. Flores e Simão (2009, apud MEDEIROS, 2013, p. 7), afirmam que
o modo como se encara a formação de professores, quer inicial, quer contínua, depende de um conjunto de variáveis, nomeadamente do modo como se encara a sua função num dado momento, do modo como se vê o ensino enquanto profissão, da concepção de currículo e de escola, etc.
Nessa perspectiva, Perrenoud (2002) aponta a importância da formação, especialmente a formação inicial do professor, no que toca à sua análise da própria prática docente, à forma como compartilha suas atribuições e como reflete sobre sua ação pedagógica. O modo como se comunica em aula é um dos fundamentos para o controle do medo, das ansiedades, das percepções dos alunos. Perrenoud (2002) afirma que a prática reflexiva do professor sobre sua metodologia lhe permite compensar muitas vezes a superficialidade da formação inicial que recebeu. Entendida como recurso lúdico, nesse contexto, a música favorece a desenvolvimento de novos saberes, inclusive para o docente, gera novas experiências que também o auxiliam na construção da realidade e da sensibilidade ética, da complexidade das suas tarefas e do seu ofício. A música oferece ao professor alguns meios para trabalhar sobre sua própria atuação, enfrentando a alteridade, fomentando a cooperação e a inovação.
Nesse contexto, as pesquisas desenvolvidas por Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 53) indicam que “os professores veem a necessidade de formação musical nos cursos de graduação que contemplem a música”. Silva (2012, p. 11), similarmente, afirma que a música “enquanto atividade lúdica, com os recursos dos quais dispõe o educador, facilita o processo de ensino aprendizagem, pois incentiva a criatividade do educando”. E Oliveira Junior e Cipola (2017, p. 132) apontam que “produzir música, criar música é um aprendizado prazeroso, assim como construir seus próprios instrumentos musicais”. Nesse sentido, ressalta-se os apontamentos de Uriarte (2004, p. 249):
O mundo é constituído de cores, texturas, sons e provocações. O homem se vê envolvido pelas Artes, mas precisa da escola e do professor para estimular, apresentar e valorizar essas manifestações; caso contrário, não atinge uma reflexão, pois constata a falta do elo entre o sensível e o real, que só o professor é capaz de vincular, por meio da produção de um conhecimento significativo, baseado na compensação que naturalmente ocorrerá com a atividade progressiva dos alunos − fomentando e ampliando a cultura na escola.
Medeiros (2013) acrescenta que os saberes dos professores precisam ser desenvolvidos, assim como suas estratégias, de acordo com uma planificação que é estabelecida previamente e que funcionará como determinante do que é ensinado. Assim, os próprios PCN e materiais didáticos impostos nas escolas podem ser transformados, não no sentido de alterar suas bases, mas de agregar valores; e o professor é um elemento determinante nesse contexto, a partir de suas decisões e sua preparação, do seu ritmo e da sequência didática que estabelece.
Silva (2012, p. 11) declara que a associação entre música e processo educativo “obriga o professor a assumir uma postura mais dinâmica e interativa junto ao aluno”, o que torna mais fáceis as tarefas escolares. Em suma, uma boa planificação lhe permitirá sentir-se seguro e melhorar sua atuação, influenciando positivamente a aprendizagem do estudante, independentemente do grau de engessamento legislativo, ou oriundo dos materiais didáticos e dos PPP das unidades escolares.
2.2 MÚSICA COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA
Jesus, Franco e Bello (2018, p. 12) afirmam que “a música em sala de aula abre um grande leque de possibilidades de atividades pedagógicas, se tornando viável, se for trabalhada de maneira comprometida pelo professor na escolha das músicas e suas adequações ao planejamento e aos conteúdos”. Segundo os autores, as práticas pedagógicas aliadas à música em sala de aula exigem que os professores assumam postura mais dinâmica, voltada para a interatividade com o aluno, especialmente por que os processos de aprendizagem e as próprias atividades escolares podem se tornar mais fáceis e mais atrativas, contendo o sentimento de monotonia instaurado nas escolas, devido, na maioria das vezes, à excessiva utilização de uma metodologia expositiva. Nesse sentido, quando as atividades estão atreladas à exploração e às descobertas, às mais diversificadas formas de experimentações, minimiza-se o tédio e se facilita a aprendizagem em si mesma. Os autores acrescentam:
Um professor que realiza uma atividade com seus alunos e que envolve a musicalização, propicia a eles, de acordo com a forma de aplicação, o estímulo de movimentos específicos que auxiliam na organização do pensamento, além de favorecer a cooperação e comunicação das atividades que são realizadas em grupo. [...] Nesse caminho, a música torna o ambiente mais alegre e favorável à aprendizagem, visto que propicia uma sensação diferenciada ao ambiente escolar, proporcionando satisfação àqueles que dele participam, cabendo ao professor estudar maneiras de alinhar e juntar a música no seu planejamento escolar, conforme e referente ao conteúdo que se irá trabalhar com os alunos em sala de aula, trabalhando a interdisciplinaridade (JESUS; FRANCO; BELLO, 2018, p. 10).
Isso promove a inferência de que o docente que trabalha com música também pode flexibilizar atividades diferentes, adequando-as às idades e interesses dos educandos, haja vista que há uma multiplicidade de formas de se utilizar a música em sala de aula, podendo-se, inclusive, lançar mão de elementos do cotidiano para provocar sons alternativos, que, com um pouco de criatividade, podem se associar a conteúdos e disciplinas diferentes. Dessa perspectiva tem-se, por exemplo, as possibilidades de construção de instrumentos mediante materiais recicláveis, os quais os professores podem pedir que os estudantes aportem para as atividades. O espaço lúdico, assim, acumulando pesquisa e criação, respeitando a bagagem dos alunos, pode desenvolver as contribuições e o interesse participativo de todos, construindo-se uma visão de coletividade mais abrangente. Nessa situação, aluno aprende com o professor, mesmo que este último não seja um grande experto em música, e professor aprende com aluno a partir da interatividade (JESUS; FRANCO; BELLO, 2018).
Elias e Fernandes (2012, p. 3) acrescentam que o uso da música em sala de aula “ajuda no raciocínio matemático, contribui para a compreensão da linguagem e para o desenvolvimento da comunicação, para a percepção de sons sutis e para o aprimoramento de outras habilidades; isso porque ela atua nos dois lados do cérebro”. Partindo dessa visão, os autores consideraram a implementação de práticas didático-pedagógicas em uma unidade escolar, baseadas em três seções:
a) Seção 1: “Identificando conhecimentos prévios” que objetiva realizar o levantamento dos conhecimentos prévios sobre a música; introduzir o aluno no universo da música; oportunizar o desenvolvimento da concentração e da criatividade e a socialização dos alunos, e fortalecer a autoestima através da sensibilização musical; b) Seção 2: “Conhecendo os instrumentos musicais e aprendendo a produzir sons” que objetiva conhecer os elementos estruturais da música, com ênfase no timbre, duração e ritmo, através da exploração dos instrumentos da bandinha rítmica, despertando o senso de harmonia musical; c) Seção 3: “Pintura cega ao som de Vivaldi”, voltada a oportunizar aos alunos situações de desenvolvimento da escuta atenta e ativa da música, favorecendo a concentração e a coordenação motora (ELIAS; FERNANDES, 2012, p. 3).
O projeto foi desenvolvido em 32 horas/aula e associou duas Artes diferentes, como se pôde perceber, levando os alunos a integrarem as sensações da música com a pintura e o desenho, buscando-se evidenciar a relação desenho-música/música-desenho, a partir da compreensão do lápis como uma extensão do corpo e do pensamento. De imediato, a constatação mais significativa do projeto foi a de que todos se interessam por música, embora estejam apenas ligados às músicas de senso comum. Ou seja, seus repertórios musicais são restritos aos ambientes domésticos e midiáticos.
Alunos que tinham comportamentos mais agitados foram incentivados à pintura livre de mandalas, o que, conforme indicam Elias e Fernandes (2012), é bastante indicado para sujeitos com dificuldades de concentração, mais dispersivos e nervosos. Essas atividades foram realizadas ao som da Sonata nº 14, “Moonligth”, de Beethoven.
Segundo Elias e Fernandes (2012), na sequência didática, os estudantes foram levados a interagir com um conjunto de instrumentos musicais disponibilizados, após terem recebido explicações expositivas sobre os instrumentos de corda, sopro e percussão. Nesse contato inicial, observou-se um grande entusiasmo quando foi permitido que eles mesmo escolhessem algum instrumento e interagissem. De acordo com o relato, alguns geraram sons mais altos, outros mais baixos, mas a euforia do contato com o instrumento e o interesse pelos sons que poderiam criar, a ideia de poder tocar um instrumento se mostrou marcante e estimuladora. No decorrer dessa etapa, alguns aprenderam mais, e outros menos, mas foi possível coordenar a exploração sonora de instrumentos separadamente, e, posteriormente, associando-os, o que fomentou ainda mais o prazer pela aprendizagem da música. A aproximação com a música clássica em contraposição ao senso comum abriu espaço para a desmistificação, por parte dos próprios alunos de que aquele tipo de música era apenas para a elites da sociedade. Em seguida, partindo para um laboratório de informática, os alunos conheceram os instrumentos componentes de uma orquestra, e aprenderam a identificar seus sons, o que, igualmente, mostrou-se uma atividade bastante empolgante para os educandos. Ainda nessa etapa de ampliação de conhecimentos musicais, realizaram-se atividades de percussão corporal, que, embora não tenha trazido grandes resultados, conforme afirmam Elias e Fernandes (2012), despertaram interesse e propiciou muita diversão em sala de aula.
Segundo Elias e Fernandes (2012, p. 14), “na medida em que os dias se passaram, os alunos demonstravam interesse cada vez maior pela música clássica; e os desenhos abstratos que fizeram com os olhos fechados durante a execução das músicas demonstram o que sentiam naquele momento”. Acrescentam os autores:
Era comum observar alunos desenhando, ao som de Vivaldi, acompanhando com sons guturais do tipo “hum-hum-hum”, ou assoviando baixo o ritmo e a melodia das músicas do compositor italiano, mostrando, de forma involuntária e espontânea, a tranquilidade daquele momento e seu apreço pela nova descoberta musical (ELIAS; FERNANDES, 2012, p. 15).
A proposta da atividade foi finalizada com uma exposição para a comunidade escolar, que fomentou a autoestima dos alunos e estimulou o desejo de ampliação de atividades relacionadas à música na escola. Um dos professores da escola analisada contestou: “Acredito que não há a necessidade de ser um ‘especialista’ da área musical, pois se fosse assim, os profissionais leigos’ (assim como eu), porém amantes da música, não poderiam usufruir dessa importante ferramenta (ELIAS; FERNANDES, 2012, p. 19). Tendo em vista que a proposta de intervenção foi mais voltada para alunos com dificuldades de concentração, Elias e Fernandes (2012, p. 21) afirmaram que “os alunos necessitam que seus professores lancem mão dos mais variados recursos, estratégias e ferramentas para proporcionar-lhes plenas condições de desenvolvimento”.
Alencar (2010, s.p.), nesse contexto, acrescenta que “sem humor, o educador não experimenta o encontro existencial com o educando e bloqueia o próprio processo de ensino-aprendizagem”, e a música utilizada como ferramenta educativa proporciona uma estabilidade de humor em sala de aula. Segundo a autora, “a educação tradicional considerou virtudes como atenção, dedicação e responsabilidade incompatíveis com a alegria e a descontração”, e isso precisa ser repensado nas escolas. Alencar (2012, s.p.) afirma que
no Ensino Fundamental I e II, usa-se a música há muito tempo em sala de aula, mas, normalmente, de uma forma apenas lúdica, sem cobrança pedagógica do conteúdo aos alunos, salvo algumas exceções. No Ensino Médio (do 10º ao 12º ano), a música é raramente utilizada, mas, ao professor interessado em enriquecer a sua prática pedagógica com música, cabe estar atento à pertinência do tema musical e ao assunto da matéria lecionada e fazer um planejamento que permita ao aluno desenvolver análise e interpretação da letra, defendendo-a, rebatendo-a e/ou lhe acrescentando algo.
Alencar (2012) indica, ainda, que a música pode ser utilizada de muitas formas diferentes nas escolas, partindo-se desde o uso de um CD ou pendrive e um aparelho de som portátil, e o porte de cópias da letra, até a expansão com a elaboração de questionários envolvendo críticas ou conflitos apresentados na música, ou a reescritura da música em outro tipo textual, e, ainda, outra forma de representação plástica, como pintura, escultura ou desenho. De acordo com Alencar (2012, s.p.),
o trabalho com a linguagem musical deve ser interessante tanto para os professores como para os alunos. No entanto, isso só acontecerá se existir uma conscientização da expressividade individual do aluno e o respeito pela capacidade de criar, de dinamizar com esse instrumento em sala de aula.
Nas investigações de Alencar (2012, s. p.) detectou-se que até o Ensino Fundamental I, a expansão de ritmos e tipos musicais diferentes ainda é mais facilitada, como se os alunos estivessem mais abertos a aprender estilos novos, mas no Ensino Fundamental II e Médio, a escolha da música a ser utilizada em sala de aula acaba se mostrando um entrave, isso por que, conforme relatam os professores: “Quanto mais antigas as músicas forem, mais difícil será despertar a curiosidade do aluno para o conteúdo que a ela foi adicionado”. Essa perspectiva vai meio contra a proposta trazida por Elias e Fernandes (2012), que atuaram com alunos após o Ensino Fundamental I, introduzindo a música clássica e obtendo resultados considerados surpreendentes no que toca ao interesse dos estudantes.
Ainda assim, no escopo das escolas públicas especialmente, Alencar também afirma que a música atenua a violência na escola, uma vez que estimula a interação entre os estudantes. Mais do que uma atividade lúdica e de reforço de conteúdo e aprendizagem, a música, portanto, também transforma as relações interpessoais na escola.
Outra possibilidade trazida por Faria e Santos (2017, p. 5) é realizar gravações de sons e, posteriormente, “pedir para que as crianças identifiquem cada um, ou produzir sons sem que elas vejam os objetos utilizados e pedir para que elas os identifiquem, são formas utilizadas para a localização da fonte sonora e a distância em que o som foi produzido”. A simples descoberta de direção, ou do material pelo qual o som foi produzido já torna a interação do aluno maior, fugindo da monotonia da sala de aula. E essa interação com o universo sonoro pode ser aplicada a todas as disciplinas escolares e todos os conteúdos, mesmo que com uma perspectiva lúdica, haja vista que atrairá a atenção dos alunos para uma metodologia didática diversificada. Como apontam Faria e Santos (2017, p. 9),
educadores utilizam a música ainda como uma simples forma de passa tempo ou algo para ser vivenciado apenas nos dias de festividades ou comemorações; haja vista que, muitas escolas ainda trabalham a música como uma linguagem apenas de datas, apresentações, movimentos prontos e repetidos, fazendo dessa vivência, algo mecânico, sem sentido e com hora marcada. Essa postura afasta as verdadeiras vivências e possibilidades que a música habita, pois enquanto linguagem a mesma cabe em qualquer lugar, a qualquer momento, comandando atividades, proporcionando prazer, atenção e interação.
Entretanto, deve o professor considerar que a música é um dos melhores meios de persuasão na sociedade, posto que ela parte não apenas de letras, mas de ritmos e melodias que envolvem amplamente as emoções, despertando sensações que podem corroborar com o convencimento e a captura de informações novas, ou novas descobertas cognitivas que atrelam a inteligência emocional e uma mudança de postura social. Conforme Faria e Santos (2017, p. 9-10),
o docente precisa trabalhar a música de forma diversificada e integrada ao contexto e aos objetivos que deseja alcançar, ele deve associá-la com temas específicos; uma vez que, ela sozinha não abrange toda a educação; ela é sim, um subsídio que facilitará as práticas do educador e a aprendizagem das crianças.
Se trabalhada de forma planejada, significativa e contextualizada, a música, então, torna-se uma importante aliada na aprendizagem de qualquer conteúdo, observando, certamente, o estágio de desenvolvimento dos educandos. Além disso, deve-se ter em mente que “o trabalho com a música tem como enfoque o desenvolvimento global da criança respeitando sua individualidade, seu contexto social, econômico, cultural, étnico e religioso, entendendo a criança como um ser único e com características próprias” (FARIA; SANTOS, 2017, p. 11).
2.3 A MÚSICA (EM)CAIXA?
Conforme Albuquerque (2019, p. 125), “a música pode ser um tema muito interessante para os projetos escolares que estejam atrelados à aprendizagem, podendo ser uma experiência harmônica dentro da sala de aula”. Ainda para Albuquerque (2019, p. 126),
a escola precisa oferecer aos alunos oportunidades de ouvir música sem texto, pois é de enorme importância, pois as músicas letradas acabam remetendo sempre ao conteúdo da letra, mas a música instrumental ou vocal sem um texto acaba abrindo a possibilidade dos professores trabalharem de outras maneiras, a possibilidade de ouvir, perceber, sentir, deixando que a imaginação trabalhe, com as emoções, pode ser uma atividade muito interessante dentro de uma aula de pintura, ou desenho, ou quando as crianças precisam escrever um texto, uma redação sobre qualquer assunto, ou o que eles estão sentindo ao ouvirem essa música em especial instrumental.
Cruvinel (2008) acrescenta que a utilização de instrumentos musicais de modo coletivo pode ser uma ferramenta significativa e democratizante. Entretanto, metodologias, concepções e conceitos precisam de um aprofundamento sobre a temática, envolvendo essa perspectiva à produção do conhecimento individual e coletivo. Geralmente, a metodologia é o ponto mais importante das discussões sobre o uso da música em aulas, principalmente pensando-se em atividades em grupo. Como ministrar as aulas, quais conteúdos abordar, quais materiais serão necessários e como eles serão adquiridos, quantos alunos devem ser separados por grupo, a que idade essas atividades podem ser direcionadas, qual o nível de formação dos alunos é necessário, etc., são pontos frequentemente colocados como empecilho para tais atividades. Nesse contexto, segundo Oliveira Junior e Cipola (2017, p. 135),
a educação musical além de auxiliar no desenvolvimento de diversas habilidades, poderá auxiliar na aprendizagem dos alunos, lembrando sempre que qualquer atividade deve ser pré-planejada. Ao utilizar a música na sala de aula, é importante que o professor conheça o repertório a ser apresentado, comparando, assim, com as atividades que serão realizadas. Isso possibilita que os alunos construam relações significativas com a aprendizagem. Trabalhar com música não é simplesmente ligar o som e dizer que a escola oferece a disciplina de arte musical, é preciso ter consciência dos objetivos que se deseja alcançar através da música.
De acordo com Cruvinel (2008), não há uma metodologia que seja transformadora se não houver flexibilidade e abertura para se enfrentar o movimento contínuo das dinâmicas das salas de aula. Nesse contexto, Machado (2012) indica metodologias de pedagogia musical e estudiosos que desenvolveram trabalhos importantes. No que toca à metodologia desenvolvida por Carl Orff,
de forma gradual a criança passa de uma frase para um poema e do ritmo para uma melodia que irá ser acompanhada não só por instrumentos de percussão de altura indefinida mas também de altura definida como xilofone, o carrilhão, ou outro. Antes de a criança perceber os valores das figuras musicais ela vai realizar os ritmos com batimentos utilizando o corpo, a mesa ou noutros objetos. É de particular interesse a forma como este método conduz a criança à improvisação coletiva e o valor que isso acrescenta a nível pessoal e coletivo. Assim, tudo o que esta improvisação coletiva pressupõe não pode ser esquecido. Aspetos como o sentido social e de respeito pelo outro são obviamente promovidos por este tipo de vivência (MACHADO, 2012, p. 24).
Ou seja, mais uma vez fica demonstrada a importância da utilização do próprio corpo e dos sons naturais do ambiente para o desenvolvimento da percepção sensorial da música, e os instrumentos de percussão se colocam como um primeiro impulso à objetivação da subjetividade dos sons. Machado (2012) ainda acrescenta que Orff foi o criador de instrumentos inspirados na cultura africana, cujo objetivo era a utilização por crianças, com técnicas de manuseio que exploram os movimentos e as sensações corporais. Também nesse sentido, Barros, Marques e Tavares (2018, p. 12-13) afirmam que
em um contexto de sala de aula, o cantar espontâneo ou dirigido pode acionar os sistemas da linguagem, da memória, e de ordenação sequencial, pois quando cantamos e associamos este ato a movimentos corporais, estamos colaborando para o desenvolvimento dos sistemas de orientação espacial e motor, e quando esta atividade é feita em sala com a presença de outras pessoas, desenvolve o sistema do pensamento social.
Nessa perspectiva, é importante recordar que, como indica Albuquerque (2019, p. 126),
nosso país é rico em produção musical, favorecendo e muito o trabalho com música, pois temos um vasto material a ser desenvolvido com as crianças de qualquer faixa etária. O professor tem um papel muito importante nesse trabalho de resgate da música brasileira, precisando valorizar essa aproximação das crianças com os valores culturais de nosso país.
Isso significa que assim como a utilização de instrumentos voltados para a cultura africana e a importância que precisa ser dada ao conhecimento da própria cultura, no Brasil, a grande variedade de sons musicais tende a ser um estímulo muito eficiente para a formação da criança, criando laços com a própria cultura (ALBUQUERQUE, 2019).
Esses instrumentos criados por Orff e enunciados por Machado (2012) buscavam estabelecer um primeiro contato dos alunos com a música de forma rápida e o mais naturalmente possível, levando à compreensão do próprio corpo em associação constante com os sons, inspirando a musicalidade e o desenvolvimento de diversos ritmos de forma orientada e com a menor pressão que se possa exercer sobre a criança. O estilo musical africano favorece essa percepção.
Figura 3: Instrumentos inspirados na cultura africana para serem utilizados com crianças na aprendizagem musical – criados por Carl Orff
Esses princípios musicais de Orff vão de encontro com o que foi proposto por Kodály, que apresentou como princípios o fato de que “somente música com um elevado valor artístico, quer seja folclórico/popular ou erudita, deve ser utilizado no processo de ensino musical” (MACHADO, 2012, p. 26), e, além disso, esse músico propagava que “músicas folclóricas e canções tradicionais do país de origem da criança são a base da instrução da linguagem musical para a criança” e que “cantar é a melhor base para a musicalização” (MACHADO, 2012, p. 26). Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 44) coadunam com essa ideia, e declaram que
essa linguagem transforma-se em recurso didático na medida em que é chamada para responder perguntas adequadas aos objetivos propostos, um deles mais centralmente que é o de promover o desenvolvimento dos conteúdos programáticos a partir do processo de transformação de conceitos espontâneos em conceitos científicos. [...] Tais considerações nos permitem acreditar que a música pode facilitar a compreensão do aluno [...].
Nesse sentido, “é possível levantar a hipótese de que o aluno, nas situações em que a música é utilizada como recurso didático, se identifica com o assunto, podendo transformar seus conceitos espontâneos em conceitos científicos” (MOREIRA; SANTOS; COELHO, 2014, p. 45). Para Kodály, “música deveria ser o centro de um currículo educacional, a matéria central no ensino infantil” (MACHADO, 2012, p. 26). Assim, é válido recordar o que apontou Teixeira (2017, p. 11): “quanto maior a quantidade de estímulos, maior será o desenvolvimento intelectual”. E, além disso,
se a aprendizagem, em sala de aula, for uma experiência de sucesso, o aluno constrói uma representação de si mesmo como alguém capaz. Se ao contrário, for uma experiência de fracasso, o ato de aprender tenderá a se transformar em ameaça. O aluno ao se considerar fracassado, vai buscar os culpados pelo seu conceito negativo e começa achar que o professor é chato e que as lições não servem para nada (CAETANO, 2019, p. 1.348).
Quando o educador trabalha em cima de músicas consegue atrair a atenção e a boa disposição do estudante, ademais de facilitar a aprendizagem e a fixação dos conteúdos por parte da criança. Como instrumento pedagógico, em sala de aula a música é uma ferramenta, e, quando se estabelece metas e finalidades no processo de aprendizagem do educando, atrelando conteúdo à música, auxilia-se o desenvolvimento do estudante e a construção do conhecimento. Analisar o papel que a música pode ter dentro da escola, portanto, é provocar as condições para que a própria música se expanda e aja na aprendizagem de maneiras mais espontâneas. Santos (2019) afirma que a música pode ser usada em qualquer área de conhecimento e campo de atuação. Não há restrição. Como acrescentam Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 47),
o uso da música pode ocorrer de forma tradicional, com um professor de música e um conhecimento mais específico sobre o assunto, pode também ser aplicado por outros professores de outras áreas de ensino, com o uso de equipamentos como rádios, aparelhos de som e letras com interpretação ou ainda pode também ser trabalhada com o uso de tecnologia digital. O uso de softwares para ensino de música, já é uma realidade no mundo e pode ser aplicada na construção de conhecimento aliando prazer a tecnologia.
Há apenas a necessidade de planejamento e criação para essas condições, e, dentro dessas condições é importante entender que
não podemos condicionar as crianças ficarem restritas em apenas um estilo musical, como por exemplo, apenas o uso das músicas infantis em sala de aula, elas precisam ser conduzidas a buscar mais identidades musicais da sua civilização e também ter contato com as músicas de outra cultura para que seu repertório seja ampliado (SANTOS, 2019, p. 1.673-4).
Assim, faz-se necessária a expansão do universo de ritmos, envolvendo culturas diferentes, dentro e fora do conceito de nacionalidade, e os instrumentos de percussão são o primeiro passo para esse contato com ritmos diversos. Cruvinel (2008) aponta que a sistematização de metodologias voltadas para o uso da música em sala de aula fomenta o engajamento da comunidade interna e externa da escola, aumentando as possibilidades de sucesso das atividades de modo exponencial, mas, “para tanto, é preciso investir no treinamento de professores especializados, pesquisar e discutir permanentemente as questões didático-metodológicas que envolvam os variados processos de ensino-aprendizagem” (CRUVINEL, 2008, p. 9).
A música precisa encontrar sentidos na vida dos alunos, ser significativa, para que o conhecimento musical faça parte da formação integral dos estudantes mediante o conceito musical. Nesse contexto,
o Ensino Coletivo de Instrumento Musical poderá chegar ao contexto escolar caso os educadores musicais e as administrações escolares “comprem” a idéia, sistematizando metodologias adequadas para a realidade de cada escola e investindo na capacitação de professores especializados para sua implementação (CRUVINEL, 2008, p. 11).
Como indicam Moreira, Santos e Coelho (2014, p. 47),
o professor de Educação Infantil e Anos Iniciais, com conhecimentos em educação musical, além do trabalho musical em si, poderão compreender, com mais clareza, os objetivos da educação musical no espaço da aula, rompendo com práticas tradicionais, fragmentadas, que se sustentam, sobremaneira, no adornamento de rotinas da escola.
Chiqueto e Araldi (2008) apresentam propostas pedagógicas de atividades musicais em sala de aula, realizadas em um projeto denominado Sons Alternativos na Educação Musical Escolar, a partir do qual são determinadas algumas sugestões para que professores possibilitem a aprendizagem musical aos alunos de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Tais atividades apontam referências metodológicas e conceituais capazes de sustentar a ação docente de modo flexível e prazeroso, construindo alternativas de articulação, criação e experimentação, análise e escuta através de um caderno didático cujas ações se fundamentam em três eixos: apreciação, execução e criação. A proposta parte do fazer, fruir e investigar por parte dos estudantes, gerando situações de conhecimento e vivência, desenvolvimento, percepção e criatividade. Esses sons alternativos são produzidos e propagados através de instrumentos criados com objetos do cotidiano, com o corpo e com a natureza, ampliando todas as possibilidades de expressão musical.
De acordo com Chiqueto e Araldi (2008), a música não é um dom limitado para alguns poucos e restrito a outros. Não é um privilégio, mas algo que se aprende com a convivência e a experiência. Não é necessário que o sujeito tenha uma voz super afinada ou habilidades com algum instrumento específico, mas tudo pode surgir de diferentes visões do ritmo e das ferramentas dadas. A complexidade dessa compreensão acaba levando ao afastamento da música do ambiente escolar, mas quando os alunos têm esse contato, são despertados e desenvolvem prazer pelo ritmo. O desenvolvimento musical, assim, mesmo partindo de abordagens inovadoras e alternativas, pode acontecer com todos os alunos, independentemente da sua formação musical. Acrescente-se que isso também é aplicável aos professores. Conforme os autores,
para uma melhor exploração do tema, deverão ser realizados: criação de instrumentos musicais com sucata, exploração de sons e ritmos com a percussão corporal e instrumental, prática de exercícios de percepção e improvisação musical e formação de grupos para a criação de performances (CHIQUETO; ARALDI, 2008, p. 4).
Essa educação musical dentro das escolas, sobretudo, “não visa à formação do músico profissional. Objetiva, entre outras coisas, auxiliar crianças, adolescentes e jovens no processo de apropriação, transmissão e criação de práticas músico-culturais como parte da construção da cidadania” (HENTSCHKE E DEL BEN, 2003, p. 181; apud CHIQUETO; ARALDI, 2008, p. 7).
Assim também declaram Oliveira Junior e Cipola (2017, p. 139): “a música não deve ser vista e usada como uma ferramenta exclusiva a formação de futuros músicos, mas sim como uma ferramenta indispensável no desenvolvimento da criança”. Os autores ainda declaram que
é necessário que os professores reconheçam que são mediadores de cultura, dentro do processo educativo, portanto, poderão aproveitar os meios que tem em mãos para criar e recriar, a sua maneira, dando condições as crianças de construírem seus conhecimentos sobre música, é claro que ele não precisa ser especialista em todos os aspectos, mas devera sim, estar atentos a todas as dimensões que dizem respeito a criança e a sua formação, incluindo o papel da música, que é fundamental para o desenvolvimento do ensino aprendizagem, como também um veículo social, que ajuda a criança a superação [...] Quando a música é percebida pelo professor como fonte de ensino aprendizagem, as ações mais comuns realizadas no dia a dia se transformam em vivencias capazes de estimular o seu desenvolvimento. É preciso que haja uma conscientização coletiva de todas as esferas da educação formal, que a música é tão importante quanto as demais áreas do conhecimento e portanto fundamental para o processo de ensino aprendizagem (OLIVEIRA JUNIOR; CIPOLA, 2017, p. 139-140).
Chiqueto e Araldi (2008) apresentam grupos que atuam de formas alternativas, como o Barbatuques, que usam o próprio corpo para misturar sons, melodias e harmonias diversas, palmas, pisadas com intensidades diferentes, vozes, e todo tipo de sons que se pode explorar com o corpo.
Figura 4: Grupo Barbatuques - Percussão corporal
A simples utilização de vídeos com a atuação desse grupo pode fomentar discussões profícuas sobre ritmo e formas de alcance de sons, pode auxiliar na exploração de práticas sonoras criativas aproveitáveis em sala de aula, pode aproximar a música brasileira da africana, da cubana, mediterrânea, eletrônica, etc. (CHIQUETO; ARALDI, 2008).
Outro grupo que realiza atividades semelhantes, embora mais voltadas para a comédia é o grupo Stomp, originário da Inglaterra, que aceita participação de artistas do mundo inteiro. A língua desse grupo é o ritmo (CHIQUETO; ARALDI, 2008).
Figura 5: Grupo Stomp – Percussão, Ritmo e Comédia Visual
Em uma das atividades propõe-se exercícios de percussão corporal com estalos de dedo, batidas no peito, batidas na bochecha, vácuos de boca, sapateados, estalos de língua, assobios, percussão vocal, sopros, etc. Em seguida, propõe-se uma sequência desses sons “Estalo de Dedo (mão direita), Palma, Estalo de Dedo (mão direita), Peito (mão esquerda)” (CHIQUETO; ARALDI, 2008, p. 16). Acrescenta-se sons vocais como tsss, tsss, intercalando com ah, ah, conforme a criatividade.
Em outra atividade, pode-se dividir grupos e cada um deles realizará um som vocal e corporal. Por exemplo, meninos podem vocalizar hummm e estalo de dedo, meninas vocalizam hei, hei, e batem o pé, meninos vocalizam tum, tum e dão dois passos e duas palmas, meninas vocalizam ê, aê e alternam com o grupo anterior os passos e palmas. Ou ainda com quatro grupos, pode-se designar o primeiro vocalizando tsss tsss, o segundo vocalizando uh uh, o terceiro batendo os pés em marcha, e o quarto dando palmas de duas em duas. Na medida em que os grupos se habituam com o som que estão emitindo, novos sons ou movimentos corporais podem ser acrescidos, como os estalos de dedos, batidas no peito, vocalizações curtas e longas em ô, ma, hei, etc. (CHIQUETO; ARALDI, 2008).
Chiqueto e Araldi (2008) apresentam também um grupo que confecciona seus próprios instrumentos, o que pode ser feito com estudantes. O grupo Uakti utiliza vidros, tubos de PVC, pedras, metais, garrafas, cabaças, borracha, latas de refrigerante, água, cabos de vassoura, bexigas, baldes, colheres, bambu, etc. Tudo o que existe pode criar som e se tornar um instrumento. A atuação inovadora do Uakti lhe rendeu reconhecimento internacional devido à inovação e criatividade. Explora-se a sonoridade em tudo, aportando um caráter primitivo e irreverente.
Figura 6: Fabricação alternativa de pandeiro e instrução de uso
Figura 7: Fabricação alternativa de flauta d’água e instrução de uso
Figura 8: Fabricação alternativa de chocalho e instrução de uso
Oliveira e Oliveira (2014) questionam o porquê de se utilizar percussão nas escolas, afirmando que uma das respostas possíveis para esse tipo de pergunta seria, obviamente, a ludicidade e a aprendizagem de modo empírico, partindo da sonoridade e da diversão. Especialmente, esse tipo de atividade estimula a curiosidade e o desejo de encontrar novos desafios relacionados ao ritmo, novos objetivos mentais dentro do processo educacional, atraindo os alunos e, igualmente, os professores que se envolvem nessas ações. Outra resposta possível estaria associada à própria produção sonora e à manipulação dos instrumentos e do corpo. Chiqueto e Araldi (2008) afirmam que existe uma paisagem sonora que pode servir de inspiração e de ferramenta para a produção dos mais variados sons, e há atividades que podem ser realizadas, inclusive, com gravações desses sons da natureza e sons presentes nas cidades ou no campo.
Figura 9: As paisagens sonoras utilizáveis
A experiência individual e coletiva da música desenvolve trabalhos de composição rítmica excelentes e estimulam a expressividade e a sensibilidade sem limitações. Instrumentos de percussão proporcionam liberdade de produção de som, e atrelado ao que existe na natureza e na sociedade, uma grande variedade de timbres. Oliveira e Oliveira (2014) corroboram a proposta de que os objetos do cotidiano podem ser usados na fabricação de instrumentos musicais, e, além disso, sugerem:
Perguntem aos alunos se existe algum instrumento de percussão na sala de aula. A primeira reação deles será olhar em volta, procurar, perguntar se o professor não está tendo algum tipo de vertigem... Talvez algum aluno bata sobre a carteira, então, ponto para ele! E era só isto que tinha de material em classe? E aquele cesto de lixo ali no canto... é um ótimo tambor. E o balde da limpeza, também seria ótimo, assim como os espirais dos cadernos que dão um belo reco-reco. Ou seja, queridos professores, deixem sua imaginação criar novas sonoridades junto com a sua turma... será muito bom!!! (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2014, p. 67).
Sobretudo, diante de tudo o que já foi apresentado, deve-se ressaltar que
cabe ao professor propor uma metodologia para o ensino da música e das artes em geral, que utilize a realidade de cada um como ponte para a ampliação do conhecimento dos outros alunos e professores, com vistas a encontrar o acesso para uma reflexão/construção ética e estética, acerca das diferentes formas de produção cultural e sua utilização como objeto para a educação (URIARTE, 2004, p. 247).
Ou seja, “a música trabalhada de maneira correta, gera um grande resultado como recurso didático” (MOREIRA; SANTOS; COELHO, 2014, p. 48). Oliveira e Oliveira (2014) acrescentam que grãos e outros materiais podem ser trazidos para a escola e participarem da criação de instrumentos alternativos e originais em uma experimentação que tende a ser desafiadora e rica para alunos e professores. Um mesmo material em quantidades diferentes também proporciona sons diferentes, e essas experiências estimulam cada vez mais a aprendizagem musical na sala de aula, tornando a escola um espaço mais divertido e prazeroso. Assim, percebe-se que a escola não possuir instrumentos ou um professor de música formado na área não é um argumento suficientemente forte para que não se utilize a música em sala de aula e como ferramenta pedagógica. E, mais que isso, as imposições dos materiais didáticos ou projetos seguidos nas escolas também não são suficientes para que a música não aconteça.
MARCO METODOLÓGICO
3.1 CONTEXTO DE INVESTIGAÇÃO
A cidade de Boa Vista concentra dois terços da população estadual (63,11%), com população estimada de 399.213 para o ano de 2019 e densidade demográfica de 49,99%. A cidade possui 162 escolas de nível Fundamental e teve 56.346 matrículas registradas no ano de 2018, e 2.510 docentes, últimos dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE, 2019). Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é considerado alto (0,752), e a taxa de escolarização entre os 6 e 14 anos de idade é de 96,6%.
3.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA
No que toca aos métodos de procedimentos da pesquisa científica, Marconi e Lakatos (2010) indicam que constituem as concretas da investigação, cuja finalidade, em termos explicativos sobre os fenômenos pressupõem atitude concreta limitada a algum domínio particular. No escopo das Ciências Sociais, dentre esses principais métodos se encontra o estudo de caso. Gil (2008) acrescenta que o estudo de caso se caracteriza pelo estudo profundo de um ou mais objetos, para que se possa alcançar um conhecimento mais amplo sobre esses objetos. Especialmente, o estudo de caso visa a “explorar situações da vida real cujos limites não estão claramente definidos” e também “descrever a situação do contexto em que está sendo feita determinada investigação” (GIL, 2008, p. 58). Para Yin (2005, apud GIL, 2008, p. 58), “o estudo de caso é um estudo empírico que investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto de realidade”.
3.3 ENFOQUE
O trabalho desenvolvido e o tipo de pesquisa determinaram os caminhos da análise realizada. Adotou-se no decorrer deste trabalho a abordagem qualitativa de investigação, e, de acordo com Marconi e Lakatos (2010), o método qualitativo pode ser considerado exploratório e auxiliar na pesquisa científica. A base do paradigma qualitativo está na interpretação de uma dada realidade sociocultural, e não especificamente na quantificação dessa realidade.
Destaca-se que o novo paradigma da ciência coloca o método qualitativo dentro de outra base de concepção teórica na mensuração, processamento e análise de dados científicos, atribuindo-lhe valor fundamental no desenvolvimento e consolidação da ciência em diferentes áreas. Ao lidar com ações e fatos relacionados ao comportamento, conceito e produtos que envolvem a ação humana, o pesquisador está trabalhando com palavras, gestos, arte, música e vários outros fatores carregados de simbolismo, não podendo ser quantificados, mas interpretados de forma particular, segundo a singularidade do contexto (MARCONI; LAKATOS, 2010).
3.4 ALCANCE DA PESQUISA OU NÍVEL DE AGRUPAMENTO
Conforme explica Gil (2008), pode-se agrupar tipos diferentes de pesquisa, que acabam por ser distintas em três níveis: a explicação, a classificação e a descrição. Visto de outro modo, as pesquisas científicas podem ser classificadas como exploratórias, estudos voltados para a verificação de hipóteses causais, ou explicativas, e estudos descritivos. Gil (2008, p. 28) afirma que as investigações descritivas “têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno”, e, além disso, “dentre as pesquisas descritivas salientam-se aquelas que têm por objetivo estudar as características de um grupo”, o que se relaciona com o objetivo do presente trabalho. Desse modo, esta pesquisa é caracterizada como descritiva.
3.5 POPULAÇÃO E AMOSTRA
Gil (2008, p. 89) declara que “quando um pesquisador seleciona uma pequena parte de uma população, espera que ela seja representativa dessa população que pretende estudar. Para tanto necessita observar os procedimentos definidos pela Teoria da Amostragem”. A amostra, segundo Gil (2008, p. 90), é um “subconjunto do universo ou da população, por meio do qual se estabelecem ou se estimam as características desse universo ou população”.
Nesse contexto, a Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte atua somente com o Ensino Fundamental, e em 2018, como já foi apontado anteriormente, teve 400 matrículas conforme a Fundação Lemann (QEDU, 2019).
Quanto à amostra participante, a pesquisa contou com as respostas de 10 funcionários da escola, sendo um deles o coordenador e os demais professores que atuam com o 3º ano do Ensino Fundamental. Ressalta-se que a escola em questão possui 15 professores e 5 gestores educacionais, o que significa que de uma população de 20, houve 50% de aquiescência ao trabalho. Foi afixado um pedido formalizado diante da diretoria da escola na sala dos professores, e aqueles que estivesses espontaneamente dispostos a participar, responderam aos questionários e assinaram termo de consentimento.
3.6 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS E ESTRUTURAÇÃO DA ANÁLISE
O foco desta pesquisa foram as metodologias e didáticas com uso da música nas salas de aula do Ensino Fundamental I. Neste trabalho, o objetivo foi diagnosticar a situação da Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, no que toca à utilização da música como instrumento didático, auxiliando no processo de ensino e aprendizagem.
Esta pesquisa buscou compreender como as aulas no Ensino Fundamental podem se tornar mais atrativas para os alunos, para, dessa forma, melhorar o processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, foi realizado, para além da pesquisa bibliográfica que deu suporte ao referencial teórico, um questionário semiestruturado (Apêndice), aplicado a professores e ao coordenador da Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada no município de Boa Vista, em Roraima, Brasil.
Através do questionário, pode-se conhecer o que fazem, opinam ou pensam os sujeitos da pesquisa, mediante perguntas realizadas por escrito, as quais o participante pôde responder sem a presença do pesquisador. A estruturação das perguntas propostas foi feita mediante a delimitação de alguns eixos, e pode ser analisada no quadro 1, a seguir:
Quadro 1: Estruturação do questionário por eixos temáticos
Eixo 1 | Caracterização dos participantes quanto à formação e tempo de carreira (9 professores e 1 coordenador). |
Eixo 2 | Conhecimento que os participantes têm acerca do PPP e da presença de projetos voltados para a utilização da música na escola. |
Eixo 3 | Como os participantes entendem os objetivos e possibilidades da música na expansão das capacidades cognitivas no processo de aprendizagem. |
Eixo 4 | Quanto os participantes utilizam a música em suas aulas, como se sentem em relação à sua capacitação para o uso dessa ferramenta pedagógica. |
Eixo 5 | Qual é o suporte que a escola oferece para que a música seja utilizada como suporte pedagógico. |
Fonte: A pesquisadora
Este tipo de análise de dados organizada por eixos temáticos é proposto por Minayo (2014, p. 315), que afirma que a “noção de tema está ligada a uma afirmação a respeito de determinado assunto”. Isso significa que é possível estabelecer diversos vínculos entre as perguntas adotadas em um questionário, gerando dados que podem ser demonstrados por meio de textos ou gráficos, facilitando a interpretação das respostas, na busca pelo alcance de uma solução para a pergunta problematizadora e para o objetivo da pesquisa.
Ao estabelecer esse método, o instrumento de coleta de dados, as técnicas e o tipo de pesquisa utilizados para constituir esta pesquisa foram elencados a partir de dois dos objetivos específicos, traçando-se os principais eixos temáticos que deles poderiam ser extraídos.
Quadro 2: Relação de pontos dos objetivos específicos com a compreensão do questionário por eixos temáticos
Eixo 1 | formação docente | Caracterização dos participantes quanto à formação e tempo de carreira (9 professores e 1 coordenador). |
Eixo 2 | análise da legislação e das políticas educacionais associados à música | Conhecimento que os participantes têm acerca do PPP e da presença de projetos voltados para a utilização da música na escola. |
Eixo 3 | perspectiva histórica da utilização da música no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem | Como os participantes entendem os objetivos e possibilidades da música na expansão das capacidades cognitivas no processo de aprendizagem. |
Eixo 4 | processos de formação docente e formas de utilização da música em sala de aula | Quanto os participantes utilizam a música em suas aulas, como se sentem em relação à sua capacitação para o uso dessa ferramenta pedagógica. |
Eixo 5 | políticas educacionais internas voltadas para a utilização da música em sala de aula | Qual é o suporte que a escola oferece para que a música seja utilizada como suporte pedagógico. |
Fonte: A pesquisadora
A análise dos dados possibilitou a apresentação dos resultados dos instrumentos aplicados, servindo de norteamento em todas as etapas da pesquisa. Os dados foram tabulados, analisados e comparados e ou relacionados com o que os estudiosos apresentados nos capítulos anteriores destacaram sobre a educação musical e sua instrumentalização metodológica na aprendizagem, o que será demonstrado no capítulo a seguir, no qual são expostos os resultados e a discussão, atrelados ao terceiro objetivo específico da investigação.
CAPÍTULO IV: RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dez questionários foram respondidos, considerando-se um do coordenador, que é graduado em Pedagogia e especializado em Gestão Escolar. Com relação à formação docente, oito professores possuem graduação em Pedagogia e um em Educação Física. Um dos professores pedagogos também possui licenciatura em Letras. Foram apontadas seis especializações e dois mestrados entre os docentes, sendo que das especializações citadas constam cursos voltados para Alfabetização, Psicopedagogia, e Orientação e Coordenação Educacional. O tempo de serviço apresenta variação de 5 a 33 anos de carreira.
Gráfico 1: Dados docentes e do coordenador
Após a análise de caracterização do corpo docente, foi questionado se a escola possui PPP, e é de se destacar que um dos professores declarou que não. Isso pode significar que o PPP não faz realmente parte da atividade didática, enquanto planejamento e missão estabelecida com a comunidade escolar.
Como foi indicado pela Fundação Santillana (2016), muitas unidades educacionais reproduzem o PPP sem a participação da comunidade, reproduzem burocraticamente, já que se trata de uma imposição da Secretaria de Educação. Quando a escola elabora um PPP pensando apenas no cumprimento das normas legislativas, acaba por, de certa forma, ignorar a programação necessária de projetos voltados para o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos, ou reproduzindo propostas que não são concretizadas, especialmente porque elas não saem do papel e não são conhecidas pelo corpo docente, pelos estudantes, pelos funcionários da instituição educativa, e pela comunidade. Os agentes sociais não atuam nas sequências de decisões pedagógicas, e não têm oportunidade de agregar seus próprios valores dentro da escola.
Oliveira (2019) também afirmou que o PPP foi instituído para funcionar como um plano orientador de ações e de práticas pedagógicas; e Lima (2019), nessa mesma direção, acrescentou que o PPP deve apontar aquilo que a escola defende, construindo sua identidade. É por isso que é tão significativo que os professores tenham conhecimento do que o PPP propõe e de seus projetos pedagógicos, e, além disso, que tenham a possibilidade de agregar suas ideias e propostas e ele, para que, como declarou Albuquerque (2019), seja possível que todas as capacidades dos alunos sejam desenvolvidas, incluindo-se o acesso às manifestações culturais. Ou seja, a elaboração conjunta e conhecimento do teor do PPP por parte de todos os atores sociais abre horizontes. Diante de uma resposta negativa de um dos docentes participantes da pesquisa, pode-se inferir que talvez as respostas afirmativas sejam consequência do conhecimento de que o PPP é obrigatório, e não porque ele realmente faz parte da atuação docente na escola.
Gráfico 2: A escola possui PPP – Projeto Político Pedagógico?
O coordenador, especializado em Gestão Escolar, tendo declarado que a escola possui um PPP, não respondeu a questão que indicava se o PPP contempla algum projeto voltado para o uso da música em sala de aula, e, declarando que a coordenação oferece ferramentas pedagógicas para que o professor a utilize música em sala de aula, não contestou também de que forma tais ferramentas são disponibilizadas.
Em seguida, questionou-se acerca dos objetivos do ensino da música com relação ao processo de aprendizagem. Uma vez que foi pedido para que escolhessem apenas uma opção, unanimemente os professores declaram que a música auxilia no desenvolvimento da capacidade de pensar de forma lógica e crítica.
Nesse sentido, quando foi perguntado se a música pode ou não facilitar a transmissão de conteúdos, todos os professores responderam afirmativamente, sendo que um deles não respondeu ao questionário integralmente.
Gráfico 3: Objetivos da música e a Educação
Deve-se ressaltar, como foi apresentado por Wazlawich, Camargo e Maheirie (2007), que a música faz com que se tornem mais evoluídos todos os sentidos, além das habilidades motoras, e, ainda, como apontado por Ongaro et al (2006) e por Pereira (2007), ela influencia na capacidade de concentração, atenção e memória. Isso porque atua, conforme Wazlawich, Camargo e Maheirie (2007) no fazer reflexivo, afetivo, social, histórico e volitivo dos significados que o sujeito vai construindo em seu desenvolvimento, opinião compartilhada por Ferreira (2006). Bürman et al (2002), nessa mesma direção, afirmaram que a música influencia o comportamento social e, ainda, o comportamento coletivo do ser humano, já que é um elemento simbólico das culturas, que age sobre a construção dos significados particulares que dá a tudo o que cerca o sujeito, algo que acontece, conforme declarado por Loeweinstein (2012) e Maheirie (2003), a partir das recordações de vivências anteriores.
Nesse sentido, Wazlawich, Camargo e Maheirie (2007) também afirmam que a música é utilizada como ferramenta de transmissão de ideias, de ideologias e de crenças, por meio da sua interiorização. Ou seja, utiliza-se a música para se transmitir conhecimentos prévios, e ela se relaciona com os conhecimentos recém-chegados, aportando novos significados individuais e coletivos. Pereira (2007), também nessa direção, acrescentou que a música serve de suporte para o professor quando ensina, e para o aluno quando aprende, especialmente porque a música repetida é entendida como atividade lúdica, e, por isso, menos cansativa. A música, então, é suporte de ensino e de aprendizagem ao mesmo tempo.
Igualmente, Albuquerque (2019) indicou que é necessário que os professores queiram uma mudança metodológica, já que a música é um suporte e um recurso didático que favorece o aluno em diversos campos, abarcando processos fisiológicos e emocionais e, além disso, facilita a transmissão do conhecimento. Assim, a música estimula diversas habilidades, dentre as quais também se pode indicar o estímulo à saúde física e mental, a compreensão da ciência e a aquisição de conhecimentos, como indicou Faria (2001) e a teoria vigotskiana, para a qual a música consolida estruturas mentais superiores das crianças; mas todos os professores indicaram que o objetivo da utilização da música em aulas é o desenvolvimento da capacidade de pensamento crítico e lógico, o que não é uma opinião equivocada, segundo o que foi apresentado pelos autores no decorrer deste trabalho, mas não é uma verdade única. Também Moreira, Santos e Coelho (2014) indicaram que a música promove benefícios físicos, mentais e psicológicos favoráveis para o desenvolvimento das crianças. Como a resposta foi limitada a apenas uma alternativa, entende-se que esse desenvolvimento do raciocínio é o mais importante na concepção dos professores, de todos eles.
Além disso, todos acreditam que a música facilita a transmissão do conhecimento, conforme a perspectiva de Wazlawich, Camargo e Maheirie (2007). Pereira (2007), Moreno (2011) e Loeweinstein (2012), que também indicam que o uso da música pode ser planejado pelo professor, adaptando diferentes realidades de aprendizagem e explorando os potenciais. Mas, embora os professores reconheçam a importância pedagógica da música, mais da metade não a utiliza em suas aulas, e um deles, mesmo tendo participado de alguma capacitação em torno da musicalidade, não a explora.
Gráfico 4: Capacitação docente e utilização da música nas aulas
No que toca aos professores que usam a música em suas aulas, o Docente 6 afirmou que utiliza “no início das aulas, para iniciar a rotina, e também conteúdos”. O Docente 8, por sua parte, diz que usa geralmente “para alfabetizar os alunos, para distinguir os sons diferentes”, enquanto o Docente 9 indicou que utiliza para “ditado de palavras, dinâmica de relaxamento e diversão”.
Cabe recordar Moreno (2011), para quem a música é fortalecedora e desenvolvedora das capacidades comunicativas e da aprendizagem fonética. Ao associar as letras e pronúncias, o aluno tem a possibilidade de, com a repetição daquela música, assimilar melhor essas questões linguísticas; opinião compartilhada por Pereira (2007), que afirma que a música enriquece também o vocabulário das crianças em 30%, além de melhorar o ritmo de fala, e a assimilação da relação som, grafia e significado lexical, agindo sobre a memória de longo prazo. Albuquerque (2019) e Santos (2019) também coadunam com essa ideia, e afirmam que a música agiliza os processos de aprendizagem mediante a sonorização, a motivação, o prazer, a expressividade, o aumento da participação, da afetividade e do raciocínio do aluno.
Foi perguntado ao coordenador se considera válido o uso da música em sala de aula, e lhe foi pedido que justificasse sua resposta, sendo que contestou afirmativamente, “por ser um recurso lúdico e abrangente que pode ser utilizado para trabalhar língua e os componentes linguístico, promove interação e motivação”, uma perspectiva que vai de encontro aos apontamentos de Machado (2012), Silva (2012), Moreira, Santos e Coelho (2014), Barros, Marques e Tavares (2018), Ponciano (2019) e Santos (2019), quando afirmam que as atividades lúdicas desenvolvem a inteligência das crianças.
Foram apresentadas razões pelas quais esses professores não usam a música em suas aulas, havendo a possibilidade de declarar a não utilização devido a não acreditarem na contribuição que a música pode aportar, à falta de tempo para preparar aulas com músicas, ou ao fato de não se sentirem capacitados para tais atividades. Tendo em vista que todos os docentes haviam afirmado que a música facilita a transmissão de conteúdos para os estudantes, já seria esperado que nenhum deles negasse a contribuição possível da música na aprendizagem e no ensino. É de se ressaltar que não houve nenhuma resposta também declarando a questão do tempo de preparo das aulas, mas todos os que não se servem da música nas aulas, não o fazem por se sentirem incapacitados, e, como foi dito acima, apenas um desses professores já participou de curso de capacitação musical.
É preciso ressaltar que mesmo que o professor não tenha uma formação específica da música, há atividades de formação docente que podem favorecê-lo, mas, ainda assim, com a planificação adequada de suas estratégias, e, posicionando-se como aprendiz, assim como seus alunos, também o professor tenderá ao desenvolvimento de suas habilidades e competências, conseguindo controlar melhor sua ansiedade, sua insegurança de atuação, como indicou Perrenould (2002), e como também declarou Medeiros (2013).
Quando o docente entende que não é dono de verdades absolutas e que também aprende cada dia em sala de aula, poderá se sentir mais livre para a utilização de metodologias que podem favorecer aos alunos e a si mesmo. Ou seja, mesmo que o professor não tenha formação, pode se colocar como aprendiz e se desenvolver junto com os estudantes. As atividades musicalizadas proporcionam esse crescimento de diversas maneiras, e, recordando Albuquerque (2019), a música tende a desenvolver habilidades, e, por isso mesmo, torna-se tema interessante para qualquer tipo de projeto escolar.
Sobre essa contribuição que a música pode aportar, foi pedido aos professores que assinalassem uma ou mais alternativas, apontando sua crença com relação a essa contribuição.
Gráfico 5: Sobre a contribuição da música na Educação
É notável que, podendo escolher quantas opções desejassem, mesmo tendo anteriormente afirmado que a música facilita a transmissão de conteúdos, apenas 4 apontaram que a música facilita a assimilação por parte do estudante. Ou seja, a música seria mais benéfica para o professor do que para o aluno? Ainda assim, nenhum dos docentes marcou a opção de que a música não oferece aporte.
Diante do posicionamento dos professores, também era importante saber se a escola oferece materiais e o suporte necessário para a realização de atividades musicais. As respostas foram contraditórias. Apenas dois professores afirmaram que sim, e os demais disseram que não, sendo que ainda houve um docente que marcou ambas as alternativas e especificou: “Sim = Caixa de som, microfone, TV. Não = Não possui bandinha com instrumentos rítmicos, rádio com toca CD” (Docente 4). Esse mesmo professor, que declarou usar a música em sala de aula e já ter participado de capacitação, também aponta que realiza as atividades eventualmente, já que “o programa IAB não dá muita abertura para atividades que envolvam música”.
Nesse contexto, é importante recordar o que foi apontado por Soares (2015), acerca da autonomia didática do professor e da definição do peso do recurso didático utilizado na escola, e, além disso, a indicação de Sousa et al (2016), considerando que o programa IAB engessa a atuação do professor. De fato, tal programa não apresenta atividades voltadas para a música, e determina tudo o que se realizará em sala de aula, obrigando o professor a seguir exatamente aqueles passos. Essa falta de autonomia do professor em programas com esse perfil vem crescendo, principalmente porque tais programas acabam elevando os índices e níveis de acertos dos estudantes em provas que medem a aquisição de conhecimento. Tem-se uma série de materiais didáticos que são criados e implementados nas escolas brasileiras voltados para um treinamento específico do aluno, no sentido de torná-lo apto a alcançar boas notas, mas não necessariamente a tornar-se sujeito de sua própria aprendizagem, ou a evoluir suas capacidades sensoriais e cognitivas superiores.
Ademais, também há que se recordar que, embora os professores da escola analisada apresentem queixas quanto à ausência de materiais e instrumentos apropriados para o uso da música em sala de aula, Machado (2012) já indicava as metodologias utilizadas por Dalcroze, Suzuki e Willems, que associam a voz e instrumentos de percussão, a aprendizagem do ritmo e a educação do ouvido como elementos fundamentais para esse desenvolvimento musical, e, consequentemente, cognitivo. O coordenador declarou que a escola proporciona caixa de som e lousa digital. Deve-se recordar que Pereira (2007) afirma que, mesmo que haja um programa predeterminado de curso, com seu conteúdo estipulado, o professor pode permanecer alheio à importância a facilitação que a música oferece.
Nesse contexto também é relevante recordar as atividades propostas por Chiqueto e Araldi (2008) e por Oliveira e Oliveira (2014), a partir das quais professores e alunos podem descobrir sons mediante seus corpos e os objetos normais do cotidiano de todos, como latas de refrigerante e grãos de feijão, grãos de arroz e milho, que proporcionam chocalhos com sonoridade distinta. Atrelados esses chocalhos aos movimentos corporais e vocalizações pode-se desenvolver e estimular cada vez mais a capacidade musical e a sensibilidade dos alunos e também dos professores. Oliveira e Oliveira (2014) enfatizam esse ponto, que o professor não precisa ser formado em música para proporcionar os discentes e a si mesmo essas experiências. O docente deve se entender como aprendiz e aproveitar das possibilidades que a música aporta.
No começo do presente trabalho, questionou-se: Qual é a realidade da utilização da música na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte e sua inserção no processo de aprendizagem, considerando-a como ferramenta para formação dos educandos?
Os resultados desta pesquisa indicaram que:
Todos os participantes acreditam que a música é uma ferramenta para o desenvolvimento do pensamento crítico e lógico dos estudantes.
Todos afirmaram que a música facilita a transmissão do conhecimento por parte do professor, explorando potenciais de aprendizagem dos estudantes.
Mesmo que 5 dos 10 participantes tenham já vivenciado alguma atividade de formação atrelada ao uso de música na escola, apenas 4 realizam atividades que envolvem música.
Os professores que não utilizam a música como ferramenta pedagógica, não o fazem por se sentirem incapacitados para isso. Se esses professores se posicionassem como aprendizes e se entendessem em processo contínuo de formação, talvez não se sentiriam inibidos diante da música, mas aprenderiam junto com os alunos, conforme foi demonstrado pelos estudos teóricos.
Há também a alegação da não utilização da música devido às imposições do material didático utilizado na escola, material que não apresenta nenhuma abertura para atividade musical. A questão do material didático leva a dois pontos: autonomia do professor, por um lado, e seu posicionamento diante do próprio material, por outro.
Houve conflito de respostas no que toca aos materiais disponibilizados pela escola para abordagens com metodologias musicais, sendo que a maioria dos participantes entende que não há na unidade ferramentas que permitam a inserção da música. Tal argumento não se viu corroborado pelos estudiosos analisados no decorrer deste trabalho, especialmente porque a música pode ser explorada até com a voz e o corpo, além de objetos do cotidiano escolar e familiar, em atividades criativas, lúdicas e alternativas; e, ainda, podem ser fabricados instrumentos que aportariam mais sensibilidade musical aos estudantes e professores.
Os docentes que utilizam a música o fazem especialmente como suporte na alfabetização e relacionam-na a questões linguísticas, ignorando-se a possibilidade de interdisciplinaridade que a música apresenta.
Diante do fato de que o coordenador não respondeu ao questionamento de projetos na escola e planejamento no PPP sobre a utilização da música na sala de aula, e, considerando que houve um docente que declarou não haver PPP na escola, infere-se que o PPP não propõe a música como projeto integrador, ou seja, a música não está inserida do plano de ação da escola.
Wolffenbüttel (2010) recorda que a falta de motivação, atrelada à redução dos gastos públicos em educação são fatores que acabam excluindo a música do espaço escolar, mas, ainda assim, Albuquerque (2019) aponta que se deve inserir nas escolas momentos específicos voltados para a música. Além disso, deve-se recordar o que afirmou Uriarte (2004, p. 256):
Considerando a escola como instância de construção e não de mera reprodução; construção que pretende refletir sobre a fruição estética como uma capacidade humana que se aprende e se refina, e que possibilita ao educando se construir e reconhecer como indivíduo e como ser social, aposta-se na arte como fator balizador, quando tem seu potencial devidamente impregnado nas relações sociais. Por meio da escuta e da invenção, a arte interage com os indivíduos, em seu cotidiano, fortalecendo suas práticas e dando sentido à sua história. As escolas são formas sociais que ampliam as capacidades humanas, habilitando as pessoas a intervir na formação de suas próprias subjetividades, para práticas que fortaleçam o poder social e as possibilidades da democracia.
Uriarte (2004, p. 256) também ressalta que ao processo e ao pensamento educacional cabe “a tarefa de instigar a atitude crítica das manifestações culturais, desmistificar a aculturação que aceita a miséria e a injustiça, oportunizando a atitude dialética que levará o homem em busca de sua autonomia e identidade”; e, ainda,
a arte traz ao homem o belo, o questionamento, o real, o sonho, a história, o social, o indivíduo, e é pela possibilidade de absorvê-la, de refletir sobre e de se deixar seduzir, que está a descoberta da interiorização, − que mostrará outra forma de perceber e viver a condição humana. É por meio da música, facilitando a formação do ouvinte crítico, despertando o compositor, o executante, o músico que cada um traz em si, que esta condição humana será exercida (URIARTE, 2004, p. 255-256).
Nesse sentido, atrelando-se os resultados obtidos neste trabalho, percebe-se que, embora haja alguns professores que utilizam a música como suporte para a alfabetização e para as questões linguísticas, a música não está inserida, de fato, na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte; e mesmo que os professores e o gestor entendam sua importância no processo de aprendizagem, considerando-a como ferramenta para o desenvolvimento dos estudantes, as iniciativas são esparsas, a disponibilidade de materiais é pequena, a motivação dos próprios professores e do gestor não fomenta a aprendizagem musical no espaço da unidade educacional, e não há indicação de projetos e planejamentos voltados para momentos musicais na escola.
Pode-se considerar como relevante e digno de retorno ao tema, a possível falha quanto ao PPP da unidade escolar. É preciso que haja consciência de que o PPP deve ser um instrumento coletivo. Pessoas que estão realmente envolvidas nas escolas e no ambiente educacional brasileiro sabem que o PPP, de fato, não faz parte das práticas pedagógicas reais. Muitos professores ingressam a trabalhar em instituições sem sequer terem lido o PPP, que permanece em uma condição de documento oficial, mas não aberto a todos. De certa forma, sabe-se que tanto professor, como qualquer membro da comunidade pode acessá-lo, mas o que se mostra na realidade é que ninguém o faz. O PPP não é, normalmente, criado na e da coletividade, mas tem servido, sistematicamente, para responder aos requisitos legais da Secretaria de Educação, fugindo, portanto, do seu objetivo inicial de democratização do ensino.
Além disso, a possível inexistência de menção à musicalização no PPP, diante da não obtenção de respostas acerca do tema, mostra que a música não é um ponto significativo para a unidade escolar analisada, e que tem sido utilizada mais como uma ferramenta superficial do que básica e essencial para o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Nesse sentido, é importante ressaltar que o estabelecimento no PPP de uma carga específica para a música poderia favorecer, inclusive, a que os professores se comprometessem mais com a questão, e, ainda, pudessem desenvolver sua didática, juntamente com sua própria musicalidade.
A disponibilização de materiais musicais por parte da escola certamente não é um empecilho para que sejam realizadas tais atividades, como ficou demonstrado. Desse modo, pode-se inferir que falta mais iniciativa dos educadores do que possibilidades de uso da música nas escolas de um modo mais eficiente e transformador.
Além disso, pensando que quase 50% dos professores já participaram de alguma capacitação envolvendo a musicalização, é questionável o fato de esse uso ainda ser tão escasso e delimitado a situações precisas de ensino. Ressaltamos que a música utilizada como ferramenta de aporte didático não poderia se restringir a uma disciplina, ou à forma como se ensina A ou B no escopo dos conteúdos escolares, mas ela precisa fazer realmente parte do processo de aprendizagem na escola, não em uma disciplina. Essa mudança de mentalidade é o que verdadeiramente poderia fomentar a utilização musical nas escolas e trazer contribuição relevante para o desenvolvimento educacional e a formação de sujeitos mais críticos, mais reflexivos, mais bem estruturados cognitivamente, com maior inteligência emocional e visão social.
Isso significa dizer que se os gestores escolares, em conjunto com professores e comunidade escolar se atentarem para a real importância da música no processo educativo e no desenvolvimento das crianças em todos os aspectos, possivelmente essa preparação profissional por parte dos docentes seguiria dois rumos: ou provocaria mais cursos específicos de formação, ou estimularia os docentes a se arriscarem a aprender de modo tão espontâneo quanto os alunos. Em qualquer dos casos, entende-se que os resultados podem ser benéficos, ainda que a boa formação musical possa contribuir mais significativamente.
Finalmente, resta um último ponto importante a retomar, em torno da postura do próprio professor com a utilização dos materiais didáticos, as imposições de determinados programas implementados nas escolas e a autonomia didática do docente. Esse ponto recai novamente sobre a questão do PPP e de como a gestão escolar e a comunidade, incluindo professores, enxerga a inserção da música. Imagine-se que o PPP da escola inclua momentos específicos de música. No processo de introdução de um projeto trazido para a busca de melhorias da nota global daquela unidade escolar, esse projeto não poderá ignorar o PPP e a necessidade de se cumprir com aqueles objetivos. Ou ao menos essa inclusão no PPP ofereceria subsídios para que os professores não se vissem engessados no material didático trazido pelo programa ou pelos órgãos governamentais.
Não se trata aqui de desqualificar programas ou reduzir sua relevância no desenvolvimento educacional brasileiro, mas de enfatizar a necessidade do uso da música nas escolas e apontar que essa inclusão musical pode e deve partir da própria escola, dos próprios docentes, da própria comunidade, tendo partido da compreensão de quão profundamente a música pode desenvolver os alunos nos mais variados aspectos físicos, psicológicos e cognitivos, pois, à parte do seu caráter lúdico, foi possível comprovar pela exposição de diversos autores, que a música é fundamental na construção do ser humano desde a Pré-História. Música não é só brincadeira e diversão. Música é parte do ser humano, é integração, é desenvolvimento cerebral, é combustível para todos os tipos de inteligência que se pretende alcançar, dentro e fora da escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, determinou-se neste trabalho que seria realizado um breve percurso em torno da perspectiva histórica da utilização da música no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, os efeitos provocados pela música no corpo humano, e, além disso, uma análise da música como ferramenta pedagógica, atrelando brevemente a legislação e as políticas educacionais aos processos de formação docente e formas de utilização da música em sala de aula.
Percebeu-se que a música é uma ferramenta que pode colaborar para a formação integral da aprendizagem e do desenvolvimento do cognitivo infantil. Por meio dela, a criança tem acesso ao mundo lúdico, tem oportunidade de se expressar e criar, envolvida no mundo das letras, números, regras e fórmulas. Ensinar utilizando a música como um meio de valorização de uma peça musical, do teatro, dos concertos, etc., além de promover o conhecimento de vários gêneros artísticos e musicais, ajuda a construir autonomia, criatividade, através da produção de novos conhecimentos.
No decorrer da educação infantil, a música pode ser utilizada para fins de higiene, hora do lanche, comemorações do calendário escolar, entre outras ocasiões. Mas a música na sala de aula não deve ser utilizada apenas como atividade lúdica, e sim como um instrumento de disciplina e de combate às dificuldades de aprendizagem e de memorização de conteúdo ou como um recurso pedagógico de ensino que pode se estender durante toda a educação básica, perpassando o Ensino Fundamental e Médio.
Nessa interação entre professores e alunos, a música como mediadora deve agir com o propósito de intensificar algumas características humanas, como a sensibilidade auditiva, a imaginação, a criação de músicas e letras, a comunicação, a interpretação, entre tantas outras possibilidades existentes. As atividades musicais não buscam a formação dos alunos para que eles se tornem músicos, mas a compreensão da linguagem musical, fomentando o desenvolvimento sensorial, a expressão das emoções, para que seja ampliada a capacidade cognitiva. Deve-se considerar que a aprendizagem precisa proporcionar mudanças internas durante a formação do sujeito.
Entende-se que a música tem o importante papel de promoção do ser humano, incluindo todas as crianças, sem a concepção de que só podem participar das atividades musicais os talentos naturais, ou seja, aqueles que possuem afinação espontânea ou maior facilidade. A linguagem musical defende a ideia da construção do conhecimento com base na vivência de cada ser, e, desse modo, todos têm direito de cantar, mesmo que sejam desafinados; todos podem tocar um instrumento, mesmo que não tenham senso rítmico apurado, já que que as competências musicais se dão com a prática regular e encaminhada por um educador, respeitando, valorizando e estimulando sempre o aluno à criação musical. Trabalhar atividades pedagógicas fazendo uso da música é estimulante, pois oferece condições de percepção musical, de melhora na sensibilidade, na construção do conhecimento, no raciocínio e em sua expressão corporal.
Percebe-se, então, que é muito importante o professor utilizar a música em sala de aula, procurando compreendê-la em sua plenitude, com todos os fatores que a constroem, buscando desenvolver o prazeroso trabalho de escutar os mais diversos sons e as suas composições. Mas, para que isso se torne um trabalho determinante e de qualidade, o professor deve se dedicar, atualizar-se e se fundamentar nesse processo, entendendo que pode viajar no tempo desde os primórdios das civilizações até a contemporaneidade e suas mais amplas variedades, incluindo a digital. A educação de qualidade é um desafio, que, ao ser devidamente enfrentado pelas instituições de ensino, promove a melhoria da qualidade do ensino. O professor precisa, sobretudo, entender-se como aprendiz ao mesmo tempo em que é mediador do conhecimento.
Foi visto que a prática docente tem que ser realizada de maneira mais comprometida com as necessidades e as diversas realidades dos alunos, utilizando-se de metodologias concretas e eficazes, como as atividades musicais e lúdicas para que consigam aprender de forma significativa, obtendo melhoria na qualidade da educação. Assim, os educadores estariam tentando, de fato, formar os alunos para serem agentes competentes, capazes de compreender realmente a sociedade em que estão inseridos através da música.
No que toca aos objetivos específicos, apresentar a música como ferramenta pedagógica na sala de aula, na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019; descrever a utilização da música no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019; e apresentar a representação mental ou posicionamento dos profissionais participantes da pesquisa com relação ao uso da música em sala de aula na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019; todos eles foram expostos no decorrer da discussão, contrapondo-se o referencial teórico disposto nos capítulos anteriores. Assim, foi possível no decorrer deste trabalho apresentar o posicionamento dos profissionais participantes da pesquisa com relação às concepções do uso da música em sala de aula, da estrutura da escola para uma abordagem metodológica que associe a música, dentre outros pontos, consumando o terceiro objetivo específico.
E, ademais, acerca da pergunta problematizadora central desta pesquisa, (Qual é a realidade da utilização da música na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, localizada em Roraima, Boa Vista, em 2019, e sua inserção no processo de aprendizagem, considerando-a como ferramenta para formação do educando?), notou-se que os professores entendem a importância da música na aprendizagem e a veem como facilitadora para a transmissão de conhecimentos, mais que na aquisição de conhecimento por parte dos educandos. Percebeu-se que muitas das concepções apresentadas pelos professores está de acordo com o que propõem os estudiosos, exceto por fatores, como, por exemplo, a questão da autonomia didática e utilização de materiais didáticos que não favorecem o uso da música em sala de aula. Contrapor as respostas dadas pelos participantes com as perspectivas dos estudiosos que abordam a questão da educação musical, da influência da música no desenvolvimento humano, das possibilidades de ensino e aprendizagem por meio da música foi um dos pontos mais relevantes deste trabalho.
Nesse contexto, o objetivo geral desta pesquisa foi concluído, na medida em que foi possível diagnosticar a realidade da utilização da música, como instrumento de suporte pedagógico, no escopo da Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte. Tal diagnóstico pode ser apresentado da seguinte forma: embora alguns professores utilizem a música como suporte para a alfabetização e para outras atividades de cunho linguísticos, percebeu-se que a música não está realmente inserida na escola analisada. Professores e gestor compreendem a importância da música no processo de aprendizagem, e a veem como ferramenta para o desenvolvimento dos educandos, mas, ainda assim, as iniciativas de uso dessa ferramenta são poucas. Por outro lado, a escola disponibiliza poucos materiais próprios para a exploração da musicalidade, e a motivação dos professores e do gestor não está voltada para a aprendizagem musical neste espaço educacional. Além disso, inferiu-se que não há projetos e planejamentos voltados para momentos musicais na escola.
Pode-se concluir, de uma forma mais generalizada, que o que acontece na Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte segue o mesmo padrão da maioria das escolas brasileiras, ou seja, gestores educacionais e docentes não enfatizam a música como instrumento facilitador e estimulador da aprendizagem e desenvolvimento das capacidades cognitivas dos estudantes.
RECOMENDAÇÕES
Recomenda-se a leitura deste trabalho a todos os profissionais da área da Educação, em especial aos professores das series iniciais do Ensino Fundamental, posto que é importante utilizar metodologias voltadas ao lúdico musical, fazendo da música um elemento didático nas aulas. É importante que os docentes deixem fluir a criatividade dos alunos, bem como as suas próprias, por meio da música, da exploração dos ritmos que podem ser extraídos por meio de quaisquer objetos e do próprio corpo.
Sugere-se à Secretaria de Educação do Município de Boa Vista – RR, que disponibilize instrumentos didáticos e paradidáticos para que os professores façam uso e possam utilizar a música em sala de aula como ferramenta facilitadora do processo de ensino e aprendizagem, inclusive abarcando o uso de instrumentos alternativos. Vale ressaltar também que é necessário que o governo disponibilize aos professores cursos de formação continuada, para que possam se aperfeiçoar e estejam sempre contribuindo significativamente para o aprendizado dos alunos, embora os educadores possam partir da inexistência de materiais e alcançar performances interessantes e criativas, que reforçam laços com a comunidade escolar, com os colegas e com a educação em si mesma.
Finalmente, novos estudos poderiam ser feitos no município, a fim de diagnosticar nas demais escolas a situação que foi analisada na Escola Municipal Aquilino da Mota. Dessa forma, estudiosos da educação e da música poderiam contribuir para a construção mais sólida e eficiente de novas políticas públicas, de políticas internas e planejamento nas escolas, fomentando a utilização da música, do corpo, do ritmo, da percepção e da sensibilidade em prol do desenvolvimento cognitivo dos jovens brasileiros.
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1 Dissertação apresentada ao curso de Pós Graduação Stricto-Sensu da Universidad Privada Del Sol, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Educação.
LISTA DE SIGLAS
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IAB – Instituto Alfa e Beto
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC - Ministério da Educação
PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais
PNLD - Programa Nacional do Livro Didático
PPP - Plano Político Pedagógico