A LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO: A DIALÉTICA ACERCA DO ENSINO REMOTO EM UMA PERSPECTIVA INCLUSIVA NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15186286
Antônio Adônnis Sátiro de Souza1
RESUMO
A pesquisa tem como objetivo fazer uma contextualização histórica acerca da Educação Especial e ainda relacionar o trabalho docente com as possibilidades de inclusão escolar. Para tal, faz-se uma revisão bibliográfica em legislações como a Constituição Federal (1988), a LBI-Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/15) e em documentos oficiais que resguardam o direito à educação para esse público, como os pareceres do CNE-CP nº 8, 10, 16/2020 entre outros documentos que no auge da pandemia mundial do Coronavírus (COVID-19), estiveram norteando o comportamento da sociedade em torno do tema educação, e dos cuidados necessários para a redução do contágio e ao mesmo tempo garantir aos estudantes o acesso a educação de forma igualitária e irrestrita. Este estudo vem fazer proposituras a respeito dos não-cuidados ao pensar na parcela populacional que precisa de suporte e acompanhamento educacional especial à luz da inclusão, na perspectiva do conceito de inclusão como deficiência do Estado em não conceder a garantia de acesso a todos os estudantes com deficiências, e a transferência dessa responsabilidade à escola que de algum modo, reflete os acontecimentos da sociedade em que está inserida. Nesse sentido, fomenta a discussão acerca do que pode ser feito para tratar de maneira igual os desiguais para que haja a efetivação da inclusão no ambiente escolar e mesmo fora dele, sem reforçar o preconceito, mas garantindo a individualidade do sujeito.
Palavras-chave: Lei Brasileira de Inclusão. Ensino Remoto. Legislação. Pandemia. Atendimento Educacional Especializado. Acessibilidade.
ABSTRACT
The research aims to make a historical contextualization about Special Education and also to relate the teaching work with the possibilities of school inclusion. To this end, a bibliographic review is carried out on legislation such as the Federal Constitution (1988), the LBI-Brazilian Inclusion Law (Law nº 13.146/15) and in official documents that protect the right to education for this public, such as the opinions of CNE-CP nº 8, 10, 16/2020, among other documents that, at the height of the world pandemic of Coronavirus (COVID-19), were guiding the behavior of society around the topic of education, and the necessary care to avoid contagion and while guaranteeing students access to education on an equal and unrestricted basis. This study comes to make propositions about non-care when thinking about the population that needs support and special educational monitoring in the light of inclusion, from the perspective of the concept of inclusion as a deficiency of the State in not granting the guarantee of access to all students. with disabilities, and the transfer of this responsibility to the school that somehow reflects the events of the society in which it is inserted. In this sense, it encourages the discussion about what can be done to treat unequals equally so that inclusion is effective in the school environment and even outside it, without reinforcing prejudice, but guaranteeing the individuality of the subject.
Keywords: Brazilian Law of Inclusion. Remote Teaching. Legislation. Pandemic. Specialized Educational Services. Accessibility.
1 Introdução
Historicamente, as pessoas com deficiência foram excluídas e deixadas a margem da sociedade por não se adequarem ao princípio de normalidade construído socialmente. Tem-se como padrão aceitável aquela pessoa que é forte, saudável, homem cisgênero e produtivo, além de outras características de cunho físico. A população, de modo geral, persegue esse tipo ideal, uma vez que o distanciamento desse padrão caracteriza a anormalidade.
O estudo faz uma revisão bibliográfica de dados de pesquisas e artigos que evidenciam que durante o isolamento social, ocasionado pela pandemia de saúde mundial causado pelo Coronavírus no início de 2020, surgiu como dilema nas escolas de todo o mundo, a problemática de ensinar a distância, alunos que não estavam preparados para estudar por meio desta modalidade de ensino, com professores que não estavam preparados para ensinar neste formato, aliados a uma tecnologia existente mas inacessível de forma ampla. Isso significa que todos estavam isolados socialmente por todos os lados, a princípio por quinze dias e logo depois da edição da Lei 13.979/2020 sem previsão de retorno à ‘normalidade’.
Alunos e professores passaram a se conectar de forma totalmente remota, e na sequência através de uma nova modalidade de ensino, recém-criada, diferente da EaD (que tem uma sistematização), chamada de ensino remoto nas instituições escolares, o que vem a ser um dos objetos deste trabalho, bem como os seus desdobramentos para atendimento a todas as categorias de estudante, incluindo pessoas com necessidade educacional especializada.
Este trabalho contudo, dialoga com a ideia de que, há que se questionar, como é possível haver inclusão da pessoa com deficiência, se o professor se encontra distante de todos os seus alunos e o suporte necessário para acontecer o método inclusivo, aparenta ser uma peça ausente deste processo, e, ainda aduz refletir na propositura, de como se daria o processo de ensino e aprendizagem remota ao aluno que sequer fora incluído na totalidade em sua rotina de sala de aula?
O trabalho em questão busca evidenciar que a partir dos estudos e fatos à luz da lei, a falácia de inclusão se faz presente.
No cenário de alunos com acesso limitado ou nenhum às ferramentas da tecnologia, cabem inquietações sobre a falta de suporte aos alunos com deficiência ou sem conectividade para garantia constitucional dos seus estudos, seja o acesso total e irrestrito às ferramentas e os cuidados necessários para garantir o acesso.
Este modelo falacioso de inclusão, ao ser debatido, resulta no contato com os conhecimentos produzidos sobre o tema à exaustão.
De acordo com Mafra (2007), a pesquisa bibliográfica, modelo utilizado para concatenação de ideias, congrega a leitura da produção acerca da temática de investigação, os apontamentos de elementos relevantes do texto entre o princípio e a prática por meio da descrição e síntese resultaram na reflexão dos aspectos emergentes que contribuem para determinado campo do conhecimento, neste caso a educação inclusiva.
2 A Lei Brasileira de Inclusão, contexto histórico e definição
Até 2015 não existia no Brasil uma lei específica que assegurasse os direitos da pessoa com deficiência (PcD). Até este marco, eram utilizados vários dispositivos de lei, cada um em sua seara o que dificultava a compreensão de quais eram as obrigações e necessidades daquelas pessoas que necessitavam de alguma forma de reparação social que os colocasse em pé de igualdade para com os outros.
Cada lei dentro da sua própria perspectiva dispunha de dispositivos que tentavam de alguma forma incluir as pessoas com deficiência no contexto geral, inclusive atribuíam à pessoa o peso de lidar com a questão de ser “deficiente” até mesmo na nomenclatura para se referir às pessoas com alguma deficiência.
O termo Pessoa com Deficiência (PcD) passa a ser oficializado pela Lei Brasileira de Inclusão em 6 de julho de 2015, por meio da Lei nº 13.146, que teve como uma das principais conquistas, dar um novo sentido ao termo deficiência,
(Art.2) “Aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Isso significa que esta lei que veio para consolidar a terminologia que trata a deficiência como sendo a dificuldade encontrada pela nossa sociedade de adaptar seus espaços para que possam ser usufruídos por todo mundo, e não a dificuldade personificada inerente à pessoa deficiente. Este conceito relativamente novo, pois foi instituído pela primeira vez em 1992, na Organização das Nações Unidas, (ONU), por ocasião da celebração do primeiro dia Internacional da Pessoa com Deficiência.
Sendo assim, o contexto de deficiência deixa de ser um atributo inerente à pessoa e passa a ser considerada a deficiência do Estado em reconhecê-las como tal.
2.1 O nascimento do ensino remoto na perspectiva inclusiva
Partindo do pressuposto que a educação é para todos em atenção ao PNE - Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), em sua meta número 4 que regimenta “Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado (AEE), preferencialmente na rede regular de ensino.” e sob a égide da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 9394/96) no seu Capítulo V, do Artigo 58, que trata sobre a Educação Especial, observa-se que, é chamada de educação especial “para os efeitos da Lei, [...] a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educando portador de necessidades especiais”, que em uma prática inclusiva deve ser viabilizada, e destarte, aplicada.
As escolas de todo país, atenderam a demanda emergencial de ‘suspender’ as atividades presenciais de ensino, contudo não se pensou em uma proposta que pudesse atender aos estudantes com necessidades educacionais especiais. Esta afirmativa é dada na leitura do parecer 11/2020 do Conselho Nacional de Educação, que no seu item 8, redige:
Enquanto durar a situação de pandemia, somente deverão retornar às aulas presenciais ou ao atendimento educacional especializado por indicação da equipe técnica da escola, ou quando os riscos de contaminação estiverem em curva descendente. O CNE recomenda que o atendimento educacional especializado aos estudantes de Educação Especial, incluídos aqueles com deficiência, transtornos do espectro autista e altas habilidades ou superdotação, seja oferecido de acordo com as seguintes orientações:
[...]
O atendimento deve ser ofertado, pelos sistemas de ensino, em atividades não presenciais ou presenciais, a partir de uma avaliação do estudante pela equipe técnica da escola. O estudante e suas famílias devem ser contatados para informar as possibilidades de acesso aos meios e tecnologias de informação e comunicação;
[...]
Os professores do Atendimento Educacional Especializado deverão elaborar com apoio da equipe escolar, um Plano de Ensino Individual (PEI), para cada aluno, de acordo com suas singularidades; (Conselho Nacional de Educação, D.O.U. de 3/8/2020, Seção 1, Pág. 57) [grifos do autor].
A análise do discurso do parecista é: “a partir de uma avaliação do estudante pela equipe técnica da escola”. É posto que o sistema educacional sofre com a falta de professores, haja vista, o que tem sido notícia em veículos de comunicação de grande abrangência2, quando se analisa os dados de falta de professores e profissionais multidisciplinares ou qualificados nas escolas públicas, há que se refletir, se pelo menos 50% dos professores sequer têm formação na área de atuação das disciplinas básicas do ensino3, o quanto não se falta em educação especial, ou inclusiva?
Estes dados só aumentam quando trazemos a sala de aula para a residência do aluno, que alia a esta deficiência docente, à falta de conexão com a internet ou a falta de ferramentas, para a conexão necessária.
O discurso se torna vago e falacioso, e a transferência da responsabilidade do ensinar e do aprender para o professor é no mínimo preocupante, pois mesmo com a edição da Lei 14.172/2021, em que o ‘Congresso Nacional’ promulgou no sentido de garantir acesso e conectividade a alunos da rede pública cadastrados no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal), de comunidades indígenas e quilombolas e professores da educação básica, na tentativa de garantir a estes grupos o acesso ao ensino remoto, ainda não atende especificamente os alunos com necessidades educacionais especiais, seria talvez por ser mais uma questão político-partidária do que de acesso a educação?
Nota-se à exaustão nos pareceres (CNE-CP nº 5, 8, 10 e 16/2020) que o atendimento especializado foi via de regra direcionado aos professores e as escolas, estes deveriam elaborar um plano escolar individual. Afirma-se no documento que a educação e a saúde não estavam em patamares diferentes, colocando ambas as áreas como pares de uma forma a entender que entre uma ou outra prevaleceria a saúde e a prevenção ao contágio pelo Coronavírus, mas enfatizando que a educação é importante, mas não tratou ambas como iguais, mesmo sendo direitos sociais nas garantias fundamentais da Constituição (Art.6º e LBI Art. 8º).
Contudo, observa-se nos pareceres que ao tempo que defende o direito à saúde, e a integridade dos estudantes com deficiência das mais diversas formas, foge da responsabilidade de abraçar a causa e planejar algo específico para este público com deficiências.
Por meio deste parecer, o Conselho Nacional de Educação (CNE) é enfático e conclusivo que a responsabilidade acerca do planejamento das atividades hibridas ou remotas, sejam tarefas da escola e dos docentes, transferindo e terceirizando esta obrigação que ora é do Estado.
O parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) deveria fazer a mea culpa4 e traçar metas específicas com objetivos claros, que apontassem a origem e a destinação dos recursos para tal, mas apenas deixa claro o que as escolas já fazem, que é se desdobrarem para tentar encontrar uma solução para um problema que nem sempre está a seu alcance pois quase nunca contam com o apoio de profissionais multidisciplinares e sofrem inclusive com a falta de professores, como é de notório saber, veiculado por meio das mídias e contatado na vivência acadêmica.
A pandemia, acentuou a falta de acesso aos recursos escolares a pessoas com necessidades educacionais especiais e pessoas com deficiência, mas era como se a pandemia estivesse acontecendo mais para as pessoas que não sofrem de nenhum tipo de limitação do que para as outras, pois as pessoas com necessidades especiais, não são lembrados com a mesma e devida ênfase.
A princípio, não se observa abordagem capaz de acolher e fornecer o tratamento devido às pessoas que estejam amparadas pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146 de 6 de julho de 2015) que prevê assegurar e promover a igualdade de condições das demais pessoas e que pudesse garantir o exercício dos direitos e liberdades destas pessoas.
Devido ao estado de pandemia, criou-se quase instantaneamente uma ‘nova modalidade de ensino’ pensando no grupo majoritário de pessoas matriculadas, e mais uma vez, como se as pessoas com deficiência não existissem, ao menos foram citadas pelos veículos de comunicação, quiçá pelo Ministério da Educação, e a luta para continuar a oferecer educação para todos continuou sendo daqueles que já são minorias e não tem voz ou vez.
2.2 A responsabilidade pela garantia do ensino às pessoas com deficiência no contexto de pandemia
As escolas públicas e privadas de todo o país, passaram a se mobilizar para atender a demanda escolar de seu público, em obediência ao parecer CNE/CP nº 5/2020, aprovado em 28 de abril de 2020, que oferecessem aulas em modalidade não-presencial, ou seja remota ou regime híbrido de atendimento aos seus estudantes.
Algumas escolas optaram por envio de atividades para serem feitas em casa, por meio e grupos de WhatsApp ou similares, ou ainda, que os pais retirassem tarefas impressas nas escolas, da forma como conseguiam, e estas atividades eram realizadas sem critérios claros, ou sem explicação docentes, sendo devolvidas na semana seguinte para serem “corrigidas” pelos professores.
Neste contexto conturbado, nunca visto na história da educação do país, monta-se a dúvida, sobre o processo de inclusão de alunos com deficiência sejam múltiplas ou não em detrimento aos alunos que não tem deficiência.
Não se trata apenas das condições de estar presencialmente na escola, há que se pensar nos alunos que não tem acesso a equipamentos de informática, da mesma forma que os alunos sem deficiência estiveram desamparados, por falta de conexão internet ou mesmo de computadores. Este fato material foi levantado pela pesquisa C6 Bank/DataFolha, que apresenta em números absolutos cerca de quatro milhões de brasileiros com idade entre 6 (seis) e 34 (trinta e quatro) anos abandonando os estudos em 2020, sendo cerca de 15,4% da educação básica.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a educação básica é composta por Educação Infantil, Ensino Fundamental, e Ensino Médio (Lei 9394/96) e de acordo com a pesquisa divulgada pelo Instituto Alicerce em 14 de janeiro de 2022, pelo menos 10,6% deste público são de classes D e E. A pesquisa, aponta que os estudos da UNICEF demonstram que entre estados brasileiros que adotaram a modalidade remota de ensino, apenas 15% distribuíram dispositivos aos alunos e menos de 10% deram subsídios para acesso a internet, resultando em 3,7 milhões de estudantes sem acesso a atividades escolares por não conseguirem estudar em casa.
É posto pela nossa Carta Magna 1988 (Art. 205) como responsabilidade do Estado garantir a todos de forma ampla e irrestrita o acesso à educação e aos meios que a faça chegar a todas as pessoas, e tanto professores quando alunos tiveram dificuldades de conexão com a internet, enfrentaram o aumento desenfreado dos custos para compra de equipamentos de informática, devido à grande procura por causa da escassez causada pela pandemia e isso foi mais um passo para um aumento deste hiato no arcabouço na educação.
Ao acompanhar a leitura do parecer do Conselho Nacional de Educação,(CNE-CP Nº 10/2020) constata-se que muito se defendeu a saúde, e pensou-se em usar a menção de todos os dispositivos de lei, a exemplo da LBI (Lei Brasileira de Inclusão, Art. 10, Título II do direito à vida, “Em situações de risco, emergência ou estado de calamidade pública, a pessoa com deficiência será considerada vulnerável, [grifo do autor] devendo o Poder Público adotar medidas para sua proteção e segurança”.
Contudo, questiona-se: quais as medidas fornecidas e facilitadas pelo poder público para atender estas crianças? De maneira geral, houve atendimento a crianças e professores?
A pesquisa do IEDE e do Instituto Rui Barbosa de junho/2020 aponta que no período de pandemia, à época em que o estudo foi feito, as secretarias de educação afirmam que têm bom controle dos estudantes que tem acesso aos conteúdos ofertados, e que este monitoramento mostra o recebimento das atividades realizadas, e não à verificação do aproveitamento, porque os professores, reportam dificuldades em lidar com as ferramentas digitais [grifos do autor].
A partir desta pesquisa, aumenta a preocupação em todas as frentes de ataque à falta de acesso à educação às crianças com deficiência ou necessidades educacionais especiais em pandemia, pois percebe-se que o ensino remoto, não parece surtir o efeito necessário, além de observar que não há necessariamente a atenção do poder público em garantir a estas crianças o apoio desejado, seja com informações aos pais, de como ajudar na execução de tarefas de crianças com altas habilidades, que estejam no espectro autista ou ainda crianças com mobilidade reduzida, com DI ou surdas etc .
Ao observar a grande dificuldade dos professores em lidar com as tecnologias em estado de pandemia, logo se imagina como seria o convívio ou o contato destas crianças com as tecnologias, antes deste ‘estado’ nos laboratórios das escolas, faz-nos questionarmos se as crianças com deficiências, tem contato com os laboratório de forma regular e sistematizada.
No parecer nº 8, do CNE/2020, observa-se grande preocupação em reafirmar que as crianças com deficiência ‘não serão expostas ao vírus’ (SARS-CoV-2) e que resguarda a vida, e cita o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, quando coloca o “dever da família, da sociedade e do estado, de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação...” além de outros direitos, no inciso II do mesmo artigo, obriga a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para pessoas com deficiência física, sensorial ou mental (CNE parecer 8/2020), contudo, não se localiza no documento estes programas, ficando a cargo das escolas.
O documento parecista do Ministério da Educação editado pelo CNE, evoca, de maneira arbitrária, a continuidade do processo de aprendizagem dos estudantes, baseada nas competências e habilidades explicitadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sem considerar o aprofundamento das desigualdades sociais brasileiras e as especificidades dos alunos, “[...] desconsiderando a função social da escola e, ainda, sem a problematização do processo de ensino e aprendizagem no contexto não presencial” (Mascarenhas, Franco, 2020, p. 3).
Deste modo, há que se questionar, se não houve negligência por parte do Estado em dar o suporte necessário aos estudantes com necessidades educacionais especiais, neste caso em específico a alunos que necessitam por exemplo do amparo da Lei 14.181 de 3 de agosto de 2021, que alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos, uma lei editada em plena pandemia, que não surtiu efeitos ou não tem apresentado os devidos resultados esperados está posta como pano de fundo para o cenário de exclusão de pessoas surdas ou com deficiência auditiva. Ou seja, existe no papel, na prática nem tanto!
Far-se-á a leitura dos parágrafos 1 e 2, do Artigo 60-A da lei em epígrafe:
§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio educacional especializado, como o atendimento educacional especializado bilíngue, para atender às especificidades linguísticas dos estudantes surdos.
§ 2º A oferta de educação bilíngue de surdos terá início ao zero ano, na educação infantil, e se estenderá ao longo da vida. (Brasil, 2021).
O agravo à esta questão envolve a falta da fala e da escuta, da questão da aplicabilidade do lúdico no ensino que já reverbera desde a sanção da Carta Magna em 1988, e já se arrastara desde antes, agora, contudo, na questão do ensino remoto.
Imagina-se uma criança surda, que depende do contato visual, seja com intérprete de Libras, ou com o professor na tentativa e captar a comunicação residual por meio do contato com os colegas, o quanto seria complexo para que esta criança se comunique com o seu professor de forma que se faça ser compreendida.
Não há menção nos pareceres do CNE para estes casos também.
2.3 Ensino Inclusivo, Ensino Integrado e alunos excluídos
Segundo o Censo Escolar de 2020, o Brasil tinha 1,3 milhão de crianças e jovens com deficiência na Educação Básica e em maio de 2020, de acordo com uma pesquisa realizada pela Undime, Itaú Social, Unicef, Plano CDE e Cieb, em uma pesquisa em 3.978 (três mil novecentos e setenta e oito) redes municipais já pensando nos protocolos de retorno às aulas presenciais, constaram que os respondentes da pesquisa, representavam 70% (setenta por cento) do total de matrículas das redes municipais do país.
Os resultados revelam o seguinte: 83% (oitenta e três por cento) dos alunos das redes públicas vivem em famílias vulneráveis com renda per capita de até 1 (um) salário-mínimo.
A reorganização do calendário escolar durante a pandemia, foi uma ação necessária que definiu uma nova configuração de trabalho, reinventou uma nova rotina para os estudantes e atribuiu aos docentes uma nova modalidade de trabalho e a estes incumbiu-se a todo momento a responsabilidade de levar a todos os estudantes de forma generalizada e irrestrita os conteúdos inerentes à turma que lecionava desfavorecendo ainda mais a educação pública brasileira, que historicamente luta pela garantia do ensino de qualidade para todos os estudantes.
O parecer de número 16 do CNE/CP nº 16/2020, esclarece que estando ainda em regime de pandemia,
Em qualquer caso, deve-se considerar a necessidade de oferta de AEE, para todos os estudantes com deficiência, Transtornos do Espectro Autista (TEA) e altas habilidades ou superdotação, durante e após essa emergência sanitária, com acolhimento inclusivo, com disponibilização de profissionais qualificados para atendimento especializado, acessibilidade curricular, metodologias adequadas, materiais didáticos próprios, tecnologias assistivas, além de todos os cuidados sanitários e de saúde que atendam às singularidades de cada aluno, para enfrentamento dos riscos de contágio por COVID-19.
Insistentemente o discurso que prevê a educação para todos, é o mesmo que direciona para a escola e professores a responsabilidade de ensinar em modalidade remota, contudo não aponta ações que contribuam com o apoio necessário ao docente, seja com suporte pedagógico, psicológico ou de cunho assistencial, com equipamentos ou condições de acesso, como reforça o parecer CNE/CP nº 16/2020, aprovado em 9/10/2020.
Os profissionais do AEE e professores das escolas devem buscar alternativas para manter o contato social com os estudantes, para que não haja perda do vínculo e do sentimento de pertencimento dos educandos aos ambientes de escolarização e atendimentos especializados; e - As aulas e interações on-line devem propiciar comunicações interpessoais, sempre que possível, para que os alunos não percam o vínculo com a sua turma. Cabe aos sistemas de ensino, na oferta de escolarização e do Atendimento Educacional Especializado, promover a acessibilidade nas atividades não presenciais ou remotas aos estudantes da Educação Especial (Brasil, 2020, p. 7-8).
De certo modo os professores precisaram utilizar da mão de obra da família em apoio e suporte ao atendimento a crianças com necessidades educacionais, enquanto por outro lado o Estado atribuía a escola esta responsabilidade. Mais uma vez a família se responsabiliza na totalidade do apoio educacional às crianças, com necessidades educacionais especiais, sendo estas já sobrecarregadas pela tarefa de trabalhar e prover o sustento para a família em um cenário de economia já prejudicada pela escassez de serviços de saúde atingidos pelo auge da pandemia, pela falta de trabalho etc.
Contudo, sendo dever do Estado assegurar o direito à educação, terceirizar a responsabilidade para a família é antecipar uma espécie de política de ‘ensino domiciliar’ que já não é simples para as crianças em condições usuais de ensino, e para crianças que possuem necessidades educacionais especiais seria um ultraje para com os pais.
Se a Constituição alude “que a família deve proteger os seus filhos de qualquer forma de negligência e discriminação”, (Brasil, 1988), lutar contra essa falta de suporte em razão da deficiência é uma forma de lutar contra a discriminação.
2.4 A contradição na educação de pessoas com necessidades educacionais durante a pandemia
As incertezas oriundas do contexto pandêmico, trouxeram algumas novas surpresas além das que já estavam postas na perspectiva inclusiva, porém somadas às naturais crises que ocorreriam pelo já incerto cenário que os estudantes com alguma deficiência se inseriam, surge o decreto de lei nº 10.502 de 30 de setembro de 2020, no momento mais crítico que a pandemia se instaurava no Brasil e no mundo. Este decreto que instituiu a Política de Educação Especial: equitativa, inclusiva e ao longo da vida.
Essa Política configura-se como um retrocesso em relação a Política Nacional de Educação Especial - Educação Inclusiva PNEE-EI (Brasil, 2008), pois prioriza a decisão da família sobre os serviços e os recursos do atendimento educacional especializado (AEE) dos professores-PAEE, além de regularizar a escolarização desses sujeitos em espaços não escolares. Na prática esse decreto retira a obrigatoriedade do Estado em ofertar a matrículas desses estudantes nas escolas regulares, além de retomar a proposta das classes especiais e das escolas especializadas, violando o direito à educação da pessoa com deficiência (Brasil, 2020). Logo entende-se mais uma vez, o país retorna à dialética da discussão da escola inclusiva e da escola integrada como foi no passado antes da LDBEN de 1996.
Diante de um cenário de pandemia e das transformações que podem ocorrer em um formato de educação especial, um decreto como tal, em detrimento a esforços para garantir ao estudante com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação (AH/SD), um sistema educacional inclusivo que atenda às suas especificidades mesmo na modalidade hibrida, deveria ser a prioridade, pois a forma como este público aprende não é igual ao grupo majoritário, e não deixa de ser importante assegurar a total assistência a este alunado.
O Estado deve fornecer condições de acesso, ainda que com computadores ou dispositivos móveis, internet para acessibilidade real, que contribua para o desenvolvimento psíquico e garanta o atendimento destes jovens, e não escolher entre a garantia da participação social e a segregação, porque isso não é escolha (Angelucci, 2020).
A segregação pressupõe um olhar limitador ante a deficiência das pessoas, ou seja, as exclui da participação na sala de aula comum e não contribui para o desenvolvimento das pessoas com deficiência (Jannuzzi, 2012).
E esta segregação reforça o compromisso do mínimo esforço da luta pela educação inclusiva e quando na pior das hipóteses não dá a segurança necessária para as famílias e as crianças que necessitam de um atendimento especializado de forma natural, o que já é por si só um fardo, pois se para ter direitos iguais for preciso lutar, fazer questionamentos, enfrentar burocracias para se fazer valer seus direitos, o país está indo na mesma contramão, de que para ter direito à saúde ter que abrir mão da educação ficando em casa sem as mínimas condições de acesso que deveria ser gratuito por força de lei.
3 Considerações Finais
Este trabalho de revisão bibliográfica, teve a proposta de viajar pelo contexto histórico e dialético do Brasil durante os dois últimos anos de pandemia, visitando as legislações e observando os discursos do Conselho Nacional de Educação, face a um cenário conturbado de suspensão de atividades de aulas presencias e instauração de protocolos emergências de atendimento escolar.
Há que se imaginar quão difícil tem sido posicionar-se durante uma pandemia e ainda, ter que ‘escolher’ a quem primeiro socorrer, ou mesmo a quem priorizar em um cenário em que todas as pessoas estavam vulneráveis, a um vírus desconhecido que ameaçava de extinção parte da humanidade.
Esta pesquisa, aponta as questões dialéticas em torno do discurso de tentar direcionara a ‘educação de todos’, e de localizar responsáveis para tratar a deficiência de acesso para um grupo de alunos que historicamente já sofre pela desassistência, os quais precisam de leis que lhes garantam o acesso básico a educação, e o simples direito de ser tratados em pé de igualdade com os demais.
A dialética desse estudo rumou ao redor situações que, encontram saída para o grupo majoritário, ou pelo menos tenta mascarar a situação, dando suporte àqueles que tem em casa a condição necessária para acesso remoto às aulas, e em grande escala determina que os professores tenham a responsabilidade de fornecer o ensino com metodologias ainda não adaptadas, fora do seu contexto de sala de aula, utilizando os próprios equipamentos de comunicação sejam celulares, tablets, computadores sem o total controle do uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação como sendo aquele que iria contornar a deficiência do sistema público de ensino.
Esta dialética histórica e este materialismo pouco definido, vem corroborar com todo o cenário que já conhecemos: que o país tem dinheiro para a educação, mas que o gasta mal, e que por este fato, aliados a outros tantos não consegue dar a educação igualitária que todos os estudantes merecem, em reforço a ideia política que não concede a devida atenção aos grupos minoritários, mesmo que por força de lei, tenham a esperança de serem atendidos com o mínimo, que é a educação igualitária e universal.
Esta educação utópica vem transformando o papel do professor em mediador do processo de ensino-aprendizagem para que ele se responsabilize por propor flexibilizações nos métodos, nos moldes e nos conteúdos trabalhados em sala de aula (ainda que virtual) para incluir esse alunado no desenvolvimento das atividades escolares e tentar fechar os olhos para as questões políticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Graduação em Ciências Sociais. Licenciatura em Pedagogia e Filosofia. Especialização em Psicopedagogia. Especialização em Metodologias e Gestão para Educação a Distância. Especialização em Alfabetização e Letramento e Educação Infantil. Mestre em Tecnologias Emergentes em Educação pela Must University. E-mail. [email protected].
2 Jornal Hoje. Rede Globo, edição de 6 de abril de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2022/04/06/escolas-sofrem-com-falta-de-professores-nas-salas-de-aula.ghtml.
4 Fazer o mea-culpa: reconhecer o erro ou a culpa.