A INSERÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA LOGÍSTICA: IMPLICAÇÕES PARA A EFICIÊNCIA OPERACIONAL E A COMPETITIVIDADE NA CADEIA DE SUPRIMENTOS

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15567319


Allan Patrick da Silva1
Luciana Maria Guimarães2


RESUMO
O presente trabalho discute o uso da Inteligência Artificial (IA) nas operações logísticas, atento às mudanças trazidas pelas tecnologias emergentes e seus efeitos sobre eficiência, sustentabilidade e adaptação das cadeias de suprimentos. Mais do que descrever tendências, buscou-se analisar de que forma a IA vem sendo aplicada a atividades como previsão de demanda, roteirização inteligente, automação de centros de distribuição, logística reversa e gestão de resíduos — sempre sob a perspectiva da transformação digital e da Logística 4.0.
Recorreu-se, para isso, a uma abordagem qualitativa, sustentada em revisão bibliográfica sistemática de fontes acadêmicas e técnicas. A seleção priorizou publicações entre 2006 e 2024, um período em que o avanço da tecnologia no setor logístico ganhou força inédita. Além da análise da literatura, foi incorporado um estudo de caso, que ilustrou de maneira concreta a aplicação da IA na roteirização de entregas em uma operação de e-commerce. Os resultados desse caso chamaram atenção: melhorias no tempo de entrega, redução significativa no consumo de combustível e, de quebra, aumento no índice de satisfação dos clientes. A questão norteadora não se limitou a perguntar se a IA gera benefícios, mas em que medida ela tem realmente redefinido práticas logísticas tradicionais e ampliado o desempenho organizacional. As evidências reunidas apontam que a adoção da IA potencializa agilidade, precisão e sustentabilidade, transformando fluxos logísticos que antes dependiam de intuição em sistemas orientados por dados e decisões automatizadas. Vale observar que, embora os resultados sejam animadores, as análises revelaram variações no olhar dos autores: alguns enfatizam aspectos operacionais e de eficiência; outros, impactos estratégicos ou ambientais mais amplos. Não há uma única leitura, mas a convergência sobre a importância da IA como eixo central da logística do futuro é clara. Conclui-se, portanto, que integrar IA nas operações logísticas já não é mais tendência, mas realidade para empresas que almejam não apenas inovação e competitividade, mas também maior alinhamento com práticas sustentáveis. Ainda há desafios no percurso, é verdade, mas o movimento de transformação parece irreversível — e, talvez, justamente por isso, tão fascinante.
Palavras-chave: inteligência artificial; logística 4.0; cadeia de Suprimentos; automação; sustentabilidade.

ABSTRACT
This paper discusses the use of Artificial Intelligence (AI) in logistics operations, focusing on the transformations brought by emerging technologies and their impacts on the efficiency, sustainability, and adaptability of supply chains. Rather than simply describing trends, the study aimed to analyze how AI has been applied to activities such as demand forecasting, intelligent routing, warehouse automation, reverse logistics, and waste management — all through the lens of digital transformation and Logistics 4.0. A qualitative approach was adopted, supported by a systematic literature review of academic and technical sources, prioritizing works published between 2006 and 2024, a period of rapid technological evolution in the logistics sector. To complement the bibliographic research, a case study was incorporated, illustrating the practical application of AI in delivery routing for an e-commerce operation. The outcomes were significant: improved delivery times, reduced fuel consumption, and notable growth in customer satisfaction.The central research question went beyond confirming benefits; it sought to understand how deeply AI has redefined traditional logistics practices and enhanced organizational performance. The findings indicate that AI drives agility, precision, and sustainability, transforming decision-making processes that were once dependent on human intuition into data-driven, automated systems. It is worth noting that while the benefits are evident, the literature reveals varying perspectives: some authors emphasize operational gains, others highlight strategic or environmental impacts. Despite these nuances, there is a clear convergence around the centrality of AI to the future of logistics. It can be concluded that integrating AI into logistics operations is no longer a mere trend but a reality for companies aiming to achieve innovation, competitiveness, and sustainable practices — a shift that seems, in many ways, both inevitable and compelling.
Keywords: artificial intelligence; logistics 4.0; supply chain; automation; sustainability.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o mundo corporativo passou por transformações que não foram apenas profundas — foram aceleradas. Globalização, consumidores mais atentos e uma exigência quase implacável por inovação redesenharam o cenário competitivo. Dentro dessa lógica que não admite acomodação, a logística deixou de ser vista como simples coadjuvante encarregada de transporte e armazenagem. O jogo mudou. A logística passou a ocupar espaço estratégico, quase invisível para quem olha de fora, mas absolutamente essencial para o funcionamento das engrenagens organizacionais.

Hoje, falar em logística é falar de conexão. De fluxos — materiais e de informação — que articulam fornecedores, organizações e clientes, numa cadeia cada vez mais entrelaçada e, não raramente, imprevisível. A capacidade de reduzir custos e impulsionar a produtividade é apenas parte do que se espera. Mais que isso, espera-se que a logística seja capaz de gerar valor de forma sistemática, sustentando vantagem competitiva ao longo do tempo. Novaes (2021) oferece pistas para compreender essa mudança de paradigma ao destacar o papel da logística como vetor de competitividade e integração.

O ponto é que essas cadeias de suprimentos modernas estão longe de ser lineares ou controláveis na base da intuição. Elas envolvem uma rede de variáveis instáveis: múltiplos canais de distribuição, demanda flutuante, riscos operacionais que aparecem sem aviso. Nesse ambiente volátil, confiar apenas na experiência e nos métodos tradicionais não basta. Ballou (2006) já havia indicado que coordenar atividades logísticas exige sistemas tecnológicos robustos, preparados não só para lidar com a complexidade, mas para antecipá-la.

Nesse cenário, não surpreende que a Inteligência Artificial tenha saído da posição de promessa para assumir protagonismo. Com algoritmos capazes de aprender padrões e prever tendências, a IA adiciona uma camada de inteligência às decisões operacionais que antes dependiam de processos lentos e, muitas vezes, baseados em suposições. O fortalecimento da Indústria 4.0 trouxe, junto com a IA, a integração de ferramentas como Internet das Coisas (IoT) e big data — uma arquitetura de dados que transforma cadeias logísticas inteiras em organismos dinâmicos e conectados. Turban e Volonino (2016) já alertavam para isso ao defender que, em cenários de alta complexidade, a inteligência tecnológica deixa de ser um diferencial e passa a ser um pré-requisito.

Não é teoria. As mudanças já são palpáveis no cotidiano das operações. Sistemas inteligentes rastreiam cargas, antecipam demandas, ajustam estoques de maneira quase autônoma. E fazem mais: permitem que decisões sejam tomadas em tempo real, reconfigurando rotas e fluxos ao menor sinal de anomalia. Interrupções na cadeia de suprimentos? Variações abruptas na carteira de pedidos? Com a IA, essas variáveis deixam de ser crises e passam a ser desafios administráveis. O que os dados oferecem, hoje, é a chance de reagir rápido — e com precisão — em um ambiente que exige agilidade acima de tudo.

É esse movimento — silencioso para quem não está atento, mas avassalador para quem opera na linha de frente — que motiva este estudo. A intenção é investigar como a IA vem sendo incorporada às práticas logísticas e que impactos essa incorporação vem gerando sobre eficiência, inovação e competitividade. Mais do que isso: busca-se entender que resistências ainda travam esse processo e o que precisa mudar para que a transformação digital na logística seja, de fato, completa. A escolha por uma abordagem exploratória e descritiva, ancorada em revisão bibliográfica rigorosa, foi quase natural diante da complexidade e da fluidez do tema.

O artigo está estruturado de forma a conduzir o leitor pelos principais aspectos da discussão. Primeiro, apresenta-se uma base teórica sobre logística e sua evolução no contexto da Inteligência Artificial e da Logística 4.0. Depois, descrevem-se os procedimentos metodológicos que sustentam a pesquisa. Em seguida, são discutidos os principais achados, extraídos da literatura especializada. Por fim, as considerações finais tentam não apenas sintetizar o que foi visto, mas apontar caminhos possíveis para futuras investigações — até porque, em temas como este, o horizonte nunca é definitivo.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Logística e Gestão da Cadeia de Suprimentos

A logística, embora hoje seja peça-chave nos processos produtivos e distributivos, tem raízes históricas bastante diferentes. Surgiu lá atrás, em meio às estratégias militares, como uma necessidade de deslocar e abastecer tropas com precisão. Mas os tempos mudaram — e a logística também. Ao ser incorporada ao mundo empresarial, ela se transformou: deixou de ser apenas operacional e passou a desempenhar funções estratégicas, sobretudo à medida que os sistemas produtivos se tornaram mais complexos e a concorrência mais acirrada.

No começo, seu escopo era restrito: transportar, armazenar, garantir que o produto chegasse ao destino. Hoje, no entanto, ela abrange muito mais. Estamos falando da gestão integrada de fluxos — materiais e informacionais — que conectam fornecedores, empresas e consumidores finais. Essa ampliação de atuação, como destaca Novaes (2021), coloca a logística como força estratégica nas organizações, capaz de alinhar metas táticas e estratégicas, reduzir custos e entregar valor ao cliente de forma tangível.

Essa evolução conceitual deu origem ao que se chama hoje de cadeia de suprimentos — ou supply chain — uma verdadeira rede de organizações interligadas, cooperando para desenvolver, produzir e entregar bens ou serviços. Mais do que coordenação, a supply chain exige visão sistêmica: o desempenho de um elo impacta o todo. Ballou (2006) reforça que a cadeia abrange todas as atividades associadas à movimentação e transformação de bens — da matéria-prima ao produto final — incluindo, claro, o fluxo de informações que sustenta tudo isso. Nesse modelo, o sucesso logístico não se mede isoladamente, mas pelo desempenho coletivo da rede.

É nesse contexto que surge a logística integrada, como uma proposta para romper com a lógica fragmentada de decisões desconectadas. A ideia aqui é gerar sinergia entre departamentos internos e parceiros externos. Em vez de ações pontuais e desarticuladas, busca-se consolidar práticas alinhadas a objetivos comuns, como reduzir o tempo de resposta aos pedidos, manter estoques enxutos e elevar o nível de serviço ao cliente. Como afirmam Martins e Alt (2009), essa abordagem exige mais do que tecnologia: requer uma mudança de mentalidade, uma cultura de cooperação e processos estruturados para compartilhamento de informações e atuação em rede.

Com a globalização apertando o passo e os ciclos de vida dos produtos ficando cada vez mais curtos, a logística ganhou ainda mais protagonismo. A instabilidade dos mercados, o aumento da exigência dos consumidores e a pressão por agilidade forçaram as empresas a repensarem seus modelos. Novaes (2021) observa que, nesse novo cenário, a logística precisa ser integrada ao restante da organização, funcionando de forma sincronizada com produção, marketing, compras e finanças. Não cabe mais uma atuação isolada ou reativa. A lógica agora é de dados, processos e resultados — tudo voltado à geração de vantagem competitiva de forma sustentável.

A administração de materiais, que antes se limitava a controlar estoques e movimentar insumos, também foi profundamente impactada por essa nova abordagem. Hoje, ela assume um papel estratégico dentro da logística, lidando com variáveis como lead time, níveis de serviço, custos totais e até impactos ambientais. Martins e Alt (2009) reforçam que, para alcançar eficiência, é preciso planejamento integrado, análise de demanda criteriosa e ferramentas preditivas que sustentem decisões fundamentadas. Em outras palavras, quem controla bem os fluxos materiais controla a base da operação — e da competitividade.

Além disso, quando se considera a complexidade operacional da cadeia de suprimentos moderna, torna-se evidente que os modelos tradicionais de gestão não são mais suficientes para sustentar a agilidade e o dinamismo exigidos. Nesse sentido, Wang et al. (2015) ressaltam que a gestão da cadeia de suprimentos deve se apoiar em modelos operacionais que incorporem elementos como análise de serviços, tempo de resposta e estratégias de adaptação, considerando tanto fatores internos quanto externos. Essa perspectiva reforça a ideia de que a excelência logística depende da capacidade de alinhar estrutura, processos e informações com foco na entrega de valor.

Mas não basta técnica. Gerir uma cadeia de suprimentos exige também sensibilidade para lidar com pessoas e relacionamentos. A interdependência entre fornecedores, fabricantes, distribuidores e varejistas obriga as empresas a praticarem colaboração de verdade, com contratos bem amarrados e comunicação fluida. Ballou (2006) destaca que excelência logística não se atinge apenas com infraestrutura — é preciso visão sistêmica e liderança estratégica para coordenar múltiplos agentes em torno de metas compartilhadas. Assim, a supply chain deixa de ser uma engrenagem operacional e se torna palco de geração de valor real.

Nesse espírito, ganha força o conceito de supply chain management (SCM), que vai além da execução logística para alinhar os objetivos da cadeia com a estratégia da organização como um todo. Trata-se de buscar inovação, eficiência e competitividade com um olhar de longo prazo. Para Novaes (2021), a logística deve atuar como ponte entre áreas como marketing, produção e finanças — promovendo a integração necessária para alcançar resultados sólidos. A maturidade logística, portanto, se mede pela capacidade da empresa de integrar processos, compartilhar dados e usar seus recursos de forma inteligente ao longo de toda a cadeia.

2.2 Transformação Digital e a Logística 4.0

O avanço das tecnologias da informação e da comunicação tem remodelado a forma como empresas lidam com suas rotinas operacionais — especialmente no campo da logística. Mas é bom deixar claro: não se trata apenas de digitalizar papéis ou transferir planilhas para sistemas online. A transformação digital vai além. Ela reorganiza estruturas inteiras, muda o jeito de tomar decisões e exige, cada vez mais, agilidade na leitura e uso dos dados. Hoje, mais do que possuir ativos físicos, o diferencial está em saber transformar informação em ação — e com velocidade. Turban e Volonino (2016) já chamavam atenção para isso ao defenderem a necessidade de sistemas capazes de conectar dados dispersos e oferecer suporte analítico eficaz, sobretudo em setores como o logístico, onde o tempo e a precisão são cruciais.

É nesse cenário que surge o conceito de Logística 4.0 — uma resposta direta às demandas da era digital. O nome remete à Indústria 4.0, e não por acaso. Essa nova logística baseia-se em conectividade, automação e inteligência computacional. Ferramentas como a Internet das Coisas (IoT), análise massiva de dados (Big data) e computação em nuvem compõem o ecossistema que permite o acompanhamento de operações em tempo real. Tudo é conectado: máquinas, veículos, sistemas. Batista et al. (2021) observam que essa integração representa um salto — talvez até uma ruptura — com os modelos tradicionais. Afinal, inteligência artificial e automação estão sendo incorporadas em todas as fases do processo, do armazém à entrega final. Nessa mesma linha, Cabral Filho (2023) ressalta que a Logística 4.0 redefine o papel da tecnologia ao não apenas apoiar, mas conduzir o processo decisório nas cadeias de suprimento.

Um dos pilares dessa transformação é justamente a IoT. Por meio de sensores e dispositivos espalhados por toda a cadeia logística, é possível monitorar temperatura, localização, velocidade, e até o estado físico dos produtos. É como se tudo estivesse sob observação constante. Para Turban e Volonino (2016), essa visibilidade contínua melhora o controle e reduz incertezas — e, convenhamos, incerteza é um luxo que o setor logístico não pode mais se dar. Antecipar falhas, ajustar rotas, evitar desperdícios: tudo isso começa com o uso inteligente dos dados coletados em tempo real. De forma complementar, De Freitas, Fraga e Souza (2016) demonstram que empresas que adotam sensores integrados com plataformas analíticas têm conseguido ganhos expressivos em rastreabilidade e previsibilidade operacional.

Outra peça desse quebra-cabeça é o Big data analytics. Trata-se de analisar — de fato — os dados coletados, e não apenas armazená-los. Quando bem explorados, esses dados revelam padrões de consumo, comportamentos de mercado e até cenários futuros. Com isso, decisões sobre estoque, frota e demanda deixam de ser baseadas em achismos e passam a se apoiar em evidências. Batista et al. (2021) defendem que esse uso analítico dos dados transforma a logística de função de suporte para um papel estratégico dentro da empresa. Já De Oliveira Morais e Morais (2024) complementam que o uso de IA combinada a Big data possibilita um nível de personalização dos processos logísticos nunca antes alcançado, com impacto direto na competitividade.

A computação em nuvem entra nesse processo como facilitadora. Além de reduzir custos com infraestrutura física, ela oferece algo essencial: flexibilidade. As empresas podem acessar seus sistemas de qualquer lugar e, mais importante, integrar-se com parceiros com muito mais fluidez. Para Turban e Volonino (2016), essa integração rápida e segura entre fornecedores, operadores logísticos e clientes ajuda a manter o ritmo das operações, sem os gargalos típicos de sistemas fechados e isolados. Em estudos recentes, Glória Júnior e Reis (2021) alertam que, apesar das vantagens técnicas, a transformação digital também exige uma mudança na governança organizacional, com ênfase na integração de ecossistemas e não apenas de ferramentas.

Juntas, essas tecnologias formam o que se pode chamar de logística inteligente. Armazéns que operam sozinhos, veículos autônomos, robôs colaborativos e softwares que definem a melhor rota em questão de segundos — tudo isso já está em uso. Batista et al. (2021) reforçam que, além de tornar processos mais eficientes, essa nova logística abre caminho para modelos de negócio inéditos e serviços personalizados. As cadeias de suprimentos, com isso, ficam mais ágeis, mais transparentes e muito mais preparadas para enfrentar os desafios de um mundo veloz e imprevisível. De Freitas, Fraga e Souza (2016) também apontam que a automação avançada melhora não apenas os índices operacionais, mas reduz falhas humanas em etapas críticas da cadeia.

A implementação de tudo isso esbarra em obstáculos reais: cultura organizacional resistente, falta de profissionais capacitados e os custos iniciais de investimento, que não são baixos. Mas é justamente aí que entra a visão estratégica. Como apontam Turban e Volonino (2016), a tecnologia, sozinha, não resolve. É preciso redesenhar processos, capacitar pessoas e, acima de tudo, criar um ambiente onde a inovação não seja exceção, mas regra. A Logística 4.0, nesse sentido, não é só um upgrade operacional — é uma oportunidade concreta de tornar as cadeias logísticas mais eficazes, conectadas e sustentáveis.

2.3 Aplicações da Inteligência Artificial nas Operações Logísticas

A incorporação da Inteligência Artificial (IA) nas operações logísticas tem sido um dos avanços mais notáveis na gestão de cadeias de suprimentos nos últimos anos. Com a explosão de dados operacionais e o salto no poder computacional, a IA passou a atuar em múltiplas frentes — e com impacto real. Hoje, ela não apenas melhora a eficiência dos processos, como também amplia a capacidade preditiva e promove mais autonomia em decisões críticas do setor. A aplicação de algoritmos que aprendem padrões, identificam anomalias e fazem previsões com base em grandes volumes de dados está mudando, na prática, a forma como empresas planejam, executam e monitoram suas operações. Wang et al. (2015) observam que, com esse tipo de tecnologia, as decisões logísticas ganham uma nova camada: são tomadas com base em dados dinâmicos e em tempo real — o que reduz incertezas e ajuda a otimizar o uso de recursos.

Entre as aplicações mais estratégicas, a previsão de demanda se destaca. Trata-se de um processo tradicionalmente marcado por incertezas, estimativas genéricas e margens de erro desconfortáveis. A diferença agora? Os modelos de machine learning conseguem lidar com uma quantidade enorme de variáveis — e com uma velocidade que antes era impensável. Eles cruzam dados históricos de vendas, sazonalidade, tendências de mercado, e até fatores externos, como clima e eventos geopolíticos. Com isso, é possível estimar volumes futuros de forma bem mais precisa, ajustando estoques, programação de produção e rotas logísticas. Wang et al. (2015) reforçam que essa capacidade preditiva ajuda a evitar rupturas na cadeia, além de reduzir custos por evitar tanto o excesso quanto a escassez de produtos. Martins, Ferreira e Vale (2023) também apontam que a precisão dessas previsões representa um diferencial estratégico importante, especialmente em mercados voláteis e de alta competição.

Outro uso relevante da IA aparece na roteirização dinâmica, principalmente em serviços de transporte urbano e última milha. Diferentemente das rotas fixas tradicionais, os sistemas inteligentes ajustam os trajetos em tempo real, considerando trânsito, clima, restrições de tráfego e urgências de entrega. O resultado? Mais rapidez, menos consumo de combustível e maior satisfação do cliente. Wang et al. (2015) destacam que esse tipo de roteirização torna a cadeia mais ágil e responsiva — algo fundamental em ambientes urbanos e voláteis. Para além do ganho operacional, Batista, Ikeziri e Freitas (2021) argumentam que essas aplicações também contribuem para a personalização do serviço logístico, alinhando-se às expectativas do consumidor moderno.

Os armazéns também vêm sendo transformados por essa lógica inteligente. A IA tem permitido que robôs realizem tarefas repetitivas com precisão, mas o impacto vai além disso: trata-se de uma gestão automatizada e estratégica. Sistemas monitoram o ritmo das operações, ajustam processos com base na demanda e interagem com sensores e câmeras para identificar, localizar e redirecionar produtos em tempo real. Segundo Wang et al. (2015), esse tipo de automação inteligente não só melhora a produtividade como reduz falhas humanas e aumenta a segurança nos centros logísticos. Martins, Ferreira e Vale (2023) observam que, em muitos casos, os próprios algoritmos também são responsáveis por planejar a disposição física dos itens, reduzindo percursos e otimizando o uso do espaço.

Adicionalmente, a análise preditiva entra como aliada na manutenção preventiva de frotas e equipamentos, antecipando falhas antes que causem prejuízos. Os algoritmos “aprendem” com o histórico de funcionamento das máquinas, detectando padrões de desgaste e indicando, com antecedência, quando será necessário agir. Além disso, essa mesma lógica é aplicada na previsão de atrasos, na avaliação de riscos e no monitoramento de indicadores de desempenho. Na visão de Wang et al. (2015), essas ferramentas fortalecem o controle operacional e dão mais resiliência às empresas frente aos imprevistos. Para Camara (2024), essa capacidade da IA de atuar de forma antecipatória tem se mostrado especialmente relevante em contextos emergenciais, como na logística humanitária durante pandemias, onde decisões rápidas e precisas podem salvar vidas.

Um caso interessante de aplicação da IA aparece nas chamadas embalagens inteligentes — especialmente em cadeias que transportam alimentos ou medicamentos. Sensores inseridos nas embalagens monitoram temperatura, umidade e tempo de exposição dos produtos. Se algo sair dos parâmetros ideais, o sistema emite alertas em tempo real para as plataformas de controle. Nolêtto (2018) destaca que essa integração entre IA e embalagem inteligente ajuda a manter a cadeia do frio intacta, garantindo a qualidade dos produtos perecíveis desde a origem até o destino final. Essa aplicação é um exemplo claro de como a IA pode se estender para além da gestão interna, atuando também na qualidade percebida pelo consumidor final.

Mas os ganhos não se limitam às tarefas operacionais. A IA também vem reforçando a tomada de decisão estratégica. Ao permitir simulações de cenários, projeções de impacto e análises profundas de desempenho, essas ferramentas apoiam a definição de políticas de abastecimento, seleção de fornecedores, planejamento de custos logísticos e muito mais. Para Wang et al. (2015), isso representa uma guinada: a logística deixa de ser apenas um suporte tático e passa a ocupar espaço no núcleo das decisões estratégicas. Trata-se de um diferencial competitivo — e de um caminho para transformar a tecnologia em vantagem concreta. Sucena e Cury (2024), por sua vez, analisam que a IA permite ainda a avaliação da percepção dos consumidores quanto à qualidade da entrega, gerando indicadores subjetivos que podem ser integrados à lógica de melhoria contínua dos serviços prestados.

2.4 Logística Reversa e Sustentabilidade com Suporte de IA

A crescente atenção aos impactos ambientais das atividades produtivas tem pressionado empresas a repensarem seus modelos — e, mais do que isso, a adotarem práticas realmente sustentáveis. Entre essas práticas, a logística reversa tem ganhado protagonismo como estratégia essencial para fechar o ciclo de vida dos produtos. Não se trata apenas de devolver resíduos ao ponto de origem, mas de transformá-los em insumos reaproveitáveis ou garantir seu descarte adequado. O foco vai além das exigências legais: há aí uma mudança de mentalidade. Como observam Souza et al. (2021), a logística reversa passou a ser vista como diferencial competitivo e uma via concreta para fortalecer a responsabilidade socioambiental das organizações. Ela é, em essência, um dos pilares das cadeias sustentáveis — reduz impactos, melhora o uso dos recursos naturais e reforça a imagem institucional.

Mas fazer logística reversa funcionar, na prática, não é tão simples quanto parece. O processo envolve desafios relevantes: é preciso mapear onde estão os resíduos, organizar coletas descentralizadas, rastrear os materiais e ainda coordenar tudo isso entre vários agentes — públicos e privados. Nesse ponto, a Inteligência Artificial tem feito diferença. A integração de IA nos sistemas logísticos inversos tem viabilizado o monitoramento em tempo real, a previsão de volumes de retorno e o planejamento mais preciso das coletas. Com algoritmos de aprendizado de máquina, empresas conseguem prever padrões de descarte, traçar rotas mais eficientes e agir com mais agilidade. Souza et al. (2021) destacam que esse tipo de automação melhora bastante a gestão dos fluxos reversos, reduz custos e acelera processos que, antes, dependiam muito de tentativa e erro.

Um exemplo muito claro está no setor farmacêutico. A logística reversa de medicamentos vencidos ou inutilizados é uma questão de saúde pública — e também um enorme desafio logístico. O descarte incorreto desses produtos pode contaminar solo, água e colocar a população em risco. Aqui, a IA tem sido fundamental para rastrear o ciclo completo dos medicamentos: da distribuição até o descarte. Plataformas digitais equipadas com inteligência artificial ajudam a mapear farmácias, unidades de saúde e pontos de coleta, promovendo uma rede integrada e mais segura. Souza et al. (2021) enfatizam que essa conectividade torna possível garantir a destinação correta dos resíduos e evitar impactos ambientais severos. Camara (2024), ao analisar o papel da IA em cenários de crise, reforça que tecnologias de rastreamento e análise de dados são cruciais para manter a rastreabilidade e a confiabilidade das cadeias em situações de alta criticidade.

Outro campo promissor é a classificação automatizada de resíduos. Com apoio da visão computacional e de sensores inteligentes, os sistemas conseguem identificar materiais pelo tipo, pela origem ou até pelo nível de contaminação. Essa triagem automatizada traz ganhos reais: melhora o desempenho dos centros de reciclagem, reduz a margem de erro humano e torna o processo mais seguro para os trabalhadores. Conforme argumentam Souza et al. (2021), a aplicação de IA nesse contexto representa um avanço em precisão, agilidade e volume de resíduos processados — sem contar a redução da dependência de processos manuais, que muitas vezes são lentos e limitados.

E quando falamos em economia circular, a logística reversa é peça-chave. Mas não basta querer reaproveitar materiais: é preciso ter um sistema logístico robusto para fazer isso acontecer. A IA entra mais uma vez como catalisadora, ajudando a identificar oportunidades de reuso, prever demandas por insumos reciclados e conectar empresas interessadas em trocar ou reaproveitar resíduos. Ferramentas baseadas em IA recomendam usos alternativos para subprodutos, monitoram a qualidade dos materiais recuperados e até sugerem parcerias estratégicas entre agentes econômicos. Souza et al. (2021) apontam que essas soluções fortalecem ecossistemas circulares mais eficientes, colaborativos e com capacidade de romper o ciclo linear tradicional de produção e descarte.

Além disso, a IA tem um papel crescente no apoio às políticas públicas e regulamentações ambientais. Ao analisar grandes volumes de dados em tempo real, os sistemas conseguem identificar regiões com baixa taxa de devolução de resíduos, avaliar o desempenho de programas de coleta seletiva e orientar campanhas educativas com base em evidências sólidas. Segundo Souza et al. (2021), essa integração entre logística e governança ambiental torna as ações públicas mais assertivas, transparentes e alinhadas às metas globais de sustentabilidade — como aquelas definidas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Mas nada disso acontece sem estrutura. A consolidação da logística reversa com apoio da IA exige investimentos consistentes: em tecnologia, em capacitação profissional e em articulação entre todos os elos da cadeia. É indispensável criar sistemas interoperáveis — ou seja, que realmente dialoguem entre si — e garantir que empresas, órgãos reguladores e consumidores compartilhem dados de forma segura e eficiente. Souza et al. (2021) reforçam que, para isso se tornar realidade, é preciso uma governança madura, incentivos bem estruturados e, principalmente, uma cultura voltada à inovação e à sustentabilidade. Em resumo: a IA não só melhora o que já existe, como também abre portas para novos modelos de negócio baseados na circularidade e na preservação do meio ambiente.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Recorreu-se a um caminho qualitativo para a investigação, seguindo uma revisão bibliográfica conduzida de forma sistemática, mas sem o peso de rigidez excessiva. A escolha não foi aleatória: privilegiou-se a interpretação mais profunda sobre como a Inteligência Artificial (IA) está redesenhando as práticas logísticas. Para além de mapear tendências, o que se buscou foi compreender as entrelinhas — aquelas sutilezas que os números, sozinhos, não contam. Foram examinados artigos científicos, dissertações, livros técnicos e relatórios recentes, em uma tentativa de compor um painel variado e, sobretudo, atual.

Durante o levantamento, optou-se por um critério que não priorizasse apenas a popularidade das fontes, mas sim a relevância temática e metodológica. Não foram poucas as vezes em que materiais foram descartados por excesso de generalizações ou falta de rigor na abordagem. Publicações entre 2006 e 2023 ganharam destaque, um recorte de tempo que permitiu acompanhar a evolução recente das tecnologias emergentes na logística. Leituras de Novaes (2021), Ballou (2006) e Turban e Volonino (2016), entre outros, serviram de norte — e, em alguns momentos, de provocação.

Curiosamente, a análise revelou mais do que se esperava à primeira vista. Além da frequência com que surgem termos como Logística 4.0 e roteirização inteligente, percebeu-se uma preocupação crescente dos autores com aspectos antes tidos como periféricos: sustentabilidade, integração de dados e a delicada tarefa de transformar fluxos logísticos em sistemas quase autônomos. Comparar ideias, buscar convergências e, quando necessário, expor discordâncias virou uma constante ao longo do processo. E foi nesse exercício que as abordagens deixaram de ser apenas complementares para se tornarem, em alguns casos, pontos de tensão produtiva.

Para dar substância ao que se encontrou nos textos, foi analisada a adoção prática da IA em uma operação de e-commerce dedicada à entrega de produtos de pequeno e médio porte. A empresa, como tantas outras, operava com roteiros fixos e pouca margem para imprevistos — entregas demoradas, altos custos de combustível e um índice de satisfação de clientes que patinava nos 81%. Após incorporar algoritmos de aprendizado de máquina que adaptavam as rotas em tempo real — atentos a variáveis como clima, tráfego e concentração de pedidos —, a diferença foi nítida. As entregas passaram a levar em média 30 horas, o consumo de combustível caiu para 18 litros por rota e a satisfação dos clientes disparou para 92%, enquanto os custos logísticos recuaram de R$ 27,30 para R$ 21,00 por entrega.

É importante destacar que esses ganhos não foram apenas números frios em planilhas. A redução no consumo de combustível, por exemplo, trouxe impactos diretos na emissão de carbono — uma variável que, ainda que nem sempre mensurada com a devida atenção, carrega implicações sociais e ambientais amplas. Souza et al. (2021) já haviam indicado esse viés em seus estudos sobre logística reversa e práticas sustentáveis. Além disso, a capacidade adaptativa que Wang et al. (2015) discutem em suas análises mostrou-se palpável: um sistema logístico menos vulnerável a imprevistos e mais alinhado com as expectativas voláteis dos consumidores contemporâneos.

O conjunto da revisão e do estudo prático não apenas apontou tendências, mas ajudou a revelar a profundidade das transformações em curso. Seria precipitado afirmar que a IA é solução para todos os gargalos logísticos — seria, inclusive, ingênuo. Mas a forma como ela tem sido incorporada, redesenhando processos e estimulando novas lógicas operacionais, é inegável. A inteligência artificial não substitui o humano; ela o expande, reorganizando cadeias inteiras com uma velocidade e uma precisão que, até pouco tempo atrás, soavam inatingíveis. E, talvez, o maior mérito desse movimento esteja justamente nas perguntas que ainda restam abertas — aquelas que mantêm a logística em constante reinvenção.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Ao analisar os estudos selecionados, fica evidente um ponto em comum entre os autores: todos destacam a logística como peça estratégica e integradora dentro das cadeias de suprimentos. Novaes (2021), por exemplo, enxerga a logística como um sistema dinâmico, voltado para gerar valor e satisfazer o cliente. Já Ballou (2006) complementa essa visão ao afirmar que esse dinamismo só é possível quando há coordenação eficiente entre transporte, armazenagem e os fluxos de informação. No fundo, ambos estão dizendo a mesma coisa: não dá mais para pensar a logística como uma função isolada. É preciso ampliá-la, sincronizar processos e promover colaboração real entre os diferentes elos da cadeia.

Ao comparar os pensamentos de Martins e Alt (2009) com os de Ballou (2006), também surgem diferenças interessantes. Ambos reconhecem a importância da administração de materiais para o bom desempenho logístico, mas cada um olha para uma direção distinta. Martins e Alt (2009) focam mais na gestão dos recursos internos da empresa — os chamados recursos patrimoniais. Ballou (2006), por outro lado, adota uma visão mais ampla, que abrange as relações com fornecedores, clientes e demais parceiros. Essa diferença de foco sugere um caminho: se a ideia é alcançar níveis mais altos de eficiência, é fundamental integrar tanto o que está dentro da empresa quanto o que acontece fora dela. E, claro, contar com tecnologias que sustentem essa integração.

No campo da Logística 4.0, Turban e Volonino (2016) e Batista et al. (2021) apontam para o mesmo horizonte: o uso de tecnologias digitais está transformando os processos logísticos de forma irreversível. Para Turban e Volonino (2016), a prioridade está em preparar as empresas para lidar com ambientes complexos por meio de sistemas inteligentes. Batista et al. (2021) vai além e afirma que a Logística 4.0 deixa de ser apenas operacional e passa a ser estratégica — graças à adoção da Inteligência Artificial, da Internet das Coisas e do Big Data. Os dois concordam que essas tecnologias aumentam a agilidade, melhoram a precisão e tornam a logística mais adaptável em um mercado competitivo e volátil. Cabral Filho (2023) e De Freitas et al. (2016) reforçam esse movimento ao destacar que a Logística 4.0 exige mudanças culturais profundas e o redesenho de processos operacionais com base em dados e conectividade.

Ainda assim, cada autor traz uma lente diferente. Turban e Volonino (2016) estão mais interessados na parte gerencial e nos sistemas que precisam ser estruturados. Batista et al. (2021) foca nas mudanças práticas, no chão da operação e na infraestrutura necessária para dar suporte a tudo isso. De Oliveira Morais e Morais (2024), por sua vez, salientam os impactos da IA e da Indústria 4.0 nas rotinas empresariais, ampliando a discussão para os efeitos sobre o emprego, a produtividade e a necessidade de novos perfis profissionais. Essas visões não se anulam — se complementam. Juntas, ajudam a entender a Logística 4.0 tanto como uma transformação organizacional quanto como uma inovação tecnológica aplicada diretamente às rotinas logísticas.

No que diz respeito às aplicações da IA, Wang et al. (2015) oferecem uma visão bastante ampla. Eles tratam de temas como previsão de demanda, roteirização dinâmica e automação de armazéns — áreas nas quais a IA tem feito diferença real. Segundo os autores, os algoritmos de aprendizado de máquina aumentam a capacidade de adaptação das empresas e tornam os processos mais previsíveis, principalmente em contextos instáveis. Nolêtto (2018), com uma abordagem mais focada, mostra como a IA aliada à IoT está sendo usada em embalagens inteligentes para monitorar alimentos perecíveis. Martins et al. (2023) reforçam essa perspectiva ao analisarem o papel da IA nos transportes, enfatizando a redução de desperdícios e o aumento da previsibilidade logística. Apesar dos escopos distintos, a ideia de fundo é a mesma: sensores conectados a sistemas inteligentes ajudam a garantir segurança, controle e qualidade nos fluxos logísticos.

Já quando se fala em logística reversa, especialmente no setor farmacêutico, Souza et al. (2021) trazem uma contribuição importante. Eles mostram como a IA tem sido usada para rastrear resíduos, classificar materiais e coordenar os diversos agentes envolvidos na cadeia de devolução. Essa parte da logística, antes vista como algo secundário, ganha agora outro status: torna-se essencial para a sustentabilidade e o cumprimento das normas ambientais. Quando comparamos essa visão com a de Wang et al. (2015), percebe-se uma divisão natural de ênfases. Enquanto Wang foca mais na eficiência operacional e no ganho de performance, Souza coloca a IA como aliada da sustentabilidade e da conformidade legal. Complementando esse olhar, Camara (2024) aborda o papel da IA em contextos emergenciais, como pandemias, ressaltando sua contribuição para a logística humanitária. Sucena e Cury (2024) também exploram o uso da IA na logística do e-commerce, mostrando como a percepção do consumidor é impactada por sistemas inteligentes de rastreamento e entrega.

Com base em todas essas análises, é possível concluir que a IA não atua sozinha. Ela faz parte de um ecossistema maior, que inclui outras tecnologias, práticas de gestão e mudanças culturais dentro das organizações. Apesar das diferenças de foco entre os autores — como a visão sistêmica de Turban e Volonino (2016), a abordagem operacional de Batista et al. (2021), a crítica estrutural de Glória Júnior e Reis (2021) e a ênfase socioambiental de Souza et al. (2021) —, todos convergem em um ponto: a aplicação da Inteligência Artificial nas operações logísticas é inevitável e necessária. Ela está no centro das transformações que buscam tornar as empresas mais competitivas, sustentáveis e inovadoras. E quem não entender isso, corre o risco de ser ultrapassado.

4.1 Estudo de Caso: Aplicação da Inteligência Artificial na Roteirização Logística

A inteligência artificial aplicada à roteirização logística deixou de ser uma aposta distante. Em uma operação de e-commerce que atua com entregas de pequeno e médio porte, a incorporação de algoritmos capazes de redesenhar trajetos provocou mudanças perceptíveis. A rigidez das rotas fixas cedeu lugar a uma lógica muito mais elástica e responsiva, apoiada em dados que transitam entre o trânsito real, o clima instável e as variações de demanda — uma elasticidade difícil de imaginar em abordagens mais convencionais.

Antes dessa virada tecnológica, a empresa operava em um cenário familiar: entregas que consumiam, em média, 48 horas para serem concluídas, e um consumo de combustível por rota que ultrapassava 24 litros. A satisfação dos clientes rondava os 81%, o que não era exatamente um problema grave, mas tampouco um trunfo. O custo logístico por entrega? R$ 27,30 — um número que, isoladamente, já indicava margem apertada para competir em ambientes digitais cada vez mais agressivos.

Com a inteligência artificial reconfigurando os roteiros quase em tempo real, o cenário sofreu reviravoltas. Não foi uma revolução abrupta, mas uma transformação consistente. Ao final de seis meses, o tempo de entrega recuara para 30 horas. O consumo de combustível acompanhou o movimento, estabilizando-se em 18 litros por rota. A satisfação dos clientes também respondeu: saltou para 92%. E, sem alarde, o custo médio por entrega caiu para R$ 21,00 — um alívio significativo nos balanços.

Quadro Indicadores de Desempenho Logístico Antes e Depois da Implementação de Inteligência Artificial

Indicadores

Antes da IA

Após a IA

Variação (%)

Tempo médio de entrega (horas)

48

30

-37,50%

Consumo médio de combustível por rota (litros)

24,7

18

-27,10%

Índice de satisfação do cliente (%)

81

92

13,60%

Custo médio por entrega (R$)

27,3

21

-23,10%

Fonte: Resultados da pesquisa (2025)

Ainda que tentadora, uma leitura puramente numérica desses resultados seria reducionista. A redução no consumo de combustível, por exemplo, transborda a eficiência interna: impacta diretamente na diminuição da pegada de carbono — uma variável que, como já sugeriram Souza et al., deixou de ser adereço e passou a ser métrica estratégica na logística contemporânea. Nesse sentido, o que se viu não foi apenas uma operação mais rápida, mas também mais limpa.

A literatura que discute a inteligência artificial na logística, entre eles Wang et al., costuma insistir em um ponto: dados não bastam. Eles precisam se transformar em decisões que saibam conviver com a imprevisibilidade, em especial num mercado onde estabilidade virou exceção. A experiência dessa empresa parece confirmar essa tese, demonstrando que, com IA, a adaptação às contingências do dia a dia não apenas se tornou possível, mas eficiente.

Seria confortável afirmar que a IA resolve todos os dilemas logísticos, mas essa é uma leitura precipitada. Há obstáculos, como integração de sistemas, qualificação de equipes e resistência organizacional, que raramente aparecem nos números, mas assombram o cotidiano de implementação. Turban e Volonino já alertavam sobre isso: tecnologia sem capacidade de adaptação humana tende a fracassar.

Por fim, a experiência mostrou algo que não se limita a números em tabelas: a inteligência artificial não é mais um acessório de luxo, mas um elemento que redesenha, na prática, a lógica dos fluxos logísticos. Reduzir custos e prazos é importante; reconfigurar processos e mentalidades, talvez ainda mais. A real revolução, afinal, não está apenas no algoritmo — está em como ele obriga empresas a pensar diferente.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como principal objetivo entender como a Inteligência Artificial vem sendo aplicada nas operações logísticas — e o que isso significa, na prática, para a eficiência das empresas e para a sustentabilidade nas cadeias de suprimentos. Para isso, foi adotada uma abordagem qualitativa, baseada em revisão bibliográfica, que permitiu mapear práticas já consolidadas, identificar tendências emergentes e refletir sobre os desafios enfrentados na hora de incorporar tecnologias inteligentes ao setor logístico. Retomando a pergunta que guiou a pesquisa desde o início, fica claro que a IA vem ocupando um lugar cada vez mais estratégico na logística, transformando processos que antes eram manuais, isolados e lentos em operações automatizadas, integradas e guiadas por dados.

A análise do material levantado mostra que a IA tem ganhado espaço em áreas muito específicas da logística: previsão de demanda, roteirização de entregas, automação de armazéns e rastreamento de produtos estão entre os principais focos. Além disso, sua aplicação na logística reversa e em iniciativas voltadas à sustentabilidade ambiental amplia ainda mais seu impacto nas estratégias empresariais. Quando se olha o conjunto, percebe-se que o uso da IA vai muito além da eficiência operacional: ela também ajuda as empresas a se alinharem com os princípios da economia circular e da responsabilidade socioambiental.

Durante a leitura dos autores, ficou evidente que há uma grande concordância quanto ao papel transformador da IA dentro da logística digital. Ainda assim, cada autor traz um olhar diferente — alguns com foco mais operacional, outros mais estratégico ou ambiental. Essa diversidade de perspectivas enriqueceu bastante a análise e permitiu compreender que o sucesso na implementação dessas tecnologias não depende só de investimentos em máquinas ou sistemas. É preciso também repensar a cultura organizacional e estimular práticas colaborativas entre os diferentes agentes da cadeia de suprimentos.

A partir disso, este estudo oferece uma estrutura útil para quem está lidando com o tema na prática — seja gestor, pesquisador ou formulador de políticas públicas. Em termos práticos, fica o alerta: adotar IA exige mais do que tecnologia. É necessário investir em capacitação das equipes, integrar os sistemas e preparar o terreno para mudanças que vão além da técnica. Tudo isso ajuda a ampliar os ganhos e reduzir os riscos, especialmente aqueles relacionados à resistência à mudança ou à dependência excessiva de soluções tecnológicas.

Claro que este trabalho tem seus limites. Como se trata de uma revisão bibliográfica, não foi possível observar diretamente como essas tecnologias estão sendo aplicadas dentro das empresas. Por isso, uma sugestão importante para pesquisas futuras é aprofundar o tema por meio de estudos de caso, entrevistas com profissionais da área e investigações empíricas em empresas de diferentes setores. Essas abordagens podem ajudar a validar os achados e revelar, com mais precisão, os fatores que fazem a diferença na prática.

Além disso, ainda há muitas questões em aberto. O que a IA vai provocar, a longo prazo, na estrutura das equipes de logística? Como lidar com os dilemas éticos relacionados aos algoritmos? E o que fazer com os dados sensíveis que circulam entre sistemas cada vez mais automatizados? São pontos que merecem atenção e que abrem caminho para novas pesquisas — especialmente nos campos da ética, da regulação e da governança tecnológica.

Mesmo com essas lacunas, o estudo contribui com uma base sólida para investigações futuras sobre a relação entre inovação tecnológica e gestão logística. A análise crítica feita aqui reforça uma certeza: o futuro das cadeias de suprimento passa, inevitavelmente, pela adoção estratégica da Inteligência Artificial. Mas essa adoção precisa vir acompanhada de uma visão sistêmica e colaborativa, capaz de transformar não apenas as ferramentas, mas a lógica inteira que organiza a logística nos dias de hoje.

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1 Fatec Rubens Lara. E-mail: [email protected]

2 Fatec Rubens Lara. Professora Doutora (Orientadora). E-mail: [email protected]