A INCIDÊNCIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NO CONTEXTO PANDÊMICO DA COVID-19 NO BRASIL
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11107550
Rinkler Frutuoso Barbosa1
Lucas Rocha Andrade2
RESUMO
Esta Pesquisa busca compreender a violência doméstica contra a mulher e verificar se houve maior incidência dela durante a Pandemia do Covid-19. Deste modo, objetiva-se compreender o conceito de violência doméstica e suas raízes, bem como apresentar a evolução legislativa sobre a violência doméstica contra a mulher no Brasil e as medidas de enfrentamento. Logo, adotar-se-á a abordagem descritiva e aplicação do método dedutivo que parte do conceito geral para o específico (GIL, 2008, p. 9-28), adotar-se-á também abordagem quantitativa para determinar e analisar se houve aumento da incidência da violência doméstica durante a Pandemia. Portanto, trata-se de pesquisa extremamente importante para toda sociedade brasileira, pois descreve o conceito de violência doméstica mostrando como é seu início e seus desdobramentos, também os mecanismos de enfrentamento para impedir que a violência se propague.
Palavras-chave: Violência. Doméstica. Mulher. Pandemia.
ABSTRACT
This research aims to understand domestic violence against women and assess whether there was a higher incidence of it during the COVID-19 pandemic. In this way, the objective is to grasp the concept of domestic violence and its roots, as well as to present the legislative evolution regarding domestic violence against women in Brazil and the measures taken to address it. Therefore, a descriptive approach will be adopted, along with the application of the deductive method that moves from the general concept to the specific (GIL, 2008, pp. 9-28). Additionally, a quantitative approach will be employed to determine and analyze whether there was an increase in the incidence of domestic violence during the pandemic. Consequently, this research holds great significance for the entire Brazilian society as it delineates the concept of domestic violence, including its origins and ramifications, as well as the mechanisms implemented to prevent its propagation.
Keywords: Violence. Domestic. Women. Pandemic.
INTRODUÇÃO
A violência é algo presente na vida humana, mesmo antes do contrato social e da consequente figura do Estado. Seja para demonstrar poder e dominação, seja para se defender ela ainda está presente atualmente. Quando esta ocorre no seio familiar contra a mulher, que geralmente é o polo mais vulnerável da relação, o direito nos traz o conceito de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, que é toda ação ou omissão praticada baseada em gênero que lesione, mate, prejudique psicologicamente, patrimonialmente ou sexualmente (BRASIL, 2006).
Portanto, aproximando mais a questão da violência doméstica no Brasil aos tempos atuais, ou um pouco atrás quando no país estava com o isolamento social para evitar a propagação do vírus da COVID-19, pode ser criada uma relação direta entre a violência doméstica – que é dentro do convívio mais íntimo da mulher – e o isolamento social, sendo que este pode ter causado certo aumento de casos devido ao aumento de tempo que as pessoas tiveram que ficar em casa.
A pesquisa terá como foco analisar se houve aumento da violência doméstica no período do isolamento social, bem como demonstrar quais mecanismos criados pelo Estado são eficazes para prevenir ou erradicar a violência doméstica.
No início do ano de 2020 começou no Brasil a propagação do vírus da COVID-19, o que poucos meses após os primeiros casos, resultou no isolamento social e com isso as campanhas como a Fica em Casa surgiram com o intuito de reduzir a transmissão do vírus. Além disso, muitas empresas precisaram fechar as portas, especialmente empresas que trabalhavam diretamente com o público oferecendo serviços não essenciais.
Neste contexto, as famílias passaram a ficar mais tempo juntas em casa, sem ter que sair para o trabalho, nem poder sair para o lazer. Portanto, a pesquisa a ser realizada parte do pressuposto da existência da violência doméstica, e sob este aspecto da pandemia podemos observar também se houve acentuação de incidência das práticas violentas no contexto doméstico.
O foco da pesquisa para sociedade é o de esclarecer o que é a violência doméstica, como ela se inicia e quão longe pode chegar. Bem como, demonstrar os mecanismos criados pelo Estado, leis, políticas públicas, que visam interromper a violência ou impedir que ela aconteça em nível mais danoso a integridade física e psíquica do agredido.
Ademais, é importante analisar o fenômeno no ambiente acadêmico para que possamos estudar métodos mais eficazes e cada vez mais precoces de intervenção em casos de violência doméstica, a fim de cuidar da integridade emocional da vítima e a conscientização de que a violência não deve ser tratada com naturalidade.
A violência permeia a vida dos brasileiros por anos, principalmente no contexto doméstico, com a Pandemia ocasionada pela propagação da COVID-19 houve o isolamento social, o que pode ter resultado em um aumento da incidência de casos de violência doméstica. Portanto, a pergunta problema que rege esta pesquisa é: A Pandemia e o consequente isolamento social implicaram no aumento da incidência de casos de violência doméstica no Brasil? Quais foram as medidas de enfretamento do Estado contra este problema?
A pesquisa tem natureza básica, pois busca o estudo de um fenômeno na sociedade, sem necessariamente traçar uma aplicação prática. O método da linha de raciocínio é dedutivo, uma vez que parte da ideia ampla para a específica (GIL, 2008, p. 9).
O objetivo do presente estudo é descritivo, pois objetiva descrever o conceito de Violência Doméstica, bem como demonstrar o nexo de causalidade entre o aumento de casos de violência doméstica e a pandemia (GIL, 2008, p.28).
A abordagem será quantitativa, pois irá retirar através de dados oficiais disponibilizados em sites de domínio público do governo federal ou Institutos que tenham estudado o fenômeno. Vale ressaltar que o procedimento técnico que possibilita a realização desta pesquisa é o bibliográfico, pois será extraída de livros, artigos e legislação constitucional e infraconstitucional.
Logo, ao primeiro capítulo cabe identificar as raízes da violência de gênero, com conceitos e pesquisas e realizadas por Segato e Safioti que identificaram o patriarcado como principal perpetuador deste tipo de violência. Em seguida a pesquisa apontou os tipos de violência e a tipificação da violência doméstica no Brasil com o advento da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).
Ao segundo capítulo cabe explicar o Ciclo da Violência, em suas fases de aumento da tensão, o ato da violência e o arrependimento. Superada esta questão o capítulo tratou de apresentar o início e decorrer do período pandêmico no Brasil em alguns ramos variados que atingiram a população em massa, principalmente com o Isolamento Social. Ao final do capítulo em questão foi abordado o artigo 8º, do capítulo 3 da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) que traz diversas medidas de enfrentamento da Violência, neste sentido também foi diferenciado Rede de Atendimento da Rede de Enfrentamento.
Superada todas estas questões teóricas, o capítulo três visa cruzar os dados trazendo dados estatísticos da violência doméstica durante o período pandêmico, com a finalidade de demonstrar se realmente houve maior incidência durante este difícil período.
1. O PATRIACARDO COMO RAIZ DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER.
Para que o assunto de violência contra a mulher possa ser abordado, é importante pontuar sobre as suas raízes que vêm de longos anos com a dominância do masculino, em detrimento do feminino. O patriarcado é uma estrutura de poder em que há a dominação do homem, impondo limitação às mulheres, tão somente pelo gênero e assevera a desigualdade de gênero (SEGATO, 2016, p.17).
Durante os tempos primitivos, predominava o conceito do homem como defensor e sustentador da família. Esse período assinalou o nascimento do modelo patriarcal, no qual os homens detinham autoridade sobre mulheres e demais membros da família (ALVES; PITANGUY, 2003, p.8).
Os homens, nesse período, se valiam de sua força para proteger e garantir a subsistência do grupo. Em contraste, as mulheres eram relegadas a um papel secundário, sendo encarregadas da educação dos filhos e das tarefas caseiras, sem que outras habilidades lhes fossem reconhecidas (ALVES; PITANGUY, 2003, p. 13).
Com o advento do século XVIII, as ideias iluministas emergiram e trouxeram reflexões sobre as limitações impostas às mulheres, que, assim como os homens, possuíam idênticas capacidades morais e intelectuais. Estas noções eram avançadas para a época, considerando-se a hierarquia de poder que colocava homens ricos no topo, seguidos por homens brancos de menor poder aquisitivo, depois homens negros e, por último, mulheres, cujos papéis eram bem definidos na sociedade (CNMP, 2018, p. 10).
Inconformadas com sua posição subalterna, a discriminação e submissão que enfrentavam, bem como com a restrição a direitos essenciais, as mulheres optaram por reivindicar seus direitos e advogar pela igualdade de gênero. Neste contexto, um texto seminal foi escrito no final do século XVIII por Mary Wollstonecraft, intitulado "Reivindicação dos direitos da mulher", que se tornou um marco do feminismo (WOLLSTONECRAFT, p.8, 2016).
No plano jurídico, o Código Civil napoleônico de 1804 influenciou muitos códigos na América Latina, estabelecendo a autoridade masculina no casamento e a incapacidade legal das mulheres. No entanto, o cenário começou a mudar com a aprovação de leis no Brasil nas décadas seguintes, culminando na Constituição de 1988, que assegurou igualdade de direitos entre homens e mulheres (WATANABE, 2020, p. 22).
A campanha pelo sufrágio feminino no século XIX foi outro marco. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, essa batalha durou quase sete décadas. No Brasil, as mulheres adquiriram gradualmente o direito ao voto, com o direito sendo estabelecido nacionalmente em 1932. Esta conquista abriu portas para outras realizações na década de 1930 e 1940 (ALVES; PITANGUY, 2003, p. 36-48).
Segato afirma que o patriarcado está no dia a dia das mulheres, sendo que sua violência representa a dominação masculina (2016, p.20). Para a Saffioti a violência doméstica é uma das piores violências contra a mulher, pois acontece em seu lar e se manifesta nas relações familiares, a autora também afirma que a violência doméstica é sustentada pelo patriarcado que dá aos homens o direito de controlar a vida das mulheres (2004, p.35).
Neste diapasão, Cunha assevera que quando se diz violência contra a mulher, remete-se ao conceito de gênero nas relações patriarcais, e suas desigualdades. Ela afirma que gênero é mais que fator biológica (sexo) – este determina apenas a aparência física e os órgãos reprodutores, enquanto o gênero é um conceito que é construído socialmente através da cultura e costumes de determinada sociedade. Portanto, nesta diferenciação, no patriarcado o homem é construído como forte, a mulher é frágil (2014, p. 150-51).
Safiotti diz que no patriarcado os homens têm o poder de ditar o comportamento das camadas sociais, garantindo aceitação ou tolerância por parte da sociedade, destarte, pune quem lhe parece ter comportamento inadequado (2006, p. 115). Destarte, o gênero que é construído socialmente acaba colocando o masculino acima do feminino, isto resultou em muitos anos de mitigação dos direitos femininos que aos poucos foram dados através de ondas de protestos que pediam pela igualdade de gênero (GUERRA, 2022, p. 241).
Parece haver certo consenso entre autores sobre o conceito de violência doméstica ter surgido a partir das lutas feministas das décadas de 1960 e 1970, que denunciaram a violência contra as mulheres como uma forma de opressão de gênero. O movimento feminista trouxe à tona a problemática da violência sofrida pelas mulheres em suas casas, pelo parceiro ou ex-parceiro, e como essa violência era naturalizada e legitimada pela sociedade.
Desta forma, o patriarcado é fator determinante para o enraizamento da violência contra a mulher, pois a oposição dos gêneros construindo a ideia de que o homem possui atribuições mais nobres e fortes que a mulher acaba corroborando comportamentos agressivos contra as mulheres, que devem sempre ceder às imposições masculinas, sob o aspecto do patriarcado.
Dos Santos e Silva afirmam que a mulher é presumidamente vulnerável, considerando o contexto histórico de inferiorização da mulher e enaltecimento do homem que é reforçado até os dias atuais e podem culminar em violência doméstica que aflige a mulher até mesmo dentro de seu lar (2017, p. 01-21).
A cultura patriarcal é tão latente no Brasil que os direitos das mulheres foram evoluindo paulatinamente com a possibilidade de exercer a tutela e a curatela de menores, previstas no Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916), e o direito ao voto, estabelecido pela primeira vez na Constituição de 1934 (BRASIL, 1934) (RIBEIRO, 2017, p. 44). A Constituição brasileira de 1988 consagrou a igualdade de gênero quando trouxe o fundamento da dignidade da pessoa humana, bem como estabeleceu como objetivo promover o bem de todos, sem distinção de sexo e outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).
Sendo que somente em 2006 foi criada uma lei específica para a violência contra a mulher, Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), resultado de uma lenta evolução em prol da igualdarde de gênero e da verificação da situação vulnerabilizada que a mulher se encontra na sociedade.
Portanto, é possível afirmar que a violência contra a mulher está intrinsicamente ligada ao patriarcado e à cultura machista, que contribuem para o sentimento de superioridade masculina, em detrimento da feminina e faz com que os pensamentos e atitudes agressivas contra a mulher sejam perpetuados.
1.1 Os Tipos de Violência
A violência doméstica permeia a sociedade brasileira e como pudemos perceber advém de um sistema patriarcal que sempre assegura a superioridade masculina em detrimento do feminino, fazendo com que o homem se sinta no direito de punir a mulher quando esta comete desvios no que ele acredita ser sua função.
Muitos autores apontam que a Organização Mundial da Saúde definiu a violência como (KRUG et al., 2002, p. 5):
O uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações.
O conceito de violência, segundo Lourenço e Carvalho diz respeito a transgressão das normas e valores de cada sociedade de acordo com cada tempo e que cause efeitos negativos a vítima (2001, p. 98). Lima afirma que a violência é a ação que deixe qualquer indivíduo ofendido moral ou fisicamente (2022, p. 7).
Em um relatório da OMS sobre a violência houve a definição de tipos de violência, que vai desde a auto infligida, até a coletiva. Em seguida o relatório traz as naturezas da violência que pode ser física, sexual, psicológica e pode envolver a privação ou negligência (2002, p. 6).
Este mesmo relatório apontou que na época da coleta de dados a maior parte dos homicídios eram cometidos por homem de faixa etária entre 15-29 anos (2002, p. 10). Além de dizer que a violência no lar está ligada a pessoa violenta ter convivido em ambiente violento na infância, experimentando sentimento de rejeição e se tornando perpetuador da violência na vida adulta (2002, p.15).
Os primórdios da sociedade deram origem à figura do homem como o provedor e protetor, estabelecendo assim uma sociedade patriarcal em que os homens detinham não apenas o domínio sobre as mulheres, mas também exerciam poder sobre a família. Nesse contexto, a relação entre homens e mulheres na sociedade estava longe de ser fundamentada na igualdade, sendo, em vez disso, marcada por uma clara hierarquia, com os homens ocupando posições de poder e as mulheres submetidas. Essa dinâmica frequentemente resultava em violência, muitas vezes justificada pela força física usada para controlar e "educar" as mulheres. Infelizmente, naquela época, tais agressões eram amplamente aceitas pela sociedade, que atribuía aos homens um comportamento agressivo, enquanto as mulheres eram vistas como seres dóceis e submissos. Esses padrões eram profundamente enraizados na educação da sociedade e reforçados pelos meios de comunicação, consolidando assim a posição dominante do homem como controlador das mulheres (CNMP, 2018, p. 48).
Ao longo do tempo, ocorreram mudanças culturais na sociedade, que resultaram em alterações nas regras e costumes, e a violência contra a mulher deixou de ser aceita como antes, principalmente devido às intervenções do poder público no sistema jurídico (CNMP, 2018, p. 48). No entanto, o modelo tradicional de "provedor" de família, predominantemente personificado pelo marido ou companheiro, ainda era visto como hierarquicamente superior. Isso levava a um desequilíbrio nas relações conjugais, frequentemente resultando em conflitos em que os homens recorriam à força física, enquanto as mulheres recorriam às lágrimas (VOGEL, 2020, p. 12).
Nos anos 1970, o Brasil começou a enfrentar a visibilidade da violência contra as mulheres, que antes costumava permanecer oculta dentro de quatro paredes. Os anos 1980 viram o início das denúncias de espancamentos e maus-tratos conjugais, levando à criação dos primeiros serviços de apoio às mulheres vítimas de violência, incluindo o SOS Mulher e as delegacias especializadas no atendimento à mulher (DEAM), estabelecidas a partir de 1985 (ALVES; PITANGUY, 2003, p. 36-48). Essa violência é uma manifestação das desigualdades de gênero profundamente enraizadas na sociedade, sendo tão fundamentais quanto a divisão de classes e raça/etnia para a estrutura das relações sociais. A violência física e psicológica contra a mulher é a face mais cruel dessas desigualdades (VOGEL, 2020, p. 26).
Ao longo da história, a agressividade humana se manifestou de maneiras diversas, muitas vezes tolerada, encorajada e até mesmo legalizada. Por exemplo, assassinatos de mulheres por supostos adultérios, casamento forçado, crimes em nome da honra são exemplos da aceitação social desses crimes. A agressividade humana evoluiu com o tempo, mas as mulheres continuaram sendo vítimas de violência física, sexual e psicológica (BAHIA et al., 2019, p. 183).
Existem inúmeros exemplos de violações, incluindo abuso sexual, assédio, escravidão sexual, crimes de honra, gravidez forçada, prostituição forçada, esterilização e abortos forçados, infanticídio feminino e feminicídio, entre outros (BAHIA et al., 2019, p. 183). A violência é uma tentativa de submeter a mulher à vontade do agressor, controlá-la e destruir sua autoestima. Isso frequentemente envolve diferentes formas de violência, como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (BAHIA et al., 2019, p. 187).
A violência psicológica é particularmente insidiosa, levando a mulher a acreditar que ela não sabe se vestir apropriadamente, não é capaz de cuidar dos filhos ou da casa, e não tem habilidades sexuais satisfatórias. O agressor frequentemente usa críticas constantes para fazer a vítima acreditar que tudo o que ela faz está errado, transferindo a culpa para ela. O agressor recorre à força física quando não consegue impor sua vontade, muitas vezes não tolerando ser contrariado em suas decisões (BARONI; CABRAL; CARVALHO; 2020; [n.p]).
O feminicídio não ocorre no mesmo contexto da insegurança urbana, mas é direcionado às mulheres por causa de sua condição de gênero. É um crime de ódio, frequentemente ocorrendo em casos de violência doméstica e familiar, e representa a expressão máxima da violência de gênero (PERLIN, 2020, p. 72-77).
Além das mulheres cisgênero, as mulheres trans, bissexuais, lésbicas e travestis enfrentam uma vulnerabilidade adicional devido à sua não conformidade com as regras sociais tradicionais de gênero. A violência é uma parte constante de suas vidas, resultado da conjugação de vários preconceitos que enfrentam diariamente (SANEMATSU, 2017, p. 64).
Para essas mulheres, a violência não é limitada ao feminicídio, mas inclui outros tipos de violência, como a lesbofobia, homofobia e transfobia. A violência contra essas mulheres, em muitos casos, é parte de um genocídio direcionado, refletindo o ódio e o desprezo por suas identidades de gênero não conformes com as expectativas tradicionais (SANEMATSU, 2017, p. 64).
Diante desse cenário de violência generalizada e letal, o poder público e o legislativo aprovaram leis importantes para a proteção das mulheres, como a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a Lei nº 13.104/2015 (Lei do Feminicídio), que representaram avanços significativos na proteção das mulheres (BAHIA et al., 2019, p. 183). Recentemente, a Lei nº 14.232/2021 também foi sancionada para fortalecer a proteção às mulheres (BRASIL, 2021).
1.2 A tipificação da Violência doméstica contra a mulher no Brasil
A mulher teve consagrado seu direito a dignidade com a promulgação da Constituição de 1988, que instituiu a dignidade da pessoa humana como fundamento e como objetivo a promoção do bem de todos, sem distinção de sexo ou qualquer forma discriminatória, ao longo do texto assevera a igualdade de gênero quando diz que é proibida a diferenciação salarial, do exercício de funções e de critério para admissão por motivos de sexo, entre outros (BRASIL, 1988).
Contudo, é fato que a violência perpetuada dentro dos lares contra as mulheres ia de encontro com os fundamentos e objetivos constitucionais, a legislação penal não abordava a violência doméstica em si, tampouco a violência de gênero.
Durante um processo evolutivo das tratativas de violência de gênero no mundo, houve a necessidade de criação de lei específica contra a violência doméstica contra a mulher. O Brasil é signatário das Organizações dos Estados Americanos desde 18891, que criou uma comissão permanente, a Comissão Interamericana de Mulheres – CIM esta comissão visava garantir o reconhecimento dos direitos das mulheres e a equidade de gênero, estabelecendo metas e adequações legislativas para os países membros, portanto, a partir daí o Brasil criou a Lei Maria da Penha (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015, p. 505).
A Lei Maria da Penha (LMP) foi criada somente no ano de 2006 e leva esse nome em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes que sofreu violência doméstica e garante mecanismos de enfrentamento às agressões no contexto doméstico contra a mulher (FREITAS, MENDES, 2017, p. 68).
Maria da Penha, infelizmente, sofreu muito pela morosidade da justiça e da falta de leis específicas e severas que tratassem de violência doméstica. Seu ex-companheiro teve duas vezes penas prolatadas, mas das duas vezes conseguiu sair das audiências em liberdade.
O ano de 1998 foi decisivo, pois tomou dimensão internacional quando Maria da Penha, o Centro para Justiça e o Direito Internacional e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher denunciaram o caso para Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).
Durante o processo o Estado brasileiro não se pronunciou, mesmo com o descumprimento de tratados internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica, desta forma a CIDH deu diversas recomendações ao Brasil que culminaram na criação da Lei Maria da Penha que passou a vigorar em 2006.2
A DA LMP traz a definição de violência doméstica, em seu artigo 5º:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)
I - No âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (BRASIL, 2006)
Portanto, a violência doméstica é além de orientação sexual e acontecem no núcleo familiar, bem como pode ser cometida por pessoas que não tem parentesco, mas convive intimamente com a vítima, além de que pode ser cometida por mulheres também.
A lei define as formas de violência, pois a violência doméstica não é apenas a agressão física, mas violência psicológica, sexual, patrimonial e moral (BRASIL, 2006). A violência psicológica é caracterizada por toda conduta que diminua autoestima ou cause dano emocional a mulher, a sexual é qualquer ato que a obrigue assistir, participar ou manter atos libidinosos sem seu consentimento. A violência moral está ligada aos crimes de injúria e difamação, enquanto a patrimonial diz respeito a subtração, retenção ou destruição total ou parcial dos bens da mulher (LUSTOSA, 2019, p. 18-19).
A trajetória para criação de uma lei que buscasse de fato proteger as mulheres das violências cometidas no seio familiar foi árdua e longa, sendo que foi necessária a intervenção de Comissões internacionais para que orientasse o país que fosse mais efetivo nestes casos. O caso de Maria da Penha foi emblemático, mas deu visibilidade ao que era comum no cotidiano de muitas mulheres por todo o país.
2. UMA PEDRA NO MEIO DO CAMINHO: A PANDEMIA DA COVID-19, O ISOLAMENTO SOCIAL E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Superados os conceitos de violência doméstica e o processo de criação da Lei Maria da Penha, será exposto o que houve no mundo entre os anos de 2020 e 2021 e a relação desses eventos trágicos com a violência doméstica. Contudo, antes de adentrar a este tema é importante explicar o ciclo da violência doméstica.
2.1 O Ciclo da Violência Doméstica
O ciclo da violência acontece repetidas vezes e a primeira fase do ciclo é exteriorizada com agressões verbais, ciúmes e ameaças, segundo Gouveia nesta etapa é muito evidente a prática de violência psicológica, moral e patrimonial. A segunda fase é o momento em que ocorrem as explosões, espancamentos, está presente aqui a violência física (2022, p. 1081). A última fase é a denominada lua de mel, em que o agressor assume um comportamento pacífico e arrependido, aqui pode estar presente a manipulação e violência sexual (GOUVEIA et al 2022, p. 1082).
No site oficial do Instituto Maria da Penha há a descrição do ciclo da violência, que resume em aumento da tensão, violência e arrependimento. O site busca conscientizar as mulheres do ciclo da violência, para que saibam identifica-lo e sair da situação de violência, bem como dar dicas para que a mulher não se cale e ligue para a Central de Atendimento à Mulher no número 1803.
O ciclo de violência é perverso, começando com o silêncio, seguido pela indiferença, protestos, reprimendas, desaprovações e, eventualmente, punições. As agressões verbais se transformam em agressões físicas, incluindo empurrões, socos e pontapés. Essas agressões afetam não apenas o corpo da vítima, mas também sua autoestima, frequentemente ocorrendo na presença dos filhos, que são usados como ferramenta para manter o ciclo de violência. A vítima muitas vezes se torna prisioneira do agressor, com medo de viver sozinha (BARONI; CABRAL; CARVALHO; 2020; [n.p]).
A violência tende a se tornar invisível devido ao segredo que envolve o ambiente familiar. O pacto de silêncio entre agressor e vítima reforça a ideia de impunidade. O ciclo de violência continua, com agressões cada vez mais graves e frequentes, frequentemente seguindo um padrão previsível de escalada (PORTELA et al., 2017, p. 20).
Em alguns casos, a violência atinge um extremo de brutalidade física, com a impunidade e a culpabilização da vítima desempenhando um papel importante. O agressor pode ser visto como tendo agido em um momento de desequilíbrio emocional, e a vítima é frequentemente culpabilizada por suas próprias agressões. Esse ciclo vicioso resulta na tolerância da sociedade à violência (PRADO, 2017, p. 16).
As consequências da violência contra as mulheres são graves, muitas vezes levando à morte. A violência não tem justificativa, e as mortes de mulheres são resultado de ódio e discriminação de gênero, uma realidade que se reflete nas estatísticas de feminicídio (PERLIN, 2020, p. 72).
Souza, em estudo realizado, afirma que uma condição de vulnerabilidade seja financeira, baixa escolaridade e autonomia, contribuem para o não reconhecimento da violência doméstica, além disso, a tendência ao consumo de álcool e tabaco é considerada condição de vulnerabilidade e escape do trauma da violência. Todos os fatores apresentados, segundo Souza, levam a vítima à culpa e vergonha dando força ao ciclo da violência (Souza et al., 2021, p. 8-9).
É importante reiterar aqui que a violência doméstica contra a mulher acontece no seio familiar, unidade doméstica, ambiente de convivência íntima da mulher. Portanto, a cultura patriarcal, trazida no decorrer do capítulo um, é um obstáculo para a identificação do ciclo de violência em que a mulher está inserida, por isso é de suma relevância o esclarecimento dos conceitos abordados nos capítulos e tópicos anteriores.
2.2 PANDEMIA E ISOLAMENTO SOCIAL NO BRASIL
A Organização Mundial de Saúde – OMS decretou Pandemia de COVID-19 no dia 11 de março de 2020, em seu discurso orientou o que os países deveriam fazer e alertou sobre a quantidade de casos que surgiram e os diversos países que o vírus alastrou. A Organização Pan-Americana de Saúde também deu parecer sobre os principais problemas que a região enfrentaria e como deveria ser a postura dos países.
O isolamento dos casos e rastreamento dos contatos foram soluções postas por ambas as organizações4. O primeiro caso de infecção do vírus no Brasil foi no final de fevereiro de 2020, em São Paulo, um idoso foi diagnosticado. À época o ministro da Saúde era o Mandetta, o ministério recomendou hábitos de higiene, como lavar as mãos e não tocar os olhos, nariz e boca5.
No Brasil, cada estado e munícipio aderiram a medidas mais ou menos radicais ao passo que o vírus propagava. A grande mídia, secretarias de saúde e profissionais da saúde propagavam ideias do cunho: Fique em casa!
Na cidade de Goiânia-Goiás, por exemplo, houve suspensão de consultas especializadas e eletivas, atividades em postos de saúdes que pudessem aglomerar pessoas, bem como aumento do prazo de receitas de medicamentos contínuos, como insulina para diabéticos, conforme a Portaria da Secretaria de Saúde nº 107/20207.
Além disso, a nível nacional, houve publicação de Pareceres e Resoluções do Ministério da Educação que regulavam o cumprimento de carga horária mínima obrigatória por meio de ambientes virtuais de aprendizagem, como o Parecer do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP) n° 5/2020 e Resolução n°2/2020 CNE/CP8. A Resolução n°5/2020 (BRASIL, 2020, p.20) determinou pontos que deveriam ser levados em conta na hora de definir os métodos de aprendizagem durante o isolamento social, já que o Brasil é um país com muita diversidade, em seu texto integral, com grifos nossos, diz que:
Preliminarmente, deve-se levar em consideração que existem várias implicações para uma norma nacional sobre reorganização do calendário escolar:
1. O período de suspensão das aulas é definido por cada ente federado por meio de decretos de cada Estado ou Município. Portanto, pode-se ter situações muito diferentes de reposição em cada parte do Brasil;
2. Qualquer limitação que se fizer no formato da reposição/ajuste dos calendários deve considerar que será aplicada não apenas para as escolas públicas, mas também para as escolas particulares que possuem uma dinâmica completamente diferente;
3. Muitas redes públicas têm encontrado soluções para a situação, ainda que reconhecendo que não são perfeitas. Cabe respeitar o que está acontecendo;
4. Existe um esforço nacional de várias entidades para criar condições de estudo e desenvolvimento de atividades pedagógicas para as crianças ao longo deste período de forma não presencial;
5. A nota de esclarecimento do CNE procura, no limite do possível, indicar que cada sistema deve encontrar a melhor solução para seu caso em particular ao mesmo tempo em que reforça o disposto na lei, decretos e normas existentes e realça que padrões de qualidade devem ser mantidos;
6. Existe, no âmbito de cada Estado, o acompanhamento do Ministério Público para evitar abusos;
7. É importante que as escolas e sistemas de ensino planejem cuidadosamente o retorno às aulas considerando o contexto bastante adverso do período de isolamento social e mantenham um sistema de comunicação permanente com as famílias; e
8. Considerando a probabilidade de que ocorra evasão escolar, que seja realizado um esforço de busca ativa dos estudantes ao fim do período de suspensão das aulas.
A Resolução acima reconhece a pandemia e os métodos diversos de contornar a situação por escolas no país, e também mostra a ciência de que para cada estado e município a intensidade do isolamento e medidas de prevenção foram diferentes.
Portanto, seja maior ou menor intensidade, cada munícipio teve o isolamento social como método de enfrentamento a COVID-19 por meio de decretos publicados, houve suspensão de aulas presenciais em todos os níveis de ensino, bem como diversas campanhas pedindo ao povo que só saísse de casa para atividades essenciais.
No contexto do trabalhista também houve diversas mudanças para atender o período pandêmico em que o país (e o mundo) estava. A Lei nº 14.020/2020 institui Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda, o objetivo da referida lei era preservar o emprego e a renda enquanto perdurasse o estado de calamidade pública, a fim de não sobrecarregar os empresários e não prejudicar o trabalhador. Os benefícios eram custeados pela União e tinha a modalidade de redução de carga horária e/ou suspensão de contrato, como diz o artigo 5º (BRASIL, 2020):
Art. 5º Fica criado o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, a ser pago nas seguintes hipóteses:
I - redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e
II - suspensão temporária do contrato de trabalho.
§ 1º O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda será custeado com recursos da União.
O artigo 7° do mesmo texto legal estabelece requisitos da redução da jornada e de salário, assim como do retorno para jornada de trabalho normal, conforme o texto integral (BRASIL, 2020):
Art. 7º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º desta Lei, o empregador poderá acordar a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário de seus empregados, de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, por até 90 (noventa) dias, prorrogáveis por prazo determinado em ato do Poder Executivo, observados os seguintes requisitos:
I - preservação do valor do salário-hora de trabalho;
II - pactuação, conforme o disposto nos arts. 11 e 12 desta Lei, por convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho ou acordo individual escrito entre empregador e empregado; e
III - na hipótese de pactuação por acordo individual escrito, encaminhamento da proposta de acordo ao empregado com antecedência de, no mínimo, 2 (dois) dias corridos, e redução da jornada de trabalho e do salário exclusivamente nos seguintes percentuais:
a) 25% (vinte e cinco por cento);
b) 50% (cinquenta por cento);
c) 70% (setenta por cento).
§ 1º A jornada de trabalho e o salário pago anteriormente serão restabelecidos no prazo de 2 (dois) dias corridos, contado da:
I - cessação do estado de calamidade pública;
II - data estabelecida como termo de encerramento do período de redução pactuado; ou
III - data de comunicação do empregador que informe ao empregado sua decisão de antecipar o fim do período de redução pactuado.
Segundo Costa, houve aumento do desemprego e informalização do trabalho (2020, p.972), ambas as situações implicam para um novo modelo de vida. Esta nova dinâmica social fez com que a população passasse mais horas com as pessoas de seu convívio íntimo, o que pode ser equiparado, em alguns casos, com o aprisionamento da vítima com seu algoz. Diante desta ótica, o próximo capítulo trará informações quantitativas de estudos realizados acerca do aumento da incidência da violência doméstica no período de Isolamento Social no Brasil.
2.3 Medidas de enfrentamento a violência doméstica no Brasil: Inovações e expectativas de melhorias pós-pandemia.
À época do governo Dilma, a Secretaria de Políticas para Mulheres – SPM definiu que a rede de enfretamento a violência contra a mulher seria a presença de forma ativa e articulada de políticas públicas, comunidade e organizações não governamentais, para garantir assistência efetiva, ciência das mulheres de seus direitos como pessoa e a denunciação das violências. Diferente disto, tem a rede de atendimento que diz respeito as ações e serviços que buscam aumentar e melhorar o atendimento a mulher agredida, oferecendo um atendimento humanizado ().
É importante ressaltar que a Lei Maria da Penha tem um capítulo específico para tratar das medidas de enfrentamento, que são do teor a seguir (BRASIL, 2006):
Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;
III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º , no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal ;
IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
O artigo 8° (oitavo) da LMP é importante, pois designa uma estrutura de enfrentamento a violência, como no inciso I promovendo integração dos mais diversos campos da vida, saúde, segurança pública, ministério público, defensoria para que a mulher seja atendida de forma mais eficaz.
A promoção de estudos, pesquisas e estatísticas que assegura o inciso II é exercida através do programa institucional do Senado que é o Observatório da Mulher contra a Violência9, nele existem diversos dados relacionados a violência contra a mulher, como painel de dados, publicações, informação sobre atividade legislativa e outros. Outro importante instituto que vale mencionar é o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada que nos traz o Atlas da Violência10, que além de trazer o detalhamento de violências cometidas contra a mulher, traz o quadro geral do que acontece no Brasil.
A disseminação dos direitos humanos e da mulher, valorização do respeito de modo a coibir atitudes violentas, bem como de campanhas educativas são realizadas tanto por iniciativa do Estado, quanto por Organizações não Governamentais, como é o caso da Plataforma Mulher Segura11 que oferece diversas informações sobre os direitos das mulheres.
Segundo Silveira, o atendimento especializado em delegacias, como dispõe o inciso 4º (quarto) do artigo 08 da LMP, é caracterizado como rede de atendimento, não como enfrentamento, que é uma face das diversas espécies de rede de atendimento (2022, p.12-13).
Acerca do inciso V é relevante mencionar o projeto do Centro Universitário Alves Faria, o Ponto de Escuta Ativa, que além de ser apoio para as mulheres vulnerabilizadas, acaba educando e coibindo comportamentos misóginos e violentos contra as mulheres12.
Os demais incisos do artigo comentado neste momento, versam sobre a intercomunicação do Estado com Organizações e a promoção de conscientização e educação em todos os níveis da sociedade, bem como fala sobre a capacitação de policiais civis, militares, corpo de bombeiro e guarda municipal para que possam oferecer atendimento especializado e eficaz.
Em síntese, o artigo 8 traz diversas formas de enfrentamento a violência doméstica contra a mulher, sendo a educação a principal saída para a identificação precoce de relacionamentos abusivos e conhecimento de seus direitos e a consequente conscientização da condição de vítima da violência doméstica.
CONCLUSÃO
Nos capítulos anteriores foram explicados diversos conceitos importantes para a conscientização da violência contra a mulher, dentre eles o de violência e a sua relação com o patriarcado e machismo. Ao passo que também foi explicado sobre os tipos de violência e o ciclo da violência. Ao final do capítulo dois houve a exposição da Pandemia e quais os métodos adotados no Brasil.
Portanto, cabe a este capítulo mostrar dados que indiquem se houve realmente aumento de violência doméstica no período da Pandemia no Brasil, para demonstrar usamos os dados de pesquisa realizada pelo Senado, através do Observatório da Mulher e de dados levantados pelo IPEA através do Atlas da Violência.
No ano de 2021 o Atlas da Violência divulgou dados sobre a violência contra a mulher, ressalto que a pesquisa inclui dados de mortes decorrentes de violência de gênero e de violência urbana. Segundo a pesquisa realizada o número de homicídios em que mulheres foram vítimas diminuiu no ano de 2019, em relação ao ano anterior. Contudo, houve aumento de 21,6% de mortes sem causa especificada em relação a 2018 (CERQUEIRA et al., 2021, p. 36).