A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS DAS SOCIEDADES ANTIGAS, PARA AS SOCIEDADES MODERNAS DA HUMANIDADE

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17095713


Maria de Lourdes Guimarães Rodrigues1


RESUMO
Este texto investiga as relações recíprocas entre Sociologia e Modernidade. Este ensaio, assim, tem como proposta descrever sociologicamente as diferenças na visão de mundo entre o mundo pré-revoluções e o mundo pós revoluções, ressaltando especificamente as transformações do mundo social consolidadas nesse período e as consequentes implicações destas transformações para a consolidação da visão de mundo ocidental moderna. Em seguida, busca estabelecer as transformações trazidas por essas revoluções que propiciaram o surgimento da Sociologia como tal. O pensamento sociológico só teria mesmo condições de se desenvolver em circunstâncias históricas marcadas por severos choques de uma cultura, sobretudo na auto concepção oficial ou comumente aceita. A ocasião mais propícia, então, para o surgimento da sociologia científica é aquela em que as interpretações comumente aceitas ou legalmente enunciadas sofrem um abalo; é só então que se torna possível pensar além do estabelecido e contestar não só o saber instituído como também as autoridades oficiais e a perenidade das instituições.
Palavras-chave: Reflexividade, revolução, estrutura social, mudança social, sociologia da modernização, sociologia da cultura.

ABSTRACT
This text investigates the reciprocal relationships between Sociology and Modernity. This essay, therefore, proposes to sociologically describe the differences in worldview between the pre-revolutionary and post-revolutionary worlds, specifically highlighting the transformations of the social world consolidated during this period and the consequent implications of these transformations for the consolidation of the modern Western worldview. It then seeks to establish the transformations brought about by these revolutions that led to the emergence of Sociology as such. Sociological thought could only truly develop in historical circumstances marked by severe cultural shocks, especially in its official or commonly accepted self-conception. The most propitious occasion, then, for the emergence of scientific sociology is one in which commonly accepted or legally enunciated interpretations are shaken; only then does it become possible to think beyond the established and challenge not only established knowledge but also official authorities and the permanence of institutions.
Keywords: Reflexivity, revolution, social structure, social change, sociology of modernization, sociology of culture.

INTRODUÇÃO

Este texto investiga as relações recíprocas entre História, Sociologia e Modernidade. A hipótese de trabalho é de que a Sociologia como modalidade de pensamento portadora de critérios específicos acentua os intentos reflexivos da própria Modernidade, que vêm já numa trajetória de desenvolvimento desde as reformas religiosas, o renascimento, o iluminismo e a filosofia política liberal.

A determinação, no entanto, é mútua. Tanto a modernidade é a sedimentação de uma visão de mundo que deu condição de possibilidade ao surgimento de uma ciência da sociedade, como a sociologia influi sobre o desenvolvimento desta visão de mundo, mormente em seu caráter de reflexividade institucional.

Não se trata de ter como problema de pesquisa as razões da passagem da sociedade feudal para a sociedade moderna – tema por excelência da chamada sociologia clássica.

Um problema de pesquisa já posto por sociólogos a partir de diferentes perspectivas (Lerner, 1958), (Marx, 1985), (Weber, 1923). As transformações na estrutura na infraestrutura e na cultura da sociedade ocidental são tematizadas aqui porque é nesta sociedade que teve nascimento a sociológica científica. E o que objetivasse descobrir aqui são as mútuas determinações entre a sociologia e a sociedade que a criou.

É um trabalho, portanto, de interface entre os campos da sociologia da modernização e sociologia da cultura. O marco histórico e de transformação estrutural da sociedade ocidental a ser utilizado é o do período conceituado por Hobsbawn como era das revoluções, correspondendo à segunda metade do século XVIII.

Este ensaio, assim, tem como proposta descrever sociologicamente as diferenças na visão de mundo entre o mundo pré-revoluções e o mundo pós-revoluções, ressaltando especificamente as transformações do mundo social consolidadas nesse período e as consequentes implicações destas transformações para a consolidação da visão de mundo ocidental moderna. Em seguida, busca estabelecer as transformações trazidas por essas revoluções que propiciaram o surgimento da história e sociologia como tal.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A proposta de compreender o que era o mundo pré-revoluções burguesas tem suas limitações. Não pela complexidade em si, mas pela falta de instrumentos para explicá-lo em termos próprios. Zygmunt Bauman, um dos maiores estudiosos da modernidade, afirma que o problema de explicar o mundo pré-revoluções burguesas está em que só se pode explicá-lo com recursos a negações, ou seja, em termos do que ele não era, do que não continha, do que não sabia, do que não percebia. Era um “mundo ordenado de modo divino, que não conhecia a necessidade nem o acaso, um mundo que apenas era, sem pensar jamais em como ser” (Bauman, 1999, p. 13). A estratégia de descrição só pode ser indicar aspectos do nosso mundo que estão ausentes no mundo pré-moderno. Compartilhando dessa mesma dificuldade, Anthony Giddens, outro dos maiores estudiosos da era moderna, refere-se ao anterior como mundo pré moderno, e ao posterior, como pós-tradicional.

A complexidade é também demarcar o fim da era tradicional e o início da era moderna. Mesmo os dois sociólogos citados, que escreveram diversas obras tratando do período, admitem francamente a dificuldade de se estabelecer precisamente seu início. Bauman afirma que não há acordo sobre datas nem consenso sobre o que deve ser datado, e que “uma vez se inicie a sério o esforço de datação, o próprio objeto começa a desaparecer” (Bauman, 1999, p. 13); e Giddens limita-se cautelosamente a definir a Modernidade como “as instituições e modos de comportamento estabelecidos pela primeira vez na Europa depois do feudalismo, mas que no século XIX se tornaram mundiais em seu impacto” (Giddens, 2008, p. 21). ‘Depois do feudalismo’ é o máximo de datação que o autor arrisca

Peter Berger inquire sobre as diferenças de mentalidades do mundo pré-moderno e do mundo pós-tradicional. O sociólogo afirma que

Para o espírito tradicional o homem é o que é, onde está, e se torna impossível sequer imaginar que as coisas poderiam ser diferentes. [...] Em outras palavras, as sociedades tradicionais conferem identidades definidas e permanentes a seus membros. Na sociedade moderna, a própria identidade é incerta e mercurial. (Berger, 1986, p. 60)

A incerteza é redefinida por Giddens como aceleração, cuja velocidade escapa a toda imaginação sociológica ou histórica. Segundo Giddens, o mundo moderno, em contraste ao tradicional, é um mundo em que “não só o ritmo da mudança social é muito mais rápido que em qualquer sistema anterior; também a amplitude e a profundidade com que ela afeta práticas sociais e modos de comportamento pré-existentes são maiores” (Giddens, 2008, p. 22).

Em conformidade com o pensamento de Eric Hobsbawn, e conquanto não seja o único evento responsável pela ‘passagem’ de uma era para a outra, adoto aqui a Revolução Industrial como o marco do início da era moderna. O argumento do historiador é o de que a Revolução Industrial explodiu de fato antes da Revolução Francesa. Hobsbawn mesmo reconhece que a revolução industrial é resultado de um processo cujas raízes podem ser datadas desde o ano 1000 da nossa era. Entretanto, o historiador situa a década de 1780 como a década precisa da eclosão da revolução. Em suas palavras, foi nesta década que “pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços” (Hobsbawn, 1977, p. 50).

Complementariamente, o autor coloca, para estabelecer seu significado, a revolução industrial em paralelo com outros momentos de mudanças estruturais na história do mundo ocidental. “Sob qualquer aspecto, este foi provavelmente o mais importante acontecimento na história do mundo, pelo menos desde a invenção da agricultura e das cidades. E foi iniciado pela Grã-Bretanha” (Hobsbawn, 1977, p. 52). Crucial nesta revolução é o fato de ela não ter um “fim”.

A nova ordem que ela instaura não é estática. A ordem que ela instaura é a da mutação social constante, da aceleração. Difícil definição mais precisa que a de Hobsbawn: “Sua essência foi a de que a mudança revolucionária se tornou norma desde então” (Hobsbawn, 1977, p. 52). A rigidez agora é a mutação permanente. O desviante agora é a imobilidade. Definição que é compartilhada por outros estudiosos. Tocqueville (1997) mesmo chama de “revolução permanente do século XIX” a ordem gerada pelas revoluções industrial e francesa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Hobsbawn nos mostra que não é por acaso que a Revolução Industrial tenha se iniciado na Grã-Bretanha, apesar de em países como França e Alemanha as ciências, tanto naturais quanto sociais, serem bem mais desenvolvidas na época e o sistema de educação destes países serem significativamente mais organizados que o da Grã-Bretanha. Hobsbawn nos mostra que a principal vantagem da Grã-Bretanha era que o liberalismo já era guia e objetivo “essencial da economia e da política britânica havia mais de um século”, quando “o lucro privado e o desenvolvimento econômico tinham sido aceitos como os supremos objetivos da política governamental” (Hobsbawn, 1977, p. 54). Além disso, por essa época, a Grã-Bretanha já tinha se livrado da estrutura de produção agrícola feudal, já direcionando suas atividades agrícolas predominantemente para o mercado e em coerência com as necessidades de uma era de industrialização.

À parte as explicações tradicionais, centradas no mercantilismo e na máquina à vapor, Hobsbawn coloca a indústria algodoeira britânica como protagonista da revolução. Mas o mercantilismo não deixa de ter papel fundamental: foi o comércio colonial que criou a indústria algodoeira e a sustentou por muito tempo. Foram suas evidentes possibilidades de expansão rápida e aparentemente sem limites que deram ao empresário da indústria algodoeira não só coragem, mas segurança para pôr em prática medidas revolucionárias para aumentar a produção. Não pode ser ignorado, nesse momento, o maciço apoio do governo nacional britânico para o desenvolvimento da indústria. Uma sociedade liberal que nasce com apoio de uma mão bem visível do Estado

Hobsbawn descreve, então, o desenlace da Revolução Industrial como consequência ocasional, não planejada, do grande desenvolvimento da indústria algodoeira.

A perspectiva tradicional que viu a história da revolução industrial britânica primordialmente em termos de algodão é, portanto, correta. A primeira indústria a se revolucionar foi a do algodão, e é difícil perceber que outra indústria poderia ter empurrado um grande número de empresários particulares rumo à revolução. (Hobsbawn, 1977, p. 63)

Hobsbawn mesmo atenta para o fato de não se pode subestimar “as forças que introduziram a revolução industrial em outras mercadorias de consumo”, mas deve-se reconhecer que a indústria algodoeira era a que empregava mais pessoal, era a que mais tinha capacidade de influenciar a economia à sua volta, e “sua expansão foi tão vasta e seu peso no comércio exterior da Grã-Bretanha tão grande que dominou os movimentos de toda a economia” (Hobsbawn, 1977, p. 64).

Com a mecanização da produção a revolução está estabelecida. E logo ela começa a mostrar seus reveses. Hobsbawn data de princípios de 1840 a primeira crise geral do capitalismo. “Suas mais sérias consequências foram sociais: a transição da nova economia criou a miséria e o descontentamento, os ingredientes da revolução social” (Hobsbawn, 1977, p. 64). Descontentamento que se sentiu em levantes espontâneos dos trabalhadores, nas revoluções de 1848 e nos movimentos cartistas britânicos. Está estabelecida então a estrutura econômica da modernidade. Importante para entender o espírito dessa nova era é compreender também como essa época tentou compreender a si mesma; ou seja: pensar o real valendo-se do próprio pensamento sobre o real.

Ou seja, para compreender a visão de mundo da modernidade, e chegar a um entendimento mais preciso da diferença ente o mundo pré-moderno e o mundo pós-tradicional, um caminho metodológico possível é compreender de que modo surgiu Sociologia, que não é apenas a maneira característica e peculiar desta época compreender a si mesma, como também a única fonte de conhecimento legítimo da realidade para ela; e de que modo como a sociologia ajudou a construir e consolidar a cultura da modernidade.

A relativização generalizada e universalizada em oposição ao absolutismo da tradição, parece ser mesmo a principal característica da era moderna. Giddens e Bauman apontam a relativização como sua característica peculiar e essencial. Pré-requisito para o surgimento da Sociologia, a relativização aparece não só como característica determinante da era moderna, como também como característica fundamental e necessária da passagem da era pré-moderna para a moderna. A Sociologia aparece, pois, primeiro como visão de mundo resultada da relativização, para só depois, a partir desta relativização, constituir-se como ciência. Como expressou sobre isso Florestan Fernandes, “a Sociologia não se afirma primeiro como explicação científica e, somente depois, como forma cultural de concepção do mundo. Foi o inverso que se deu na realidade” (Fernandes, 1971, p. 273)

possibilitou o aparecimento da sociologia tal como a conhecemos, ao passo que o trabalho desta levou a uma intensificação da relativização das formas, valores e instituições sociais a níveis inimagináveis. Peter Berger aponta também para a correlação da Sociologia com a cultura da Modernidade: a “Sociologia está muito sintonizada com a era moderna exatamente por representar a consciência de um mundo em que os valores têm sido radicalmente relativizados” (Berger, 1986, p. 60).

Este pensamento de relativização é caracterizado por Giddens com o conceito de reflexividade, segundo ele a principal característica da era moderna: a “reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformuladas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim seu caráter” (Giddens, 1991, p. 45).

Cabe aqui inquirir quais as condições sociais deram condição de possibilidade para o surgimento, consolidação e generalização da relativização e da reflexividade na Modernidade, e qual a relação destes processos com a Sociologia científica. Na França, vista como pátria mãe da Sociologia, é sem dificuldade que podemos encarar a origem da disciplina como esforço para explicar as consequências da Revolução Francesa, entendida não só como o evento de 1789, mas como todo o período e revoluções e contrarrevoluções que se abriu em seguida.

É num pano de fundo de rápidas e profundas transformações sociais que os franceses adquirem a consciência da relatividade, e da fragilidade das instituições sociais, antes tidas como eternas e imutáveis.

É nesse contexto que o pensamento sociológico se funda, na necessidade de pôr ordem à impressão de caos que essas mudanças causavam. Nesse sentido, não só a Revolução Francesa trouxe consequências a que a Sociologia surgiu para tentar explicar, como o citado contexto de rápidas transformações sociais em que entrou o mundo europeu, e a destituição de símbolos que empreendeu; como também da Revolução Industrial decorreram problemas aos quais a Sociologia surgiu como tentativa de reação, problemas que chegaram a ser sentidos do outro lado do oceano, como os identificados por Berger nos EUA: a rápida expansão das cidades e dos seus cortiços, a imigração em massa, os deslocamentos populacionais, o rompimento dos costumes tradicionais e o resultante desnorteamento das pessoas envolvidas no processo. São estas suas primeiras palavras para designar a ascensão da sociedade moderna capitalista, a sociedade resultante da Revolução Industrial e da Revolução Francesa: “um mundo no qual todos os laços sociais se desintegravam, exceto os laços entre o ouro e o papel-moeda” (Hobsbawn, 1977, p. 50)

Na Alemanha, não foram transformações sociais que levaram ao surgimento da Sociologia. Na Alemanha, a Sociologia surgiu ligada ao movimento filosófico chamado Historicismo, que não foi outra coisa senão uma tentativa de dar inteligibilidade à sensação de relatividade de todos os valores na história.

No entanto, se se quiser retroceder mais ainda, é sem dificuldade que se pode reconhecer, por exemplo, a consciência do relativismo gerado pelo contato com outras culturas durante o processo conhecido como Cruzadas como fator que se tornou umas das causas diretas do Renascimento e das Reforma Religiosa. Se olharmos para a história da Grécia Antiga, veremos que foi o relativismo também, gerado pelo contato entre povos de troncos culturais completamente distintos na Magna Grécia, que deu estímulo ao início da inquietação e da indagação filosófica. Tradicionalmente vistas como os marcos do nascimento do mundo moderno, não se pode negar a importância das duas revoluções; contudo, na medida em que se exalta-as, um equívoco acaba passando despercebido. A Sociologia como forma de consciência não nasceu das revoluções burguesas. Berger chama a atenção para a existência de dados de outras sociedades, além das do Ocidente europeu moderno, que revelam formas de consciência que bem poderiam ser chamadas de proto-sociológicas, e cita então pensadores como Heródoto e Ibn-Khaldun, que revelam a existência dessa postura intelectual de desconfiança em relação à eternidade, naturalidade e absolutidade.

Contudo, com a alvorada da era moderna no Ocidente, essa forma de consciência se intensifica, torna-se concentrada e sistematizada... (...) o pensamento sociológico marca o amadurecimento de várias correntes intelectuais que podem ser localizadas com toda precisão na moderna história ocidental. (Berger, 1986, p. 41)

A sociologia não é, pois, uma atividade imemorial ou necessária do espírito humano (Berger, 1986, p. 35), e, se se quiser entender o seu surgimento, é justamente nesse período de transição da sociedade feudal para a sociedade capitalista que se deve buscar as transformações históricas que propiciaram as condições para o seu aparecimento – ou sua intensificação como atividade intelectual, nos termos de Berger. Esse processo de transformação foi marcado por uma série de mudanças estruturais, como a Revolução Industrial, que modificou profundamente as formas de produção, e a Revolução Francesa, que trouxe novos ideais políticos e sociais, como liberdade, igualdade e fraternidade. Tais acontecimentos criaram uma nova ordem social, na qual os indivíduos começaram a se perceber como parte de uma coletividade mais ampla, marcada por conflitos de classe, desigualdades e disputas por poder. Esse cenário complexo exigia uma forma de compreensão sistemática da realidade social, dando origem à sociologia como ciência.

Todavia, mesmo sendo a culminância de diferentes correntes de pensamento europeias de períodos históricos e sociais anteriores, a sociologia científica se afigura como uma modalidade de pensamento eminentemente moderna e ocidental e, além disso, é constituída por uma forma de consciência essencialmente moderna. Filósofos como Montesquieu, Rousseau e Condorcet já haviam lançado questionamentos sobre a sociedade e suas instituições, mas suas análises ainda estavam profundamente ligadas a pressupostos filosóficos e morais. Com o avanço do pensamento científico e racional, inspirado pelo Iluminismo, surge a necessidade de se observar a sociedade de maneira empírica e sistemática, desvinculada de explicações puramente teológicas ou metafísicas. Assim, autores como Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber passam a se destacar como fundadores da sociologia moderna, cada um trazendo uma perspectiva singular para a análise das relações sociais e das transformações decorrentes do processo de modernização.

Ao definir a sociologia como um “olhar além das metas das ações humanas comumente aceitas ou oficialmente definidas” (Berger, 1986, p. 35), Berger afirma que não é em qualquer situação histórica que a sociologia poderia florescer. Esse olhar sociológico implica um distanciamento crítico, que permite questionar aquilo que é dado como natural ou evidente na vida cotidiana. Dessa forma, a sociologia exige uma sociedade em constante transformação, na qual os indivíduos estejam expostos a mudanças rápidas e profundas, como ocorreu durante a consolidação do capitalismo. O crescimento das cidades, a intensificação das relações de trabalho assalariado, o enfraquecimento das tradições comunitárias e o fortalecimento do Estado moderno criaram um ambiente propício para o desenvolvimento dessa ciência.

Além disso, a sociologia surge como resposta à necessidade de compreender os problemas sociais gerados pela modernidade. A industrialização trouxe consigo não apenas avanços tecnológicos, mas também exploração do trabalho, concentração de riqueza, miséria urbana e conflitos sociais. Esses fenômenos demandavam análises que fossem além da simples observação, buscando identificar as causas estruturais das desigualdades e os mecanismos de organização social. A ciência sociológica, portanto, nasce vinculada a uma perspectiva crítica, interessada em revelar as forças que moldam a vida coletiva e em propor caminhos para a transformação social.

Nesse contexto, é importante destacar que a sociologia não se limita a descrever a sociedade, mas também busca interpretar e explicar os processos que a compõem. Ela se apoia em métodos de investigação que permitem observar padrões de comportamento, relações de poder e estruturas sociais, utilizando conceitos que ajudam a compreender fenômenos complexos, como cultura, identidade, classe social e instituições. Essa abordagem diferenciada tornou-se essencial em um mundo caracterizado pela diversidade cultural, pela globalização e pela interdependência entre os povos. Assim, compreender a sociedade por meio da sociologia não apenas amplia o conhecimento, mas também oferece instrumentos para intervir na realidade, seja no campo das políticas públicas, seja na promoção da justiça social.

Compreender o surgimento da sociologia é entender que ela resulta de uma conjunção de fatores históricos, políticos, econômicos e culturais. Não se trata apenas de uma disciplina acadêmica, mas de uma ferramenta que permite aos indivíduos desenvolver uma visão crítica sobre si mesmos e sobre o mundo em que vivem. O olhar sociológico, conforme defendido por Berger, rompe com a superficialidade do senso comum e oferece uma análise profunda das dinâmicas sociais, possibilitando que se percebam as conexões entre as experiências individuais e os contextos mais amplos da sociedade. Dessa maneira, a sociologia se consolida como uma ciência indispensável para compreender os desafios da modernidade e para pensar caminhos que promovam uma convivência mais justa e equilibrada no mundo contemporâneo.

CONCLUSÃO

Segundo Berger, o pensamento sociológico só teria mesmo condições de se desenvolver em circunstâncias históricas marcadas por severos choques na auto concepção de uma cultura. A ocasião mais propícia, então, para o surgimento da sociologia científica é aquela em que as interpretações comumente aceitas ou legalmente enunciadas sofrem um abalo; é só então que se torna possível pensar além do estabelecido e contestar não só o saber instituído como também as autoridades oficias e a perenidade das instituições. É pressuposto então da sociologia uma certa tendência a não respeitar (necessariamente no campo intelectual, ainda não necessariamente no prático) as concepções ou explicações oficiais ou amplamente aceitas da sociedade. Essa dose de desrespeito é o motivo pelo qual, por exemplo, a Sociologia desaparece imediatamente nos países totalitários.

A Sociologia não surge com a era das revoluções. Elas apenas ajudaram a criar as condições propícias para que a Sociologia se intensificasse e se autonomizasse como atividade intelectual. E se intensificou a tal ponto que se fez intrínseca à visão de mundo da Modernidade, pois foi a Sociologia científica e profissional que levou a relativização a esses níveis nunca antes alcançados por nenhuma sociedade na história.

A consciência da relatividade, que com toda probabilidade, em todas as épocas da história, foi monopólio de um pequeno grupo de intelectuais, hoje se apresenta como um amplo fato cultural, que se estende até às camadas inferiores do sistema social.

Momentos decisivos de formação da sociedade moderna são a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, pela amplitude global de seus efeitos, sem precedentes na história. Estas instauraram um mundo em que a “reflexividade” substituiu a “absolutidade” da tradição (ambas entendidas como as formas de consciência correspondentes a cada período).

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1 Graduada em História, Letras e Libras. Especialização em História e Teoria Econômica e Língua Brasileira de Sinais Mestranda em Tecnologias Emergentes em Educação pela Must University. E-mail: [email protected]