A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DIGITAL: ENTRE A AUTENTICIDADE, A ADAPTAÇÃO E O MEDO DAS CONSEQUÊNCIAS

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17556974


Emily Oliveira Coutinho1
Dominique Alves da Silva2
Pedro Lucas Marques de Assumpção3
Raissa Oliveira Arruda4


RESUMO
Este ensaio investiga os comportamentos e as percepções de usuários de redes sociais no que diz respeito à construção e gestão da identidade digital. Por meio de uma pesquisa quantitativa, com a aplicação de um questionário online a 97 respondentes, foram analisadas dimensões como o tempo despendido na curadoria de conteúdo, a influência do engajamento (curtidas) na satisfação pessoal, o sentimento de pertencimento a comunidades online, a fidelidade da identidade digital aos valores pessoais, a adaptação do comportamento conforme a plataforma e a percepção de riscos legais e sociais. Os resultados indicam que os usuários navegam em um equilíbrio complexo entre a busca pela autenticidade e a necessidade de adaptação contextual, com expressiva consciência sobre as possíveis consequências de suas publicações. Conclui-se que a identidade online funciona mais como uma extensão da identidade offline do que como sua substituição, revelando uma dinâmica de expressão marcada pela performatividade e pela prudência.
Palavras-chave: Identidade Digital. Autenticidade. Redes Sociais. Comportamento Online

ABSTRACT
This essay investigates the behaviors and perceptions of social media users regarding the construction and management of digital identity. Through a quantitative research approach, based on an online questionnaire applied to 97 respondents, the study analyzed dimensions such as the time spent on content curation, the influence of engagement (likes) on personal satisfaction, the sense of belonging to online communities, the fidelity of digital identity to personal values, the adaptation of behavior according to the platform, and the perception of legal and social risks. The results indicate that users navigate a complex balance between the pursuit of authenticity and the need for contextual adaptation, demonstrating significant awareness of the possible consequences of their online actions. It is concluded that online identity functions more as an extension of offline identity than as its replacement, revealing an expressive dynamic marked by performativity and prudence.
Keywords: Digital Identity. Authenticity. Social Media. Online Behavior.

INTRODUÇÃO

A construção da identidade na era digital constitui uma das mais profundas transformações da experiência humana contemporânea. As redes sociais, mais do que simples meios de comunicação, configuram-se como dispositivos complexos de poder, saber e subjetivação, verdadeiras arquiteturas da visibilidade, onde o “eu” se torna simultaneamente produtor e produto de si mesmo. Sob essa perspectiva foucaultiana, as plataformas digitais não apenas espelham o sujeito, mas o fabricam: moldam seus desejos, administram seus afetos, regulam suas condutas e delimitam os contornos do que é possível dizer, mostrar e ser. Como afirmou Foucault (1977), o poder não reprime, ele produz; e nas redes, essa produção se manifesta em curtidas, algoritmos e métricas que convertem a vida em performance quantificável.

Este artigo propõe uma análise crítica da construção do eu na esfera digital, tomando como base um questionário aplicado a noventa e sete participantes e articulando os dados empíricos às reflexões filosóficas de Michel Foucault, Jacques Derrida, Luciano Floridi, Carlo Rovelli e Nick Bostrom. Parte-se do pressuposto de que a experiência online não é mera extensão do mundo físico, mas uma nova forma de existência, uma infosfera (Floridi, 2010) em que o sujeito é constantemente inscrito, arquivado e monitorado. Nesse espaço híbrido, o ideal de autenticidade se transforma em performance e a liberdade em gestão de si: o indivíduo age como empresário de sua própria imagem, internalizando a lógica neoliberal e o panoptismo digital que Foucault descreve em Vigiar e Punir (1975).

A discussão empreendida visa compreender como a subjetividade contemporânea é atravessada por forças contraditórias: a promessa de autonomia e expressão se confunde com a vigilância e o controle; o desejo de pertencimento convive com o medo da exposição; a autenticidade se converte em espetáculo. Derrida (2011), nos recorda que o sujeito é sempre escritura, um rastro em permanente diferimento, e, na era das redes, esse rastro é mediado por algoritmos que determinam sua visibilidade e permanência. Rovelli (2018), ao pensar o tempo como relação, nos ajuda a compreender a temporalidade dilatada do digital, onde o efêmero e o permanente se entrelaçam. Bostrom (2014), ao advertir sobre os riscos de sistemas inteligentes e autônomos, evidencia as novas assimetrias de poder entre o humano e o técnico.

Assim, o presente trabalho busca mostrar que a identidade digital não é uma representação, mas um campo de forças: um território em disputa entre expressão e controle, autenticidade e norma, presença e arquivo. Com base nessa análise interdisciplinar, propõe-se compreender a subjetividade conectada como uma forma de biopolítica, um regime em que o poder atua não sobre corpos visíveis, mas sobre perfis, dados e afetos. Pensar o eu na era das redes é, portanto, pensar o futuro do humano diante das máquinas que o observam, classificam e o convidam a se exibir.

IDENTIDADES, AUTENTICIDADE E PERFORMATIVIDADE SOB A ÓTICA FOUCAULTIANA, DERRIDIANA E INFORMACIONAL

A construção do eu na esfera digital constitui um dos fenômenos mais complexos e paradoxais da contemporaneidade. As redes sociais, ao mesmo tempo em que se apresentam como espaços de expressão e liberdade, tornam-se dispositivos de controle e produção de subjetividades. Foucault (1975/1977), já havia nos alertado que o poder não apenas reprime, mas produz: produz saberes, corpos, identidades e condutas. O ambiente digital é o prolongamento dessa lógica disciplinar, agora potencializada por métricas, algoritmos e economias de atenção que moldam o comportamento humano com precisão quase cirúrgica. A identidade online emerge, assim, não como expressão espontânea de um eu autêntico, mas como resultado de uma negociação constante entre exposição, validação e autocontrole, um processo em que o sujeito é simultaneamente autor e produto de si mesmo.

Os dados de um questionário aplicado a noventa e sete respondentes revelam as nuances dessa experiência. Quase metade dos participantes declarou que o número de curtidas ou reações em suas publicações afeta diretamente sua satisfação. Esse dado evidencia a internalização de uma economia afetiva na qual a validação pessoal é mediada por dispositivos de quantificação pública. Foucault (1977), descreveu, em Vigiar e Punir, o panoptismo como a tecnologia de poder que faz o indivíduo se tornar o próprio vigia de si. Hoje, a estrutura das redes sociais reproduz e intensifica esse princípio: a vigilância é distribuída, contínua e internalizada. A cada postagem, o sujeito se expõe ao olhar coletivo, ajustando-se à norma implícita de popularidade e aprovação. Derrida (2011), por sua vez, ajuda-nos a compreender que esse “eu” produzido é sempre escritura, rastro e diferimento. A identidade digital não é presença, mas arquivo; não é essência, mas repetição de traços, incessantemente reinscritos e reinterpretados pela audiência e pelos algoritmos.

Outro aspecto revelador é a percepção de muitos respondentes de que sua identidade online os representa de forma mais autêntica do que suas interações offline. Essa constatação aponta para uma mutação no modo de pertencimento e de representação de si. O espaço virtual opera como um “terceiro lugar”, híbrido e liminar, onde é possível experimentar facetas da subjetividade que as estruturas normativas do mundo físico muitas vezes reprimem. No entanto, essa liberdade é ambígua: quanto mais o sujeito se liberta das amarras presenciais, mais se submete às normas invisíveis da visibilidade digital. Foucault (1999), descreveu, em As Palavras e as Coisas, como cada época define as condições do dizível e do visível, instaurando um regime de verdade que organiza a experiência. Na era das plataformas, o algoritmo cumpre esse papel: decide o que aparece e o que desaparece, quem fala e quem é silenciado. A promessa de expressão individual plena se converte, assim, em uma forma sofisticada de normalização.

A performatividade emerge como outro eixo fundamental dessa dinâmica. A maioria dos respondentes afirma adaptar seu comportamento conforme a rede social, o que revela uma competência estratégica: compreender os códigos de cada ambiente e ajustar-se a eles. Contudo, essa flexibilidade tem um preço. Em Nascimento da Biopolítica (2008), Foucault analisou como o neoliberalismo transforma os indivíduos em “empresários de si mesmos”. Essa lógica, transposta ao contexto digital, se manifesta na exigência de coerência estética e discursiva, uma espécie de branding identitário permanente. O “eu” precisa ser gerido, otimizado e atualizado. Ainda que muitos afirmem buscar autenticidade, a própria autenticidade se converte em performance, uma imagem calculada da espontaneidade. Derrida (2003), chamaria isso de hospitalidade condicionada: o sujeito é acolhido na esfera digital apenas se obedecer às regras da casa, regras de engajamento, relevância e visibilidade.

A relação entre liberdade e medo constitui outro aspecto essencial. Mais de um terço dos participantes afirma evitar postagens por receio de consequências legais ou sociais. A liberdade de expressão convive com uma cultura de vigilância e punição. Foucault (1995), em A Ordem do Discurso, mostrou que o controle das palavras se exerce tanto por exclusões explícitas quanto por procedimentos internos de filtragem e classificação. As redes sociais são o laboratório contemporâneo dessa microfísica do poder: nelas, o discurso é constantemente avaliado, denunciado, moderado, e cada palavra se inscreve em um campo de risco permanente. A autocensura torna-se uma forma de sobrevivência. Em A Coragem da Verdade (2008), Foucault retomou a noção de parrhesía, o dizer-verdadeiro que implica risco para o sujeito. No ambiente digital, essa coragem se vê atravessada por algoritmos, políticas de comunidade e moralismos de massa que desincentivam o confronto e premiam a conformidade.

A análise foucaultiana pode ser enriquecida por outros horizontes teóricos. Derrida (2011), lembra que o sujeito é sempre uma escritura em diferimento: o eu online é um texto vivo, constantemente reeditado, nunca completo. Floridi (2010, 2020, 2021), vai além ao propor a noção de infosfera, um espaço onde a vida e a informação são indissociáveis. Nessa condição onlife, o sujeito torna-se um nó informacional, cujos dados, rastros e interações compõem uma nova ontologia da presença. A ética, portanto, deve deslocar-se para esse plano: trata-se de pensar não apenas a proteção de dados, mas a dignidade informacional. Rovelli (2018), ao abordar a ordem do tempo, fornece uma metáfora fecunda: o tempo não é linear nem absoluto, mas relacional. Da mesma forma, a identidade digital é um entrelaçamento de tempos heterogêneos, o efêmero das stories e a permanência do arquivo, que desafia nossa compreensão de memória e esquecimento. Já Bostrom (2003, 2014), adverte que as estruturas algorítmicas que sustentam esse mundo podem escapar ao controle humano, instaurando assimetrias de poder inéditas entre o indivíduo e os sistemas inteligentes que o observam, classificam e preveem.

Essa constelação teórica revela que a vida digital é, em última instância, uma nova forma de biopolítica. O poder não se impõe de fora, mas circula pelos afetos, pelas imagens e pelos dados, transformando cada indivíduo em gestor e produto de si mesmo. A promessa de autenticidade se confunde com a lógica da exposição; a liberdade se dobra ao imperativo da performance; a expressão se regula pelo medo. Foucault (2011), já dizia que “onde há poder, há resistência”, mas as resistências contemporâneas são frequentemente capturadas e transformadas em novas mercadorias simbólicas. O desafio ético, portanto, consiste em reinventar modos de existência digital que não reproduzam cegamente as lógicas de visibilidade e controle, mas que abram espaço para a pluralidade, a lentidão e o silêncio.

A relevância desse tema ultrapassa o campo acadêmico. Trata-se de compreender os mecanismos que moldam a subjetividade no século XXI e de pensar alternativas à captura total da experiência pela lógica da plataforma. A crise de saúde mental entre os jovens, marcada pela ansiedade de validação e pela comparação constante, é apenas um dos sintomas dessa nova economia do olhar. A fragmentação do espaço público e a polarização política, intensificadas pelos filtros algorítmicos, são outros. A construção do eu digital é, em última instância, um problema de cidadania e de humanidade: até que ponto somos agentes livres e até que ponto somos produtos de arquiteturas invisíveis que exploram nossa atenção, emoção e desejo?

Pensar a identidade digital sob a luz de Foucault, Derrida, Rovelli, Floridi e Bostrom é pensar o humano diante de sua própria duplicação técnica. É compreender que o “eu” não é dado, mas construído, e que toda construção envolve poder, linguagem e temporalidade. Cabe-nos, portanto, desenvolver uma ética da presença digital que conjugue coragem e cuidado, lucidez e empatia, resistência e invenção, uma ética capaz de reinscrever a verdade no coração de um mundo saturado de imagens e algoritmos. Somente assim será possível transformar a vigilância em consciência e a performatividade em gesto de liberdade.

A IDENTIDADE DIGITAL COMO DISPOSITIVO DE PODER

A identidade digital, conforme argumenta Barros (2025), é um campo de disputa simbólica e política no qual os sujeitos se constituem por meio de representações mediadas, dinâmicas e performáticas. Longe de ser um espelho fiel da subjetividade, ela se manifesta como um constructo relacional, atravessado por expectativas sociais, códigos de reconhecimento e sistemas de controle que definem o que pode ou não ser visível. Nas palavras do autor, a identidade digital “não é apenas um reflexo do eu, mas um território de negociações e de disputas discursivas” (Barros, 2025, p. 12). Essa concepção dialoga profundamente com a perspectiva foucaultiana do poder como uma rede produtiva e difusa, que não apenas reprime, mas fabrica realidades e modos de ser. Em Discipline and Punish (1977), Michel Foucault demonstra que o poder moderno opera por meio da vigilância, da normalização e da interiorização das normas, processos que encontram, nas redes digitais, sua forma mais sofisticada e disseminada.

Na sociedade disciplinar descrita por Foucault, o corpo é o principal alvo da vigilância; na sociedade digital, o corpo se torna dado, e a identidade se converte em perfil. Essa transposição marca a passagem do controle físico para o controle informacional. O que antes se realizava nos espaços fechados da prisão, da escola e da fábrica, hoje se concretiza na arquitetura das plataformas e dos algoritmos. Assim como o panóptico de Bentham permitia observar sem ser visto, o ambiente digital reproduz uma lógica similar: o sujeito é permanentemente observado, mas raramente sabe por quem, nem com quais propósitos. “O princípio panóptico”, escreve Foucault, “é induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder” (Foucault, 1977, p. 201). No universo das redes, esse estado é transposto ao usuário que, ciente da possibilidade de ser visto, regula seu comportamento, ajusta sua linguagem e reconfigura sua imagem para permanecer dentro dos padrões de aceitabilidade simbólica e estética.

Barros (2025), observa que essa dinâmica de autorregulação está intimamente ligada à economia da atenção e à cultura da visibilidade. A validação social, medida em curtidas, compartilhamentos e seguidores, transforma-se no novo mecanismo de normalização. Ser visto e reconhecido torna-se condição de existência. Contudo, essa visibilidade não é democrática: ela é mediada por algoritmos que hierarquizam conteúdos, ampliando alguns discursos e invisibilizando outros. As plataformas, ao promoverem determinadas narrativas e reprimirem outras, instauram uma nova forma de biopoder digital, um poder que não mais disciplina corpos isolados, mas governa fluxos de informação e regimes de afetos. Essa forma de poder não necessita de coerção explícita: ela opera pela sedução e pela incorporação voluntária das normas de comportamento. O sujeito deseja aquilo que o sistema deseja que ele deseje.

A análise foucaultiana permite compreender que, nesse contexto, a liberdade do usuário é simultaneamente real e ilusória. Real, porque ele dispõe de meios para criar, expressar e interagir; ilusória, porque toda ação é capturada, registrada e retroalimentada no sistema de vigilância. Foucault mostra que o poder disciplinar é eficaz justamente por operar de modo invisível, internalizando-se no próprio sujeito. Assim, o indivíduo digital se torna empresário de si mesmo, um microgestor de sua própria imagem, empenhado em manter uma presença constante e coerente. Essa coerência, contudo, é uma armadilha: ela exige que o sujeito se alinhe às normas estéticas, morais e ideológicas do ambiente digital. O selfie, o story, o comentário e até o silêncio são atos políticos e identitários, disciplinados pelo olhar coletivo e pelos critérios de visibilidade das plataformas.

Barros (2025) identifica aqui uma forma contemporânea de alienação simbólica. A identidade digital, embora apresentada como espaço de autenticidade e autoexpressão, é moldada por sistemas que mercantilizam a subjetividade. A exposição de si, travestida de liberdade, é o motor da economia informacional. Cada traço de personalidade, cada emoção compartilhada, é convertido em dado para análise preditiva e monetização. Assim, o sujeito não apenas consome, mas é consumido, transformado em capital simbólico e informacional. Foucault já antecipava essa inversão ao afirmar que “o poder produz; ele produz realidade, produz domínios de objetos e rituais de verdade” (Foucault, 1977, p. 194). No universo digital, essa produção se intensifica: a verdade do sujeito é medida pela coerência entre sua presença online e os padrões discursivos da comunidade virtual.

A confluência entre Foucault e Barros permite, portanto, compreender a identidade digital como um dispositivo de poder e saber. Ela é, ao mesmo tempo, um espaço de emancipação e de sujeição. O sujeito encontra nas redes a possibilidade de construir novas narrativas sobre si, explorar identidades antes reprimidas, criar vínculos e resistências. No entanto, essa liberdade está inscrita em um campo de visibilidade controlada. O panoptismo, aqui, deixa de ser apenas uma metáfora e se converte em estrutura técnica: algoritmos e sistemas de recomendação exercem uma vigilância difusa, estatística e contínua, capaz de antecipar comportamentos e moldar preferências. O indivíduo é livre para agir, mas apenas dentro dos limites calculados de uma arquitetura que o observa e o orienta.

Essa realidade gera o que Barros (2025), chama de “paradoxo da autenticidade controlada”: a busca por ser verdadeiro se realiza sob condições impostas pela própria lógica da plataforma. A performance do eu autêntico é recompensada enquanto espetáculo e punida quando rompe a norma. A autenticidade, portanto, deixa de ser um valor ético e torna-se um atributo estético, um signo de distinção social que opera dentro do regime disciplinar da visibilidade. Ao mesmo tempo, esse processo de controle não é total, e é justamente na fissura do sistema que emergem as resistências. Foucault (1977), lembra que “onde há poder, há resistência”; e nas redes, essa resistência manifesta-se em práticas de subversão, ironia, anonimato e reconfiguração das formas de expressão. A identidade digital, portanto, não é apenas o resultado do controle, mas também o terreno onde o sujeito tenta escapar às coerções, reinventando-se continuamente.

Conclui-se que a identidade digital é uma construção ambivalente e política: produto de representações sociais, mas também de estratégias de poder invisíveis que definem o campo do possível. Ao articular Barros e Foucault, percebe-se que o ambiente online não é apenas um novo espaço de interação, mas o laboratório de uma nova subjetividade. Uma subjetividade exposta, monitorada e quantificada, mas também reflexiva, criativa e capaz de resistência. Pensar criticamente a identidade digital implica, portanto, repensar a própria noção de liberdade na era da vigilância algorítmica, uma liberdade que, mais do que nunca, precisa ser conquistada não pela ausência de poder, mas pela consciência das suas formas de operação.

ENTRE PANOPTISMO, GOVERNO DE SI E EPISTEMES DA VISIBILIDADE

A constituição da identidade digital constitui uma das mais profundas transformações do regime de subjetivação na contemporaneidade. Ao transitar de um modelo disciplinar, centrado no corpo e na vigilância espacializada, para um regime informacional e algorítmico, o poder desloca-se da coerção visível para o controle distribuído. O que Foucault (1977), descreveu como a passagem das sociedades de soberania às sociedades disciplinares encontra, na era das redes, uma inflexão radical: a identidade digital emerge como um novo dispositivo de poder, um dispositif no sentido foucaultiano, isto é, um conjunto heterogêneo de práticas, discursos, instituições e tecnologias que visam governar condutas. Nesse novo arranjo, o sujeito não é apenas observado, mas também analisado, predito e produzido a partir de rastros de dados. A vida se converte em informação, e a subjetividade, em um campo de cálculo.

Barros (2025), observa que a identidade digital é “um território de disputas discursivas e simbólicas”, em que o sujeito é simultaneamente autor e efeito de representações que circulam sob as regras do mercado da atenção. As plataformas digitais, segundo o autor, não apenas mediam relações, mas estruturam modos de visibilidade e reconhecimento. Elas instauram o que poderíamos denominar, em diálogo com Foucault, uma nova economia do olhar: o panoptismo, descrito em Vigiar e Punir (1975), deixa de se concentrar em espaços fechados, a escola, a prisão, o hospital, para se difundir nas interfaces cotidianas. O usuário, consciente de sua exposição constante, internaliza o olhar do outro, moldando sua conduta conforme o regime de aprovação coletiva. O “estado permanente de visibilidade” (Foucault, 1977), não é mais imposto de fora, mas desejado como forma de pertencimento e reconhecimento social. Cada like, cada visualização, cada compartilhamento reforça o vínculo entre o controle e o prazer, entre a vigilância e o desejo de ser visto.

Foucault (2011), sustentava que o poder não é apenas repressivo, mas produtivo: ele fabrica saberes, corpos e verdades. Essa dimensão produtiva manifesta-se hoje na forma de algoritmos que aprendem com os hábitos do usuário e devolvem a ele um espelho moldado por previsões estatísticas. Assim, o sujeito é governado não por coerção explícita, mas pela gestão preditiva de suas preferências. Em Nascimento da Biopolítica (2008), Foucault descreveu o neoliberalismo como uma racionalidade que transforma o indivíduo em “empresa de si mesmo”. Nas redes sociais, essa racionalidade é elevada à condição de ontologia: o “eu” é convertido em marca, o comportamento em ativo, o afeto em capital simbólico. O sujeito torna-se gestor de sua própria imagem, performando a autenticidade como estratégia de sobrevivência simbólica em um mercado saturado de visibilidades concorrentes.

A identidade digital, portanto, é simultaneamente uma forma de liberdade e um mecanismo de sujeição. Barros (2025), destaca que o discurso da autoexpressão esconde uma normatividade implícita: para ser visível, o sujeito precisa adequar-se às linguagens e estéticas hegemônicas das plataformas. Trata-se de uma “autenticidade condicionada”, em que a espontaneidade é regulada pelos algoritmos e pela expectativa coletiva. O ideal de ser “verdadeiro” consigo mesmo, herança do humanismo moderno que Foucault (1999) situou no limiar de As palavras e as coisas, é reconfigurado em performance. O sujeito contemporâneo, que acredita narrar a si mesmo livremente, é simultaneamente narrado pelos dispositivos que o atravessam. O poder, lembra Foucault, “produz realidades e rituais de verdade” (2011, p. 194). O perfil digital é um desses rituais: uma montagem de dados, emoções e discursos que cria a aparência de coerência, mas que, em última instância, é o produto de uma rede de forças.

A “ordem do discurso” (Foucault, 1995), é também reconfigurada no ciberespaço. Nem todos os enunciados circulam com o mesmo peso, nem todas as vozes têm o mesmo alcance. Os algoritmos exercem, de modo silencioso, uma forma de censura estrutural: selecionam, filtram, hierarquizam, invisibilizam. Essa economia da visibilidade é o novo regime de verdade, uma epistemologia da atenção, em que o que aparece é o que engaja. A rarefação do discurso, descrita por Foucault, não se dá mais por proibição direta, mas por despriorização algorítmica. O silêncio, hoje, não é imposto, mas produzido por opacidade técnica. E é precisamente nesse ponto que a análise de Barros (2025), adquire relevância sociológica: ele mostra que as representações sociais da identidade digital se organizam em torno da tensão entre o desejo de autonomia e a conformidade estrutural, entre a promessa de liberdade e o condicionamento invisível.

Em A coragem da verdade (2008), Foucault analisa a parrhesía, o ato de dizer a verdade em contextos de poder. No ambiente digital, a parrhesía se converte em risco calculado: falar de forma autêntica pode implicar exclusão, cancelamento ou punição simbólica. A cultura da vigilância, combinada com a economia da reputação, produz uma autocensura difusa. A coragem do dizer é mediada pela prudência algorítmica. Contudo, a resistência não desaparece. Foucault lembrava que “onde há poder, há resistência”; e essa resistência, nas redes, manifesta-se em práticas de subversão discursiva, anonimato, ironia e multiplicidade de identidades. A identidade digital é, portanto, um campo de batalha: entre o dispositivo que governa e as subjetividades que o reapropriam.

O pensamento de Derrida amplia esse horizonte, ao sugerir, em Da Gramatologia (2011), que todo sujeito é uma escritura, um rastro que se reinscreve indefinidamente. O “eu” digital é precisamente essa escritura infinita, feita de atualizações, comentários e arquivamentos. Derrida (2003) acrescenta, em Ética da Hospitalidade, que toda abertura ao outro é também uma forma de controle: toda casa que acolhe estabelece condições de entrada. As plataformas digitais são, nesse sentido, casas que oferecem hospitalidade sob o regime da propriedade privada dos dados. A hospitalidade é sempre condicional; a liberdade, administrada.

Luciano Floridi (2010, 2020, 2021), complementa esse diagnóstico ao conceituar a infosfera, espaço ontológico no qual a informação é o tecido da realidade e o ser humano, um nó informacional. Na infosfera, o poder atua como gestão do fluxo informacional, quem vê, o que vê, quando e como. O sujeito é um feixe de dados: ao mesmo tempo produtor, produto e matéria-prima. Essa condição exige uma nova ética, a information ethics, que não se limita à privacidade, mas abrange o direito à inteligibilidade, à explicação e à temporalidade do próprio dado. Rovelli (2018), oferece ainda uma leitura ontológica do tempo que ilumina o tema: na era digital, a temporalidade da identidade é relacional e assimétrica. O sujeito vive entre o efêmero (as stories que desaparecem) e o arquival (os registros que permanecem). O tempo não flui; acumula-se. Cada traço é potencialmente eterno. A identidade torna-se um palimpsesto em que passado e presente coexistem na tela.

Nick Bostrom (2003, 2014), projeta uma dimensão prospectiva dessa análise, ao advertir sobre as assimetrias de poder entre humanos e sistemas de decisão automatizados. Sua hipótese da simulação e suas reflexões sobre a superinteligência indicam que o poder técnico, quando desvinculado da deliberação ética, tende a configurar mundos em que a agência humana se reduz. As plataformas atuais, embora não conscientes, já representam essa forma embrionária de poder: operam invisivelmente, definindo contextos e determinando possibilidades de ação. Elas não apenas medem o comportamento humano, mas o moldam, configurando a própria ontologia do possível.

Em síntese, a identidade digital, como novo dispositivo de poder, constitui uma forma híbrida de governo: ao mesmo tempo disciplinar, biopolítica e informacional.

Disciplinar, porque normaliza condutas; biopolítica, porque administra populações de usuários e suas emoções; informacional, porque captura a vida como dado. Barros (2025), acerta ao afirmar que “a identidade digital é um espaço de subjetivação e de controle simultâneos”, em que a visibilidade é condição de existência e o esquecimento, um luxo quase impossível. Foucault já havia intuído que o poder moderno não se exerce apenas pela proibição, mas pela produção de subjetividades úteis e dóceis. No contexto digital, essa utilidade assume a forma de engajamento, e a docilidade, de conectividade.

Refletir sobre a identidade digital sob a ótica foucaultiana é, portanto, pensar o poder em sua forma mais contemporânea: difusa, interiorizada, mediada por tecnologias e mascarada por discursos de liberdade. O desafio ético e político que se impõe é o de construir práticas e instituições capazes de reequilibrar essa relação. É preciso instaurar o que Foucault chamaria de um novo cuidado de si, que não seja individualista nem mercadológico, mas crítico, coletivo e consciente das infraestruturas que o sustentam. Como lembra Rovelli (2018), o tempo é relação, e talvez a identidade também o seja: uma relação em constante negociação entre visibilidade e esquecimento, entre exposição e silêncio. A coragem da verdade, hoje, consiste em compreender e desafiar o modo como o poder se infiltra nos circuitos da imagem e da informação, para que o sujeito não seja apenas efeito do dispositivo, mas também artífice de novas formas de existência.

MÉTODO

O presente estudo adotou uma abordagem metodológica quantitativa e descritiva, de caráter transversal, com o propósito de analisar um conjunto de comportamentos e percepções relacionados à experiência subjetiva e social dos usuários em redes digitais. Tal desenho metodológico possibilitou a captura sincrônica dos fenômenos investigados, permitindo observar, em um dado momento histórico, como se estruturam as práticas de autoexpressão, de construção da identidade e de negociação da autenticidade em ambientes mediados por plataformas digitais. A escolha por uma estratégia quantitativa se justifica pelo interesse em identificar padrões comportamentais mensuráveis, ao passo que a dimensão descritiva buscou mapear tendências, sem pretensão de inferência causal ou generalização populacional.

A coleta de dados foi realizada por meio de um survey online5 estruturado, composto por dez questões fechadas, elaboradas a partir de referenciais teóricos sobre identidade digital, performatividade, vigilância e representação social. A amostra total foi constituída por 97 participantes, selecionados por conveniência e convidados a responder voluntariamente ao questionário, aplicado em formato digital. Todos os respondentes eram usuários ativos de redes sociais, abrangendo diferentes faixas etárias, níveis de familiaridade tecnológica e tipos de plataformas (Instagram, TikTok, Facebook, X/Twitter, LinkedIn, entre outras). Embora o estudo não tenha incluído variáveis sociodemográficas detalhadas, como gênero, idade, escolaridade ou localidade, a diversidade observada nas respostas permitiu uma compreensão inicial ampla e exploratória do fenômeno investigado.

Cada questão do instrumento foi formulada com base em uma escala Likert de cinco pontos, variando de 1 (nunca) a 5 (muito frequentemente), de modo a captar a intensidade e frequência das experiências relatadas. Essa estrutura possibilitou a identificação de nuances comportamentais entre extremos de adesão e resistência. O questionário contemplou eixos temáticos centrais: (i) o tempo dedicado à curadoria e edição de conteúdo, interpretado como índice de investimento simbólico na construção do “eu” digital; (ii) o impacto das curtidas e reações na satisfação pessoal e na percepção de validação social; (iii) a comparação entre pertencimentos online e offline, buscando compreender o deslocamento das formas de sociabilidade; (iv) a fidelidade da identidade digital aos valores pessoais; (v) a adaptação performática do comportamento de acordo com o contexto e a plataforma; (vi) as práticas de autocensura motivadas por medo de exposição, julgamento ou consequências legais; e (vii) a influência de tendências e influenciadores na formação de gostos, opiniões e valores.

O procedimento de coleta foi inteiramente digital, assegurando agilidade, anonimato e amplitude de alcance. Após o encerramento do período de respostas, os dados foram exportados para planilhas eletrônicas e tratados com técnicas de análise estatística descritiva, permitindo a observação de distribuições de frequência e percentuais de cada variável. A interpretação dos resultados não se restringiu à quantificação: buscou-se também relacionar os padrões numéricos com dimensões teóricas mais amplas, especialmente à luz da leitura foucaultiana da vigilância e da autorregulação, e da noção de identidade digital como construção discursiva e relacional (Barros, 2025).

Para facilitar a visualização dos achados, os resultados foram representados por meio de gráficos de barras e setores, organizados de acordo com os eixos temáticos. Essa apresentação gráfica teve como objetivo não apenas sintetizar a distribuição percentual das respostas, mas também permitir a leitura comparativa entre categorias, evidenciando convergências, dissonâncias e possíveis paradoxos, como o desejo simultâneo de autenticidade e de aceitação, ou a coexistência entre liberdade expressiva e medo de exposição. Em termos éticos, a pesquisa observou integralmente os princípios de respeito à autonomia, voluntariedade e confidencialidade dos participantes. O convite à participação foi acompanhado de informações sobre o objetivo do estudo, o caráter não obrigatório das respostas e o uso exclusivamente acadêmico dos dados. Nenhum dado pessoal identificável foi solicitado, e as informações coletadas foram armazenadas de modo seguro, garantindo o anonimato absoluto dos respondentes. Ainda que o estudo não tenha exigido submissão formal a um comitê de ética, adotaram-se as boas práticas recomendadas em pesquisas com seres humanos no ambiente digital, conforme preconizam os parâmetros do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e os princípios de ética informacional propostos por Floridi (2010).

Do ponto de vista epistemológico, a opção por uma metodologia quantitativa descritiva não se limitou a quantificar comportamentos, mas buscou iluminar a estrutura simbólica subjacente às práticas digitais, articulando números e sentidos. Assim, a mensuração das frequências não se reduz a um exercício estatístico, mas se configura como uma forma de cartografar o campo de forças em que se constitui o sujeito digital, um campo onde poder, desejo e autoimagem se entrelaçam continuamente. O método, portanto, funcionou como um instrumento de leitura crítica da subjetividade contemporânea, no qual cada porcentagem traduz não apenas um comportamento, mas uma microfísica do poder que atravessa o cotidiano das interações virtuais.

A análise dos dados deste estudo foi conduzida com o apoio do G12|ATLAS – Analisador Filosófico e Gödeliano, uma ferramenta inovadora desenvolvida por Barros (2025), que integra lógica formal, filosofia crítica e inteligência artificial para oferecer uma leitura profunda e multidimensional de textos e dados discursivos. O uso do G12|ATLAS permitiu não apenas organizar estatisticamente os resultados do questionário, mas também identificar padrões argumentativos, contradições semânticas e coerências lógicas nas respostas, expandindo a análise quantitativa para uma interpretação qualitativa de maior densidade filosófica. O software opera como um ambiente de investigação crítica, aplicando princípios da teoria foucaultiana e da lógica modal de Gödel à análise textual, o que possibilita mapear tensões entre discurso e poder, autenticidade e vigilância, sujeito e norma. Essa abordagem híbrida, entre o empírico e o conceitual, confere à pesquisa uma dimensão interpretativa ampliada, permitindo que os dados numéricos fossem articulados com a leitura filosófica dos modos de subjetivação digital.

Além de seu papel instrumental, o G12|ATLAS representa uma inovação metodológica ao democratizar técnicas avançadas de análise semântica e hermenêutica, oferecendo ao pesquisador recursos tradicionalmente restritos a especialistas em linguística computacional ou teoria crítica. Sua aplicação nesta pesquisa possibilitou validar hipóteses, aprimorar a clareza argumentativa e garantir consistência entre os resultados empíricos e as interpretações teóricas, em consonância com o rigor exigido pela investigação científica contemporânea.

Em síntese, o G12|ATLAS não foi apenas uma ferramenta de apoio técnico, mas um paradigma epistêmico, que reposiciona a análise textual no campo das humanidades digitais e filosóficas, aproximando o rigor lógico da reflexão crítica. Seu uso neste trabalho evidencia o potencial de integração entre tecnologia e filosofia como forma de redefinir os modos de ler, interpretar e compreender a complexidade do sujeito contemporâneo na era digital.

ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA

Este capítulo apresenta a análise dos dados coletados por meio de um questionário aplicado a 97 respondentes, com o objetivo de compreender melhor os hábitos, percepções e comportamentos dos usuários em redes sociais, especialmente no que tange à identidade digital, à autenticidade e à influência do ambiente online na autoexpressão. As perguntas foram respondidas em uma escala de frequência ou concordância, variando de 1 (nunca) a 5 (muito frequente).

O gráfico a seguir sintetiza, de forma comparativa, os principais resultados obtidos na pesquisa sobre identidade digital e comportamento nas redes sociais. Ele organiza, em ordem temática, o percentual de respondentes que afirmaram vivenciar “frequentemente” ou “muito frequentemente” cada uma das situações investigadas, o que permite identificar quais dimensões da vida digital exercem maior influência sobre o comportamento e a autoexpressão dos indivíduos.

Gráfico, Linha do tempo, Gráfico de barras

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Figura 1: Análise dos Resultados

Observa-se, de início, que as categorias “adaptação ao contexto da rede social” (63,9%) e “curadoria de conteúdo” (57,7%) concentram as maiores incidências. Isso indica que os usuários demonstram uma consciência elevada das normas e expectativas de cada plataforma, adaptando sua forma de comunicação e investindo tempo na construção de uma imagem digital cuidadosamente editada. Tal dado corrobora a noção foucaultiana de que o poder contemporâneo atua não pela coerção, mas pela autogestão e autorregulação dos sujeitos, que internalizam as regras do olhar social e as reproduzem na forma de disciplina estética e discursiva.

Em seguida, aparecem com destaque os eixos “responsabilidade pelas postagens” (43,8%) e “busca por autenticidade” (43,8%), que revelam uma tensão característica da experiência digital: o sujeito deseja expressar-se de modo genuíno, mas simultaneamente reconhece o risco e o peso ético de suas publicações. Essa ambiguidade reflete um cenário de “parrhesía condicionada”, para usar a expressão de Foucault (2008), em que o dizer- verdadeiro se torna uma prática de coragem vigiada e calculada, sujeita à censura dos algoritmos e à reprovação pública.

Os temas “fidelidade da identidade online aos valores pessoais” (27,1%) e “pertencimento a comunidades online” (50,5%, somando frequente e ocasional) mostram que a maioria dos participantes entende o ambiente digital não como substituto da vida offline, mas como extensão dela, um espaço de pertencimento parcial, complementar, no qual coexistem autenticidade e representação. Ainda que o engajamento, analisado na categoria “validação social por curtidas” (50,5%), exerça influência significativa sobre a satisfação pessoal, ele não se mostra determinante para todos, revelando um campo heterogêneo de sensibilidades e resistências ao poder normativo das métricas.

Por outro lado, a autocensura por medo de consequências (44,3%) e a influência de tendências e influenciadores (25,8%) ilustram a face disciplinar do poder nas redes: a visibilidade é, ao mesmo tempo, uma forma de controle. O medo das repercussões, legais, sociais ou reputacionais, leva os indivíduos a moderarem seus discursos, instaurando uma forma de vigilância internalizada, conforme descrito por Foucault (1975) em sua análise do panoptismo. O sujeito contemporâneo é o prisioneiro e o vigia de si mesmo, operando sob um regime de visibilidade permanente e voluntária.

Em síntese, o gráfico revela um padrão de comportamento marcado por autocontrole, performatividade e consciência do olhar alheio. A identidade digital aparece como um dispositivo de poder (Foucault, 1977), que combina liberdade e sujeição: os usuários agem com relativa autonomia, mas dentro dos limites normativos impostos pela cultura do engajamento e pela lógica algorítmica. O equilíbrio entre autenticidade e adaptação, evidenciado pelos dados, confirma que o “eu digital” é menos uma essência a ser revelada do que uma construção estratégica, uma performance cuidadosamente administrada sob o olhar difuso e permanente das redes.

Tempo e curadoria do conteúdo online

Na primeira pergunta, que investiga se os usuários gastam mais tempo editando fotos ou textos para postar online do que em uma conversa offline, observou-se que 30,9% dos respondentes afirmaram que isso ocorre de forma frequente, enquanto 26,8% relataram ser ocasionalmente. Apenas 13,4% disseram nunca dedicar mais tempo à edição de conteúdo online. Isso sugere uma tendência de curadoria da imagem digital, com um investimento significativo de tempo na preparação de publicações.

Validação social por meio de curtidas

A segunda questão aborda se o número de curtidas ou reações afeta a satisfação com o conteúdo postado. Os resultados mostram uma distribuição mais fragmentada: 27,8% declararam que isso ocorre ocasionalmente, e 22,7% relataram ser frequente. Apenas 12,4% afirmaram que nunca são influenciados. Nota-se, portanto, que a validação social por meio de engajamento tem impacto considerável na percepção de valor do conteúdo compartilhado.

Pertencimento a comunidades online vs. offline

Quando questionados se sentem maior pertencimento a grupos online do que offline, a maioria dos respondentes (50,5%) indicou que isso ocorre ocasionalmente, seguida por 14,4% que disseram frequentemente. Esse resultado indica que, para uma parcela expressiva, os ambientes digitais ocupam um espaço relevante na construção de vínculos sociais, embora não substituam completamente as interações presenciais.

Identidade online versus identidade offline

Na quarta pergunta, sobre se a identidade online representa mais o indivíduo do que a vida real, 50,5% dos participantes responderam que isso acontece ocasionalmente, enquanto 14,4% relataram ser frequente. Apenas 13,4% disseram nunca se identificar mais com sua persona digital. Isso aponta para uma coexistência entre as identidades online e offline, com nuances de superposição em parte dos usuários.

Adaptação do comportamento conforme a rede social

A quinta questão buscou verificar se os usuários adaptam seu comportamento e forma de expressão de acordo com a plataforma. A maioria (44,3%) respondeu que o faz frequentemente, e 19,6% relataram fazer isso muito frequentemente. Esse comportamento reflete uma consciência contextual e estratégica no uso das redes, possivelmente influenciada pelo público-alvo e normas de cada ambiente.

Autocensura por medo de consequências legais ou conflitos

Sobre evitar postar ou compartilhar conteúdo por receio de consequências legais ou conflitos, 27,8% dos respondentes relataram que isso ocorre ocasionalmente, e 16,5% disseram que é frequente. Apenas 11,3% afirmaram nunca evitar publicar por esse motivo.

Esse dado revela que questões legais e de conflito influenciam significativamente a liberdade de expressão online.

Fidelidade da identidade online aos valores pessoais

Ao serem questionados se a presença nas redes sociais reflete de forma fiel a identidade e os valores pessoais, as respostas se distribuíram de maneira equilibrada, com destaque para 27,1% que afirmaram ser frequente e 14,6% que relataram raramente. Isso sugere que a relação entre identidade digital e valores pessoais é variável e não uniforme entre os usuários.

Busca por autenticidade versus tendências

Sobre a busca por autenticidade mesmo sem seguir tendências, 27,1% disseram que isso ocorre muito frequentemente, e 16,7% relataram ser frequente. Esse resultado indica uma valorização da autenticidade por parte de uma parcela significativa, ainda que uma minoria expressiva.

Influência de conteúdos e tendências online

Quando indagados sobre a frequência com que mudam estilo, opiniões ou gostos por influência de conteúdo ou influenciadores, 40,2% relataram que isso ocorre raramente, e 25,8% disseram ocasionalmente. Apenas 11,3% afirmaram nunca serem influenciados. Isso mostra que, embora a maioria não seja facilmente influenciada, uma parcela considerável está sujeita a mudanças de comportamento baseadas no consumo de conteúdo digital.

Percepção de responsabilidade sobre postagens

Por fim, ao serem questionados sobre a sensação de responsabilidade pelas consequências legais ou sociais de suas publicações, 27,1% relataram sentir isso muito frequentemente, e 16,7% disseram frequentemente. Esse resultado reforça a noção de que os usuários estão cada vez mais cientes do impacto e do caráter público de suas ações online.

INTERPRETAÇÃO DA PESQUISA

Os resultados obtidos a partir do questionário aplicado a noventa e sete participantes revelam um panorama denso, contraditório e sintomático da condição subjetiva contemporânea no ambiente digital. As redes sociais, mais do que espaços de interação, funcionam como verdadeiros dispositivos de subjetivação, nos quais a identidade é continuamente construída, performada e monitorada. Ao observar as respostas, percebe-se a emergência de um sujeito que busca expressar autenticidade, mas que, ao mesmo tempo, se encontra profundamente implicado nas dinâmicas de visibilidade, validação e controle que estruturam o ecossistema digital. Os números, aparentemente neutros, escondem um drama filosófico e político: o da fabricação do “eu” em meio à arquitetura do olhar e da quantificação.

O primeiro conjunto de dados, relativo ao tempo gasto na curadoria de conteúdos, evidencia a transposição do cuidado de si para uma lógica estética e midiática. Mais da metade dos respondentes admite gastar mais tempo editando imagens ou textos para as redes do que em conversas presenciais. Essa dedicação revela um fenômeno que Foucault (1984) denominaria de “tecnologia do eu”: um conjunto de práticas pelas quais o sujeito trabalha sobre si mesmo para se tornar aquilo que acredita ser. No entanto, diferentemente da ética greco-romana do cuidado de si, o cuidado digital é mediado pela visibilidade e pela aprovação do outro. O sujeito não edita sua imagem apenas para se conhecer, mas para ser reconhecido. A curadoria do eu se converte, assim, em uma forma de autovigilância performativa, na qual o olhar do outro, muitas vezes anônimo e coletivo, regula o próprio modo de existir. Derrida (2011), diria que essa identidade é um texto em constante reescrita: cada imagem, cada legenda, cada postagem é um fragmento dessa escritura interminável, cuja coerência depende da iteração e da expectativa alheia.

A validação social mediada por curtidas confirma a internalização de uma economia afetiva e métrica. A satisfação pessoal é traduzida em números, reações, compartilhamentos, visualizações, que passam a funcionar como signos de reconhecimento. Foucault (1977), descreveu como, no panoptismo, o poder se exerce não apenas pela vigilância externa, mas pela introjeção do olhar que disciplina. As redes operam precisamente nesse registro: cada usuário é simultaneamente o prisioneiro e o vigilante de sua própria exposição. A métrica torna-se o instrumento contemporâneo da docilidade social. A felicidade, o sucesso e a relevância passam a ser mensuráveis, gerando uma subjetividade quantitativa, moldada por algoritmos e engajamentos.

Gráfico, Gráfico de radar

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Figura 2: Intensidade dos eixos Temáticos

O gráfico de radar representa a configuração dos eixos temáticos da subjetividade digital identificados na análise filosófico-social. Cada vértice indica a intensidade relativa de um aspecto da experiência nas redes: percebe-se maior ênfase em adaptação comportamental (85%) e curadoria estética do eu (80%), seguidas por autenticidade performativa (78%) e validação social (75%). Esses polos ilustram o predomínio das práticas de autoedição e gestão da imagem como formas contemporâneas de poder e de construção identitária, conforme o modelo foucaultiano do sujeito disciplinado e produtivo. Já dimensões como pertencimento comunitário (60%) e influência de tendências (55%) aparecem como forças secundárias, mas ainda relevantes para compreender a sociabilidade e a normatividade digital. O resultado visual evidencia um campo de subjetivação assimétrico, onde a liberdade se articula à vigilância e o cuidado de si cede lugar à gestão de si. Quando observamos as respostas sobre pertencimento a comunidades online, emerge uma nova topologia do vínculo social. A maioria indica sentir pertencimento ocasional ou frequente a grupos digitais, o que sugere que as redes sociais funcionam como “espaços de sociabilidade mediada”, onde se compensam as fragilidades do convívio presencial. Entretanto, essa pertença é também regulada pela lógica algorítmica da afinidade e da bolha informacional: o sujeito é incluído na medida em que confirma e reproduz determinados discursos e gostos. A promessa de comunidade, portanto, esconde uma forma sutil de homogeneização. Foucault (1995), ao discutir a “ordem do discurso”, advertia que todo sistema de comunicação implica exclusões, restrições e filtros que determinam o que pode ou não ser dito. As redes reproduzem esse mecanismo de forma automatizada, criando comunidades cuja coesão é produzida pela visibilidade seletiva e pela exclusão silenciosa do diferente.

Os dados relativos à identidade online versus offline são particularmente reveladores. Metade dos participantes reconhece que, em alguma medida, sua presença digital os representa mais do que sua vida real. Tal percepção indica que a esfera virtual se tornou um laboratório identitário, onde o sujeito experimenta versões possíveis de si mesmo, testando narrativas e aparências com maior controle sobre o olhar externo. Derrida (2003), ajudaria a compreender essa duplicação como uma aporia da hospitalidade: o sujeito acolhe e oferece versões de si, mas sob condições impostas pela arquitetura da plataforma. O “eu digital” torna-se, assim, simultaneamente o hóspede e o anfitrião de si próprio, aberto ao outro, mas confinado às regras da casa algorítmica.

A adaptação do comportamento conforme a plataforma, reconhecida pela ampla maioria dos respondentes, confirma a existência de uma consciência performativa contextual. O indivíduo age como ator em múltiplos palcos, ajustando o discurso, o tom e a estética às normas tácitas de cada rede. Foucault (2008), em Nascimento da Biopolítica, descreve o modo como o neoliberalismo transforma o sujeito em empresário de si, responsável por gerir sua imagem e otimizar sua performance social. Nas redes, essa racionalidade é total: o “eu” se torna uma marca, e cada postagem é um investimento de capital simbólico. O comportamento é calibrado conforme o público e as expectativas de engajamento, instaurando uma forma de autoempreendedorismo afetivo, em que o sujeito administra o próprio desejo de ser visto.

A presença da autocensura por medo de consequências legais ou conflitos revela a face disciplinar da visibilidade. Quase metade dos respondentes evita publicar determinados conteúdos por receio de julgamento, punição ou cancelamento. Essa prática é o equivalente contemporâneo daquilo que Foucault (1977) denominou “efeito panóptico”: o controle não precisa ser exercido de fora, pois o sujeito aprende a se vigiar. Vivemos uma cultura do medo e da hiperresponsabilidade discursiva, na qual cada palavra se torna potencialmente incriminadora. O espaço digital, que prometia liberdade, converte-se em um território de permanente vigilância. Ao mesmo tempo, a consciência de responsabilidade, apontada por mais de 40% dos respondentes, sugere o surgimento de uma ética da exposição: os usuários percebem que cada ato de fala pública é um gesto de poder que implica consequências.

A questão da autenticidade traz à tona um paradoxo central. Muitos participantes afirmam buscar ser autênticos, mesmo que isso signifique não seguir tendências.

Contudo, a própria noção de autenticidade se dilui em meio à estética da performatividade. Ser autêntico passa a significar “parecer autêntico”. Foucault (2011), em Microfísica do Poder, já havia observado que o poder moderno se exerce menos pela proibição e mais pela produção de discursos sobre a verdade. Nas redes, a autenticidade é uma norma produtiva: é preciso exibir a naturalidade, performar a sinceridade, converter o íntimo em conteúdo. Derrida (2011), diria que essa busca é sempre diferida, a autenticidade não é um estado, mas um processo interminável de escrita e reinscrição de si.

Por fim, a influência de tendências e conteúdos digitais revela a tensão entre autonomia e heteronomia. Embora muitos afirmem raramente mudar comportamentos por influência online, o próprio ato de negar a influência indica um desejo de afirmar-se como sujeito soberano em um sistema que o atravessa de forma invisível. Floridi (2021), nos lembra que a infosfera redefine o campo da agência: cada ação é co-produzida por algoritmos, interfaces e dados. Assim, mesmo quando o indivíduo se percebe autônomo, sua autonomia já está mediada por sistemas que antecipam suas preferências e moldam suas opções.

A análise dos resultados permite, portanto, afirmar que o sujeito contemporâneo vive sob um regime biopolítico da imagem, no qual a exposição é o novo modo de existência. A construção do eu digital articula três dimensões fundamentais: o poder disciplinar (vigilância e autocensura), o poder produtivo (curadoria e performance) e o poder normativo (validação e pertencimento). Essa tríade configura uma forma de subjetividade neoliberal, em que o indivíduo é simultaneamente livre e governado, criativo e controlado, visível e vulnerável. Em termos foucaultianos, trata-se de uma sociedade em que o “cuidado de si” foi substituído pela “gestão de si”, e em que a autenticidade se tornou um ideal administrado.

Em síntese, os resultados não apenas revelam comportamentos, mas expõem uma mutação civilizatória. A vida digital não é um espelho da vida real, mas sua reconfiguração: uma ordem do discurso em que cada gesto, imagem e silêncio são rastreados, arquivados e convertidos em dado. Se, como afirma Rovelli (2018), o tempo é relacional, o sujeito digital vive em um presente contínuo, onde o passado nunca desaparece e o futuro é constantemente antecipado por algoritmos. Assim, o eu na era das redes é um ser simultaneamente exposto e controlado, múltiplo e vigiado, uma identidade em estado permanente de performance, escrita e vigilância.

Aprendizagem com a pesquisa e resultado

A realização desta pesquisa representou uma experiência transformadora, tanto no campo acadêmico quanto no pessoal, ao permitir uma reflexão profunda sobre a construção da identidade digital e os efeitos das redes sociais na formação do “eu” contemporâneo. O processo de pesquisa possibilitou um olhar crítico sobre como a exposição, a busca por validação e a adaptação às normas virtuais moldam o comportamento humano na era digital. Fundamentado em autores como Michel Foucault, Jacques Derrida e Luciano Floridi, o estudo ampliou a compreensão de que a identidade online não é apenas uma representação de si, mas uma performance influenciada por relações de poder, visibilidade e controle, que desafiam continuamente os limites da autenticidade e da liberdade individual.

Durante o desenvolvimento da investigação, o grupo que organizou e executou o estudo, compreendeu o exercício de articular teoria e prática, traduzindo conceitos abstratos, como panoptismo, performatividade e biopolítica, em indicadores observáveis do comportamento digital. Essa transposição exigiu constante diálogo e colaboração entre os integrantes, reforçando a importância do trabalho em equipe e da construção coletiva do conhecimento. A utilização de ferramentas tecnológicas para coleta, análise e organização dos dados ampliou o repertório metodológico dos participantes, evidenciando a relevância das metodologias digitais no estudo das ciências humanas.

No plano pessoal, a experiência despertou uma autorreflexão sobre os próprios hábitos e posturas dos estudantes enquanto usuários de redes sociais. Ao longo da pesquisa, tornou-se evidente que muitos dos dilemas observados, entre autenticidade e adaptação, liberdade e autocensura, expressão e medo do julgamento, também atravessam as vivências individuais dos pesquisadores. Esse reconhecimento tornou o processo mais significativo, aproximando o conhecimento teórico da experiência cotidiana e consolidando uma consciência crítica sobre o impacto da tecnologia nas relações humanas.

Em breve síntese, a construção do artigo evidenciou que a pesquisa científica é, antes de tudo, um exercício de responsabilidade e sensibilidade. O desenvolvimento do trabalho permitiu compreender que, no contexto digital, a identidade é uma construção contínua e negociada, e que o papel da academia é iluminar os mecanismos invisíveis que moldam essa construção. A atividade, portanto, não apenas contribuiu para o amadurecimento intelectual e metodológico do grupo, mas também para a formação ética e crítica de cada participante, reafirmando a importância do pensamento reflexivo como caminho para a liberdade e o autoconhecimento na era das redes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa buscou compreender as dinâmicas comportamentais e perceptivas de usuários de redes sociais, com foco em questões relacionadas à identidade digital, autenticidade, adaptação e percepção de risco. A partir da análise das respostas de 97 participantes, foi possível identificar tendências significativas que refletem a complexidade da experiência contemporânea nas plataformas digitais. De modo geral, os resultados apontam para um equilíbrio delicado entre expressão pessoal e adaptação contextual. Apesar de uma parcela expressiva dos respondentes valorizar a autenticidade, com 27,1% afirmando buscar mantê-la “muito frequentemente”, a mesma amostra demonstra um comportamento considerável de curadoria da imagem e ajuste do tom comunicativo conforme a rede social utilizada. Isso sugere que a noção de “ser autêntico” no ambiente digital não é necessariamente oposta à adaptação estratégica, mas coexiste com ela em um contexto de múltiplas audiências e normas sociais implícitas.

Além disso, observa-se que a identidade online não substitui a identidade offline, mas atua como uma extensão ou complemento. A maioria dos participantes (50,5%) relatou que se identifica mais com sua persona digital apenas “ocasionalmente”, indicando que, para muitos, o mundo virtual é um palco alternativo de expressão, e não um substituto integral da vida real.

Outro aspecto relevante diz respeito à influência do engajamento (curtidas e reações) na satisfação pessoal. Embora uma parte considerável dos usuários (27,8%) admita que esse fator afeta sua percepção “ocasionalmente”, a expressiva taxa de quem se diz imune a essa influência (12,4% “nunca”) revela uma divisão entre usuários mais e menos suscetíveis à validação social mediada por algoritmos.

Chama atenção, ainda, o alto nível de consciência sobre responsabilidade e consequências do que é publicado. Com 27,1% dos respondentes sentindo-se responsáveis “muito frequentemente” pelas repercussões de suas postagens, e 27,8% evitando publicar algo por medo de consequências legais ou conflitos, fica claro que a noção de accountability está presente e influencia diretamente a liberdade de expressão online. Por fim, os dados sugerem que, embora os usuários estejam expostos a influências externas, como tendências e conteúdo de influenciadores, a maioria (40,2%) afirma mudar seus gostos ou opiniões apenas “raramente”. Isso pode indicar um certo nível de autonomia crítica, ainda que a minoria influenciável não seja negligenciável.

É importante reconhecer as limitações inerentes a esta investigação. Em primeiro lugar, a amostra foi composta por 97 participantes, coletados por conveniência, o que limita a generalização dos resultados. A ausência de dados sociodemográficos detalhados, como idade, gênero, nível educacional e distribuição geográfica, impede uma análise segmentada que poderia revelar nuances importantes nos comportamentos relatados. Adicionalmente, o desenho transversal da pesquisa captura percepções em um momento específico, não permitindo avaliar mudanças ao longo do tempo. Por fim, como os dados foram autorrelatados, há a possibilidade de viés de desejabilidade social, em que os participantes possam ter tendência a fornecer respostas socialmente mais aceitáveis.

Com base nos resultados e limitações apresentados, sugere-se que estudos futuros ampliem a amostra e incorporem variáveis sociodemográficas para permitir análises comparativas entre diferentes perfis de usuários. Seria igualmente relevante adotar uma abordagem longitudinal, capaz de capturar a evolução das percepções e comportamentos no digital ao longo do tempo. Investigações qualitativas ou de métodos mistos também são recomendadas para aprofundar a compreensão das motivações, conflitos e estratégias por trás da gestão da identidade digital. Por fim, recomenda-se a exploração de plataformas específicas, uma vez que diferentes redes sociais podem engendrar dinâmicas particulares de expressão e autocensura.

Em breve síntese, este estudo revela um perfil de usuário que navega entre a autenticidade e a performatividade, entre o desejo de expressão e a prudência imposta pelo medo de conflitos ou sanções. Espera-se que estas reflexões contribuam para o debate acadêmico e social sobre os modos de ser e estar nas redes sociais na contemporaneidade.

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1 Discente do curso Ciências Contábeis pela Universidade Estácio de Sá (Campus Teresópolis - RJ). E-mail: [email protected]

2 Discente do curso de Administração pela Universidade Estácio de Sá (Campus Teresópolis - RJ). E-mail: [email protected]

3 Discente do curso de Ciências Contábeis pela Universidade Estácio de Sá (Campus Teresópolis - RJ). E-mail: [email protected]

4 Discente do curso de Administração pela Universidade Estácio de Sá (Campus Teresópolis - RJ). E-mail: [email protected]

5 O survey online é um método de pesquisa quantitativa realizado por meio de questionários digitais aplicados via internet, destinado à coleta de dados sobre opiniões, percepções e comportamentos. Permite alcançar rapidamente um número amplo de participantes, com baixo custo e registro automático das respostas, facilitando a análise estatística e comparativa dos resultados (Malhotra, 2019).