TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL: REVISÃO DE LITERATURA SOBRE O TRABALHO ANÁLOGO A ESCRAVIDÃO NA ÓTICA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17774070
Rangel Moraes da Silva1
Antonio André Alencar Viana2
Roberto Carrias de Paula dos Reis3
Maria Rita Macedo Miranda4
Cliciano Vieira da Silva5
RESUMO
O tema abordado neste artigo é: Trabalho escravo no Brasil: revisão de literatura sobre o trabalho análogo a escravidão na ótica da legislação brasileira. Parte do seguinte problema: como as práticas trabalhistas exercidas nas condições análogas à de escravo, são vistas sob o olhar da legislação brasileira? Tem como objetivo geral estudar, sob o olhar da legislação brasileira, práticas trabalhistas exercidas nas condições análogas à de escravo no Brasil. pesquisa adota uma abordagem qualitativa, utilizando-se do procedimento de revisão de literatura, por meio da análise de obras e artigos científicos que discutem o tema. Os resultados deixam claro que, apesar dos avanços legais e da atuação de órgãos fiscalizadores, ainda persistem práticas que violam a dignidade do trabalhador, especialmente em áreas rurais e setores econômicos vulneráveis, revelando a necessidade de políticas públicas mais eficazes e da ampliação do debate sobre o tema na sociedade. A legislação brasileira, por meio do artigo 149 do Código Penal, tipifica o trabalho em condição análoga à de escravo como crime, abrangendo situações de jornada exaustiva, condições degradantes, restrição de locomoção e servidão por dívida. No entanto, os desafios para erradicar essas práticas exigem o fortalecimento da fiscalização, o cumprimento efetivo da norma jurídica e a conscientização da sociedade sobre a gravidade do problema.
Palavras-chave: Direito trabalhista; Legislação; Trabalho escravo.
ABSTRACT
The topic addressed in this article is: Slave labor in Brazil: a literature review on work analogous to slavery from the perspective of Brazilian legislation. It starts from the following problem: how are labor practices carried out under conditions analogous to slavery viewed from the perspective of Brazilian legislation? Its general objective is to study, from the perspective of Brazilian legislation, labor practices carried out under conditions analogous to slavery in Brazil. The research adopts a qualitative approach, using the literature review procedure, through the analysis of works and scientific articles that discuss the topic. The results make it clear that, despite legal advances and the action of regulatory agencies, practices that violate the dignity of workers still persist, especially in rural areas and vulnerable economic sectors, revealing the need for more effective public policies and the expansion of the debate on the topic in society. Brazilian law, through article 149 of the Penal Code, classifies work in conditions analogous to slavery as a crime, covering situations of exhausting work hours, degrading conditions, restricted movement and debt bondage. However, the challenges to eradicating these practices require strengthening oversight, effective compliance with legal standards and raising awareness in society about the seriousness of the problem.
Keywords: Labor law; Legislation; Slave labor.
1. INTRODUÇÃO
A persistência de práticas laborais abusivas no Brasil, como jornadas exaustivas, ausência de descanso adequado e negação de férias, levanta sérias questões jurídicas, sociais e éticas. Embora o ordenamento jurídico brasileiro disponha de dispositivos que visam proteger a dignidade do trabalhador, como o artigo 7º da Constituição Federal de 1988, que assegura direitos como repouso semanal remunerado e férias anuais, essas garantias nem sempre se concretizam na realidade cotidiana.
De acordo com Delgado (2013), o direito do trabalho deve ser compreendido como instrumento de justiça social e de reequilíbrio das desigualdades históricas nas relações de trabalho, o que evidencia a urgência de investigar e combater práticas que fragilizam essas conquistas.
A problemática se agrava quando consideramos que tais violações configuram, em alguns casos, formas contemporâneas de escravidão. A Lei nº 10.803/2003 alterou o artigo 149 do Código Penal, ampliando o conceito de trabalho escravo para incluir condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas, o que demonstra o reconhecimento legal da gravidade do problema.
Segundo Riccardi (2021), ainda que a escravidão tradicional tenha sido abolida, sua atualização em novas formas, mais sutis, mas igualmente violentas, exige constante vigilância e resposta do Estado e da sociedade civil. A pesquisa proposta, portanto, justifica-se pela necessidade de ampliar o conhecimento sobre esses mecanismos de exploração, oferecendo subsídios para a formulação de políticas públicas e a responsabilização dos infratores.
Como afirma Bobbio (2004), o avanço dos direitos humanos depende não apenas de sua proclamação, mas de sua efetiva implementação. Assim, ao estudar as relações laborais sob a ótica dos direitos fundamentais, os futuros juristas estarão mais aptos a promover uma atuação ética, transformadora e comprometida com a dignidade da pessoa humana, conforme prevê o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Essa conscientização amplia o potencial da advocacia como ferramenta de justiça e cidadania, e não apenas como meio técnico de resolução de litígios.
A elaboração deste artigo se justifica por diversas razões de ordem jurídica, social e humana. Essa pesquisa pode revelar a extensão dos impactos das jornadas exaustivas, da ausência de períodos de descanso e da não concessão de férias sobre a vida dos trabalhadores, proporcionando uma base sólida para a implementação de políticas mais eficazes de prevenção e reparação desses danos.
Embora a escravidão tenha sido formalmente abolida há mais de um século, práticas análogas persistem e continuam a violar gravemente os direitos humanos. Estudar contexto da exploração da mão de obra trabalhista pode fornecer novas informações para a erradicação dessas práticas, fortalecendo o combate a condições de trabalho degradantes e desumanas. Diante disso, surge o seguinte questionamento: como as práticas trabalhistas exercidas nas condições análogas à de escravo, são vistas sob o olhar da legislação brasileira?
Assim, o objetivo geral deste trabalho é: Estudar, sob o olhar da legislação brasileira, práticas trabalhistas exercidas nas condições análogas à de escravo no Brasil. Já os objetivos específicos são: realizar um levantamento histórico e bibliográfico sobre o trabalho análogo a escravidão no Brasil; identificar as características e circunstâncias que definem o trabalho escravo contemporâneo e as principais violações e consequências no direito dos trabalhadores no Brasil; analisar a legislação trabalhista brasileira e suas formas de impedimento ao trabalho escravo.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. Método e tipologia da pesquisa
Este estudo adotou uma abordagem qualitativa de natureza exploratória e descritiva. Conforme argumenta Creswell (2010), a pesquisa qualitativa é apropriada para compreender fenômenos complexos, sobretudo aqueles que envolvem percepções, experiências e aspectos subjetivos da realidade social. Trata-se, portanto, de uma investigação orientada por significados e interpretações, mais do que por dados numéricos, permitindo um mergulho nas questões humanas, sociais e jurídicas que cercam a violação dos direitos dos trabalhadores.
A tipologia adotada foi a pesquisa bibliográfica, centrada em fontes já publicadas e sistematizadas, com o objetivo de reunir, analisar e discutir o conhecimento acumulado sobre a temática em questão. Segundo Gil (2008), a pesquisa bibliográfica constitui-se na análise de contribuições teóricas já existentes, com base em materiais acessíveis ao público em geral, como livros, artigos científicos, teses e documentos legais. De forma semelhante, Diehl e Tatim (2004) definem essa modalidade como o levantamento de publicações científicas pertinentes ao tema estudado, o que permite compreender os principais debates que envolvem o objeto da pesquisa.
2.2. Procedimentos metodológicos
A revisão de literatura foi realizada em bases de dados reconhecidas pela comunidade acadêmica, tais como SciELO (Scientific Electronic Library Online), Google Acadêmico, Periódicos da CAPES e DOAJ (Directory of Open Access Journals). A busca foi feita com o uso de descritores específicos como “trabalho escravo contemporâneo”, “jornadas exaustivas”, “direitos trabalhistas” e “exploração laboral”, combinados por operadores booleanos para maior refinamento dos resultados.
Após a seleção do material, os textos foram organizados, classificados e analisados com base na técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2011), que consiste em um conjunto de procedimentos sistemáticos para interpretar comunicações, com base em categorias temáticas previamente definidas.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1. Levantamento histórico e bibliográfico do trabalho escravo no Brasil
Historicamente, o Brasil foi um dos países com maior número de pessoas escravizadas durante o período colonial e imperial. Após a abolição, as relações de trabalho se transformaram, mas não eliminaram completamente a lógica de exploração extrema. A partir da década de 1990, com a pressão internacional e a atuação de organizações da sociedade civil, o Estado brasileiro passou a reconhecer oficialmente a existência do trabalho escravo contemporâneo, intensificando sua repressão por meio de fiscalizações e normativas específicas.
A escravidão no Brasil colônia, implantada oficialmente em meados do século XVI, constituiu um sistema econômico e social baseado na exploração extrema de mão de obra africana e indígena. Conforme destaca Schwarcz (2019), a escravidão foi estruturante na formação do Brasil, deixando marcas profundas nas relações sociais, especialmente no mundo do trabalho. Mesmo após a abolição formal com a Lei Áurea, em 1888, as estruturas sociais herdadas da escravidão continuaram a reproduzir desigualdades, exclusão e formas de exploração.
Para Souza (2017), o fim da escravidão legal não significou o fim das condições subumanas de trabalho. Os libertos foram abandonados à própria sorte, sem qualquer tipo de política pública de integração ou reparação. Assim, consolidou-se um modelo de marginalização da população negra e pobre, que passou a compor a base da pirâmide social, sujeita a vínculos laborais precários, sem garantias legais ou proteção institucional.
Com a industrialização tardia e a urbanização crescente no século XX, novas formas de exploração surgiram no campo e nas cidades. Segundo Martins (2004), houve uma “modernização conservadora” das relações de trabalho, que manteve traços autoritários e patrimonialistas, principalmente nas regiões rurais mais isoladas. Nesse cenário, o trabalho escravo contemporâneo começou a se configurar, especialmente na agricultura, na pecuária e na construção civil.
A partir dos anos 1990, com o fortalecimento da sociedade civil e maior pressão internacional por direitos humanos, o Estado brasileiro começou a reconhecer oficialmente a existência do trabalho análogo ao de escravo. Em 1995, o governo federal admitiu a presença desse tipo de prática em território nacional perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Desde então, políticas públicas como o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, criado em 1995, têm buscado identificar, punir e erradicar essas ocorrências (ILO, 2016).
De acordo com Sakamoto (2013), o trabalho escravo contemporâneo no Brasil caracteriza-se menos pela propriedade legal de uma pessoa e mais por mecanismos de controle da liberdade, como o endividamento, o isolamento geográfico, a retenção de documentos e o uso da violência. Essas estratégias revelam uma atualização das formas de escravização, que se adaptam às novas condições do capitalismo, mantendo, contudo, o mesmo núcleo de violação à dignidade humana.
O levantamento bibliográfico mostra que autores como Ribeiro (2021) têm ressaltado a importância de tratar o tema sob uma perspectiva interseccional, considerando fatores como raça, classe e região. Isso porque, historicamente, os principais alvos dessas práticas são homens negros, analfabetos ou com baixa escolaridade, oriundos de regiões pobres, como o Norte e o Nordeste do país. Essa realidade revela o entrelaçamento entre racismo estrutural e desigualdade econômica como pilares que sustentam o trabalho escravo no Brasil atual.
Além disso, estudos como os de Costa e Oliveira (2022) indicam que, apesar dos avanços legais e institucionais, o combate ao trabalho escravo ainda enfrenta desafios como a precarização da fiscalização trabalhista, a impunidade de empregadores reincidentes e a conivência de setores econômicos poderosos. O histórico do trabalho escravo no Brasil, portanto, não é apenas uma herança do passado, mas uma prática que se reinventa, exigindo vigilância constante e políticas públicas efetivas.
3.2. Características do trabalho escravo contemporâneo e suas consequências
O trabalho análogo ao de escravo é definido legalmente pelo artigo 149 do Código Penal Brasileiro, alterado pela Lei nº 10.803/2003, que contempla quatro principais situações: condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida. Essas práticas violam direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988, como a dignidade da pessoa humana e os direitos sociais do trabalho, gerando consequências físicas, psicológicas e sociais severas para as vítimas, além de implicações jurídicas aos empregadores envolvidos.
Segundo Oliveira e Varella (2020), as condições degradantes estão entre os elementos mais comuns observados nas fiscalizações, e caracterizam-se pela ausência de infraestrutura mínima no local de trabalho: falta de acesso à água potável, alimentação precária, alojamentos insalubres e inexistência de equipamentos de proteção individual. Essa precariedade fere princípios básicos da dignidade do trabalhador e o expõe a riscos à saúde e à vida, contrariando o artigo 7º da Constituição Federal.
A jornada exaustiva, por sua vez, configura-se quando há sobrecarga de trabalho que compromete a saúde física e mental do trabalhador. Como pontua Sakamoto (2015), há casos em que as vítimas são submetidas a turnos superiores a 14 horas diárias, sem descanso semanal, em atividades intensas sob o sol ou em ambientes de alto risco, como carvoarias e plantações. Essa exploração compromete o bem-estar psíquico, físico e familiar dos trabalhadores, além de violar as normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Já o trabalho forçado e a servidão por dívida são mecanismos de dominação ainda recorrentes no Brasil rural. Conforme a OIT (2016), empregadores muitas vezes "contratam" trabalhadores mediante adiantamentos financeiros, que se tornam impagáveis por meio de descontos arbitrários, criando uma relação de dependência que impede o trabalhador de abandonar o emprego. Essa prática também se manifesta pela retenção de documentos, vigilância armada e ameaça de violência, configurando-se como formas de coação moral e física.
As consequências dessas práticas são múltiplas e profundas. Em termos individuais, as vítimas costumam apresentar quadros de estresse, depressão, doenças infecciosas, desnutrição e sequelas físicas decorrentes do esforço extremo, como destaca Araújo (2021). Socialmente, o trabalho escravo contemporâneo contribui para o aprofundamento das desigualdades, perpetuando o ciclo da pobreza em comunidades vulneráveis, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.
Do ponto de vista jurídico, os empregadores envolvidos nessas práticas respondem criminalmente com base no artigo 149 do Código Penal e podem sofrer sanções administrativas e civis, como o pagamento de multas e a inclusão na chamada “Lista Suja do Trabalho Escravo”. No entanto, como argumenta Faria (2022), a punição ainda é limitada, especialmente diante das fragilidades do sistema judiciário e da diminuição dos recursos destinados à fiscalização trabalhista nos últimos anos.
Por fim, é importante destacar que o trabalho escravo contemporâneo também afeta negativamente a economia formal, pois gera concorrência desleal ao reduzir artificialmente os custos de produção. Além disso, mancha a imagem do país no cenário internacional. Como afirmam Costa e Machado (2019), o combate efetivo a essas práticas é não apenas uma exigência moral e constitucional, mas também uma necessidade econômica e diplomática, sobretudo diante dos compromissos assumidos pelo Brasil em tratados e convenções internacionais de direitos humanos e trabalho digno.
3.3. Análise da legislação brasileira sobre o tema
A arquitetura jurídica de combate ao trabalho escravo no Brasil articula normas constitucionais (arts. 5.º, 7.º e 243), o art. 149 do Código Penal e dispositivos infraconstitucionais e administrativos, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Portarias do Ministério do Trabalho e leis estaduais que ampliam as sanções administrativas. Ainda que esse conjunto normativo forme, em tese, um “sistema robusto”, estudos da Consultoria Legislativa da Câmara mostram que a dispersão normativa dificulta a aplicação coordenada das punições e favorece a impunidade dos empregadores reincidentes.
Desde a alteração de 2003, o art. 149 passou a descrever quatro núcleos ilícitos (condições degradantes, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida), ampliando o alcance da tutela penal. Para Sakamoto (2015), a redação alcança “condutas de dominação contemporâneas” e afasta exigências de cerceamento físico absoluto. A despeito disso, a pena mínima de dois anos continua baixa, permitindo a substituição por medidas alternativas — fragilidade apontada, inclusive, em relatórios do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Instrumento de transparência reconhecido internacionalmente, a “Lista Suja do Trabalho Escravo”, criada em 2003, teve sua validade confirmada pelo STF em 2020 e é reforçada por portarias interministeriais que condicionam o acesso a crédito público. A lista desencadeia boicotes comerciais e cláusulas socioambientais em cadeias globais, mas sofre tentativas recorrentes de esvaziamento político, como alertado por Bignami (2023) em audiência no Senado.
O confisco de propriedades previsto no art. 243 da Constituição ganhou força com a Emenda 81/2014, porém ainda carece de lei regulamentadora. Em março de 2023, a Defensoria Pública da União ajuizou o MI 7440 para que o STF fixe a mora legislativa e aplique, por analogia, o regime de expropriação usado em casos de plantio de entorpecentes, evidenciando o potencial dissuasório que a expropriação poderia ter na erradicação desse crime.
No plano internacional, o Brasil ratificou as Convenções 29 e 105 da OIT, mas ainda não incorporou o Protocolo de 2014 à Convenção 29, que exige due diligence em cadeias globais. Durante audiência pública em 2023, Renato Bignami (SINAIT) lembrou que a ratificação do protocolo é “a nova fronteira” do enfrentamento, pois ampliaria a responsabilização para além do empregador direto.
A efetividade do sistema depende, sobretudo, da fiscalização trabalhista. Dados apresentados ao Senado mostram que 46 % dos cargos de auditor fiscal estão vagos — o menor quadro em trinta anos — situação que viola a Convenção 81 da OIT sobre inspeção do trabalho e compromete a prevenção de ilícitos.
Além da repressão penal e administrativa, projetos de lei inovam na reinserção social. O PL 789/2023, já aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos, permite que editais de licitação exijam a contratação de um percentual de trabalhadores resgatados, utilizando o poder de compra do Estado para quebrar o ciclo de vulnerabilidade.
Responsabilizar a cadeia produtiva vem avançando em nível subnacional. Em abril de 2025, o STF validou lei paulista que suspende a inscrição estadual de empresas que comercializem produtos obtidos com trabalho escravo, reconhecendo a competência administrativa dos estados para impor sanções fiscais complementares. A decisão sinaliza que os entes federativos podem reforçar o arcabouço nacional, sobretudo quando a União demora a atualizar regras setoriais.
Críticos apontam, contudo, que a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467) flexibilizou jornadas e permitiu acordos coletivos que relativizam limites de insalubridade e de horas de trabalho, circunstâncias que, segundo Barberino e Faria, podem facilitar a erosão de garantias mínimas e obscurecer situações análogas à escravidão.
Por fim, especialistas do MPT e da CPT lembram que a legislação, por si só, não basta. Relatórios de 2025 indicam que cerca de 63 mil pessoas foram resgatadas desde 1995, mas muitas permanecem fora de políticas de proteção social, favorecendo a reincidência. A erradicação exige integração entre punição, prevenção, inclusão produtiva e responsabilização em cadeia — sob pena de o Brasil perder o posto de referência global que conquistou nas últimas décadas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo geral analisar, sob o olhar da legislação brasileira, as práticas trabalhistas exercidas em condições análogas à de escravo no Brasil. Com base em uma abordagem qualitativa e bibliográfica, buscou-se compreender o fenômeno por meio de um levantamento histórico, da identificação das características do trabalho escravo contemporâneo, de suas consequências e da análise crítica da legislação vigente.
O levantamento histórico demonstrou que o trabalho escravo no Brasil não é uma herança superada com a abolição formal em 1888, mas uma prática que se ressignifica no tempo. Como discutido, a transição de uma escravidão legal para novas formas de exploração manteve grupos historicamente vulneráveis em situações de extrema precariedade. Nesse sentido, o primeiro objetivo específico foi plenamente alcançado, ao revelar, com base em autores como Schwarcz, Souza e Martins, as continuidades sociais e econômicas da lógica escravocrata.
Quanto às características do trabalho escravo contemporâneo, foi possível identificar com clareza os quatro elementos centrais descritos no artigo 149 do Código Penal: condições degradantes, jornada exaustiva, servidão por dívida e trabalho forçado. A literatura de Sakamoto, Araújo e Oliveira permitiu aprofundar a análise dessas práticas, evidenciando suas consequências físicas, psíquicas e sociais para os trabalhadores. Assim, o segundo objetivo específico — identificar as principais características e violações sofridas pelas vítimas — também foi plenamente atingido.
A análise da legislação brasileira mostrou que o país dispõe de um conjunto relevante de normas, incluindo dispositivos penais, constitucionais, administrativos e tratados internacionais. Instrumentos como a “Lista Suja” e o artigo 243 da Constituição foram examinados à luz de sua eficácia prática, e foi constatado que, apesar de avanços, ainda existem fragilidades na aplicação e fiscalização. Além disso, lacunas como a não regulamentação do confisco de propriedades e o déficit de auditores fiscais enfraquecem o combate ao crime. O terceiro objetivo específico foi, portanto, atingido, com uma análise crítica e fundamentada das formas jurídicas de enfrentamento ao trabalho escravo.
Conclui-se que os objetivos propostos foram plenamente alcançados. A abordagem metodológica adotada foi adequada para dar conta da complexidade do tema, combinando uma revisão teórica consistente com a análise normativa e institucional. Contudo, o tema permanece em constante transformação, exigindo pesquisas contínuas e interdisciplinares.
Recomenda-se, como perspectiva para estudos futuros, aprofundar o impacto das políticas públicas de reinserção social dos trabalhadores resgatados, avaliar a eficácia das medidas estaduais complementares, e investigar a atuação do setor privado nas cadeias produtivas que ainda se beneficiam da exploração. Também seria relevante analisar como a inteligência artificial e os sistemas de rastreabilidade podem auxiliar na prevenção e identificação de condições análogas à escravidão, promovendo maior transparência nas relações de trabalho no Brasil.
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1 Graduado em pedagogia, Faculdade Latino-Americana de Educação (FLATED), Fortaleza – CE. E-mail: [email protected]
2 Graduando em Direito, Faculdade de Educação São Francisco (FAESF), Pedreiras, Maranhão. E-mail: [email protected]
3 Graduando em Direito, Faculdade de Educação São Francisco (FAESF), Pedreiras, Maranhão. E-mail: [email protected]
4 Graduando em Direito, Faculdade de Educação São Francisco (FAESF), Pedreiras, Maranhão. E-mail: [email protected]
5 Mestre em Estudos Jurídicos com ênfase em Direito Internacional, Must University. E-mail: [email protected]