TECNOLOGIA EDUCACIONAL NOS ANOS INICIAIS: CONTRIBUIÇÕES DAS FERRAMENTAS DIGITAIS PARA O TRABALHO DOCENTE
PDF: Clique aqui
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17773766
Ângela Aparecida de Assis Polizello1
RESUMO
A crescente presença das tecnologias digitais no cotidiano infantil tem exigido que a escola reformule suas práticas pedagógicas, incorporando recursos que dialoguem com a cultura digital e promovam aprendizagens mais ativas e significativas. Este artigo discute as contribuições das ferramentas digitais para o trabalho docente nos anos iniciais, analisando fundamentos teóricos do construtivismo e do construcionismo, bem como as orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o desenvolvimento de competências digitais. A partir de autores como Piaget, Papert, Kenski, Moran e Selwyn, evidencia-se que as tecnologias podem ampliar o repertório didático, favorecer a criatividade, a interação e o protagonismo discente, além de potencializar habilidades cognitivas e socioemocionais. Contudo, sua efetividade depende da atuação reflexiva do professor e da formação continuada que o habilite a integrar recursos digitais de forma crítica, ética e pedagógica. Conclui-se que as ferramentas digitais, quando planejadas intencionalmente, contribuem para uma educação mais dinâmica, inclusiva e alinhada às demandas da sociedade contemporânea
Palavras-chave: Tecnologia Educacional. Cultura digital. Anos iniciais. Docência. Competências digitais. BNCC. Ferramentas digitais.
ABSTRACT
The increasing presence of digital technologies in children’s daily lives requires schools to rethink their pedagogical practices and adopt strategies that integrate these resources into early childhood education. This article discusses the contributions of digital tools to teaching practices in the early grades, based on theoretical perspectives such as constructivism and constructionism, as well as the guidelines established by the Brazilian National Common Curriculum (BNCC) for the development of digital competencies. Authors such as Piaget, Papert, Kenski, Moran, and Selwyn highlight that technologies can expand the didactic repertoire, foster creativity, interaction, and student agency, and promote cognitive and socio-emotional skills. However, their effectiveness depends on reflective teacher mediation and continuous professional development that supports the critical and pedagogical integration of digital resources. The study concludes that, when intentionally planned, digital tools contribute to a more dynamic, inclusive, and contemporary education.
Keywords: Educational Technology. Digital culture. Early years. Teaching practice. Digital competencies. BNCC. Digital tools.
1. INTRODUÇÃO
A presença das tecnologias digitais no cotidiano das crianças, mesmo antes do ingresso na escola, evidencia a necessidade de que a instituição escolar não só reconheça esse fenômeno, mas também desenvolva práticas pedagógicas que dialoguem com a cultura digital. As instituições educativas têm sido desafiadas a abandonar modelos tradicionais de ensino, centrados exclusivamente na transmissão de conteúdos, para incorporar metodologias que valorizem a construção ativa do conhecimento, o protagonismo discente e a mediação qualificada realizada pelos professores.
Nesse cenário, o papel do docente ganha ainda mais importância. Não se trata apenas de dominar tecnicamente ferramentas digitais, mas de compreender como integrá-las ao currículo de forma coerente e significativa. O professor é responsável por selecionar recursos que favoreçam aprendizagens profundas, estimulem a criatividade e desenvolvam competências essenciais do século XXI, como pensamento crítico, colaboração, comunicação e resolução de problemas. Dessa forma, a tecnologia não pode ser vista como um fim em si mesma, mas como instrumento que amplia possibilidades didáticas e favorece diferentes formas de interação e expressão.
Além disso, a utilização de recursos digitais nos anos iniciais exige reflexão sobre o desenvolvimento infantil. Crianças pequenas aprendem por meio do brincar, da experimentação e da exploração do entorno. A tecnologia educacional deve, portanto, apoiar a ludicidade e não substituí-la. Jogos digitais, aplicativos interativos, vídeos educativos e plataformas gamificadas, quando utilizados com intencionalidade pedagógica, podem contribuir para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, motoras e socioemocionais. Contudo, é fundamental que esses recursos sejam equilibrados com atividades não digitais, garantindo uma formação integral e respeitando os tempos e ritmos de cada criança.
A pandemia de COVID-19 acelerou ainda mais o uso de tecnologias no ambiente escolar. A necessidade de ensino remoto forçou professores e estudantes a se adaptarem rapidamente a plataformas digitais, recursos multimídia e novas formas de comunicação. Esse período evidenciou tanto as potencialidades quanto as desigualdades no acesso e na formação tecnológica. Mesmo com o retorno das atividades presenciais, muitos dos aprendizados adquiridos continuaram presentes, reforçando a relevância de integrar a cultura digital ao processo educativo e de repensar o papel das ferramentas digitais na rotina escolar.
Por outro lado, a inserção de tecnologia nos anos iniciais também apresenta desafios, como a falta de infraestrutura adequada em muitas escolas, a carência de formação continuada para os docentes, o risco do uso excessivo de telas e a necessidade de acompanhar criticamente conteúdos acessados pelas crianças. Esses fatores exigem atenção das instituições, gestores e políticas públicas voltadas à educação, de modo que a presença das tecnologias nas salas de aula ocorra de maneira segura, ética e pedagógica.
Assim, discutir a tecnologia educacional nos anos iniciais implica compreender que sua contribuição vai além do uso instrumental de dispositivos, envolvendo uma transformação no modo de ensinar e aprender. As ferramentas digitais, quando adequadamente planejadas, podem enriquecer práticas pedagógicas, ampliar o repertório didático e possibilitar novas experiências de aprendizagem. Este artigo, portanto, propõe analisar como essas tecnologias contribuem para o trabalho docente, destacando seus benefícios, desafios e implicações para uma educação de qualidade na cultura digital contemporânea.
2. TECNOLOGIAS DIGITAIS COMO FERRAMENTAS PEDAGÓGICAS
A incorporação das tecnologias digitais à educação tem sido amplamente discutida por diferentes autores ao longo das últimas décadas. Para Kenski (2012), a tecnologia educacional não se limita ao uso de equipamentos, mas envolve práticas, métodos e estratégias que promovem novas formas de ensinar e aprender. A autora destaca que a escola, ao incorporar recursos digitais, precisa ressignificar seus modos de organização e suas concepções pedagógicas, possibilitando que as tecnologias se tornem meios para potencializar processos cognitivos e interativos.
Na perspectiva de Moran (2015), as tecnologias ampliam os espaços e tempos de aprendizagem, permitindo que o aluno assuma posição mais participativa e ativa na construção do conhecimento. O autor argumenta que metodologias inovadoras, mediadas por recursos digitais, podem favorecer aprendizagens mais personalizadas, interdisciplinares e colaborativas. Isso é especialmente relevante nos anos iniciais, etapa marcada pelo desenvolvimento de competências básicas e pela construção de hábitos de estudo e socialização.
Já para Papert (1980), pioneiro nos estudos sobre tecnologia e educação, o uso de ferramentas digitais deve promover o protagonismo infantil e a aprendizagem por meio da experimentação. O construcionismo defendido pelo autor propõe que as crianças aprendam melhor quando estão engajadas na criação de artefatos, sejam eles físicos ou digitais. Essa abordagem fundamenta muitas propostas contemporâneas que utilizam programação educativa, robótica e jogos digitais como estímulo ao raciocínio lógico, criatividade e resolução de problemas.
Segundo Valente (2014), a tecnologia pode atuar como ferramenta cognitiva, isto é, um instrumento que apoia o estudante a pensar, organizar informações e construir conhecimentos. Nos anos iniciais, isso se manifesta em atividades mediadas por softwares educativos, ambientes virtuais de aprendizagem e sequências didáticas que integram vídeo, áudio, imagem e simulações. O autor ressalta, porém, que a eficácia dessas ferramentas depende do planejamento pedagógico, da mediação docente e da intencionalidade das propostas.
Além do papel pedagógico das tecnologias, é necessário considerar o conceito de cultura digital, discutido por autores como Santaella (2013), Levy (1999) e Buckingham (2007). A cultura digital refere-se ao conjunto de práticas sociais, comunicacionais e cognitivas que emergem do uso cotidiano das tecnologias. Crianças dos anos iniciais já participam dessa cultura por meio de jogos, vídeos, aplicativos e redes de interação, mesmo antes de serem alfabetizadas. Assim, a escola tem o desafio de formar sujeitos críticos, capazes de compreender, utilizar e produzir conteúdos digitais de forma ética e responsável.
No contexto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o uso da tecnologia é reconhecido como competência essencial para a formação integral dos estudantes. A competência geral número 5 reforça a necessidade de compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica, significativa, reflexiva e ética, tanto para a aprendizagem quanto para participação na sociedade (BRASIL, 2017). Para os anos iniciais, este documento orienta que práticas pedagógicas envolvam a exploração de recursos digitais de maneira articulada ao currículo e às características do desenvolvimento infantil.
Outro aspecto relevante na literatura diz respeito à formação docente para o uso pedagógico das tecnologias. Para Selwyn (2011), não basta disponibilizar dispositivos digitais; é necessária uma formação contínua, que desenvolva competências técnicas, pedagógicas e críticas. Essa formação deve possibilitar que o professor não apenas utilize ferramentas digitais, mas compreenda seus impactos na aprendizagem, no comportamento e nas relações sociais das crianças. A literatura reforça que práticas tecnológicas bem-sucedidas dependem fortemente do planejamento do professor e de sua capacidade de articular recursos digitais às necessidades reais da turma.
Por fim, estudos como os de Prensky (2001) destacam que as crianças contemporâneas, chamadas de “nativos digitais”, têm contato precoce com tecnologias e desenvolvem novas formas de interagir com a informação. Apesar de críticas ao termo, essa discussão contribui para compreender que os estudantes possuem repertórios digitais próprios que podem ser incorporados ao processo de aprendizagem. Assim, a tecnologia educacional não deve ser vista apenas como inovação tecnológica, mas como inovação pedagógica, capaz de transformar a sala de aula em um espaço dinâmico, interativo e significativo.
O referencial teórico apresentado evidencia, portanto, que o uso de tecnologias nos anos iniciais é respaldado por diferentes perspectivas teóricas e documentos oficiais, que ressaltam seu potencial para enriquecer o trabalho docente e promover aprendizagens mais ativas, críticas e contextualizadas. Ao mesmo tempo, destaca-se a necessidade de formação docente, planejamento intencional e reflexão ética para que as ferramentas digitais contribuam efetivamente para a formação integral das crianças.
2.1. Construtivismo e Construcionismo na Era Digital
O construtivismo e o construcionismo são abordagens fundamentais para compreender a integração das tecnologias digitais no processo de ensino e aprendizagem, especialmente nos anos iniciais. O construtivismo, originado nos estudos de Jean Piaget, defende que a criança constrói seu conhecimento de forma ativa, por meio da interação com o ambiente e da reorganização contínua de estruturas mentais. Para Piaget (1975), “o conhecimento não é uma cópia da realidade, mas sim uma construção contínua e progressiva do sujeito”, o que evidencia o papel ativo da criança na aprendizagem. Essa perspectiva sustenta que o estudante deve ser colocado em situações desafiadoras, que estimulem sua reflexão, experimentação e tomada de decisões.
Com o avanço das tecnologias digitais, as ideias construtivistas ganham novos contornos e são ampliadas pelo construcionismo, formulado por Seymour Papert, discípulo de Piaget. Papert parte da premissa de que a criança aprende melhor quando está envolvida na criação de algo significativo para ela. Ele afirma que “as crianças podem aprender profundamente quando constroem algo que possam compartilhar com outras pessoas” (PAPERT, 1980). Essa criação pode envolver desde materiais concretos até objetos digitais, como jogos, histórias interativas, animações ou programas de computador.
Na era digital, o construcionismo ganha especial destaque porque as ferramentas tecnológicas oferecem inúmeras possibilidades para a criação, manipulação e experimentação de ideias. Recursos como aplicativos de programação visual, robótica educacional, jogos digitais e softwares interativos permitem às crianças atuar como produtoras de conteúdo, e não apenas consumidoras. Assim, ao desenvolver um jogo, criar uma animação ou programar um robô, o estudante mobiliza capacidades cognitivas superiores, como raciocínio lógico, criatividade, resolução de problemas e pensamento crítico.
Para Valente (2014), a tecnologia pode funcionar como uma “ferramenta cognitiva”, ou seja, como um instrumento que auxilia o aprendiz a representar, explorar e construir conhecimentos. Isso se alinha diretamente com o construcionismo, pois as ferramentas digitais ampliam o espaço de experimentação e dão às crianças condições de testar hipóteses, visualizar resultados e corrigir possíveis erros de forma imediata, favorecendo o aprendizado por descoberta. Nessa perspectiva, “a mediação tecnológica deve provocar novas formas de agir e pensar” (VALENTE, 2014), reforçando o protagonismo infantil.
O ambiente digital também potencializa a interação e a colaboração, aspectos fundamentais tanto no construtivismo quanto no construcionismo. Plataformas digitais, jogos colaborativos e ambientes virtuais de aprendizagem favorecem a troca de ideias, o trabalho em grupo e a construção coletiva do conhecimento. Para Moran (2015), as tecnologias permitem que o professor proponha experiências mais ricas, nas quais os estudantes “aprendem fazendo, interagindo e refletindo sobre suas próprias ações”. Tais elementos dialogam diretamente com a aprendizagem ativa defendida por Piaget e Papert.
Além disso, os recursos tecnológicos possibilitam que as crianças dos anos iniciais participem de atividades que antes eram restritas aos mais velhos, como programação, modelagem, simulações e criação multimídia. Segundo Papert (1994), “a tecnologia não deve ser usada para instruir, mas para dar poder às crianças”, ou seja, para permitir que experimentem, inventem e expressem suas ideias. Essa visão se contrapõe ao uso meramente instrumental das tecnologias, destacando que seu verdadeiro potencial pedagógico está na capacidade de favorecer processos profundos de construção mental.
Entretanto, para que as práticas construtivistas e construcionistas se concretizem na era digital, é essencial a mediação qualificada do professor. O docente precisa orientar, provocar reflexões, organizar desafios e garantir que as atividades tecnológicas estejam alinhadas aos objetivos pedagógicos. Como afirma Kenski (2012), “o papel do professor não é substituído pela tecnologia, mas ressignificado diante das novas formas de aprender”. Assim, o professor atua como facilitador, criando ambientes ricos em estímulos e oportunidades para que a criança explore, crie e construa seu próprio conhecimento.
Dessa forma, o construtivismo e o construcionismo oferecem bases teóricas robustas para a utilização de tecnologias educacionais nos anos iniciais. Essas teorias destacam que a aprendizagem é um processo ativo, social, interativo e criativo, aspectos que encontram terreno fértil nas ferramentas digitais contemporâneas. Quando integradas de forma planejada e intencional, as tecnologias não apenas enriquecem o currículo, mas ampliam as possibilidades de expressão e criação das crianças, tornando a educação mais significativa, motivadora e alinhada às demandas da cultura digital.
2.2. Competências Digitais na BNCC para os Anos Iniciais
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), implantada nacionalmente a partir de 2017, estabelece um conjunto de competências essenciais para o desenvolvimento integral dos estudantes da Educação Básica. Dentre essas competências, a competência geral nº 5 é central para a compreensão do papel das tecnologias digitais na educação contemporânea. A BNCC afirma que os alunos devem ser capazes de “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais, incluindo as escolares” (BRASIL, 2017). Esse direcionamento revela que o uso das tecnologias não se limita a aspectos instrumentais, mas envolve uma concepção ampla de cultura digital, cidadania e responsabilidade social.
Nos anos iniciais, a BNCC reconhece que as crianças já fazem parte de um mundo permeado por tecnologias e, portanto, precisam desenvolver habilidades voltadas para a leitura, interpretação e produção de conteúdos digitais. O documento enfatiza que desde cedo é necessário promover experiências digitais que não apenas introduzam as ferramentas, mas que proporcionem situações de aprendizagem orientadas pela criatividade, exploração e resolução de problemas. Dessa forma, a BNCC não trata a tecnologia como um conteúdo isolado; ao contrário, ela deve permear diferentes componentes curriculares, como Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Arte e Ensino Religioso.
Um dos pontos essenciais da BNCC é a integração das competências digitais ao processo de alfabetização, tanto no campo da linguagem quanto no campo matemático. A alfabetização digital se articula à alfabetização tradicional ao estimular a compreensão de textos multimodais, o uso de plataformas de leitura, a interação com jogos educativos e a produção de registros digitais. Para Coscarelli (2016), “a leitura e a escrita na cultura digital exigem novas habilidades cognitivas, que vão além do domínio do código linguístico”, incorporando elementos como navegação, seleção crítica de informações e interpretação de diferentes linguagens midiáticas. Assim, a BNCC reforça que a educação nos anos iniciais deve favorecer o desenvolvimento dessas habilidades desde os primeiros anos escolares.
Além disso, a BNCC destaca a necessidade de promover a responsabilidade e a ética na utilização de recursos digitais. Isso envolve orientar as crianças a lidar com informações, respeitar direitos autorais, compreender aspectos de privacidade e desenvolver postura crítica frente a conteúdos encontrados na internet. Buckingham (2007) argumenta que a educação midiática deve começar cedo, pois “as crianças já são participantes ativas da cultura digital e precisam aprender a interpretá-la e ressignificá-la de forma consciente”. Assim, a escola é chamada a assumir papel fundamental na formação ética e cidadã no ambiente virtual.
No que se refere às práticas pedagógicas, a BNCC estimula metodologias que favoreçam a utilização criativa das tecnologias. Isso inclui o uso de jogos digitais, atividades de programação introdutória (como blocos de comandos), robótica educacional, produção de vídeos, fotografias, histórias digitais e outras formas de expressão multimodal. Para Moran (2015), as tecnologias permitem reinventar as práticas de ensino, possibilitando experiências que “integram emoção, imaginação, autoria e colaboração”, elementos essenciais à aprendizagem significativa. Nos anos iniciais, essas metodologias tornam-se ainda mais relevantes por dialogarem com o caráter lúdico e exploratório dessa etapa.
Outro aspecto importante é a formação do pensamento computacional, presente de maneira transversal na BNCC. O pensamento computacional envolve habilidades como decomposição, reconhecimento de padrões, abstração e criação de algoritmos. Embora não constitua disciplina isolada, esses elementos aparecem em componentes como Matemática e Ciências da Natureza, especialmente no trabalho com resolução de problemas, organização de informações e construção de sequências lógicas. Segundo Wing (2006), “o pensamento computacional é uma competência fundamental para todos, não apenas para programadores”, estando relacionado a formas estruturadas e criativas de pensar.
Apesar dos avanços promovidos pela BNCC, sua implementação nas escolas brasileiras apresenta desafios significativos. Entre eles, destacam-se a insuficiência de infraestrutura tecnológica, a falta de formação docente específica e as desigualdades de acesso entre diferentes regiões do país. Selwyn (2011) afirma que a integração das tecnologias à educação não é apenas um processo técnico, mas também político e social, pois depende de condições institucionais, políticas públicas e investimentos contínuos. Assim, para que as competências digitais previstas na BNCC sejam plenamente desenvolvidas, é necessário garantir que professores e estudantes tenham acesso adequado aos recursos tecnológicos.
Além disso, a BNCC reforça a importância da mediação docente na utilização das tecnologias digitais.
Embora as crianças tenham contato precoce com dispositivos eletrônicos, isso não significa que possuam autonomia ou discernimento para utilizá-los pedagogicamente. Nesse sentido, Kenski (2012) observa que “o professor é o mediador que dá sentido pedagógico às tecnologias, transformando-as em ferramentas de aprendizagem”. O papel do docente é essencial para orientar atividades, selecionar recursos adequados, estimular a reflexão crítica e promover aprendizagens que extrapolem o uso superficial das tecnologias.
Assim, a presença das competências digitais na BNCC representa uma mudança significativa no entendimento do papel da tecnologia na educação. Mais do que ensinar a utilizar dispositivos, trata-se de formar sujeitos capazes de participar ativamente da cultura digital, criando, analisando e interagindo com conteúdos diversos.
Nos anos iniciais, essa formação se torna ainda mais importante, pois constitui a base para o desenvolvimento de competências que acompanharão o estudante ao longo de toda a vida escolar. Dessa forma, a BNCC reafirma a necessidade de integrar tecnologia e pedagogia, garantindo experiências educativas significativas e alinhadas às demandas da sociedade contemporânea.
2.3. Formação Docente para o Uso de Tecnologias
A formação docente constitui elemento central para a integração significativa das tecnologias digitais na educação, especialmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Embora a BNCC e diversas políticas públicas enfatizem a importância da cultura digital no processo educativo, a efetivação dessas diretrizes depende diretamente da capacidade dos professores de compreender, selecionar e utilizar recursos tecnológicos com intencionalidade pedagógica. A tecnologia, por si só, não transforma a prática educativa; é necessária a mediação de um profissional que articule conhecimentos pedagógicos, técnicos e didáticos. Como afirma Kenski (2012), “a tecnologia não substitui o professor, mas ressignifica seu papel e amplia suas possibilidades de atuação”. Isso demonstra que a formação docente precisa ir além do domínio operacional de ferramentas, alcançando aspectos teóricos, metodológicos e críticos.
A literatura aponta que muitos professores dos anos iniciais ainda enfrentam dificuldades no uso pedagógico das tecnologias, seja por falta de formação adequada, seja por condições estruturais insuficientes. Para Selwyn (2011), a integração das tecnologias nas escolas envolve dimensões sociais, políticas e culturais, e não apenas técnicas. O autor argumenta que os professores necessitam compreender o contexto tecnológico de forma ampla, refletindo sobre suas implicações para o ensino, a aprendizagem e a formação cidadã. Assim, a formação docente deve promover não apenas o uso prático das ferramentas digitais, mas também o desenvolvimento de um olhar crítico que permita escolher recursos de forma consciente e fundamentada.
Nesse sentido, a formação continuada é essencial para garantir que os professores se mantenham atualizados e preparados para lidar com novas demandas educacionais. Moran (2015) destaca que “o professor precisa aprender continuamente, experimentando novas metodologias e tecnologias para que possa reinventar sua prática”. Isso implica a criação de espaços permanentes de formação dentro das escolas, como grupos de estudos, oficinas, cursos e projetos colaborativos, que permitam aos docentes vivenciar experiências práticas com ferramentas digitais e refletir sobre sua aplicabilidade pedagógica. Além disso, a formação continuada deve valorizar a troca de saberes entre os professores, reconhecendo suas experiências e promovendo aprendizagens coletivas.
Outro aspecto importante refere-se à necessidade de articular a formação docente inicial à cultura digital. Muitos cursos de licenciatura ainda tratam a tecnologia como conteúdo periférico ou secundário, o que dificulta a preparação do futuro professor para lidar com os desafios da educação contemporânea. De acordo com Valente (2014), a formação docente precisa ser construída em ambientes que favoreçam a vivência de práticas inovadoras, de modo que o professor aprenda na prática aquilo que será esperado dele na sala de aula. Para o autor, “não basta falar sobre tecnologia: é preciso aprender com ela e por meio dela”. Assim, a formação inicial deve garantir que os licenciandos experimentem diferentes recursos, metodologias ativas, ambientes virtuais e ferramentas digitais, aproximando-os de um cenário educacional cada vez mais tecnológico.
Além da formação técnica, é importante considerar o desenvolvimento de competências pedagógicas relacionadas ao uso inteligente das tecnologias. Isso inclui a capacidade de planejar atividades digitais alinhadas aos objetivos de aprendizagem, selecionar ferramentas adequadas às necessidades da turma, avaliar o impacto das tecnologias no processo educativo e promover o pensamento crítico dos estudantes. A BNCC reforça que o uso das tecnologias deve estar articulado ao desenvolvimento de competências sociais, cognitivas e éticas, o que exige do professor uma atuação consciente e reflexiva. Como destaca Freire (1996), “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou construção”. A tecnologia, portanto, torna-se parte desse processo de construção, mediado pela ação docente.
Os desafios da formação docente também incluem aspectos emocionais e culturais. Muitos professores apresentam insegurança diante das tecnologias, especialmente aqueles que não tiveram contato com ferramentas digitais durante sua própria escolarização. Prensky (2001) afirma que a diferença entre “nativos” e “imigrantes digitais” pode gerar tensões, fazendo com que alguns docentes se sintam distantes do universo digital dos estudantes. No entanto, essa divisão não deve ser vista como barreira, mas como oportunidade para que o professor assuma postura investigativa e aberta ao aprendizado. A formação continuada, nesse caso, desempenha papel fundamental para fortalecer a confiança do docente e promover sua autonomia no uso da tecnologia.
Por outro lado, é importante ressaltar que a formação docente deve estar associada a condições concretas de trabalho nas escolas. Não adianta formar professores tecnicamente competentes se as instituições não dispuserem de infraestrutura adequada, acesso à internet, dispositivos digitais e tempo para planejamento. Selwyn (2011) enfatiza que “a escolarização digital precisa ser compreendida como um fenômeno coletivo, que envolve políticas, recursos e participações compartilhadas”. A formação, portanto, deve ser articulada a investimentos estruturais, garantindo que professores possam aplicar em sua prática aquilo que aprendem nas formações.
Assim, a formação docente para o uso de tecnologias nos anos iniciais deve ser contínua, contextualizada, crítica e colaborativa. Deve promover tanto a apropriação técnica quanto a reflexão pedagógica, permitindo que os professores compreendam o papel das tecnologias como ferramentas de aprendizagem significativas. Quando bem formados e apoiados, os docentes tornam-se capazes de integrar tecnologias de maneira criativa e intencional, enriquecendo o processo de ensino e respondendo às demandas da cultura digital contemporânea.
3. Considerações Finais
A incorporação das tecnologias digitais nos anos iniciais do Ensino Fundamental revela-se um elemento essencial para a construção de práticas pedagógicas mais dinâmicas, participativas e alinhadas às demandas da sociedade contemporânea. Ao longo deste artigo, evidenciou-se que o uso de recursos tecnológicos não deve ser compreendido como simples inserção de dispositivos, mas como parte de um processo mais amplo de transformação do ensino e da aprendizagem, que envolve repensar metodologias, ampliar repertórios e fortalecer o protagonismo dos estudantes. As ferramentas digitais, quando orientadas por fundamentos teóricos sólidos — como o construtivismo e o construcionismo —, favorecem a aprendizagem ativa, a criatividade e o desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais e emocionais essenciais.
As orientações da BNCC reforçam essa necessidade ao reconhecer as competências digitais como parte integrante da formação integral dos estudantes, especialmente ao promover uma educação crítica, ética e significativa para crianças que já nasceram imersas na cultura digital. Contudo, para que a integração tecnológica seja efetiva, destaca-se a importância da formação docente, pois é o professor quem media, direciona e ressignifica o uso das tecnologias no contexto escolar. A formação inicial e continuada é, portanto, fundamental para garantir que o uso pedagógico das ferramentas digitais seja planejado, intencional e contextualizado.
Embora os benefícios sejam amplos, também persistem desafios, como a desigualdade no acesso à tecnologia, a falta de infraestrutura adequada e a necessidade de formação consistente. Superar essas barreiras requer investimentos estruturais, políticas públicas e ações colaborativas entre escolas e sistemas educacionais. Ainda assim, quando bem implementadas, as tecnologias digitais ampliam as possibilidades de expressão, interação e aprendizagem das crianças, contribuindo para um ensino mais inclusivo, motivador e conectado à realidade dos estudantes.
Conclui-se que a tecnologia educacional nos anos iniciais não deve ser vista como complemento, mas como componente essencial para a construção de práticas pedagógicas inovadoras. Assim, constitui uma aliada poderosa do trabalho docente, desde que utilizada com criticidade, ética e intencionalidade pedagógica, promovendo uma educação capaz de formar sujeitos autônomos, criativos e preparados para os desafios da sociedade digital.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.
BUCKINGHAM, David. Educação para a mídia: alfabetização, aprendizagem e cultura contemporânea. Porto Alegre: Artmed, 2007.
COSCARELLI, Carla. Alfabetização digital e leitura multimodal. São Paulo: Parábola Editorial, 2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas: Papirus, 2012.
LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MORAN, José. Metodologias ativas para uma educação inovadora. São Paulo: Penso, 2015.
PAPERT, Seymour. Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas. New York: Basic Books, 1980.
PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre: Artmed, 1994.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
PRENSKY, Marc. Digital Natives, Digital Immigrants. On the Horizon, v. 9, n. 5, 2001.
SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cultura digital. São Paulo: Paulus, 2003.
SELWYN, Neil. Educação e tecnologia: questões críticas. São Paulo: Penso, 2011.
VALENTE, José Armando. Tecnologia na Educação: o aprender e o ensinar com tecnologias. Campinas: PUC-Campinas, 2014.
WING, Jeannette. Computational Thinking. Communications of the ACM, v. 49, n. 3, p. 33–35, 2006.
1 Doutoranda em Ciências da Educação. Instituição: Christian Business School. Endereço: 40 rue Alexandre Dumas, Paris (Arrondissement de Paris). E-mail: [email protected]