RESSIGNIFICANDO HISTÓRIAS: O PAPEL DA EDUCAÇÃO E DO EMPREENDEDORISMO NA SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14025453
Caroline Alessandra Godoy Teco1
RESUMO
O presente estudo aborda a importância da educação e do empreendedorismo na superação da violência doméstica, tendo como base para essa análise o Projeto Fênix, uma iniciativa social independente e sem fins lucrativos realizada em parceria com a Patrulha Maria da Penha do município de Rio Claro-SP. Tendo como principal justificativa a urgência de intervenções que promovam autonomia financeira e emocional para as vítimas de violência doméstica, busca-se, então, fortalecer essas mulheres para romper o ciclo de violência que afeta milhões de mulheres no Brasil. Com encontros quinzenais, o Projeto Fênix conta com apoio de profissionais de diferentes áreas que se ofereceram como voluntários e levam conhecimento e oportunidades para as participantes. O objetivo deste estudo foi analisar o papel da educação e do empreendedorismo na superação da violência doméstica, apresentando alguns resultados iniciais de um projeto social realizado no município de Rio Claro-SP. A discussão dos resultados combinada com a literatura sobre violência doméstica e empreendedorismo reforça a ideia de que o conhecimento associado com apoio emocional impulsiona a desvitimização, empoderando e libertando essas mulheres dos medos causados pela violência sofrida. Enfim, o projeto já apresenta resultados promissores, além de representar um modelo replicável em outras localidades.
Palavras-chave: Empoderamento Feminino; Violência Doméstica; Capacitação Profissional; Independência Financeira; Apoio Emocional.
ABSTRACT
This study addresses the importance of education and entrepreneurship in overcoming domestic violence, based on the Fênix Project, an independent, non-profit social initiative carried out in partnership with the Maria da Penha Patrol in the city of Rio Claro, São Paulo. The main justification for this study is the urgency of interventions that promote financial and emotional autonomy for victims of domestic violence, and seeks to strengthen these women to break the cycle of violence that affects millions of women in Brazil. With biweekly meetings, the Fênix Project relies on the support of professionals from different areas who volunteered to provide knowledge and opportunities for participants. The objective of this study was to analyze the role of education and entrepreneurship in overcoming domestic violence, presenting some initial results of a social project carried out in the city of Rio Claro, São Paulo. The discussion of the results combined with the literature on domestic violence and entrepreneurship reinforces the idea that knowledge associated with emotional support drives de-victimization, empowering and freeing these women from the fears caused by the violence they have suffered. Finally, the project has already shown promising results, in addition to representing a replicable model in other locations.
Keywords: Female Empowerment; Domestic Violence; Professional Training; Financial Independence; Emotional Support.
1 INTRODUÇÃO
O tema violência doméstica tem sido alvo de discussões e noticiários diariamente há alguns anos, e vem se intensificando mais a cada dia as ocorrências registradas em todo país. Trata-se de um problema complexo, que ocorre com milhões de mulheres, causando problemas sociais, econômicos e principalmente psicológicos. Dentre as diversas ações possíveis para tentar mitigar os efeitos que essas mulheres sofrem após a violência, o desenvolvimento educacional é um que chama muita atenção (SANTOS et al., 2024).
Quando se fala sobre o desenvolvimento educacional nesse caso, vai além da educação tradicional oferecida em escolas. É importante dar a elas educação voltada para desenvolvimento pessoal e profissional, ajudando-as a recomeçar suas vidas com independência financeira, e a superar o medo de sair de casa e socializar novamente. Assim, a educação e o empreendedorismo surgem como ferramentas que se complementam nessa jornada de acolhimento e apoio às vitimas de violência doméstica (VIANA, 2023).
Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo analisar o papel da educação e do empreendedorismo na superação da violência doméstica, apresentando alguns resultados iniciais de um projeto social criado pela autora e realizado em parceria com a Patrulha Maria da Penha do município de Rio Claro-SP. O Projeto Fênix é um projeto independente, sem fins lucrativos e sem apoio financeiro de nenhum órgão público ou privado, que foi idealizado para oferecer acolhimento, apoio e conhecimento para as vítimas de violência doméstica. Em quatro meses de ação, ganhou apoio de profissionais de diferentes áreas, entre elas Psicóloga, Serviço Social, Advogado, Mentor em Vendas, Mentora em Negócios Femininos, Consultora de Beleza e uma Agência de Empregos que tem se empenhado em ajudar essas mulheres na recolocação profissional. O projeto tem alcançado resultados realmente satisfatórios, que serão explicitados mais adiante.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O Projeto Fênix é um grupo destinado ao acolhimento e apoio de mulheres vítimas de violência doméstica do município de Rio Claro-SP. Uma vez apresentada a proposta do projeto à Patrulha Maria da Penha da Guarda Civil Municipal de Rio Claro, a coordenadora iniciou os primeiros contatos com as vítimas, convidando-as para participar dos encontros agendados. O foco principal do projeto é oferecer apoio para que essas mulheres possam reconstruirem suas vidas, alcançando autonomia, independência financeira e emocional.
Esses encontros ocorrem a cada quinze dias, e são trabalhados diferentes temas com essas meninas, sempre com a presença da Psicóloga parceira, para que elas tenham o apoio necessário quando os temas chamam à luz da discussão a violência que sofreram. Já foram trabalhados muitos temas, como autoestima, empreendedorismo feminino, autocuidado, preparação para entrevista de emprego, elaboração de currículo, entre outros, sendo que todos os encontros são conduzidos de maneira informal e acolhedor, tendo como principal ferramenta a escuta ativa, pra que as meninas sintam-se seguras naquele ambiente, e se abram no momento em que se sentirem confiantes. Também é mantido um grupo no whatsapp para que em momentos de dificuldade, como crises de pânico e ansiedade, elas possam buscar apoio para se controlar, sendo inclusive orientadas pela Psicóloga do projeto.
De acordo com dados da Patrulha Maria da Penha da Guarda Civil Municipal de Rio Claro, o município apresenta um índice preocupante de casos de violência doméstica. De Dezembro de 2018, que marca a criação da Patrulha Maria da Penha no município até Junho de 2024, foram registradas 2164 vítimas cadastradas com medida protetiva.
Tabela 1: Vítimas cadastradas com medida protetiva ativa
Ano | Vítimas |
2018 | 40 |
2019 | 302 |
2020 | 353 |
2021 | 364 |
2022 | 374 |
2023 | 429 |
Até 24/06/2024 | 302 |
Fonte: Patrulha Maria da Penha (2024)
O número de vítimas cadastradas tem aumentado a cada ano, mas a Patrulha acredita que isso tem acontecido pelo fato das mulheres estarem mais fortes, mais corajosas para denunciar seus agressores.
Gráfico 1: Vítimas cadastradas com medida protetiva ativa
As mulheres estão mudando e não admitem mais viver em situação de violência. Só nos anos 2022 e 2023, no município de Rio Claro, foram 102 atendimentos de violência doméstica; e, 101 atendimentos para descumprimento de medida protetiva, sendo que muitos casos não são formalmente denunciados. O município de Rio Claro tem em seus registros vítimas dentro da faixa etária de 0 a 90 anos, sendo a maioria mulheres acima de 18 anos. Já existe também a 1ª denúncia feita por uma mulher trans no município, que conseguiu medida protetiva contra seu agressor, e que hoje participa de nosso grupo.
Essas mulheres enfrentam barreiras significativas para escapar do ciclo de violência, incluindo:
Dependência Financeira: Muitas vítimas dependem financeiramente do agressor, dificultando a decisão de deixá-lo.
Baixa Autoestima e Autoconfiança: A violência contínua afeta profundamente a autoestima e autoconfiança das mulheres, reduzindo sua capacidade de tomar decisões assertivas.
Falta de Rede de Apoio: Muitas mulheres não têm acesso a uma rede de apoio familiar ou social que as ajude a superar a situação de violência.
Após quatro meses de projeto, os feedbacks recebidos têm sido motivadores e inspiradores. Algumas dessas meninas relatam que retomaram a segurança de sair de casa sem medo de encontrar o agressor pelas ruas, e começaram a caminhar novamente com sua vida social. Também foram recebidos relatos de meninas que estavam desempregadas, e que com o apoio e conhecimentos recebido através do projeto conseguiram se sair bem em entrevistas de emprego e retornar ao mercado de trabalho, podendo novamente suprir o sustento de sua casa e filhos em alguns casos.
Mas os principais relatos dão conta da segurança e fortalecimento emocional, onde elas afirmam que com o grupo encontraram sua tribo, pessoas que passaram por situações semelhantes e que isso torna mais fácil se abrir em dias de dificuldade, pois sabem que as conversas ocorrem sem julgamento entre todos os membros do grupo. Algumas dessas mulheres assistidas, relataram que já conseguem oferecer suporte e apoio para outras vitimas que conhecem, inclusive inventivando-as a denunciar a agressão e buscar o projeto para obter ajuda. Já foram recebidas também solicitações para abertura de um grupo dedicado a jovens e adolescentes no projeto, sendo que tal pedido está sendo analisado, e as voluntárias já estão buscando o conhecimento adicional e parcerias necessárias para que seja possível atender essa demanda.
3 METODOLOGIA
O método utilizado para esta pesquisa foi a revisão de literatura qualitativa, baseada na busca por artigos científicos, que ofereceram o embasamento teórico e científico necessário. A base metodológica de uma pesquisa bibliográfica qualitativa repousa na compreensão e interpretação do conteúdo de fontes bibliográficas, visando a uma análise crítica e reflexiva. Nesse contexto, o método é a abordagem geral que guia o processo de pesquisa (LAKATOS; MARCONI, 2017). A base de dados utilizada foi Scielo (Scientific Electronic Library Online). Também foi realizada a observação de um grupo de mulheres assistidas pelo Projeto Fênix, no município de Rio Claro-SP. O critério de inclusão foi artigos no idioma português, publicado a partir do ano 1998. Os descritores utilizados foram: Empoderamento Feminino; Violência Doméstica; Capacitação Profissional; Independência Financeira; Apoio Emocional.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
O Projeto Fênix reflete uma prática promissora para mitigar os danos psicológicos e sociais que as vitimas de violência doméstica sofrem. A união do desenvolvimento educacional e do empreendedorismo de maneira conjugada com a assistência psicológica e desenvolvimento da inteligência emocional tem se demonstrado uma intervenção inovadora e eficaz, visto que as maiores barreiras que essas mulheres enfrentem é a falta de independência financeira e de apoio emocional (SEBRAE, 2023).
Figura 1: Encontro Projeto Fênix
Ao proporcionar a capacitação profissional e emocional, tem-se a oportunidade de transformar o papel da educação e do empreendedorismo em ferramentas de autonomia e superação, fortalecendo essas mulheres para que possam recomeçar suas vidas após o trauma sofrido. A autonomia financeira e a autoestima restabelecida podem aumentar a capacidade de uma mulher sair do ciclo de violência, e reconstruir sua vida com autossuficiência e segurança (MACHADO; BIJOS, 2024).
Ao analisar todo o contexto histórico da violência doméstica, percebe-se que o foco maior é dado para a assistência jurídica e suporte psicológico, todavia fica uma lacuna acerca do desenvolvimento pessoal e preparação dessas vítimas para retomar suas vidas longe do agressor. Assim, é fundamental que seja dada uma atenção a esses fatores para que seja possível a desvitimização dessas mulheres, que tendo segurança e preparo para recomeçar podem deixar para trás as marcas da violência em suas vidas (ALMEIDA; FERREIRA, 2021).
O Projeto Fênix, portanto, se diferencia de outras iniciativas por trabalhar com uma abordagem que integra educação sócio emocional e empreendedorismo de uma maneira conjunta, buscando promover mudanças duradouras para as vítimas atendidas. O suporte multidisciplinar oferecido, com psicólogos, mentores empresariais entre outros profissionais, permite explorar novas perspectivas sobre si mesmas, trabalhando em conjunto a autoestima e autoconfiança (ALMEIDA et al., 2024).
Todavia, apesar de todos os esforços despendidos existem limitações e desafios para o projeto, como a ausência de financiamento público ou privado, o que pode limitar a expansão e capacidade de atendimento, fato esse discutido na literatura como sustentabilidade de projetos sociais. Um dos fatores que dificultou a busca por apoio e recursos públicos foi o fato de 2024 ser ano eleitoral, e isso dificulta o acesso a personalidades politicas e fundo social municipal.
Uma opção que pode ajudar muito no crescimento e resultados do projeto é buscar parceria com instituições de ensino, permitindo oferecer oportunidades de educação e formação profissional para as vítimas assistidas. Também entende-se como um desafio enfrentado pelo projeto as dificuldades sociais e emocionais que as vítimas enfrentam, todavia esse fator tem sido trabalho através da escuta ativa e do ambiente seguro e acolhedor que é oferecido, onde a regra básica é “ninguém julga ninguém”, e isso tem demonstrado sinais claros de boa aceitação pelas mulheres do grupo, que tem contado suas histórias, anseios e sonhos de uma maneira natural e rápida (JESUS, 2020).
Porém como não é possível tratar de maneira individual e integral cada uma dessas mulheres, sempre é reforçada a importância do acompanhamento médico e psicoterapêutico contínuo e especializado, principalmente para alguns casos em que já houve tentativa de suicídio (JESUS, 2020).
Figura 2: Palestra Setembro Amarelo
O número de denúncias contra agressão doméstica tem crescido frequentemente, e poder oferecer a essas mulheres o acolhimento emocional, conhecimento e o apoio que precisam é o maior diferencial para que elas sintam-se cada dia mais empoderadas e fortalecidas para sair dos relacionamentos e dependência com os agressores. Assim sendo, o Projeto Fênix demonstra uma oportunidade de crescimento realente promissora, e que alcançando o apoio da gestão municipal poderá ampliar os profissionais parceiros e a quantidade de mulheres atendidas.
5 CONCLUSÃO
A educação é um fator que deve ser contínuo, e uma vez associada ao empreendedorismo ela permite maiores chances de melhorias, principalmente financeira na vida das pessoas. O Projeto Fênix apresenta-se como um uma ação efetiva na vida das mulheres vítimas de violência doméstica, uma vez que trabalha com elas questões psicológicas, emocionais e empreendedorismo, tudo abordado com uma didática simples e que permite que elas entendam e interajam com os professores e palestrantes, absorvendo o máximo de conteúdo possível, favorecendo a retomada de autonomia e autoestima das participantes.
Em pouco tempo de atividade o projeto já tem apresentado resultados importantes, reforçando a ideia de que uma abordagem integrativa é o mais recomendado para o grupo. Apesar de ainda ter limitações financeiras, existem várias oportunidades de parceria sendo pleiteadas pela coordenação do projeto, o que indica que em breve ele poderá ser expandido.
Como perspectivas futuras estão a criação de um grupo de atendimento para adolescentes que vivem em lares violentos e a ampliação do número de profissionais parceiros, além de maior alcance na divulgação para que mais mulheres possam ser beneficiadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, L.; NASCIMENTO, T.; MARTINI, S. Women in Vulnerability and female entrepreneurship. SciELO Preprints, 2024.
ALMEIDA, C. L.; FERREIRA, K. C. A. A violência doméstica e familiar contra a mulher à luz da Lei Maria da Penha. Revista Científica Multidisciplinar do CEAP, v. 3, n. 2, p. 9, 2021.
JESUS, A. P. de. Educação de jovens e adultos e violência contra mulheres no alto sertão da Bahia / Adelice Pereira de Jesus. Caetité, 2020. 121 fis: il.
MACHADO, L.A.; BIJOS, L. Empreender sem medo: reflexões sobre empreendedorismo e violência doméstica a partir de uma revisão de literatura. IOSR Journal of Business and Management (IOSR-JBM). e-ISSN:2278-487X, p-ISSN: 2319-7668. Volume 26, Issue 9. Ser. 12 (September. 2024), p.38-46.
SANTOS, O. G. dos. et al. Empreendedorismo como estratégia transformadora para mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Lumen Et Virtus, São José dos pinhais, Vol. XV Núm. XXXIX, p.1807-1822, 2024.
SEBRAE. Empreendedorismo resgata mulheres da violência doméstica. Agência Sebrae de Notícias. 2023.
VIANA, D. Estudos sobre ameaças a empreendedoras investigam aspectos afetivos dos negócios. Revista Pesquisa FAPESP. ed.326. 2023.
1 Bacharel em Administração; Especialista em Psicologia Organizacional pela Faculdade Anhanguera de Rio Claro-SP. E-mail: [email protected]