RECONHECIMENTO DE PLACAS COM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL EM TEMPO REAL: MONITORAMENTO DE VEÍCULOS E EFICIÊNCIA NO COMBATE AO CRIME
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.16338487
Hélio Freires da Silva Júnior
RESUMO
O presente artigo propõe uma análise aprofundada sobre a aplicação de sistemas de reconhecimento automático de placas veiculares (ALPR), aliados à inteligência artificial em tempo real, no âmbito das operações da Polícia Militar. A tecnologia tem se mostrado uma aliada estratégica no enfrentamento à criminalidade veicular, possibilitando a identificação de veículos com registros de furto ou roubo, placas clonadas, envolvimento em crimes diversos e circulação em áreas sensíveis à segurança pública. A integração desses sistemas com bases de dados oficiais, como SINESP, DETRAN e DENATRAN, permite uma atuação mais eficaz, orientada por dados e com maior grau de precisão operacional. São abordados os aspectos técnicos que envolvem o funcionamento do ALPR, suas aplicações práticas no Brasil e no Paraná, e os impactos positivos observados na recuperação de veículos, na redução de abordagens aleatórias e no aumento da segurança do efetivo policial. O estudo também discute os desafios jurídicos e éticos relacionados ao uso da tecnologia, especialmente no que se refere ao tratamento e proteção de dados pessoais, conforme estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). Por fim, são apresentadas sugestões para a expansão responsável e segura do uso da tecnologia no âmbito da Polícia Militar do Paraná, destacando-se a necessidade de capacitação dos profissionais, normatização das práticas e investimentos contínuos em inovação, a fim de promover uma segurança pública mais eficiente, moderna e respeitosa aos direitos fundamentais do cidadão.
Palavras-chave: Reconhecimento de placas; Inteligência artificial; Policiamento; Tecnologia; Segurança pública.
ABSTRACT
This article provides an in-depth analysis of the application of automatic license plate recognition (ALPR) systems, combined with real-time artificial intelligence, within Military Police operations. This technology has proven to be a strategic ally in combating vehicle crime, enabling the identification of vehicles reported stolen or robbed, cloned license plates, those involved in various crimes, and those operating in areas sensitive to public safety. The integration of these systems with official databases, such as SINESP, DETRAN, and DENATRAN, enables more effective, data-driven operations with a higher degree of operational precision. The study addresses the technical aspects of ALPR operation, its practical applications in Brazil and Paraná, and the positive impacts observed in vehicle recovery, the reduction of random stops, and the increased safety of police officers. The study also discusses the legal and ethical challenges related to the use of this technology, especially regarding the processing and protection of personal data, as established by the General Data Protection Law (Law No. 13,709/2018). Finally, suggestions are presented for the responsible and safe expansion of the use of technology within the Paraná Military Police, highlighting the need for professional training, standardization of practices and continuous investment in innovation, in order to promote more efficient, modern public security that respects the fundamental rights of citizens.
Keywords: License plate recognition; Artificial intelligence; Policing; Technology; Public safety.
1. INTRODUÇÃO
A criminalidade envolvendo veículos tem se tornado cada vez mais sofisticada e desafiadora para as forças de segurança pública no Brasil. Práticas como furtos e roubos de veículos, clonagem de placas, adulteração de sinais identificadores e o uso de automóveis para a prática de crimes diversos, como tráfico de drogas, transporte de armas e sequestros, são cada vez mais comuns, exigindo das instituições policiais uma resposta técnica e eficaz. Diante desse cenário, a atuação da Polícia Militar demanda recursos operacionais modernos, que permitam o enfrentamento ágil e inteligente dessa modalidade criminosa.
Com o avanço das tecnologias de informação e comunicação, surgem novas possibilidades de aplicação de ferramentas tecnológicas no policiamento ostensivo e investigativo. Entre essas soluções, destaca-se o Reconhecimento Automático de Placas Veiculares (ALPR), que, aliado à inteligência artificial (IA) em tempo real, proporciona um monitoramento dinâmico, preciso e integrado da circulação de veículos em vias públicas. Essa tecnologia permite a leitura automatizada de placas por meio de câmeras fixas ou móveis, com posterior cruzamento de dados em bases institucionais, como o SINESP, DETRAN, DENATRAN e outras fontes de inteligência.
Ao possibilitar a identificação imediata de veículos com registro de furto ou roubo, irregularidades administrativas ou suspeitas de envolvimento em crimes, o ALPR contribui diretamente para a redução do tempo de resposta das equipes policiais, a melhoria da eficácia das abordagens e a otimização do emprego do efetivo. Além disso, reduz o número de abordagens aleatórias, fortalece a segurança dos agentes em campo e amplia a capacidade de investigação de crimes patrimoniais e interestaduais.
Entretanto, a adoção dessa tecnologia traz consigo questionamentos importantes no que se refere ao tratamento de dados pessoais, à privacidade dos cidadãos e ao respeito aos limites legais e constitucionais, especialmente à luz da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Assim, o uso do ALPR com IA deve ser acompanhado por normativas institucionais, protocolos operacionais e capacitação adequada dos profissionais envolvidos.
Diante disso, o presente artigo tem como objetivo principal analisar a aplicação do reconhecimento de placas com inteligência artificial em tempo real no contexto das atividades da Polícia Militar, discutindo suas aplicações práticas, benefícios operacionais, desafios legais e éticos, além de propor diretrizes para sua implementação segura e eficaz, de modo a contribuir para a modernização da segurança pública e a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 O RECONHECIMENTO AUTOMÁTICO DE PLACAS VEICULARES (ALPR)
O Reconhecimento Automático de Placas Veiculares (ALPR), também conhecido pela sigla ANPR (Automatic Number Plate Recognition), consiste em um sistema tecnológico que combina câmeras de alta resolução com algoritmos de inteligência artificial capazes de realizar a leitura, interpretação e cruzamento de informações contidas nas placas de veículos em circulação. Seu funcionamento baseia-se na captura de imagens por dispositivos ópticos, que podem estar instalados em estruturas fixas — como postes, entradas de cidades, pedágios e portais de segurança — ou em viaturas móveis, viabilizando o monitoramento contínuo e dinâmico de grandes volumes de tráfego urbano e rodoviário.
A tecnologia emprega algoritmos de reconhecimento óptico de caracteres (OCR), que transformam a imagem captada da placa em um conjunto de dados alfanuméricos legíveis pelo sistema. Em seguida, essas informações são automaticamente comparadas com bancos de dados locais, estaduais e federais, tais como o SINESP (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), o DETRAN (Departamento Estadual de Trânsito), o DENATRAN (Departamento Nacional de Trânsito), além de sistemas próprios das forças de segurança pública e registros de ocorrências em tempo real.
Esse processo ocorre em questão de segundos, o que permite ações imediatas por parte das equipes policiais, caso o sistema identifique alguma anomalia ou pendência. As ocorrências mais comuns detectadas incluem veículos com queixa de furto ou roubo, placas adulteradas ou clonadas, inconsistências documentais, restrições judiciais, e até veículos utilizados em práticas criminosas recorrentes, como assaltos ou tráfico de entorpecentes.
Além da identificação direta de veículos com irregularidades, o ALPR possibilita a formação de bancos de dados estatísticos e georreferenciados, permitindo a análise preditiva do comportamento veicular em determinadas regiões e o mapeamento de rotas frequentemente utilizadas para a prática de crimes. Tais informações são valiosas para o trabalho de inteligência policial, contribuindo para a definição de estratégias de policiamento mais eficazes e direcionadas.
O grande diferencial do ALPR em relação a abordagens tradicionais está em sua capacidade de operar de forma automatizada, contínua e com mínima margem de erro, mesmo em condições adversas, como tráfego intenso, alta velocidade dos veículos, baixa luminosidade e intempéries. Além disso, sua escalabilidade permite que o sistema seja adaptado conforme a demanda e o contexto operacional de cada região, tornando-se uma ferramenta altamente versátil para as corporações policiais (GONÇALVES, 2020).
2.2 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E SEGURANÇA PÚBLICA
A inteligência artificial (IA) tem transformado diversas áreas da administração pública, e seu uso na segurança pública representa um dos campos mais promissores e estratégicos da atualidade. De forma geral, a IA pode ser definida como a capacidade de sistemas computacionais simularem aspectos do raciocínio humano, aprendendo com dados, identificando padrões e tomando decisões baseadas em grandes volumes de informação. Na área policial, a IA atua principalmente por meio de algoritmos de machine learning (aprendizado de máquina) e deep learning (aprendizado profundo), que conferem aos sistemas a capacidade de melhorar sua performance ao longo do tempo, ajustando-se a contextos e reduzindo falhas operacionais.
Aplicada ao contexto da segurança, a IA permite uma mudança de paradigma, saindo de uma atuação reativa e passando para uma lógica proativa e preditiva. Isso significa que, em vez de apenas responder a ocorrências, as forças de segurança podem antecipar padrões de criminalidade com base em análises estatísticas e comportamentais. Em sistemas de videomonitoramento, por exemplo, algoritmos inteligentes podem identificar comportamentos suspeitos, detecção de movimentos fora do padrão, reconhecimento facial e, especialmente, reconhecimento automático de placas veiculares (ALPR).
No caso específico do ALPR, a IA é fundamental para otimizar a qualidade da leitura das placas. Ela permite, por exemplo, que o sistema consiga identificar corretamente placas desgastadas, sujas, danificadas, parcialmente cobertas, ou mesmo sob condições ambientais desfavoráveis, como chuva intensa, baixa luminosidade ou em ângulos não ideais. Por meio de técnicas avançadas de processamento de imagem, visão computacional e redes neurais convolucionais, a IA analisa as imagens captadas, reconhece padrões e extrai os caracteres da placa com alto grau de precisão.
Além disso, conforme destaca Batista (2022), os sistemas de IA utilizados em segurança pública têm a capacidade de aprender com os próprios erros. Isso significa que, ao identificar uma leitura equivocada ou uma falsa correspondência, o algoritmo pode ajustar seus parâmetros e melhorar seu desempenho futuro, tornando-se cada vez mais confiável e eficiente. Essa capacidade de adaptação contínua representa uma vantagem crucial para operações de policiamento dinâmico e de alto volume, onde a margem de erro precisa ser mínima.
Outro aspecto importante da IA na segurança pública é sua integração com sistemas de inteligência criminal, permitindo que dados de veículos monitorados por ALPR sejam automaticamente cruzados com informações de investigações, mandados de prisão, zonas de risco e rotas de fuga. Isso viabiliza uma atuação policial muito mais estratégica, baseada em critérios objetivos e atualizados em tempo real, o que potencializa significativamente a efetividade das abordagens e a alocação de recursos humanos e materiais.
3. APLICAÇÕES PRÁTICAS E RESULTADOS
3.1 CASOS DE SUCESSO NO BRASIL
A implementação de sistemas de Reconhecimento Automático de Placas Veiculares (ALPR) aliados à Inteligência Artificial (IA) tem crescido significativamente no Brasil, demonstrando resultados expressivos na prevenção e repressão à criminalidade, especialmente no combate ao roubo, furto e clonagem de veículos. Vários estados já adotaram essa tecnologia com diferentes graus de abrangência, utilizando-a tanto em ambientes urbanos quanto em rodovias, portais de entrada de cidades, áreas de fronteira e pontos de interesse estratégico.
No estado de São Paulo, a adoção em larga escala do sistema Detecta, que integra o ALPR com uma plataforma de big data e análise preditiva, representa um dos maiores exemplos de sucesso do país. Esse sistema está conectado a milhares de câmeras espalhadas por diversos municípios e tem capacidade de processar em tempo real dados de placas veiculares, pessoas procuradas, mandados de prisão e registros criminais. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP, 2022), o Detecta contribuiu diretamente para a recuperação de mais de 30 mil veículos furtados ou roubados entre 2017 e 2022, além de fornecer suporte a investigações de crimes graves como sequestros e assaltos a bancos.
Outro caso de destaque ocorre no estado do Paraná, mais especificamente na cidade de Londrina, onde foram instaladas câmeras ALPR em pontos estratégicos de entrada e saída da cidade, além de avenidas de grande circulação. A iniciativa foi fruto de uma parceria entre a Polícia Militar do Paraná (PMPR), o governo municipal e o setor privado, demonstrando a importância da articulação entre esferas públicas e comunitárias. No primeiro ano de funcionamento do sistema, segundo relatório da própria PMPR (2023), houve uma redução de aproximadamente 18% no número de furtos de veículos, além do aumento significativo na taxa de recuperação de automóveis em situação irregular.
Em Minas Gerais, a Polícia Militar implantou um sistema semelhante, com foco especial nas regiões de fronteira estadual e nos principais corredores rodoviários. A integração entre as bases da PM, do Detran-MG e do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (SINESP) possibilitou a interceptação de veículos com queixa ativa em tempo real, reforçando o policiamento ostensivo e promovendo maior sensação de segurança à população.
Esses casos evidenciam que o sucesso da tecnologia ALPR com IA depende não apenas da sua instalação física, mas, sobretudo, da sua integração com bancos de dados estaduais e federais, da formação técnica dos operadores e da manutenção contínua dos equipamentos e sistemas. O uso do Sinesp Cidadão, por exemplo, tem sido fundamental para disponibilizar dados em tempo real às guarnições em campo. Esse aplicativo nacional permite que o policial, por meio de um dispositivo móvel, verifique a procedência de veículos, compare informações captadas pelas câmeras e atue com base em evidências concretas, reduzindo a subjetividade nas abordagens.
Além disso, a análise dos resultados obtidos em diferentes estados permite constatar que o ALPR, quando corretamente implantado e operado, não apenas reduz índices de criminalidade veicular, como também fortalece o planejamento estratégico das corporações, subsidiando o mapeamento de áreas críticas, a definição de rotas policiais e a elaboração de políticas públicas mais eficazes no campo da segurança.
4. VANTAGENS OPERACIONAIS PARA A POLÍCIA MILITAR
A adoção de sistemas de Reconhecimento Automático de Placas Veiculares (ALPR) integrados com Inteligência Artificial (IA) representa um marco na modernização das práticas de policiamento ostensivo e preventivo. A principal vantagem operacional está na automação inteligente da triagem de veículos, que permite à Polícia Militar direcionar suas ações com base em critérios objetivos, reduzindo significativamente as abordagens aleatórias e aumentando a precisão das intervenções em campo.
O processo de verificação veicular que anteriormente dependia da análise manual de documentos ou da consulta via rádio, agora pode ser feito de maneira automática, em tempo real e com maior confiabilidade. Isso proporciona uma série de benefícios estratégicos para a atuação policial:
Aumento expressivo no número de veículos recuperados: a leitura em tempo real de placas permite que a equipe policial seja imediatamente alertada sobre a presença de veículos com queixa de furto, roubo, clonagem ou outras restrições legais, possibilitando uma ação rápida e eficaz.
Diminuição da exposição do policial a situações de risco: como o sistema antecipa informações críticas antes da abordagem, os policiais podem adotar protocolos táticos mais seguros e adequados à situação, preservando sua integridade física e otimizando os recursos humanos disponíveis.
Redução de abordagens baseadas apenas em suspeita subjetiva: com o suporte de dados objetivos gerados pelo sistema, a atuação da PM ganha maior legitimidade, reduzindo a possibilidade de ações interpretadas como abusivas ou discriminatórias e fortalecendo a confiança da população no trabalho policial.
Apoio em perseguições veiculares e operações em tempo real: o ALPR com IA pode ser integrado a sistemas de videomonitoramento, drones e rádios digitais criptografados, permitindo o acompanhamento em tempo real de veículos suspeitos, mesmo em situações de fuga ou evasão, otimizando a resposta coordenada entre diferentes unidades operacionais.
Geração de estatísticas e inteligência estratégica: os dados captados pelas câmeras ALPR são registrados e armazenados em bancos de dados analíticos, permitindo a elaboração de mapas de calor, relatórios de circulação de veículos, padrões de mobilidade e zonas de maior risco. Essas informações são valiosas para o planejamento de policiamento ostensivo, blitzes direcionadas e estratégias de patrulhamento em horários e locais críticos.
Análise comportamental de veículos recorrentes: o sistema pode ser programado para emitir alertas sobre veículos que transitem repetidamente por áreas sensíveis ou em horários incompatíveis com padrões normais de tráfego, o que contribui diretamente para investigações de crimes recorrentes, vigilância de locais de tráfico de drogas, roubo de cargas, entre outros delitos.
Outro ponto importante é que a eficiência tecnológica reflete diretamente na economia de recursos públicos, uma vez que permite que o efetivo policial seja melhor distribuído conforme a necessidade real, diminuindo o desperdício de tempo e aumentando a produtividade das ações de segurança. Além disso, a automação reduz a sobrecarga sobre os canais de comunicação e os sistemas manuais de checagem, favorecendo uma atuação mais fluida e coordenada.
A atuação da Polícia Militar com o suporte do ALPR torna-se, portanto, mais inteligente, orientada por dados e menos suscetível ao erro humano, o que representa um avanço significativo para o modelo de segurança pública do século XXI.
5. LIMITES JURÍDICOS E ÉTICOS: A LGPD E O DIREITO À PRIVACIDADE
Apesar das evidentes vantagens operacionais proporcionadas pelo uso de sistemas de Reconhecimento Automático de Placas Veiculares (ALPR) integrados à Inteligência Artificial (IA), sua utilização em larga escala levanta uma série de questionamentos e desafios de natureza jurídica, ética e constitucional, especialmente no que se refere à proteção da privacidade e ao tratamento de dados pessoais por órgãos públicos de segurança.
A Lei nº 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), estabelece um conjunto de normas e princípios voltados à proteção da liberdade, da privacidade e da autodeterminação informativa dos indivíduos. Embora as placas veiculares não sejam, isoladamente, consideradas dados pessoais, o seu cruzamento com outras bases de dados — como registros de propriedade, CNHs vinculadas, geolocalização e informações fiscais — pode resultar na identificação indireta dos titulares, tornando-se, portanto, passíveis de regulamentação pela LGPD (BRASIL, 2018).
Nesse sentido, o uso de tecnologias como o ALPR exige cautela redobrada por parte das instituições públicas, sobretudo da Polícia Militar, que atua na linha de frente da segurança e que deve preservar não apenas a ordem pública, mas também os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. A atuação policial com base em dados deve seguir princípios como a legalidade, a finalidade, a necessidade, a proporcionalidade, a transparência e a segurança, todos previstos expressamente na legislação de proteção de dados.
Além disso, a LGPD impõe obrigações específicas aos agentes de tratamento de dados — incluindo os órgãos de segurança pública — como a criação de registros de operações, a adoção de medidas técnicas e administrativas para a proteção contra acessos não autorizados, e a eliminação dos dados após o atingimento da finalidade legítima de tratamento. O descumprimento desses deveres pode resultar em responsabilização civil, administrativa e até criminal, além de comprometer a credibilidade da instituição diante da sociedade.
A complexidade se intensifica no caso do ALPR com IA, pois esses sistemas muitas vezes operam de forma autônoma e contínua, captando dados massivos sem o conhecimento prévio dos indivíduos monitorados. Embora a atividade policial ostensiva em locais públicos não dependa de autorização judicial, a vigilância permanente e automatizada pode ser interpretada como forma de controle desproporcional, especialmente se não houver critérios claros e públicos que justifiquem o monitoramento de determinadas áreas, horários ou veículos.
Diante desse cenário, é fundamental que a Polícia Militar do Paraná, ao expandir o uso de sistemas inteligentes de vigilância veicular, adote protocolos institucionais robustos que regulem todas as fases do uso da tecnologia: da captação à eliminação dos dados. Esses protocolos devem ser construídos com base em princípios constitucionais, submetidos a mecanismos internos de auditoria e, sempre que possível, com a participação do Ministério Público e de órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas e a Defensoria Pública.
Adicionalmente, é recomendável que a corporação invista na capacitação jurídica e ética dos seus operadores de sistemas, garantindo que todos compreendam não apenas o funcionamento técnico do ALPR, mas também os riscos e responsabilidades decorrentes do seu uso inadequado. A incorporação da privacidade como valor institucional, e não apenas como exigência normativa, fortalece a legitimidade da atuação policial e aproxima a segurança pública dos padrões democráticos e garantistas exigidos pelo Estado de Direito.
Em suma, a tecnologia pode — e deve — ser uma aliada da segurança pública, desde que utilizada de maneira consciente, responsável e respeitosa às garantias individuais. O equilíbrio entre a eficiência operacional e a preservação dos direitos fundamentais é o maior desafio da era da vigilância inteligente, e cabe às instituições públicas construir esse caminho com seriedade, transparência e compromisso com a cidadania.
6. PERSPECTIVAS PARA A POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ
A Polícia Militar do Paraná (PMPR) tem se destacado nas últimas décadas pelo compromisso com a modernização e a incorporação de tecnologias inovadoras em suas rotinas operacionais. Iniciativas como a utilização de rádios digitais criptografados, o monitoramento por câmeras em áreas urbanas, o uso de aplicativos móveis para consulta de informações em campo e a integração com o sistema estadual de segurança (SESP) já sinalizam uma instituição em processo de evolução contínua.
Dentro desse contexto, a ampliação da utilização do sistema de Reconhecimento Automático de Placas Veiculares (ALPR) aliado à inteligência artificial (IA) representa um passo estratégico e coerente com a visão de uma segurança pública mais eficiente, preventiva e orientada por dados.
Entre as principais ações estruturantes que poderiam ser adotadas pela PMPR para ampliar o uso do ALPR com IA, destacam-se:
Equipar viaturas com câmeras móveis de leitura de placas: Ao instalar dispositivos ALPR diretamente nas viaturas operacionais, os policiais podem realizar varreduras automáticas durante o patrulhamento rotineiro, aumentando significativamente a área de cobertura e possibilitando respostas mais rápidas diante de alertas emitidos pelo sistema.
Instalação de câmeras em pontos estratégicos: Investir na colocação de equipamentos fixos de leitura de placas em entradas e saídas de municípios, rodovias estaduais, regiões fronteiriças, áreas comerciais de grande circulação, postos de combustível, pontes, e especialmente em pontos de fuga reconhecidos por análises criminais, criando uma malha inteligente de monitoramento em tempo real.
Integração com sistemas de vigilância aérea por drones: A utilização de drones equipados com câmeras ALPR pode ser extremamente útil em áreas rurais ou de difícil acesso, proporcionando flexibilidade de atuação, monitoramento aéreo estratégico e cobertura de grandes áreas com baixo custo logístico.
Criação de uma Central Estadual de Inteligência Preditiva: A PMPR pode desenvolver um centro especializado em análise preditiva de crimes veiculares, com apoio de especialistas em ciência de dados, policiais da área de inteligência e suporte técnico. Essa central teria como missão mapear padrões de criminalidade, gerar alertas automatizados, identificar rotas de veículos suspeitos e alimentar investigações com informações precisas baseadas em dados do ALPR.
Consolidação de parcerias institucionais: Ampliar a cooperação entre a PMPR, os municípios, os órgãos de trânsito, o Ministério Público, o Judiciário, e o setor privado, como empresas de transporte, concessionárias e companhias de seguros, a fim de viabilizar financiamento, infraestrutura e compartilhamento de informações relevantes.
Além dessas medidas, é indispensável que a corporação invista em programas de capacitação contínua para o efetivo, tanto na utilização técnica dos sistemas, quanto em formação jurídica, ética e operacional. É necessário garantir que os policiais compreendam os princípios da proteção de dados pessoais, as boas práticas na condução de abordagens baseadas em informações automatizadas, e que estejam preparados para agir de forma segura, precisa e respeitosa aos direitos fundamentais.
Outro ponto crucial é o suporte técnico permanente, com equipes de manutenção, atualização dos softwares, auditoria de dados e resposta rápida a falhas operacionais, assegurando que o sistema funcione com máxima eficiência e confiabilidade.
7. CONCLUSÃO
O uso do Reconhecimento Automático de Placas Veiculares (ALPR) aliado à Inteligência Artificial (IA) representa uma transformação profunda na lógica de atuação das forças de segurança pública, especialmente no contexto da Polícia Militar do Paraná (PMPR). Em um cenário de crescente complexidade e sofisticação da criminalidade, sobretudo no que tange aos crimes relacionados ao uso de veículos — como furtos, roubos, clonagens e transporte de ilícitos —, a adoção dessa tecnologia surge como uma resposta moderna, eficiente e baseada em evidências.
Os resultados obtidos em diversas unidades da federação demonstram que a implementação do ALPR contribui diretamente para a recuperação de veículos roubados, a identificação de atividades suspeitas, a qualificação das abordagens policiais e a melhoria da gestão estratégica do policiamento ostensivo. Ao transformar imagens em dados e dados em inteligência operacional, a tecnologia fortalece a capacidade de antecipação, resposta rápida e racionalização de recursos, promovendo uma segurança pública mais eficaz e menos dependente da subjetividade humana.
Entretanto, a incorporação de sistemas automatizados e de IA nas rotinas da Polícia Militar não pode ocorrer de forma descontextualizada ou tecnicamente improvisada. É essencial que seu uso esteja integralmente alinhado aos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, bem como às disposições da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que impõem diretrizes claras sobre o tratamento e a guarda de informações sensíveis.
Para que essa tecnologia alcance todo o seu potencial, é imprescindível um investimento institucional contínuo em infraestrutura tecnológica, formação e capacitação do efetivo, criação de protocolos operacionais e jurídicos bem definidos, além do acompanhamento por órgãos de controle interno e externo, assegurando o uso ético, transparente e responsável do sistema.
A PMPR, ao ampliar e consolidar o uso do ALPR com IA, tem a oportunidade de posicionar-se como referência nacional em inovação tecnológica aplicada à segurança pública, demonstrando que é possível combinar alta performance operacional com o respeito aos direitos fundamentais. Esse equilíbrio será o diferencial das corporações que desejam, no século XXI, oferecer uma segurança pública mais eficiente, moderna, democrática e legitimada pela sociedade que protegem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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