PROMOÇÃO DA SAÚDE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS NA COMUNIDADE: ESTRATÉGIAS ATUAIS E DESAFIOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.18014243
Fernanda Cristina Galerani Gualtieri Parpinelli
RESUMO
Introdução: A promoção da saúde e a prevenção de doenças constituem pilares fundamentais da Atenção Primária à Saúde (APS) e são essenciais para reduzir iniquidades e morbimortalidade na comunidade. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta desafios decorrentes da transição epidemiológica, marcada pelo aumento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e pela persistência de agravos infecciosos.
Objetivo: Analisar as principais estratégias de promoção da saúde e prevenção de doenças no âmbito do SUS, com ênfase nas ações comunitárias, no papel da Estratégia Saúde da Família (ESF) e nas políticas públicas implementadas entre 2020 e 2025, identificando desafios estruturais que comprometem sua efetividade.
Métodos: Revisão narrativa de literatura realizada entre janeiro de 2024 e março de 2025, com buscas nas bases SciELO, PubMed, LILACS e BVS, além da análise de diretrizes, relatórios e portarias do Ministério da Saúde (MS), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Foram priorizados estudos e documentos que abordam políticas nacionais de APS e intervenções comunitárias.
Resultados: O fortalecimento da ESF demonstrou impacto positivo na redução de hospitalizações por condições sensíveis à APS. A expansão de programas como o Saúde na Escola, o Academia da Saúde e o avanço das tecnologias digitais — especialmente a telessaúde — ampliaram o alcance das ações preventivas. Contudo, permanecem desafios expressivos, como o subfinanciamento crônico, a rotatividade de profissionais, a fragmentação do cuidado e as persistentes desigualdades regionais, particularmente no acesso à imunização e no manejo de DCNT.
Conclusão: A efetividade das políticas de promoção da saúde no SUS depende do fortalecimento da intersetorialidade, da garantia de financiamento estável e da qualificação contínua dos profissionais, especialmente dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS). O enfrentamento das desigualdades territoriais e a consolidação de estratégias inovadoras, como a telessaúde, são essenciais para avançar na equidade e na resolutividade da APS.
Palavras-chave: Saúde pública; Promoção da saúde; Atenção primária; Estratégia Saúde da Família; SUS; Educação em saúde.
ABSTRACT
Introduction: Health promotion and disease prevention are fundamental pillars of Primary Health Care (PHC) and are essential for reducing inequities and morbidity and mortality in the community. In Brazil, the Unified Health System (SUS) faces ongoing challenges related to the epidemiological transition, marked by the rise of noncommunicable diseases (NCDs) and the persistence of infectious conditions.
Objective: To analyze the main health promotion and disease prevention strategies within the SUS, with emphasis on community-based actions, the role of the Family Health Strategy (FHS), and public policies implemented between 2020 and 2025, identifying structural challenges that compromise their effectiveness.
Methods: A narrative literature review conducted between January 2024 and March 2025, including searches in SciELO, PubMed, LILACS, and the Virtual Health Library (VHL), as well as the analysis of guidelines, reports, and ordinances from the Ministry of Health (MS), the World Health Organization (WHO), and the Pan American Health Organization (PAHO). Priority was given to studies and documents addressing national PHC policies and community-based interventions.
Results: Strengthening the FHS demonstrated a positive impact in reducing hospitalizations for primary care-sensitive conditions. The expansion of programs such as Health at School and Health Academy, along with advances in digital health technologies—especially telehealth—has broadened the reach of preventive actions. However, significant challenges persist, including chronic underfunding, high professional turnover, care fragmentation, and persistent regional inequalities, particularly in vaccination coverage and NCD management.
Conclusion: The effectiveness of health promotion policies within the SUS depends on strengthening intersectoral collaboration, ensuring stable funding, and providing continuous professional training, particularly for Community Health Workers (CHWs). Addressing territorial inequalities and consolidating innovative strategies such as telehealth are essential for advancing equity and improving the resolutive capacity of PHC.
Keywords: Public health; Health promotion; Primary health care; Family Health Strategy; Unified Health System; Health education.
1. INTRODUÇÃO
A promoção da saúde, conforme estabelecido pela Carta de Ottawa (1986), constitui um processo que permite às populações ampliar o controle sobre os determinantes da própria saúde e, assim, melhorar sua qualidade de vida. Esse conceito transcende a prevenção de doenças, incorporando ações intersetoriais, participação social e fortalecimento das capacidades individuais e coletivas. No contexto brasileiro, tais princípios encontram ressonância no Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela Constituição Federal de 1988 e alicerçado nos princípios da universalidade, integralidade e equidade.
A Atenção Primária à Saúde (APS) foi instituída como porta de entrada preferencial do sistema e como coordenadora da rede de cuidados, desempenhando papel central na operacionalização das estratégias de promoção da saúde. A Estratégia Saúde da Família (ESF), por sua vez, consolidou-se como a principal forma de organização da APS, ampliando o alcance territorial e a capilaridade das ações educativas, preventivas e comunitárias.
Entretanto, o Brasil vivencia uma complexa transição epidemiológica caracterizada pela coexistência de problemas de saúde historicamente prevalentes — como doenças infecciosas e agravos relacionados à pobreza — e pelo crescimento expressivo das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hipertensão, diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares. Esse cenário impõe a necessidade de reorganizar os serviços de saúde, deslocando o foco tradicionalmente reativo para modelos de cuidado contínuo, integral e orientado pelo território.
Nesse contexto, torna-se essencial analisar como o SUS tem estruturado suas estratégias de promoção da saúde e prevenção de doenças, bem como compreender os desafios persistentes para a consolidação de um modelo de cuidado centrado na comunidade, resolutivo e equitativo. Assim, esta introdução fundamenta o debate sobre as políticas em curso e justifica a relevância da investigação sobre os avanços, limitações e perspectivas da APS no período recente.
2. METODOLOGIA
Este estudo consiste em uma revisão narrativa de literatura, conduzida com o objetivo de contextualizar e analisar criticamente as estratégias de promoção da saúde e prevenção de doenças no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), considerando políticas, programas e evidências produzidas entre 2020 e 2025.
Procedimentos de busca: A pesquisa bibliográfica foi realizada entre janeiro de 2024 e março de 2025, contemplando as bases SciELO, PubMed, LILACS e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Foram utilizados descritores em português e inglês, combinados por operadores booleanos, incluindo: “promoção da saúde”, “atenção primária à saúde”, “Estratégia Saúde da Família”, “prevenção de doenças”, “SUS”, “políticas públicas em saúde”, “health promotion”, “primary health care”, “family health strategy”.
Fontes institucionais: Complementarmente, foram analisados documentos oficiais, diretrizes, relatórios técnicos e portarias emitidos pelo Ministério da Saúde (MS), pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), priorizando materiais publicados ou atualizados no período estudado.
Critérios de inclusão:
Estudos publicados entre 2020 e 2025;
Artigos científicos, relatórios técnicos, manuais, diretrizes e análises de políticas públicas;
Publicações relacionadas à APS, ESF, promoção da saúde, prevenção de doenças e estratégias comunitárias no SUS;
Estudos que abordassem resultados, impacto ou desafios estruturais das políticas de saúde no Brasil.
Critérios de exclusão:
Artigos com escopo exclusivamente clínico que não abordassem ações de APS ou políticas públicas;
Estudos duplicados;
Revisões ou documentos sem relação direta com o contexto do SUS.
Processo de análise: O material selecionado foi organizado em eixos temáticos, permitindo identificar convergências e lacunas nas políticas e ações de promoção da saúde. A análise foi conduzida de forma interpretativa, considerando o marco teórico da APS e as diretrizes nacionais vigentes, bem como a influência dos determinantes sociais da saúde no desempenho das políticas.
Por se tratar de uma revisão narrativa, não houve registro de protocolo em plataformas como PROSPERO e não foram aplicados métodos de metanálise. O foco centrou-se na integração crítica da literatura e na contextualização das evidências para o cenário brasileiro.
3. DETERMINANTES SOCIAIS E INIQUIDADES EM SAÚDE
Os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) constituem o conjunto de fatores sociais, econômicos, ambientais e culturais que influenciam de maneira decisiva o processo saúde-doença. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), tais determinantes moldam as condições de vida, trabalho e acesso a recursos essenciais, refletindo diretamente nos indicadores de morbimortalidade e na distribuição desigual de riscos entre grupos populacionais.
No Brasil, a histórica desigualdade socioeconômica intensifica a vulnerabilidade de parcelas significativas da população, constituindo um obstáculo estrutural para a efetividade das ações de promoção da saúde. As condições de renda, escolaridade, emprego, segurança alimentar, saneamento básico e habitação interferem tanto na adoção de práticas de autocuidado quanto na capacidade de acesso ao sistema de saúde, condicionando a ocorrência de doenças infecciosas, crônicas e agravos associados à pobreza.
Vulnerabilidade e morbidade: Populações em situação de vulnerabilidade apresentam maiores dificuldades para aderir a tratamentos contínuos, manter alimentação saudável ou acessar serviços preventivos, como vacinação e acompanhamento de condições crônicas. Esses fatores repercutem na maior prevalência de doenças infecciosas, hipertensão, diabetes, obesidade e transtornos de saúde mental, evidenciando a inter-relação entre contexto social e adoecimento.
Desigualdade territorial: A heterogeneidade regional agrava as inequidades. Indicadores recentes da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) mostram que regiões como Norte e Nordeste concentram:
menores taxas de cobertura vacinal,
maior irregularidade no acompanhamento pré-natal,
prevalências mais elevadas de desnutrição e insegurança alimentar,
menor disponibilidade de serviços de APS e menor fixação de profissionais.
Essas disparidades resultam em efeitos diretos na capacidade de resposta do SUS, na qualidade do cuidado e na efetividade das políticas preventivas. Mesmo programas exitosos, como a Estratégia Saúde da Família, apresentam impacto reduzido em territórios com maiores fragilidades estruturais.
Portanto, a superação das iniquidades em saúde exige abordagens intersetoriais que articulem políticas de educação, assistência social, habitação e desenvolvimento urbano, ultrapassando os limites tradicionais do setor saúde. O fortalecimento dessas articulações é crucial para consolidar modelos de cuidado centrados no território e capazes de responder às múltiplas dimensões da determinação social do adoecimento no Brasil.
4. ESTRATÉGIAS DE PROMOÇÃO E PREVENÇÃO NO SUS
As estratégias de promoção da saúde e prevenção de doenças no Sistema Único de Saúde (SUS) estruturam-se predominantemente na Atenção Primária à Saúde (APS), especialmente por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF). Essas ações buscam não apenas reduzir a incidência de agravos, mas também fortalecer a autonomia dos indivíduos, estimular práticas saudáveis e promover ambientes favoráveis à saúde.
4.1. Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Papel do Agente Comunitário de Saúde (ACS)
A ESF representa o eixo central da APS brasileira e atua como principal mecanismo de organização do cuidado no território. Com cobertura populacional superior a 70% em diversos municípios, sua capilaridade permite alcançar populações em situação de vulnerabilidade e garantir atenção contínua, longitudinal e centrada na comunidade.
O Agente Comunitário de Saúde (ACS) desempenha papel estratégico nesse processo, atuando como elo entre o serviço de saúde e a população. Entre suas atribuições destacam-se:
visitas domiciliares regulares,
identificação precoce de riscos e vulnerabilidades,
acompanhamento de condições crônicas,
realização de ações educativas individuais e coletivas,
monitoramento de fatores ambientais e sociais que influenciam o adoecimento.
Estudos nacionais demonstram que municípios com maior cobertura da ESF apresentam redução consistente em hospitalizações por condições sensíveis à APS e em indicadores de morbimortalidade evitável.
4.2. Políticas de Incentivo e Modelos de Financiamento
A implementação do programa Previne Brasil introduziu mudanças no financiamento da APS, vinculando parte do repasse federal ao desempenho de indicadores de saúde. Entre os componentes avaliados estão:
captação ponderada da população adscrita,
pagamento por desempenho (como cobertura de pré-natal e controle de hipertensão e diabetes),
ações estratégicas, como vacinação e rastreamento de câncer.
Embora essa política estimule a melhoria da qualidade assistencial, sua efetividade depende de capacitação dos profissionais, infraestrutura adequada e sistemas de informação consistentes para registro e acompanhamento dos indicadores.
4.3. Educação em Saúde e Programas Intersetoriais
A promoção da saúde exige articulação com outros setores sociais. Nesse sentido, destacam-se:
Programa Saúde na Escola (PSE)
Resultado da integração entre Saúde e Educação, o PSE promove ações de avaliação clínica, prevenção de agravos e promoção de hábitos saudáveis no ambiente escolar, sendo fundamental para o enfrentamento da obesidade infantil, sedentarismo, uso de álcool e outras vulnerabilidades na adolescência.
Programa Academia da Saúde
Voltado à criação de espaços públicos para atividades físicas e práticas corporais, o programa contribui para a mudança de comportamentos e estimula a adoção de estilos de vida saudáveis pela população adulta e idosa, atuando na prevenção de DCNT.
Essas iniciativas reforçam o caráter intersetorial da promoção da saúde ao integrarem diferentes políticas públicas e ampliarem a capacidade de intervenção no território.
4.4. Telessaúde e Inovação Digital no SUS
A pandemia de COVID-19 acelerou a incorporação de ferramentas digitais na APS. Entre os principais avanços destacam-se:
Telessaúde: ampliou o acesso a consultas, orientações e acompanhamento de condições crônicas, reduzindo barreiras geográficas, especialmente em áreas remotas.
Prontuários eletrônicos integrados: facilitaram o monitoramento clínico, a continuidade do cuidado e a troca de informações entre diferentes níveis da rede.
Conecte SUS: fortaleceu a autonomia do usuário ao disponibilizar informações como histórico vacinal, exames e registros de atendimentos.
Essas ferramentas, quando integradas à prática cotidiana, têm potencial para melhorar a coordenação do cuidado, aumentar a resolutividade da APS e qualificar o acompanhamento de populações vulneráveis.
5. DESAFIOS ESTRUTURAIS E ORGANIZACIONAIS
Apesar dos avanços obtidos nas últimas décadas, a plena efetividade das estratégias de promoção da saúde e prevenção de doenças no Sistema Único de Saúde (SUS) ainda é limitada por um conjunto de desafios estruturais e organizacionais que impactam diretamente a qualidade, a continuidade e a equidade do cuidado em saúde.
5.1. Subfinanciamento Crônico do Sistema
O subfinanciamento permanece como um dos principais entraves à consolidação da Atenção Primária à Saúde (APS). A insuficiência dos repasses federais, somada à instabilidade orçamentária e às desigualdades na capacidade de investimento dos municípios, resulta em:
infraestrutura inadequada em Unidades Básicas de Saúde (UBS),
escassez de insumos e equipamentos,
dificuldades de manutenção tecnológica, especialmente em regiões remotas,
limitação na oferta de ações educativas e preventivas contínuas.
Esse cenário compromete a implementação de práticas essenciais da APS, dificulta a resolutividade das equipes e acentua disparidades regionais.
5.2. Recursos Humanos: Rotatividade, Distribuição Desigual e Fragilidade dos Vínculos
A alta rotatividade de profissionais, especialmente médicos e enfermeiros, constitui obstáculo significativo para o fortalecimento da longitudinalidade do cuidado. Em muitas regiões, sobretudo no Norte e Nordeste, há:
dificuldade na fixação de equipes,
predomínio de vínculos precários de trabalho,
falta de incentivos financeiros e educacionais,
escassez de oportunidades de educação permanente.
A descontinuidade das equipes fragiliza o vínculo com a comunidade, reduz a capacidade de acompanhamento de condições crônicas e prejudica a efetividade das ações preventivas.
5.3. Fragmentação do Cuidado e Limitações na Integração da Rede
Outro desafio relevante é a fragmentação entre os diferentes níveis de atenção. A articulação insuficiente entre a APS, os serviços especializados e a vigilância em saúde gera:
dificuldade de coordenação e continuidade do cuidado,
redundância de exames e procedimentos,
atrasos no diagnóstico e no encaminhamento,
manejo inadequado de doenças crônicas e agudas.
A ausência de fluxos bem estabelecidos e de sistemas de informação integrados limita o potencial da APS como ordenadora da rede e compromete o acompanhamento longitudinal do usuário.
5.4. Persistência de Desigualdades Territoriais
O Brasil apresenta marcante heterogeneidade socioespacial. Municípios com menor desenvolvimento socioeconômico enfrentam condições adversas que dificultam a implementação de ações de promoção da saúde, tais como:
baixa cobertura de serviços de APS,
infraestrutura insuficiente de saneamento e transporte,
barreiras geográficas que dificultam o acesso da população às unidades de saúde,
limitações tecnológicas que retardam a consolidação da telessaúde e de prontuários eletrônicos.
Essas desigualdades impactam a capacidade do SUS de garantir acesso universal e equitativo, resultando em disparidades importantes nos indicadores de saúde.
6. DISCUSSÃO
As estratégias de promoção da saúde no Brasil têm demonstrado impacto significativo na melhoria dos indicadores de morbimortalidade, especialmente quando ancoradas na ampliação da cobertura e na qualificação da Atenção Primária à Saúde (APS). A literatura evidencia que a Estratégia Saúde da Família (ESF), quando estruturada adequadamente e integrada ao território, reduz hospitalizações por condições sensíveis à APS, fortalece a vigilância em saúde e melhora a capacidade de resposta do sistema. No entanto, tais benefícios variam de acordo com a qualidade da implementação local, refletindo desigualdades históricas e limitações estruturais persistentes no SUS.
6.1. A Intersetorialidade Como Eixo Estratégico e Desafio Prático
Embora seja amplamente reconhecida como princípio essencial para a promoção da saúde, a intersetorialidade ainda se materializa de forma incipiente em muitos municípios. A atuação conjunta entre saúde, educação, assistência social, saneamento e urbanismo é frequentemente comprometida por falta de planejamento integrado, sobrecarga administrativa e ausência de mecanismos que garantam continuidade entre gestões. Documentos recentes da OPAS reforçam que a descontinuidade das ações intersetoriais compromete sua sustentabilidade e reduz o alcance das políticas preventivas, sobretudo em territórios vulneráveis.
Assim, apesar de iniciativas bem-sucedidas como o Programa Saúde na Escola (PSE) e o Academia da Saúde, a consolidação de práticas intersetoriais depende de governança eficiente, pactuação entre setores e financiamento estável — elementos ainda inconsistentes na realidade brasileira.
6.2. Avaliação da Qualidade na APS: Avanços e Limites do Previne Brasil
A mudança no modelo de financiamento introduzida pelo Previne Brasil representa um avanço ao valorizar indicadores de desempenho e estimular práticas baseadas em resultados. Entretanto, seu impacto é heterogêneo. Municípios com maior capacidade técnica e estrutura consolidada tendem a se beneficiar mais, enquanto localidades com fragilidades estruturais enfrentam dificuldades para cumprir metas e registrar corretamente os dados.
A qualidade das informações alimentadas pelos sistemas, a capacitação dos profissionais e o suporte tecnológico são fatores determinantes para o sucesso do modelo. Sem fortalecimento dessas bases, existe o risco de sub-registro, baixa adesão e distorções na avaliação da qualidade assistencial.
6.3. Lacunas e Perspectivas para a Pesquisa em Promoção da Saúde
Embora haja avanços no campo, persistem lacunas importantes na produção científica, especialmente no que diz respeito à análise de custo-efetividade das intervenções de promoção e prevenção, à avaliação longitudinal dos impactos da telessaúde e ao desenvolvimento de metodologias que mensurem o empoderamento comunitário e sua relação com a redução das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).
A incorporação de métodos de pesquisa participativa, estudos multicêntricos e inovações digitais pode contribuir para ampliar a compreensão do papel da APS na promoção da saúde em um país de dimensões continentais e marcadas desigualdades socioeconômicas.
7. CONCLUSÃO
A promoção da saúde e a prevenção de doenças constituem pilares indispensáveis para a sustentabilidade e a equidade do Sistema Único de Saúde (SUS). A Atenção Primária à Saúde (APS), especialmente por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), permanece como o núcleo estruturante dessas ações, demonstrando impacto comprovado na redução de hospitalizações evitáveis, na melhoria dos indicadores de morbimortalidade e na ampliação do acesso aos serviços de saúde.
Contudo, os resultados positivos alcançados coexistem com desafios persistentes que limitam o alcance e a efetividade das políticas preventivas. O subfinanciamento crônico, a alta rotatividade de profissionais, a fragmentação entre os níveis de atenção e as desigualdades territoriais seguem comprometendo a continuidade do cuidado e a capacidade de resposta da APS. Além disso, a implementação desigual de ferramentas digitais e a fragilidade das ações intersetoriais evidenciam a necessidade de aprimoramento da governança e da integração entre políticas públicas.
Para que o SUS avance rumo a um modelo de cuidado mais resolutivo, centrado na comunidade e orientado pelo território, é essencial fortalecer a intersetorialidade, garantir financiamento estável e promover formação e educação permanente dos profissionais, especialmente dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS). A consolidação de inovações como a telessaúde e o uso qualificado de sistemas de informação também se apresentam como caminhos estratégicos para ampliar o alcance das ações preventivas.
Assim, consolidar a promoção da saúde como eixo estruturante do sistema requer superar desigualdades históricas, ampliar a participação social e investir em estratégias que elevem a capacidade da APS de responder de forma efetiva e equitativa às necessidades da população brasileira.
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