OS IMPACTOS DA JORNADA 6X1 NO BEM-ESTAR E NA QUALIDADE DE VIDA DO TRABALHADOR
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17468987
Isabelly Medeiros dos Santos1
Milee Jovanovich1
Liliam Sayuri Sakamoto2
RESUMO
Este artigo analisa os impactos da jornada de trabalho 6x1 na vida dos trabalhadores, a partir de pesquisa exploratória com entrevistas qualitativas com três participantes que vivenciam ou vivenciaram esse regime e revisão da literatura existente sobre o tema. Os relatos foram transcritos e submetidos a análise de conteúdo, permitindo identificar padrões e divergências relacionados a saúde, bem-estar, produtividade, relações familiares e sociais. Os resultados evidenciam que a escala 6x1 gera desgaste físico e mental, redução de horas de sono, má alimentação e maior vulnerabilidade a doenças, ao mesmo tempo que compromete a convivência familiar e social. Observou-se também que esse regime contribui para a perpetuação da desigualdade social e de gênero, uma vez que dificulta o acesso à educação, restringe a mobilidade social e impacta especialmente as mulheres que acumulam responsabilidades com filhos e cuidados domésticos. Além dos efeitos individuais, verificou-se que a produtividade organizacional é afetada negativamente pelo excesso de cansaço e pela queda da motivação. Em comparação com outros países que avançaram na redução da jornada de trabalho, o Brasil permanece atrasado, mantendo um modelo que prioriza presença física em detrimento da qualidade de vida e produtividade. O estudo reforça a necessidade de repensar alternativas mais humanas e sustentáveis de jornada, capazes de conciliar competitividade com justiça social, saúde e equidade de gênero.
Palavras-chave: Qualidade de vida no trabalho. Saúde do trabalhador. Desigualdade social. Produtividade laboral.
ABSTRACT
This article analyzes the impacts of the 6x1 work schedule on workers' lives, based on exploratory research with qualitative interviews conducted with three participants who experience or have experienced this regime, along with a review of the existing literature on the subject. The accounts were transcribed and submitted to content analysis, allowing for the identification of patterns and divergences related to health, well-being, productivity, and family and social relationships. The results show that the 6x1 schedule causes physical and mental exhaustion, reduced sleep hours, poor nutrition, and greater vulnerability to illness, while also compromising family and social interaction. It was also observed that this regime contributes to the perpetuation of social and gender inequality, as it hinders access to education, restricts social mobility, and particularly affects women who carry the burden of child-rearing and domestic responsibilities. In addition to individual effects, organizational productivity is negatively impacted by excessive fatigue and decreased motivation. Compared to other countries that have advanced in reducing working hours, Brazil remains behind, maintaining a model that prioritizes physical presence to the detriment of quality of life and productivity. The study reinforces the need to rethink more humane and sustainable work schedules capable of reconciling competitiveness with social justice, health, and gender equity.
Keywords: Quality of life at work. Worker health. Social inequality. Work productivity.
1. INTRODUÇÃO
As transformações nas relações de trabalho ao redor do mundo nas últimas décadas levantam a necessidade de refletir sobre os modelos de jornada atualmente vigentes e seus impactos tanto na vida dos trabalhadores quanto em sua produtividade laboral. A escala 6x1, caracterizada pela exigência de seis dias consecutivos de trabalho para apenas um dia de descanso. Esse formato é recorrente dos setores como comércio, serviços, saúde, transporte e indústria, onde a continuidade operacional é vista como fator estratégico para a competitividade empresarial.
A jornada 6x1 suscita debates quanto às suas consequências para o bem-estar físico e psicológico do trabalhador. A sobreposição entre exigências laborais e a esfera social do indivíduo pode comprometer relações familiares, vida comunitária e tempo de lazer. O avanço de pesquisas em saúde ocupacional e em gestão de pessoas mostram que cargas horárias extensas, quando não acompanhadas de condições adequadas de recuperação e equilíbrio entre vida pessoal e profissional, tendem a gerar efeitos como fadiga crônica, estresse, queda na motivação, queda na produtividade, insatisfação no trabalho e até burnout (Nunes, Lopes & Sá, 2023).
Nesse contexto, compreender os impactos da jornada 6x1 torna-se fundamental não apenas para trabalhadores e sindicatos, mas também para gestores e formuladores de políticas públicas que buscam alinhar produtividade e sustentabilidade das relações de trabalho. Busca-se analisar os fundamentos legais e históricos que sustentam a jornada atual no país, situando o leitor no contexto normativo e cultural em que a escala 6x1 se consolidou. Ao mesmo tempo, procura-se mapear e dialogar com a produção científica nacional e internacional que discute a redução da jornada e seus efeitos, oferecendo um panorama que possibilite comparações consistentes.
Outro objetivo fundamental é registrar e interpretar os relatos de trabalhadores inseridos em regimes 6x1, reconhecendo suas percepções. Ao valorizar a experiência vivida, o artigo se propõe a ampliar o debate para além de estatísticas e normas, incorporando dimensões subjetivas e sociais frequentemente invisibilizadas.
Ao reunir teoria evidência empírica e vivências reais, o estudo busca fomentar a reflexão sobre caminhos possíveis para a reorganização do tempo de trabalho, apontando alternativas que favoreçam modelos mais equilibrados, como as escalas de jornadas de trabalho 5x2 ou 4x3. A meta é oferecer subsídios a formulação de políticas públicas, ao diálogo sindical e as práticas organizacionais, contribuindo para que a discussão sobre redução de jornada deixe de ser restrita ao campo jurídico ou econômico e passe a contemplar as implicações humanas, sociais e de saúde que envolvam o trabalho contemporâneo.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. Saúde do Trabalhador e Carga do Trabalho
A discussão sobre saúde do trabalhador está diretamente relacionada a forma como o tempo de trabalho é organizado e distribuído. A jornada 6x1 molda relações, saúde e vida social dos indivíduos. O detalhe da jornada define se o trabalhador terá tempo de cuidar da saúde, do convívio familiar ou simplesmente de existir fora da lógica do consumo e da produção (Sousa, 2025).
Dados recentes reforçam que o excesso de horas trabalhadas está ligado a graves consequências. Estudos da OMS (Organização Mundial da Saúde) e OIT (Organização Internacional do Trabalho) (2021) revelou que jornadas prolongadas foram responsáveis por 745 mil mortes por AVC e doenças cardíacas, representando aumento de 29% em relação ao ano 2000. Trabalhar em longas jornadas semanais eleva em 35% o risco de acidente vascular cerebral e em 17% o risco de morte por doença isquêmica do coração (Dias, 2025).
Esse cenário é reforçado por pesquisas nacionais: o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) (2022) mostra que milhões de brasileiros superam rotineiramente as 44 horas semanais, acumulando horas extras precárias, ampliando os riscos de fadiga, ansiedade e problemas cardíacos (Sousa, 2025). Os transtornos psíquicos relacionados ao trabalho figuram entre as principais causas de afastamentos do país, confirmando que a carga laboral excessiva é um fator determinante no adoecimento.
Para Nunes, Lopes & Sá (2023), a sobrecarga laboral desencadeia problemas psicológicos e físicos, incluindo estresse, burnout, queda de produtividade e insatisfação no ambiente de trabalho. Esses efeitos configuram não apenas riscos individuais, mas também coletivos, uma vez que impactam a segurança, o ambiente organizacional e a própria produtividade das empresas.
Além dos impactos fisiológicos e mentais, a carga excessiva compromete direitos básicos, como o convívio familiar e o lazer. A literatura tem denominado essa condição de dano existencial, pois priva o trabalhador do tempo de viver plenamente (Dias, 2025). Para Dal Rosso (2021), a escala 6x1 representa a ponta visível de uma engrenagem que consome o tempo de vida do trabalhador para estender o tempo de produção.
A escala 6x1 é uma engrenagem que garante que os trabalhadores permaneçam onde estão, sem perspectiva de futuro. É um traço cotidiano que molda relações, saúde, vida social e até o jeito de sonhar com o futuro. É o detalhe que define se teremos tempo de ver um filho, de cuidar da saúde, de descansar de verdade ou de simplesmente existir fora da lógica de consumo e de produção (Sousa, 2025).
2.2. Desigualdade no Ambiente de Trabalho
A análise da jornada de trabalho não pode ser dissociada da questão das desigualdades sociais, visto que os efeitos das longas jornadas recaem de forma mais intensa sobre determinados grupos de trabalhadores. Para Marilene Teixeira (2023), as mulheres enfrentam a escala 6x1 somada a chamada “segunda jornada” doméstica, marcada por atividades de cuidado e tarefas invisíveis e não remuneradas. Nesses casos, o único dia de descanso é frequentemente absorvido por obrigações domésticas e familiares, reforçando a sobrecarga e aprofundando desigualdades de gênero (Sousa, 2025).
A Reforma Trabalhista de 2017 aprofundou a falta de padronização das relações laborais, ampliando a terceirização e os contratos intermitentes, o que fragilizou a negociação coletiva e aumentou a facilidade para a imposição de escalas extensas e fragmentadas. Esse cenário favorece a desigualdade estrutural, pois trabalhadores com menor poder de barganha acabam submetidos a condições mais penosas e jornadas que comprometem ainda mais sua saúde e qualidade de vida (Calvete & Krein, 2021).
A escala 6x1 deve ser compreendida como um fenômeno que não apenas gera desgaste físico e mental, mas também perpetua desigualdades de gênero, classe e renda. A reorganização da jornada de trabalho, nesse sentido, representa não só uma medida de saúde laboral, mas também uma estratégia de combate às desigualdades sociais (Biavaschi & Vazquez, 2025).
2.3. Avanços na Redução de Jornada no Brasil
O debate sobre a diminuição do tempo de trabalho no Brasil é histórico, marcado por conquistas pontuais, mas ainda distante das experiências consolidadas em outros países. A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) promulgada em 1943 estabeleceu o limite de 48 horas semanais e o direito a um dia de descanso a cada seis de trabalho, constituindo um marco inicial de proteção a saúde e à dignidade do trabalhador. Em 1988 a constituição Federal reduziu a carga máxima para 44 horas semanais, representando o principal avanço normativo do tema (Carvalho, 2022).
A Reforma Trabalhista de 2017 flexibilizou relações de trabalho ao ampliar a terceirização e o trabalho intermitente, além de transferir para a negociação individual temas antes protegidos por convenção coletiva, além de enfraquecer sindicatos, o que tornou mais complexo a implementação de modelos com redução real da jornada (Sousa, 2025).
Paralelamente, movimentos sociais e entidades acadêmicas têm pressionado por mudanças estruturais. O movimento VAT (Vida Além do Trabalho) surge como uma iniciativa que defende modelos mais equilibrados como a semana 5x2 ou 4x3. Estudos conduzidos pelo VAT apontam redução do absenteísmo, queda em indicadores de adoecimento psíquico e melhora no desempenho, sinalizando que reorganizações do tempo de trabalho podem gerar ganhos mútuos (Sousa, 2025).
A efetivação de uma jornada reduzida depende da combinação entre arcabouço jurídico, políticas públicas maturidade de negociação coletiva, destacando que a mudança não é meramente técnica, mas política.
Experiências recentes em empresas brasileiras apontoam resultados promissores: aumento de produtividade, maior engajamento, melhora da saúde mental e até crescimento da receita em 72% das empresas participantes. Entretanto, tais iniciativas permanecem localizadas, sem respaldo normativo amplo, refletindo que o Brasil ainda caminha em fase experimental (Dias, 2025).
2.4. Avanços na Redução de Jornada Ao Redor do Mundo
o Brasil, a discussão sobre a redução da jornada ainda caminha de forma lenta, marcada por uma legislação que garante apenas um dia de descanso a cada seis de trabalho, herança da década de 1940. Apesar de avanços pontuais, como as propostas de alteração legal para ampliar o repouso semanal e as experiências-piloto da semana de quatro dias que já apresentaram melhorias em saúde mental e produtividade, o cenário ainda está distante das práticas internacionais. Nesse contexto surge o movimento VAT, que defende modelos de escala como o 5x2 e o 4x3, com ao menos dois dias consecutivos de descanso. Experiências conduzidas pelo VAT em call centers indicaram redução do absenteísmo, melhora na saúde mental e diminuição de custos indiretos, mas ainda enfrentam forte barreira de um arcabouço legal moldado pela CLT original. Assim o Brasil parte de um histórico de jornadas extensas, precarização após a reforma trabalhista e forte prevalência da escala 6x1, mas começa a experimentar iniciativas que apontam caminhos para uma reorganização mais equilibrado do tempo de trabalho (Sousa, 2025).
No cenário internacional, os avanços foram mais expressivos. A Alemanha testou a jornada 4x3 em 45 empresas em 2024 e 73% delas decidiram manter o modelo, com 90% dos trabalhadores relatando melhora no bem-estar e sem prejuízos a produtividade. Na Austrália, 20 empresas implementaram a mesma escala, registrando uma redução de 44,3% nos afastamentos por doenças e 95% de intenção de continuidade (Sputnik Brasil, 2024).
A Islândia conduziu entre 2015 e 2019 um dos mais amplos testes da jornada reduzida, adotando oficialmente a escala 4x3, que hoje alcança 90% da população trabalhadora, definida em negociações coletivas. Já a Dinamarca substitui a escala 6x1 pela 5x2 ainda na década de 1930, consolidando uma das menores médias de carga horária do mundo, em torno de 33 horas semanais (Sputnik Brasil, 2024).
No Reino Unido, um experimento realizado em 2022 com 30 empresas mostrou que 92% decidiram manter a semana 4x3, reportando aumento de 1,4% na receita, maior produtividade e redução de 57% nas demissões. Nos Estados Unidos e no Canadá, experiências semelhantes apontam melhoria na saúde física e mental e redução de custos com cuidados infantis (Sputnik Brasil, 2024).
Essas experiências internacionais reforçam a constatação da organização internacional do trabalho de que jornadas mais curtas estão associadas a maior produtividade por hora e melhores condições de saúde e bem-estar. O contraste com a necessidade brasileira evidencia a necessidade de avanços regulatórios e de políticas públicas que alinhem o país às práticas internacionais, promovendo não apenas ganhos de produtividade, mas também melhor qualidade de vida para os trabalhadores.
3. METODOLOGIA
Este estudo adota uma abordagem qualitativa de uma pesquisa exploratória, considerando que o objetivo central é compreender a percepção dos trabalhadores em relação aos impactos da jornada 6x1 em seu bem-estar e qualidade de vida. (MARCONI & LAKATOS, 2004)
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com quatro colaboradores que atuam atualmente sob o regime de jornada 6x1 em setores distintos, abrangendo comércio, serviços e indústria. A escolha dos participantes ocorreu de forma intencional, considerando como critério de inclusão o tempo mínimo de um ano de experiência nesse modelo de jornada, a fim de garantir maior consistência nas percepções relatadas.
As entrevistas foram guiadas por um roteiro previamente elaborado, contemplando questões sobre: 1 - percepção do colaborador quanto aos impactos físicos e psicológicos do regime, 2 - repercussões na vida social e familiar, 3 - influência da jornada na motivação e produtividade e 4 - estratégias utilizadas para lidar com as demandas dessa rotina de trabalho.
Os relatos foram registrados, transcritos e submetidos a análise de conteúdo, que consiste em organizar, categorizar e interpretar as falas de modo a identificar padrões, recorrências e divergências.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir da análise das três entrevistas realizadas, foi possível identificar padrões recorrentes e divergências nas percepções dos trabalhadores sobre a escala 6x1. As falas foram organizadas em quatro principais categorias: (1) impactos na saúde e bem-estar, (2) impactos nas relações familiares e sociais, (3) produtividade e motivação no trabalho e (4) percepções sobre alternativas de jornada.
Outro ponto relevante identificado é que a sobrecarga causa pela escala 6x1 não afeta somente o trabalhador d e forma individual, mas também interfere na dinâmica das equipes e no clima organizacional. O cansaço acumulado e a queda de sua motivação podem gerar conflitos, reduzir a colaboração entre colegas e comprometer a eficiência coletiva, mostrando que os efeitos da jornada excessiva reverberam além do indivíduo, impactando diretamente os resultados e a sustentabilidade do ambiente do trabalho.
4.1. Impactos na Saúde e Bem-estar
Todos os entrevistados relataram que a escala 6x1 resulta em cansaço físico e mental, redução do tempo de sono e dificuldades em manter uma alimentação adequada. A entrevistada 1 destacou que a rotina desorganizada e a longa jornada, somada ao deslocamento, a levaram a desenvolver anemia. Situação semelhante aparece na fala da entrevistada 2, que relatou chegar em casa tão exausta que precisava escolher entre comer ou dormir. Já o entrevistado 3 reforçou que muitas vezes sequer havia condições de buscar atendimento médico, diante da falta de tempo.
Esses relatos confirmam a literatura sobre a associação entre longas jornadas e a deterioração da saúde, tanto física quanto emocional, evidenciando que a 6x1 compromete o bem-estar dos trabalhadores. Além disso, diversos autores apontam que o excesso de horas trabalhadas está diretamente relacionado ao aumento de doenças ocupacionais, como estresse crônico, distúrbios do sono e problemas musculoesqueléticos, o que se reflete na queda da qualidade de vida e na desmotivação profissional. A partir dessa convergência, entre os resultados empíricos e os referenciais teóricos, observa-se que a escala 6x1 não apenas intensifica o desgaste físico, mas também limita o tempo de recuperação e lazer, aspectos fundamentais para a manutenção da saúde mental e da satisfação pessoal. Assim, a pesquisa reforça o entendimento de que a sobrecarga de trabalho é um fator determinante na precarização das condições de vida dos trabalhadores, confirmando o que a literatura crítica sobre o tema já vem evidenciando há décadas.
Dessa maneira, é possível concluir que a escala 6x1 exerce um impacto profundo e negativo sobre a saúde integral dos trabalhadores. A privação de sono, a má alimentação e o acúmulo de estresse formam um quadro de desgaste contínuo que ultrapassa o ambiente profissional e se manifesta em adoecimentos físicos e emocionais. A falta de tempo para o autocuidado e para o acesso a serviços de saúde agrava ainda mais esse cenário, evidenciando que a jornada excessiva não apenas reduz a qualidade de vida, mas também ameaça a sustentabilidade da força de trabalho a longo prazo.
4.2. Relações Familiares e Sociais
Os entrevistados apontaram que a rotina da escala compromete de maneira expressiva a vida familiar e social. A entrevistada 1 relatou perder constantemente almoços em família e eventos escolares dos filhos, além de não conseguir desfrutar de momentos de lazer com a parceira. O entrevistado 3 reforçou a dificuldade em manter vínculos de amizade, já que só dispunha de um único dia para socializar e resolver todas as pendências da semana, sejam domésticas ou acadêmicas.
A literatura sobre equilíbrio entre trabalho entre trabalho e vida pessoal sustenta que a falta de tempo para o convívio social reduz a percepção de qualidade de vida e aumento sentimentos de isolamento. Nesse sentido, os relatos confirmam que a 6x1 acarreta um desequilíbrio entre vida pessoal e profissional, gerando impactos que ultrapassam o campo do trabalho e se estendem para a estrutura familiar e social do indivíduo. A convergência entre os resultados empíricos e o que aponta a literatura evidencia que o tempo livre é um recurso essencial a manutenção das relações humanas e da saúde emocional, e que sua ausencia, como observada nesse regime, contribui para o enfraquecimento dos laços sociais e o aumento do sofrimento psíquico.
Dessa forma, percebe-se que a escala 6x1 não afeta apenas o desempenho profissional, mas também fragiliza as relações efetivas e o convívio social dos trabalhadores. A limitação do tempo livre e a sobreposição das responsabilidades pessoais no único dia de descansam resultam em isolamento, desgaste emocional e distanciamento dos vínculos familiares e comunitários. Assim, o modelo de jornada revela impactos que ultrapassam o ambiente de trabalho, interferindo diretamente na qualidade de vida e na construção de redes de apoio social fundamentais para o bem-estar do indivíduo.
4.3. Produtividade e Relação no Trabalho
Apesar da 6x1 estar associada a maior presença física do trabalhador, os depoimentos evidenciam uma queda de produtividade e motivação ao longo da semana. A entrevistada 1 mencionou que, especialmente nos períodos de maior desenvolvimento, o cansaço gerava erros simples e recorrentes. Este fenômeno sugere que a escala ao invés de ampliar o desempenho, gera sobrecarga que compromete a atenção e a qualidade do trabalho.
De acordo com a entrevistada 2, a falta de satisfação e o estado de exaustão eram comuns não só na sua experiência individual, mas também entre seus colegas. Tais achados dialogam com estudos que apontam que jornadas extensas reduzem o engajamento e aumentam os riscos de acidentes e adoecimento laboral.
A literatura sobre produtividade e motivação reforça que o rendimento no trabalho está diretamente ligado ao equilíbrio entre esforço e recuperação, a valorização profissional e a sensação de bem-estar. Quando o trabalhador é submetido a longos períodos de atividade sem tempo adequado de descanso, há um declínio gradual de sua eficiência, acompanhado de aumento no absenteísmo, na rotatividade e nos conflitos interpessoais. Assim, os resultados desta pesquisa confirmam que a escala 6x1 não favorece o desempenho organizacional a longo prazo, pois transforma o espaço de trabalho em um ambiente de esgotamento contínuo. Essa realidade evidencia que a produtividade sustentável depende de condições que respeitem os limites humanos e promovam motivação intrínseca, reconhecimento e equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Assim, observa-se que a escala 6x1, embora vise garantir maior disponibilidade do trabalhador, acaba por comprometer o próprio objetivo de produtividade que pretende alcançar. A fadiga acumulada, a perda de motivação e o desgaste emocional resultam em uma atuação menos eficiente e mais propensa a falhas, evidenciando que a qualidade do trabalho está diretamente relacionada ao equilíbrio entre tempo de descanso e tempo de produção. Dessa forma, repensar essa estrutura de jornada torna-se essencial não apenas para preservar a saúde dos trabalhadores, mas também assegurar resultados organizacionais mais sustentáveis e humanos.
4.4. Impactos na Vida Fora do Trabalho: Estudos e Deslocamento
Outro ponto relevante identificado foi a dificuldade em conciliar a jornada com os estudos e com o tempo de deslocamento diário. A entrevistada 1 relatou sair de casa às 7h da manhã e retorna quase meia-noite, o que limita drasticamente o convívio com os filhos, que estão dormindo tanto quando ela sai de casa, quanto quando ela retorna. Além disso, destacou que muitas vezes precisa escolher entre realizar atividades acadêmicas ou descansar, uma vez que o único dia de folga é insuficiente para equilibrar todas as demandas.
Esse padrão também aparece nos demais relatos. A entrevistadas 2 destacou que, em períodos em que conciliava trabalho e estudos, a rotina se tornava “quase impossível”, já que o cansaço e a alta de tempo prejudicavam o desempenho acadêmico.
Os relatos demonstram que a escala 6x1 geram uma restrição significativa do tempo extra laboral, afetando tanto a formação educacional quanto a vida prática do trabalhador. A obrigatoriedade de longos deslocamentos, somadas a escassez de folgas, reforça a sensação de desgaste e impossibilidade de desenvolver outros aspectos da vida além do trabalho.
Essas observações também convergem com a literatura que discute a centralidade do trabalho na sociedade contemporânea e seus efeitos sobre o tempo livre e o desenvolvimento pessoal. Autores que tratam do tema ressaltam que a falta de tempo para estudos, lazer e autocuidado limita as oportunidades de ascensão social e de aprimoramento profissional, perpetuando ciclos de sobrecarga e estagnação. Assim, a pesquisa evidencia que o regime 6x1 não apenas afeta a saúde e a produtividade, mas também restringe a autonomia do trabalhador sobre sua propria trajetória, reduzindo suas possibilidades de crescimento, sejam eles pessoais, educacionais ou sociais.
Portanto, constata-se que a escala 6x1 impõe barreiras concretas ao desenvolvimento pessoal e educacional dos trabalhadores, restringindo suas oportunidades de qualificação e ascensão social. O excesso de horas dedicadas ao trabalho e o tempo gasto em deslocamentos reduzem drasticamente o espaço para o estudo, descanso e para a convivência familiar, gerando um ciclo de exaustão e limitação de perspectivas. Assim, a jornada acaba por reforçar desigualdades e dificultar a construção de uma vida equilibrada, em que o trabalho não se sobreponha às demais dimensões da existência humana.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados dessas entrevistas evidenciam os impactos negativos e abrangentes da escala 6x1 na vida dos trabalhadores, ultrapassando os limites do ambiente laboral. O cansaço físico e mental, a redução das horas de sono, a precariedade da alimentação e o adoecimento emocional aparecem de maneira recorrente tanto nos relatos quanto na literatura. Essa realidade demonstra que este modelo ainda amplamente utilizado, não garante condições mínimas de bem-estar e impõe uma rotina de desgaste permanente.
Um dos efeitos mais graves observados é a separação de pais e filhos. Os entrevistados relataram não conseguir acompanhar atividades escolares ou momentos de lazer com os filhos, restringindo o convívio a breves encontros pela manhã.
Além dos prejuízos familiares, a escala 6x1 também perpetua desigualdades sociais, pois limita o acesso à educação e a qualificação profissional. Trabalhadores que conciliam longas jornadas com deslocamentos extensos têm menos condições de investir em estudos, o que dificulta sua mobilidade social. Em contraste, diversos países não só já trabalham na 5x2 como já estão estudando e implementando a 4x3, avançando no equilíbrio entre vida pessoal e profissional e dignidade. O Brasil, nesse sentido, permanece atrasado, mantendo modelos de trabalho que priorizam presença física em detrimento da saúde e do desenvolvimento humano.
Em contrapartida observa-se que diversos países vêm avançando em debates e políticas voltadas à redução da jornada de trabalho. Nações como o Reino Unido, Bélgica, Islândia, Espanha e Japão já realizaram experiências concretas com a semana de quatro dias de trabalho e três de folga (modelo 4x3), apontando resultados produtivos em produtividade, saúde mental e satisfação dos trabalhadores. Em alguns casos, como na Islândia, os resultados foram tão expressivos que serviram como base para toda uma reformulação de políticas laborais nacionais. Essas mudanças indicam uma tendência global de valorização do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, em consonância com as transformações sociais e tecnológicas que permitem novas formas de organização do trabalho.
Enquanto isso, o Brasil avança a passos lentos nesse debate. Ainda que existam projetos de leis e discussões no Congresso nacional sobre a redução da jornada semana sem prejuízo salarial, o tema segue sem prioridade política. O foco ainda recai sobre modelos que associam produtividade a presença física prolongada, desconsiderando as evidências que comprovam que o bem-estar do trabalhador também é um fator de eficiência.
Diante desse cenário, torna-se urgente que políticas públicas e iniciativas institucionais sejam direcionadas à revisão das jornadas de trabalho, à promoção da saúde mental e à criação de incentivos para empresas que adotem modelos mais humanizados. Programas-piloto de redução de jornada, campanhas de conscientização sobre equilíbrio entre vida pessoal e profissional e a ampliação do diálogo entre governo, empresas e sindicatos podem servir como instrumentos de transição para novas formas de organização laboral. O desafio não é apenas econômico, mas ético e social: repensar o trabalho como espaço de dignidade, desenvolvimento e qualidade de vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BIAVASCHI, Magda Barros; VAZQUEZ, Bárbara Vallejos. As desigualdades sociais e a luta pela redução da jornada: limites e possibilidades. [S.l.]: [s.n.], 2025.
DIAS, Mário Gomes. A possibilidade da redução da jornada de trabalho no Brasil. Salvador: Universidade Católica do Salvador, 2025.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2004.
NUNES, Isabella Morgana Souza; LOPES, Henrique de Carvalho; SÁ, Natália Ribeiro de. Efeitos da jornada de trabalho excessiva na saúde. Governador Valadares: Universidade Vale do Rio Doce, 2024.
SOUZA, Danilo Batista de; SANTOS, Neusa Maria Bastos Fernandes dos. Impactos da implementação da escala 4x3. São Paulo: Universidade Nove de Julho, 2024.
SPUTNIK BRASIL. Fim da escala 6x1: 12 países que testaram com sucesso a redução na jornada de trabalho. Jornal Extra de Alagoas, 28 nov. 2024. Disponível em: https://ojornalextra.com.br/noticias/sputnik-brasil/2024/11/37775-fim da-escala-6x1-12-paises-que-testaram-com-sucesso-a-reducao-na-jornada-de-trabalho. Acesso em: 19 ago. 2025.
1 Discentes do Curso Superior de Gestão de Recursos Humanos do Instituto Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo Campus Santos – Rubens Lara e-mail: [email protected] e [email protected]
2 Docente do Curso Superior de Gestão de Recursos Humanos do Instituto Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo Campus Santos – Rubens Lara. Doutora em Engenharia de Produção (PPGMAD/UNIR). e-mail: [email protected]