O USO DA CETAMINA NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO: UMA PERSPECTIVA CLÍNICA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17635616


Adriely Neves da Cruz1
José Wilson Lucena1
Juliana Alexandre Montenegro1


RESUMO
A depressão é um transtorno mental grave e de alta prevalência, caracterizado por sintomas persistentes de tristeza, anedonia e ideação suicida, representando um importante problema de saúde pública. Apesar dos avanços terapêuticos, uma parcela significativa dos pacientes não responde de forma satisfatória aos antidepressivos convencionais, configurando o quadro de depressão resistente ao tratamento (DRT). Nesse contexto, a cetamina, um antagonista dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDAR) originalmente utilizada como anestésico, tem emergido como uma alternativa promissora para o manejo da DRT, devido à sua ação antidepressiva rápida e eficaz. O presente estudo, desenvolvido por meio de revisão bibliográfica, tem como objetivo analisar o potencial terapêutico da cetamina no tratamento da depressão, destacando seus mecanismos de ação, eficácia clínica e possíveis implicações no uso prolongado. Os resultados apontam que a cetamina promove melhora significativa dos sintomas depressivos em curto prazo, inclusive em casos refratários, o que representa um avanço relevante na neuropsicofarmacologia. Entretanto, seus efeitos adversos, riscos de dependência e necessidade de monitoramento clínico contínuo ainda constituem desafios para sua utilização rotineira. Assim, a cetamina se mostra uma ferramenta inovadora e eficaz no tratamento da depressão resistente, desde que utilizada com segurança e respaldo científico.
Palavras-chave: Cetamina. Depressão. Depressão resistente ao tratamento. Antidepressivos. Neuropsicofarmacologia.

ABSTRACT
Depression is a severe and highly prevalent mental disorder characterized by persistent sadness, anhedonia, and suicidal ideation, representing a major public health issue. Despite therapeutic advances, a significant portion of patients does not respond adequately to conventional antidepressant treatments, leading to treatment-resistant depression (TRD). In this context, ketamine, an N-methyl-D-aspartate receptor (NMDAR) antagonist originally used as an anesthetic, has emerged as a promising alternative for TRD management due to its rapid and effective antidepressant action. This study, conducted through a literature review, aims to analyze the therapeutic potential of ketamine in depression treatment, highlighting its mechanisms of action, clinical efficacy, and possible implications of long-term use. The findings indicate that ketamine provides significant short-term improvement in depressive symptoms, even in refractory cases, representing a remarkable advancement in neuropsychopharmacology. However, its adverse effects, potential for dependence, and the need for continuous clinical monitoring remain challenges to its widespread use. Therefore, ketamine proves to be an innovative and effective tool for treating resistant depression, provided it is used safely and under scientific supervision.
Keywords: Ketamine. Depression. Treatment-resistant depression. Antidepressants. Neuropsychopharmacology.

1. INTRODUÇÃO

A depressão é um transtorno mental grave, caracterizado por sentimentos persistentes de tristeza profunda, anedonia, ideação suicida e prejuízos funcionais significativos, impactando de forma substancial a qualidade de vida dos indivíduos acometidos (Cheng et al., 2025).

Nas últimas décadas, observou-se um aumento expressivo na incidência global da doença, com crescimento estimado em quase 50% (Monroe; Harkness, 2022) e segundo o Ministério da Saúde (2022), no Brasil, o cenário é particularmente alarmante, posicionando o país entre os mais afetados da América Latina e do mundo, configurando um importante problema de saúde pública.

Apesar da disponibilidade de tratamentos farmacológicos e psicoterapêuticos consolidados, uma parcela significativa dos pacientes não apresenta resposta satisfatória às abordagens convencionais. Esses casos são classificados como depressão resistente ao tratamento (DRT), uma forma mais grave e de manejo clínico mais complexo (Moyano et al., 2025).

Cerca de 30% dos pacientes com depressão desenvolvem depressão resistente ao tratamento (DRT), um quadro clínico no qual não há resposta satisfatória a pelo menos duas intervenções terapêuticas bem conduzidas (Kverno; MANGANO, 2021). Esse grupo representa uma parcela expressiva da população que permanece em sofrimento psíquico intenso, sem alívio com os tratamentos convencionais. Pacientes com DRT apresentam níveis significativamente mais altos de ideação suicida, tentativas e suicídios consumados, configurando um cenário alarmante que desafia os recursos da psiquiatria atual. A gravidade e complexidade dessa condição evidenciam a necessidade urgente de estratégias terapêuticas inovadoras, eficazes e seguras (Kern et al., 2023)

Nesse contexto, a cetamina - um antagonista não competitivo dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDAR), tradicionalmente utilizada como anestésico - tem ganhado destaque como uma promissora alternativa no tratamento da DRT. A constatação de seu efeito antidepressivo rápido e intenso tem despertado crescente interesse na comunidade científica, especialmente por sua capacidade de promover alívio sintomático em um curto intervalo de tempo, mesmo em pacientes refratários a outras terapias (Alnefeesi et al., 2022).

A eficácia surpreendente da cetamina levanta um questionamento de grande relevância científica: quais mecanismos farmacológicos estão por trás de sua ação rápida e eficaz no alívio dos sintomas depressivos? A busca por essa compreensão tem impulsionado uma série de investigações no campo da neuropsicofarmacologia, abrindo novas possibilidades terapêuticas para pacientes com depressão resistente ao tratamento.

Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar criticamente o potencial da cetamina no manejo da DRT, bem como discutir os avanços científicos relacionados aos seus mecanismos de ação e implicações clínicas.

2. METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica, com o objetivo de descrever e correlacionar as terapias usuais aplicadas ao tratamento da depressão resistente ao tratamento (DRT) com substâncias que apresentam potencial terapêutico como alternativas ou complementos às intervenções já consolidadas. A busca foi conduzida nas bases de dados PubMed, SciELO e Science Direct, utilizando descritores relacionados à "depressão", "transtorno depressivo maior", "transtorno depressivo resistente ao tratamento ", "ketamina" e "antidepressivos".

Foram considerados artigos publicados entre 1999 e 2025, em inglês e português, abrangendo produções originais e de revisão que abordassem aspectos conceituais, epidemiológicos, farmacológicos ou terapêuticos da DRT. Não foram considerados os artigos que não abordassem o uso da cetamina exclusivamente para usos psiquiátricos, não apresentaram fundamentação científica ou dados empíricos verificáveis, materiais de caráter opinativo e artigos sem revisão por pares.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. Transtorno Depressivo Maior: Definição e Epidemiologia

A depressão, caracterizada por sua cronicidade, recorrência e complexidade multifatorial, afeta de maneira expressiva a esfera cognitiva, o humor e a saúde física do indivíduo (Cui, 2015). Enquanto condição clínica complexa, é definida principalmente pelo humor deprimido persistente, que se manifesta por tristeza profunda, sensação de vazio, desesperança, irritabilidade e anedonia — entendida como a redução ou perda da capacidade de sentir prazer nas atividades cotidianas (Porto, 1999).

Na maioria dos casos, o quadro é acompanhado por distúrbios do sono (insônia ou hipersonia), alterações no apetite ou peso, fadiga, agitação ou retardo psicomotor, sentimentos de inutilidade ou culpa, comprometimento da concentração e da tomada de decisões e, em graus mais severos, ideação suicida (Lullau et al., 2023). Os efeitos dessa patologia não se restringem ao indivíduo, mas repercutem também nas dimensões sociais, profissionais e econômicas. Sua natureza incapacitante favorece o isolamento, o afastamento das atividades laborais, a redução da produtividade e o comprometimento das relações pessoais. Paralelamente, a crescente incidência do transtorno sobrecarrega os sistemas de saúde, intensificando a busca por métodos diagnósticos e terapêuticos mais eficientes (Gabriel et al., 2023).

Embora a depressão possa atingir qualquer pessoa, alguns indivíduos apresentam maior predisposição. Brunner e Suddarth (2023) destacam como fatores de risco a história familiar, situações estressantes, a dificuldade em reconhecer e lidar com as próprias emoções (autoconhecimento emocional), problemas nos relacionamentos interpessoais, perdas e crises familiares, pobreza, ausência de rede de apoio, histórico de abuso físico ou sexual, abuso atual de substâncias, episódios prévios de depressão, início do transtorno antes dos 40 anos, comorbidades clínicas, tentativas progressivas de suicídio e maior prevalência no sexo feminino.

É importante salientar que os fatores de risco para o início, recaída ou recorrência da depressão não necessariamente correspondem ao oposto dos fatores mais eficazes para a intervenção. Além disso, é altamente provável que existam múltiplas vias que conduzam ao estado depressivo, bem como diversas e potencialmente diferentes possibilidades de remissão. Tais compreensões se apoiam em cenários fundamentais que estruturam conceitualmente os fatores de risco para a depressão, conforme ilustrado na figura a seguir.

Figura 1: Fatores de risco para a Depressão (Brunner e Suddarth, 2023)

3.2. Subtipos Clínicos da Depressão

Alcançar a remissão dos sintomas constitui o objetivo central do tratamento da depressão. Entretanto, estabelecer e validar o diagnóstico é o ponto de partida essencial para que se possa definir a forma mais adequada de auxiliar o indivíduo em suas circunstâncias específicas (CCNSM, 2010).

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, s.d.), a depressão pode se manifestar de maneiras diversas, como na distimia, com sintomas leves e persistentes por dois anos ou mais, ou na forma atípica, marcada por aumento do apetite, alterações do sono e sensibilidade à rejeição. A depressão psicótica combina humor deprimido a delírios e alucinações, enquanto a endógena apresenta lentificação psicomotora, piora matinal, perda de apetite, emagrecimento e anedonia. Também podem ocorrer quadros secundários a doenças ou medicamentos, episódios depressivos iniciais que evoluem para transtorno bipolar e o transtorno afetivo sazonal, recorrente no outono e inverno, com remissão na primavera por pelo menos dois anos consecutivos.

Além dessas classificações clínicas, a tabela a seguir compara os principais sistemas diagnósticos utilizados: o DSM-V, da Associação Psiquiátrica Americana, e a CID-10, da Organização Mundial da Saúde (Porto, 1999).

Quadro 1: Classificações clínicas da depressão (Porto, 1999).

Os diversos subtipos de depressão descritos sugerem uma abordagem dimensional para a classificação dos transtornos de humor, em consonância com o conceito de continuidade ou espectro. Essa perspectiva possui implicações relevantes para o tratamento, em especial nos casos de transtornos depressivos e bipolares, pois direciona reflexões acerca do uso de antidepressivos e estabilizadores do humor, bem como da duração e do momento adequado para sua administração. Assim, prepara-se o cenário para o desenvolvimento de novos estudos voltados à ampliação das estratégias terapêuticas (Benazzi, 2006).

3.3. Abordagens Convencionais no Tratamento da Depressão

No tratamento da depressão, a associação entre medicamentos antidepressivos e psicoterapia mostra-se fundamental. Os fármacos auxiliam na melhora clínica, enquanto a psicoterapia oferece suporte para lidar com os aspectos emocionais e sociais da condição. O sucesso terapêutico, portanto, depende da combinação equilibrada dessas estratégias (Mascarenhas; Nascimento; Passos, 2022).

Os antidepressivos são, em geral, classificados conforme os neurotransmissores e receptores que modulam. Entre eles, destacam-se grupos como os tricíclicos, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina e os inibidores da monoamina oxidase, além de fármacos mais recentes que atuam em mecanismos distintos. Essas categorias diferem quanto ao perfil de eficácia, tempo de meia-vida e efeitos adversos, aspectos que influenciam diretamente a escolha terapêutica (Souza, 1999).

Os antidepressivos tricíclicos (ADTs) figuram entre as primeiras classes desenvolvidas e atuam inibindo a recaptação de monoaminas, sobretudo noradrenalina e serotonina. As aminas terciárias, como a amitriptilina, apresentam maior afinidade pela serotonina, enquanto as secundárias, como desipramina e nortriptilina, são mais seletivas para a noradrenalina. Além disso, interagem com receptores muscarínicos, histaminérgicos e adrenérgicos, o que contribui para seus efeitos adversos característicos (Moreno, Moreno, Soares, 1999).

Após os tricíclicos, destacam-se os inibidores da monoamina oxidase (IMAO), que bloqueiam irreversivelmente as isoformas A e B da enzima, promovendo o aumento da disponibilidade sináptica de serotonina, noradrenalina e dopamina. Esses fármacos são bem absorvidos no trato gastrintestinal, sofrem metabolização hepática e podem originar metabólitos ativos. Apesar da eficácia terapêutica, seu uso é limitado pelas interações medicamentosas e pelas restrições alimentares necessárias durante o tratamento (Entzerotu, Ratty, 2017).

Com o objetivo de reduzir os efeitos adversos observados nas classes anteriores, foram desenvolvidos os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), como citalopram, fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e sertralina. Esses fármacos atuam bloqueando de forma seletiva a recaptação de serotonina, o que potencializa a neurotransmissão serotoninérgica. Apresentam eficácia semelhante à dos tricíclicos, mas com maior segurança e melhor tolerabilidade. Embora compartilhem o mesmo mecanismo principal, diferenciam-se em potência, seletividade adicional e propriedades farmacocinéticas. A fluoxetina, por exemplo, destaca-se pelo metabólito ativo norfluoxetina, responsável por prolongar sua meia-vida e influenciar a inibição de enzimas do citocromo P450, aspecto clínico de relevância terapêutica (Moreno, Moreno, Soares, 1999).

Com isso, evidencia-se que o desenvolvimento do tratamento farmacológico da depressão tem buscado maior seletividade e segurança, procurando minimizar os efeitos adversos sem comprometer a eficácia terapêutica. Quando associado à psicoterapia, esse enfoque integrado tende a potencializar a adesão ao tratamento, favorecer melhores resultados clínicos e contribuir para a qualidade de vida do paciente, embora ainda surjam novas possibilidades que possam ampliar essas estratégias.

3.4. Cetamina: Uma Alternativa Inovadora para Depressão Resistente

O objetivo central do tratamento do transtorno depressivo maior (TDM) é eliminar os sintomas que prejudicam a qualidade de vida do paciente. Ainda assim, estudos mostram que apenas 60% a 70% dos pacientes respondem de forma satisfatória à primeira tentativa terapêutica. Quando não há melhora, mesmo com o uso correto dos antidepressivos, o quadro é definido como depressão resistente ao tratamento (DRT), um desafio clínico associado a desfechos prognósticos mais desfavoráveis (Al-harbi, 2012).

Diante das limitações da resposta terapêutica convencional, a cetamina passou a ganhar destaque, a partir do início dos anos 2000, como alternativa relevante para a depressão resistente ao tratamento (DRT) (Lullau et al., 2023). Desenvolvida inicialmente na década de 1960 como agente anestésico e analgésico, destacou-se por sua segurança respiratória e cardiovascular em comparação com outros anestésicos disponíveis na época (Morris; Wall; Weeks, 2022). Nas décadas seguintes, evidências revelaram que, em doses sub anestésicas, o fármaco produz efeitos rápidos e expressivos na redução dos sintomas depressivos, sobretudo em pacientes com DRT. Esse avanço representou uma mudança de paradigma, já que os antidepressivos tradicionais costumam apresentar latência de semanas até a manifestação dos efeitos terapêuticos (Zorumski; Dunn; Mennerick, 2016).

Do ponto de vista químico, a cetamina possui fórmula molecular C13H16ClNO, conforme figura 2 massa molecular de 237,72 g/mol, XLogP3 de 2,2 e pKa de 7,5. Farmacologicamente, é classificada como anestésico geral de ação rápida, induzindo um estado de anestesia dissociativa caracterizado por analgesia profunda, preservação dos reflexos faríngeo-laríngeos, manutenção ou discreto aumento do tônus da musculatura esquelética, bem como estimulação das funções cardiovascular e respiratória. Em alguns casos, observa-se depressão respiratória transitória, geralmente pouco significativa (CNIB, 2025).

Figura 2: Estrutura química da cetamina (CNIB, 2025).

Para além da ação anestésica, a cetamina diferencia-se das medicações antidepressivas convencionais, pois atua predominantemente por meio do antagonismo não competitivo dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), modulando a neurotransmissão glutamatérgica (LI et al., 2010). Essa ação desencadeia aumento da liberação de glutamato e consequente estimulação de receptores AMPA, promovendo neuro plasticidade sináptica e estimulando a produção do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), mecanismo considerado fundamental para a rápida melhora dos sintomas depressivos (Duman; Volek; Krystal, 2019).

Sob o ponto de vista farmacocinético, apresenta rápida absorção, com biodisponibilidade média de 93%, mas após o metabolismo hepático de primeira passagem apenas cerca de 17% da dose administrada permanece disponível para efeito sistêmico. A distribuição ocorre de maneira veloz, com meia-vida estimada em 1,95 minutos, e, no que se refere à eliminação, entre 85% e 95% da dose é excretada pela urina, predominantemente na forma de metabólitos, enquanto pequenas quantidades são eliminadas pelas fezes e pela bile (CNIB, 2025).

Complementando seu perfil farmacológico, a cetamina age como antagonista dos receptores NMDA de glutamato, os principais alvos do neurotransmissor excitatório no sistema nervoso central. Esse bloqueio é apontado como um dos mecanismos mais promissores para o desenvolvimento de antidepressivos de ação rápida. Além disso, a cetamina demonstra elevada afinidade pelos receptores opioides µ e sigma e possui capacidade de modular a transmissão dopaminérgica, embora a relação direta entre esta modulação e seus efeitos antidepressivos ainda seja objeto de investigação. Estudos pré-clínicos e clínicos indicam que o fármaco promove efeitos antidepressivos em modelos animais e respostas rápidas em pacientes com depressão (Serafini et al., 2014).

A eficácia antidepressiva rápida e sustentada da cetamina foi demonstrada por diferentes abordagens de pesquisa, como relatos de casos, séries de casos, ensaios prospectivos abertos e estudos duplo-cegos controlados por placebo ou por comparador ativo. Conforme relatado no estudo disponível em Murrough et al. (2013), 64% dos pacientes tratados exibiram resposta clínica, sendo que cerca de um terço dessa melhora foi atribuída especificamente à cetamina, caracterizando um efeito clínico de considerável magnitude.

De forma consistente, um estudo disponível em Chilukuri et al. (2014) avaliou 27 pacientes com depressão maior, distribuídos em três grupos de tratamento: cetamina intravenosa (0,5 mg/kg), cetamina intramuscular (0,5 mg/kg) e cetamina intramuscular (0,25 mg/kg). Observou-se que, duas horas após a administração, os escores do HDRS diminuíram 58,86%, 60,29% e 57,36%, respectivamente, sendo que parte dessa melhora se manteve por até três dias.

A aplicabilidade e a tolerabilidade da cetamina também foram registradas em relatos clínicos. Por exemplo, o estudo disponível em Zanicotti, Perez e Glue (2013) demonstrou que doses baixas e repetidas de cetamina intramuscular, administradas semanalmente por dez meses, proporcionaram melhora consistente dos sintomas depressivos. Notavelmente, mesmo após a interrupção do tratamento, os pacientes não apresentaram recorrência do quadro depressivo.

As principais formas de administração da cetamina no contexto psiquiátrico são a intravenosa e a intranasal. A via intravenosa, geralmente realizada em ambiente hospitalar com doses sub anestésicas (0,5 mg/kg), é a mais estudada e demonstrou resultados consistentes quanto à eficácia na DRT, mas exige monitoramento rigoroso devido aos potenciais efeitos adversos cardiovasculares e perceptivos (Zheng et al., 2021). Já a formulação intranasal, na forma de esketamina, foi aprovada em 2019 pela Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos e, posteriormente, pela European Medicines Agency (EMA) para o tratamento da DRT, apresentando a vantagem de administração menos invasiva e absorção rápida. Contudo, seu uso também requer supervisão clínica, em razão dos riscos associados, e está limitado por questões de custo elevado e acessibilidade (Da Silva; Lima; Andrade, 2020).

No que diz respeito à segurança, os efeitos adversos mais frequentemente relatados incluem sintomas dissociativos, alterações perceptivas, náuseas, taquicardia e aumento transitório da pressão arterial, geralmente autolimitados e reversíveis (Martins; Oliveira; Pereira, 2022). Entretanto, o potencial de abuso da substância é um desafio significativo, sendo necessário estabelecer regulamentações rígidas e protocolos de utilização controlada para minimizar riscos.

Quando comparada a outras estratégias de tratamento para DRT, como a eletroconvulsoterapia (ECT) e a estimulação magnética transcraniana (EMT), a cetamina apresenta como vantagem principal a rapidez no início de ação, oferecendo alívio sintomático em situações críticas (Serafini et al., 2022). Por outro lado, seu alto custo, a necessidade de supervisão clínica e a escassez de estudos sobre o uso prolongado configuram limitações relevantes.

De maneira geral, a cetamina constitui uma das inovações mais significativas no tratamento da depressão resistente, promovendo respostas terapêuticas rápidas e substanciais em pacientes refratários aos antidepressivos convencionais. Apesar do crescente conjunto de evidências clínicas favoráveis, persistem lacunas relevantes acerca da duração dos efeitos, da segurança a longo prazo e dos mecanismos que fundamentam sua ação antidepressiva. Portanto, ainda que seu uso esteja consolidado em diversos cenários clínicos, a cetamina permanece sob investigação contínua, com potencial de ampliar de forma expressiva as estratégias disponíveis para o manejo dos transtornos depressivos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise bibliográfica realizada, fica evidente que a cetamina representa um avanço promissor no campo da neuropsicofarmacologia, especialmente no tratamento da depressão resistente ao tratamento. Sua capacidade de agir rapidamente e de forma sustentada em pacientes refratários aos antidepressivos convencionais desafia paradigmas terapêuticos estabelecidos, oferecendo alívio sintomático em curto prazo, característica de extrema relevância clínica diante da urgência de casos graves e com risco suicida.

Os estudos revisados demonstram que o antagonismo dos receptores NMDA e a subsequente modulação da neurotransmissão glutamatérgica estão entre os principais mecanismos responsáveis pelo seu efeito antidepressivo. Tais processos promovem neuroplasticidade e aumento do BDNF, configurando uma nova via de ação distinta da tradicional teoria monoaminérgica da depressão.No entanto, apesar dos resultados positivos, persistem lacunas quanto à segurança e aos efeitos da utilização prolongada da substância, o que reforça a necessidade de estudos de longo prazo e padronização de protocolos clínicos. Portanto, conclui-se que a cetamina surge como uma ferramenta terapêutica de grande potencial para o tratamento da depressão resistente, desde que utilizada sob rigoroso acompanhamento médico e dentro de parâmetros éticos e científicos bem estabelecidos.

A continuidade das pesquisas sobre seu uso permitirá não apenas ampliar a compreensão de seus mecanismos de ação, mas também consolidar práticas clínicas mais seguras e eficazes, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes e o avanço das abordagens farmacológicas em saúde mental.

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Projeto de pesquisa apresentado ao curso de Farmácia de Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio como requisito parcial para obtenção do grau de bacharelado em Farmácia, sob orientação do Prof Dreisson Aguilera de Oliveira.

1 Alunos do curso de Farmácia do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio - CEUNSP - Cruzeiro do Sul.