HEMATOIDINA: ASPECTOS MORFOLÓGICOS E ACHADOS MÉDICOS
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10420304
Giovanna Salaorni1
Regiane Priscila Ratti2
Larissa Teodoro Rabi3
RESUMO
A hematoidina também conhecida pela literatura como “cristal de hematoidina” é uma substância derivada da bilirrubina. Sua morfologia é caracterizada pela presença de filamentos dispostos radialmente, semelhante a uma “roseta” com coloração amarela a marrom-dourada. Os cristais de hematoidina formam-se a partir da decomposição anaeróbica da hemoglobina presente em determinado extravasamento eritrocitário, sob condição de baixa disponibilidade de oxigênio. A presença de hematoidina pode ser observada em antigos focos hemorrágicos, tecidos com a presença de necrose ou ainda em amostras biológicas como líquido sinovial e cefalorraquidiano, escarro, abscessos e raramente encontrada em amostras cérvico-vaginais. O reconhecimento da hematoidina e suas características morfológicas são de grande relevância em um contexto de diagnóstico hemorrágico e até mesmo na histologia, uma vez que pode ser utilizada como indicativo de tempo de hemorragia.
Palavras-chave: Hematoidina. Hemorragia. Necrose. Bilirrubina.
ABSTRACT
Hematoidin, also known in the literature as "hematoidin crystal", is a substance derived from bilirubin. Its morphology is characterized by the presence of radially arranged filaments, similar to a "rosette" with a yellow to golden brown color. Hematoidin crystals are formed from the anaerobic decomposition of hemoglobin present in a given erythrocyte leak, under conditions of low oxygen availability. The presence of hematoidin can be observed in old hemorrhagic foci, tissues with the presence of necrosis or in biological samples such as synovial and cerebrospinal fluid, sputum, abscesses and rarely in cervical-vaginal samples. The recognition of hematoidin and its morphological characteristics are of great relevance in the context of hemorrhagic diagnosis and even in histology, since it can be used as an indicator of bleeding time.
Keywords: Hematoidin. Hemorrhage. Necrosis. Bilirubin.
1. INTRODUÇÃO
A hematoidina é uma substância derivada da bilirrubina, e apresenta pigmento cristalino com coloração marrom-dourada. Sua morfologia é caracterizada pela presença de filamentos dispostos, como uma espécie de “agulha fina” que formam um aglomerado semelhante a uma roseta [1-3].
Essa substância forma-se a partir do extravasamento eritrocitário (hemácias) em determinado tecido, seguido da decomposição anaeróbica da hemoglobina presente [4,5]. Após este extravazamento, ocorre a degeneração das hemácias, que tem como resultado a liberação de porfirina pela hemoglobina, substância associada à degradação dos glóbulos vermelhos, juntamente à hemoglobina e bilirrubina. Dessa forma, a porfirina será convertida em biliverdina, (pigmento esverdeado oriundo da oxidação da bílis e produto do catabolismo do grupo heme) que posteriormente será reduzida a hematoidina1. Este processo pode ocorrer aproximadamente até 2 semanas após um quadro de hemorragia, o que pode ser utilizado de forma relevante para avaliação do tempo de hemorragia na histopatologia forense, já que são indicativos de tempo de sangramento [5].
Este fenômeno nem sempre é observado, já que a hematoidina pode ser convertida novamente em biliverdina, o que pode explicar sua raridade em achados médicos e na literatura [1-5]. A hematoidina não possui ferro em sua composição como a bilirrubina, por exemplo. E por isso, geralmente é encontrada em áreas que apresentam baixo nível de oxigênio, como antigos focos hemorrágicos, hematomas e até mesmo tecido necrótico [1,4].
Existem algumas controvérsias no que diz respeito à natureza dos cristais de hematoidina, pois em partes podem apresentar certa dificuldade em serem corados, o que pode estar associado a raridade com que é reportado e por consequência a escassez de literatura publicada sobre o assunto [5].
Dessa forma, o objetivo deste estudo foi avaliar possíveis achados médicos em que foram reportados a presença de hematoidina, bem como sua origem e relevância clínica.
2. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo feito por meio da revisão da literatura, realizado por intermédio da coleta de artigos científicos presentes nas bases de dados científicos PubMed e Scientific Eletronic Libray Online (SciELO). Os artigos foram pesquisados a partir de descritores “Hematoidin”; “Hematoidin crystals”; “Hematoidin AND Bilirubin”. Os critérios de inclusão adotados para esse estudo foram majoritariamente artigos com data de publicação recente e disponíveis em inglês, português ou espanhol.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
Um estudo realizado em 2017 [2] demonstrou a presença de hematoidina no líquido sinovial hemorrágico de um paciente de meia-idade que apresentava um quadro de bursite pré-patelar crônica repentinamente inflamada, oriunda de traumatismos de repetição no joelho durante sua jornada de trabalho. Realizou-se a cultura do líquido sinovial do paciente, que estava positiva para Staphylococcus aureus. A amostra foi analisada no microscópio e foram observados cristais grandes com coloração castanho-avermelhado e aspecto “paralelepipédico” que se tornaram levemente amarelados quando expostos a luz polarizada [2]. De acordo com a morfologia observada neste caso, identificou-se estes cristais como hematoidina apesar de serem raramente encontrados em líquido sinovial, especialmente em amostras hemorrágicas ou de aspecto sero-hemático, como descrito no caso deste paciente2. Devido a sua raridade na prática clínica, é essencial atentar-se a morfologia desse tipo de cristal, com a finalidade de evitar diagnósticos errôneos [1,2]2.
Apesar de sua raridade, a hematoidina não é um achado incomum se tratando de amostras citológicas, principalmente aquelas que foram obtidas por meio de aspiração com agulha fina em lesões hemorrágicas ou com aspectos necrotizantes. No entanto, é um achado considerado muito raro em esfregaços cérvico-vaginais, o que pode ser explicado devido à alta capacidade do útero de eliminar sangue [3,4].
No entanto, um estudo publicado em 1985 já havia reportado a presença de hematoidina no esfregaço de amostras cérvico-vaginais de duas pacientes, sendo uma delas na 32ª semana de gravidez e a outra em período pós-parto imediato. Os cristais apresentavam coloração dourada e sua morfologia com aspecto de agulhas finas dispostas de forma radial, além de estarem associados ao interior de histiócitos, em sua maioria [3].
Ainda se tratando de achados de hematoidina em esfregaços cérvico-vaginais, um estudo publicado em 2020 reportou a presença de cristais de hematoidina na amostra cérvico-vaginal de uma paciente de 31 anos, residente no Afeganistão. De acordo com o estudo, a paciente foi submetida ao exame de rotina e não apresentava antecedentes obstétricos ou menstruais significativos, além de seu último parto que havia sido feito há um ano [4]. O resultado da citologia cérvico-vaginal não revelou nenhuma atipia epitelial, no entanto demonstrou a presença significativa de cristais de hematoidina sob condição de uma inflamação neutrofílica moderada [4].
A hematoidina também é conhecida na literatura como “cockleburs de hematoidina” ou ainda “corpos cristalinos” e apresentam morfologia e coloração muito características, geralmente dourada a castanho-avermelhada quando em contado com a coloração utilizada para o exame de Papanicolau (Figura 1) [4]. Se trata de um achado clínico raro na citologia cérvico-vaginal, entretanto é frequentemente associado à gravidez e pós-parto, mas também pode ser observado em mulheres não grávidas. O que não apresentaria qualquer significado clínico [4].
Figura 1 - Esfregaço de Papanicolau mostrando cristais de hematoidina castanho-avermelhados em forma de roseta com extremidades periféricas em forma de “taco”.
Relatou-se ainda, em um estudo recente de 2020 a presença de cristais de hematoidina em amostras de escarro de pacientes que apresentavam quadro de carcinoma pulmonar. Os cristais foram observados em 100% das amostras de pacientes com carcinoma de células escamosas, assim como em carcinoma de pequenas células5. Se tratando de patologias pulmonares não malignas, a presença de hematoidina foi significativamente elevada em amostras de escarro de pacientes com bronquiectasia [5].
Ademais, foram relatados casos com presença de hematoidina em amostras de líquido cefalorraquidiano, meningioma atípico e abscesso cervical [5,6]. Especialmente na amostra de líquido cefalorraquidiano, a presença de hematoidina é considerada um indicador altamente útil para o diagnóstico diferencial da presença de sangue antigo oriundo de um quadro de sangramento intracraniano, ou até mesmo contaminação sanguínea por biópsia aspirativa [6].
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante deste estudo, foi possível avaliar que alguns aspectos da identidade e natureza da hematoidina ainda são discutidos pela comunidade científica. Como citado por Kapila et al. a hematoidina é uma entidade esquecida, já que apresenta certa escassez na literatura. Sabe-se que sua morfologia é caracterizada pela presença de cristais finos dispostos de forma radial, com coloração dourada a castanho-avermelhada, principalmente quando corada para a citologia cérvico-vaginal, apesar de ser raramente encontrada nesse tipo de amostra. Além disso, é uma substância que apresenta carência de ferro em sua composição quando comparada a bilirrubina, pigmento a qual está intimamente associada. A pesquisa pode contribuir efetivamente para o reconhecimento clínico da hematoidina e suas características morfológicas, a fim de evitar a exposição de pacientes a análises de maneira desnecessária.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Andrés M, Pascual E. Clinical Images: Hematoidin in Synovial Fluid. Arthritis Rheumatol. 2017;69(4):836. Disponível em: doi:10.1002/art.40041 Acesso em: 15 dez. 2023
Zaharopoulos P, Wong JY, Keagy N. Hematoidin crystals in cervicovaginal smears. Report of two cases. Acta Cytol. 1985;29(6):1029-1034. Acesso em 15 dez. 2023
Thakur A, Sarin H. Hematoidin crystals in Pap smear: A revisit. Diagn Cytopathol. 2020;48(1):92. Disponível em: doi:10.1002/dc.24341 Acesso em: 15 dez. 2023
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Iwasawa K, et al. A case of hematoidin crystals found in cervical abscess. Japan J Med Technol. 2017;66:731. Acesso em: 15 dez. 2023
1 Discente do Curso Superior de Biomedicina do Centro Nossa Senhora do Patrocínio Campus Itu. e-mail: [email protected]
2 Docente do Curso Superior de Biomedicina do Centro Nossa Senhora do Patrocínio Campus Itu. Doutora em Biotecnologia. e-mail: [email protected]
3 Docente do Curso Superior de Biomedicina do Centro Nossa Senhora do Patrocínio Campus Itu Mestre em Ciências. e-mail: [email protected]