EXERCÍCIO COM ALEGRIA: DANÇA E ATIVIDADES EM GRUPO COMO INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA LÚDICA PARA IDOSOS COM DOENÇA DE PARKINSON
PDF: Clique aqui
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.16756935
Glauco Rafael Coelho Moraes1
RESUMO
A Doença de Parkinson é uma condição neurodegenerativa crônica e progressiva que afeta predominantemente idosos, impactando diretamente a funcionalidade motora, a autonomia pessoal e diversos aspectos emocionais e sociais. O tratamento tradicional, baseado em terapias farmacológicas, mostra-se eficaz no controle sintomático, porém limitado quanto à reversibilidade das perdas funcionais e à promoção do bem-estar global do paciente. Nesse contexto, intervenções não farmacológicas, especialmente as de natureza corporal e lúdica, têm ganhado destaque como estratégias complementares no cuidado integral à saúde do idoso com Parkinson.
Este estudo tem como objetivo analisar, à luz das evidências científicas, a eficácia de atividades físicas com ênfase na ludicidade — notadamente a dança em grupo — como ferramenta terapêutica para a melhora de sintomas motores e da qualidade de vida de pacientes com Doença de Parkinson. A fundamentação baseia-se na revisão sistemática da Cochrane (CD013856, 2023), que reuniu dados de 154 ensaios clínicos randomizados envolvendo 7.837 participantes. Os resultados apontam efeitos positivos de magnitude moderada no desempenho motor e leves melhorias na qualidade de vida, além de reforçarem a segurança e a alta adesão dos pacientes a esse tipo de intervenção.
Conclui-se que a dança e outras práticas corporais prazerosas representam recursos terapêuticos eficazes, seguros e acessíveis, que contribuem significativamente para o manejo dos sintomas e para o resgate da autonomia, da autoestima e da interação social entre os idosos com Parkinson.
Palavras-chave: Doença de Parkinson. Dança Terapêutica. Exercício Físico. Qualidade de Vida. Intervenção Lúdica. Idoso
ABSTRACT
Parkinson's Disease is a chronic, progressive neurodegenerative condition that predominantly affects the elderly, directly impacting motor functionality, personal autonomy, and various emotional and social aspects. Traditional treatment, primarily based on pharmacological therapies, proves effective for symptom control but is limited in terms of reversing functional losses and promoting the patient's overall well-being. In this context, non-pharmacological interventions — especially those involving physical and playful activities — have gained prominence as complementary strategies in the comprehensive care of older adults with Parkinson’s.
This study aims to analyze, in light of scientific evidence, the effectiveness of physical activities with an emphasis on playfulness — notably group dance — as a therapeutic tool for improving motor symptoms and quality of life in individuals with Parkinson's Disease. The theoretical foundation is based on the Cochrane systematic review (CD013856, 2023), which compiled data from 154 randomized clinical trials involving 7,837 participants. The results indicate moderate improvements in motor performance and slight enhancements in quality of life, while also confirming the safety and high adherence rates associated with this type of intervention.
It is concluded that dance and other enjoyable bodily practices represent effective, safe, and accessible therapeutic resources that significantly contribute to symptom management and to the restoration of autonomy, self-esteem, and social interaction among elderly individuals with Parkinson’s.
Keywords: Parkinson’s Disease. Therapeutic Dance. Physical Exercise. Quality of Life. Playful Intervention. Elderly.
Introdução
A Doença de Parkinson (DP) é um distúrbio neurológico crônico, progressivo e multifatorial, classificado como uma das principais doenças neurodegenerativas do sistema nervoso central, afetando aproximadamente 1% da população mundial acima dos 60 anos de idade. Etiologicamente, está relacionada à degeneração dos neurônios dopaminérgicos da substância negra pars compacta, estrutura mesencefálica responsável pela modulação do movimento voluntário, por meio da via nigroestriatal (OBESO et al., 2017). Tal degeneração leva à diminuição progressiva da dopamina sináptica, o que culmina em manifestações clínicas motoras e não motoras com significativo impacto na funcionalidade do indivíduo.
Os sintomas motores clássicos incluem tremor de repouso, rigidez muscular, bradicinesia (lentidão dos movimentos), hipocinesia (redução da amplitude dos movimentos) e instabilidade postural, frequentemente acompanhados de alterações na marcha, como passos curtos, congelamento e dificuldade para iniciar o deslocamento. Além disso, os pacientes frequentemente apresentam manifestações não motoras, como depressão, apatia, distúrbios do sono, disfunções autonômicas, ansiedade, declínio cognitivo e comprometimento da qualidade de vida (SEBASTIÃO et al., 2020).
O tratamento tradicional da DP baseia-se, majoritariamente, no uso de fármacos dopaminérgicos, sendo a levodopa a principal medicação utilizada para o alívio dos sintomas. Contudo, apesar de sua eficácia sintomática, a terapia medicamentosa não interrompe a progressão da doença e apresenta limitações importantes, como o desenvolvimento de efeitos colaterais motores (ex: discinesias induzidas por levodopa) ao longo do tempo. Por isso, o manejo terapêutico da DP tem evoluído no sentido de incorporar estratégias não farmacológicas com o intuito de ampliar a funcionalidade, retardar o declínio físico e promover o bem-estar biopsicossocial do paciente.
Nesse cenário, os programas de exercícios físicos estruturados e supervisionados vêm se consolidando como alternativas complementares eficazes no cuidado ao paciente com Parkinson. Tais intervenções incluem desde atividades aeróbicas convencionais até práticas integrativas, como Tai Chi Chuan, yoga, hidroterapia e dança. Entre essas modalidades, a dança terapêutica tem despertado crescente interesse científico por reunir características multidimensionais que atendem tanto à demanda motora quanto aos aspectos cognitivos, emocionais e sociais dos indivíduos com DP.
A dança, enquanto prática corporal com forte componente lúdico, rítmico e expressivo, estimula diversas áreas cerebrais envolvidas no planejamento, execução e coordenação motora, além de proporcionar experiências estéticas e afetivas significativas. Estudos recentes apontam que programas de dança adaptada para idosos com Parkinson contribuem para melhorias na marcha, no equilíbrio, na flexibilidade e no desempenho funcional global, além de favorecerem a socialização, a autoestima e a motivação para continuidade do tratamento (COCHRANE, 2023; HACKNEY; EARHART, 2009).
Diante dessas evidências, este artigo tem como objetivo analisar criticamente os benefícios da dança em grupo e de outras práticas físicas lúdicas como estratégias terapêuticas integrativas no manejo da Doença de Parkinson. A análise se baseia na revisão sistemática publicada pela Cochrane (CD013856, 2023), considerada uma das mais abrangentes e metodologicamente rigorosas até o momento, fornecendo subsídios para a adoção de intervenções seguras, eficazes e centradas no sujeito idoso com Parkinson.
OBJETIVO DO ESTUDO COCHRANE (2023)
A crescente incorporação de abordagens não farmacológicas no manejo da Doença de Parkinson impulsionou a realização de revisões sistemáticas de alta qualidade metodológica para avaliação da eficácia dessas intervenções. Dentre elas, destaca-se a revisão publicada pela Cochrane Database of Systematic Reviews em 2023, intitulada “Physical exercise for people with Parkinson's disease” (CD013856), que buscou oferecer evidências científicas robustas para fundamentar a prática clínica e o planejamento de políticas públicas em saúde voltadas para essa população.
O objetivo principal da referida revisão foi avaliar os efeitos de diferentes tipos de exercício físico sobre a função motora, a qualidade de vida e os eventos adversos em pessoas com diagnóstico de Doença de Parkinson, por meio da comparação sistemática entre modalidades de exercício e o não exercício (grupo controle), bem como entre os próprios tipos de exercícios, como dança, atividades aeróbicas, treino de resistência, treino funcional, exercícios mente-corpo (Tai Chi, yoga), entre outros.
A revisão seguiu rigorosos critérios de inclusão e avaliação metodológica conforme os padrões do Cochrane Handbook. Foram incluídos 154 ensaios clínicos randomizados (ECRs), totalizando 7.837 participantes com diagnóstico confirmado de Doença de Parkinson, sendo a maioria com idade entre 60 e 74 anos, classificados predominantemente nos estágios iniciais a moderados da doença, conforme a escala de Hoehn e Yahr.
Os principais desfechos clínicos avaliados incluíram:
Melhora da função motora: utilizando escalas padronizadas como a UPDRS (Unified Parkinson’s Disease Rating Scale) parte III, que avalia desempenho motor em repouso e em movimento;
Qualidade de vida: mensurada por instrumentos validados, como o PDQ-39 (Parkinson’s Disease Questionnaire);
Ocorrência de eventos adversos: como quedas, lesões, dor ou fadiga muscular durante ou após as intervenções.
A revisão também avaliou a aderência dos participantes aos programas propostos, a duração média das intervenções (variando entre 4 e 24 semanas) e a frequência semanal dos exercícios (geralmente entre 2 e 5 sessões semanais), o que permitiu uma análise comparativa entre intensidade, formato e aplicabilidade dos diferentes tipos de exercício físico.
A síntese dos dados foi realizada por meio de meta-análises com análise de subgrupos, avaliação da heterogeneidade e da qualidade da evidência utilizando a metodologia GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation). Dessa forma, o estudo Cochrane representa atualmente uma das fontes mais completas e confiáveis sobre os efeitos do exercício físico na Doença de Parkinson, oferecendo subsídios concretos para o delineamento de estratégias terapêuticas baseadas em evidências.
INTERVENÇÕES LÚDICAS AVALIADAS
A revisão sistemática Cochrane (CD013856, 2023) contemplou uma ampla variedade de modalidades de exercício físico voltadas à reabilitação funcional de pessoas com Doença de Parkinson, incluindo tanto intervenções convencionais quanto abordagens inovadoras com componentes lúdicos e sensório-motores. A análise comparativa dessas intervenções permitiu identificar, com base em evidências consistentes, aquelas que demonstraram maior efetividade na melhora dos sintomas motores, da funcionalidade e da qualidade de vida.
Dentre os principais tipos de exercício analisados, destacam-se:
Dança em grupo: modalidade com forte apelo rítmico, musical e social, caracterizada por movimentos coreografados simples, adaptados às limitações dos participantes, geralmente realizados em pares ou em grupo, com músicas populares ou tradicionais. Essa intervenção estimula o ritmo, o equilíbrio, a coordenação intersegmentar e a memória motora, ao mesmo tempo em que promove prazer, socialização e motivação. Diversos estudos demonstraram que a dança em grupo contribui de forma significativa para a melhora da marcha, da postura, da fluidez dos movimentos e da autoimagem dos pacientes (HACKNEY; EARHART, 2009).
Treinamento funcional lúdico: envolve a execução de tarefas motoras contextualizadas em situações cotidianas ou simuladas, com uso de objetos, circuitos ou jogos que desafiam simultaneamente o equilíbrio, a força muscular e a coordenação. Essa abordagem se baseia em princípios da neuroplasticidade e da aprendizagem motora e busca integrar os estímulos motores a uma dinâmica interativa e prazerosa. Os resultados da revisão apontam efeitos moderados na melhora da mobilidade funcional, da estabilidade postural e na prevenção de quedas, especialmente em idosos nos estágios iniciais da doença.
Exercícios de equilíbrio: englobam práticas que desafiam o centro de gravidade, com base instável ou suporte diminuído, promovendo o recrutamento de musculatura estabilizadora e ajustes posturais automáticos. São importantes na reabilitação de pacientes com Parkinson, considerando a instabilidade postural e o risco elevado de quedas.
Treinamento aeróbico supervisionado: inclui atividades como caminhada em esteira, bicicleta ergométrica, step adaptado e circuitos cardiovasculares de baixa intensidade. Tais intervenções favorecem a oxigenação cerebral, a resistência física e o condicionamento cardiovascular, podendo ter impacto na fadiga e no bem-estar geral, embora com efeito limitado nos sintomas motores específicos, conforme apontado pela meta-análise.
Práticas mente-corpo: como Tai Chi Chuan e Yoga, que combinam posturas corporais, respiração controlada e foco mental, promovendo equilíbrio dinâmico, controle da respiração, consciência corporal e redução da ansiedade. Embora os efeitos sobre os sintomas motores tenham sido considerados pequenos, essas práticas demonstraram ganhos psicossociais e boa aceitação por parte dos participantes, com melhora da concentração, da autoestima e da sensação de bem-estar.
A análise de subgrupos da revisão destacou que as modalidades com maior componente lúdico e interativo, como a dança e o treino funcional com música ou desafios cognitivos integrados, apresentaram níveis superiores de adesão, menor taxa de abandono e melhor resposta global dos participantes, especialmente quando realizados em ambiente grupal e sob supervisão profissional.
Esses achados sugerem que a inclusão de elementos de ludicidade, ritmo e socialização nas intervenções físicas não apenas amplia a eficácia terapêutica, como também fortalece a motivação e a continuidade do tratamento, sendo especialmente benéfica em populações idosas que lidam com os desafios emocionais e funcionais impostos pela Doença de Parkinson.
PRINCIPAIS RESULTADOS DA REVISÃO
A revisão sistemática da Cochrane (2023) apresentou resultados expressivos e bem fundamentados em relação à efetividade de diferentes tipos de exercícios físicos sobre os desfechos clínicos mais relevantes para pessoas com Doença de Parkinson. As evidências extraídas de 154 estudos randomizados, envolvendo 7.837 participantes, foram analisadas de forma quantitativa e qualitativa, por meio de meta-análises e classificação da qualidade das evidências segundo o sistema GRADE. A seguir, são apresentados os principais achados divididos por categoria de desfecho:
a) Melhora dos sintomas motores
Os sintomas motores da Doença de Parkinson, tais como tremores, rigidez, bradicinesia e instabilidade postural, foram mensurados por instrumentos padronizados (como a UPDRS III – Escala Unificada de Avaliação da Doença de Parkinson, Parte III). A análise comparativa entre os diferentes tipos de exercício revelou que:
A dança em grupo e o treinamento funcional apresentaram efeitos de magnitude moderada na melhora do desempenho motor geral. Essas intervenções contribuíram significativamente para a fluência da marcha, equilíbrio postural, coordenação motora e tempo de reação funcional, especialmente quando aplicadas de forma sistemática por, no mínimo, 12 semanas.
Modalidades como Tai Chi Chuan, yoga e treino aeróbico supervisionado apresentaram efeitos positivos pequenos ou estatisticamente incertos sobre os sintomas motores, sugerindo que, embora possam ser úteis como complemento terapêutico, não são, isoladamente, suficientes para produzir ganhos motores robustos.
É importante destacar que os efeitos motores foram mais evidentes em indivíduos nos estágios iniciais da doença e em intervenções com frequência igual ou superior a duas sessões semanais.
b) Qualidade de vida
A qualidade de vida foi avaliada principalmente com o uso do questionário PDQ-39, que abrange dimensões como mobilidade, bem-estar emocional, interação social, comunicação e atividades da vida diária. Os resultados mostraram que:
Dança em grupo e Tai Chi promoveram melhorias pequenas, mas clinicamente relevantes, nos escores de qualidade de vida, com ênfase nos aspectos relacionados à autoestima, autonomia e bem-estar subjetivo.
O treino aquático supervisionado apresentou impacto mais expressivo em termos de qualidade de vida em alguns estudos, principalmente em relação à redução da rigidez, da dor e do medo de cair. No entanto, sua aplicabilidade prática e social é limitada, devido a barreiras logísticas (acesso à piscina, número reduzido de centros especializados e custo operacional elevado), o que dificulta sua implementação em larga escala.
Outras intervenções, como o treino aeróbico e o treinamento resistido convencional, apresentaram resultados variados, com baixa consistência metodológica entre os estudos, o que inviabilizou conclusões definitivas sobre sua efetividade nesse domínio.
c) Segurança das intervenções
A segurança das práticas foi analisada com base na ocorrência de eventos adversos durante ou após as intervenções. Os resultados demonstraram que:
A maioria dos programas de exercício físico avaliados foi considerada segura, mesmo entre participantes idosos e com comprometimento motor moderado. Os eventos adversos foram raros e, quando presentes, de baixa gravidade, consistindo principalmente em queixas musculares leves, dores articulares transitórias e episódios isolados de fadiga.
Casos de quedas durante a execução das atividades foram relatados em alguns estudos, porém sem predominância estatística significativa em relação aos grupos controle. Esses riscos foram geralmente mitigados por medidas de segurança, como supervisão profissional direta, uso de adaptações físicas e progressão individualizada do esforço.
A supervisão por fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais ou educadores físicos especializados foi fator determinante para a segurança e sucesso das intervenções, reforçando a importância de que tais programas sejam conduzidos por profissionais capacitados e sensíveis às limitações individuais dos pacientes.
De forma geral, a análise integrada dos resultados da revisão permite afirmar que as intervenções com maior grau de ludicidade, ritmo e interação social — especialmente a dança e o treinamento funcional adaptado — apresentam os melhores perfis de efetividade e segurança, sendo recomendadas como parte integrante do plano terapêutico multidisciplinar para pessoas com Parkinson, com ênfase nos estágios leves a moderados da doença.
DISCUSSÃO: LUDICIDADE COMO ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA
A adesão às intervenções terapêuticas em pessoas com Doença de Parkinson representa um desafio relevante, especialmente em razão da progressão da doença, das limitações funcionais crescentes e do impacto emocional gerado pelo diagnóstico. Nesse contexto, a introdução de elementos lúdicos nas práticas de cuidado vem sendo considerada uma estratégia terapêutica eficaz para melhorar o engajamento, a motivação e os resultados clínicos de forma integral e humanizada.
A ludicidade deve ser compreendida não apenas como entretenimento, mas como um recurso terapêutico intencional e estruturado, que envolve prazer, criatividade, espontaneidade e participação ativa do sujeito no processo. Ao ser incorporada às práticas corporais, a ludicidade favorece o surgimento de experiências significativas, despertando emoções positivas, senso de pertencimento e autoestima, todos elementos essenciais para o enfrentamento de doenças crônicas e neurodegenerativas.
No caso da Doença de Parkinson, as abordagens que integram movimento, ritmo, música e interação social — como a Dança Movimento Terapia (DMT) — atuam diretamente sobre múltiplas dimensões afetadas pela doença. A DMT, segundo a American Dance Therapy Association (ADTA), é uma modalidade de intervenção psicocorporal que utiliza o movimento como catalisador para a expressão emocional, reabilitação neuromuscular e reorganização psíquica. Essa técnica proporciona um ambiente seguro e integrador, no qual os pacientes podem vivenciar o corpo para além da patologia, ressignificando sua imagem corporal e suas capacidades funcionais.
Para indivíduos idosos com Parkinson, a dança em grupo se configura como uma intervenção terapêutica de alto potencial funcional e psicossocial. Seus efeitos extrapolam o domínio motor, produzindo benefícios cognitivos e emocionais, tais como:
Estímulo coordenado do sistema sensório-motor, com ativação simultânea de estruturas corticais e subcorticais relacionadas à marcha, ao equilíbrio e à propriocepção;
Reforço das funções cognitivas superiores, como atenção, memória episódica, memória procedural e planejamento motor;
Promoção da socialização, do afeto e do sentimento de pertencimento ao grupo, elementos fundamentais para a manutenção da saúde mental;
Redução de quadros ansiosos e depressivos, amplamente prevalentes em pacientes com DP, devido à elevação da dopamina e serotonina induzida pelo prazer do movimento e da música;
Melhora da autoestima e da percepção de autoeficácia, com impacto direto na autonomia e na qualidade de vida (SONG et al., 2020).
Além disso, a dança tem demonstrado efeitos neuroplásticos positivos, promovendo a ativação de circuitos motores alternativos e compensatórios, especialmente quando aliada a desafios motores ritmados, como mudanças de direção, coordenação de membros e sincronia com o parceiro ou grupo. Tais desafios são fundamentais para melhorar o desempenho funcional e reduzir o risco de quedas.
Estudos como os de Hackney e Earhart (2009), corroborados por evidências mais recentes (COCHRANE, 2023), indicam que os programas de dança adaptada, realizados de forma regular (2 a 3 vezes por semana), contribuem significativamente para a melhora da marcha, do equilíbrio dinâmico e da mobilidade funcional, com taxas elevadas de satisfação entre os participantes.
Outro aspecto a ser considerado é o papel motivacional e afetivo da música. A música ativa áreas cerebrais relacionadas à memória afetiva e ao prazer, como o núcleo accumbens e o sistema límbico, facilitando a regulação emocional e a sensação de bem-estar durante a atividade. O uso da música como guia rítmico também facilita o movimento automático, reduzindo episódios de congelamento (freezing) e lentidão na marcha.
Do ponto de vista terapêutico, a ludicidade permite uma mudança de foco da doença para a experiência do corpo saudável em movimento, contribuindo para a ressignificação do adoecimento e a construção de uma identidade mais positiva do paciente. Tal abordagem favorece a construção de vínculos terapêuticos sólidos, a permanência nas intervenções e o fortalecimento da rede de apoio social — todos fatores cruciais para o enfrentamento de doenças crônicas de longa duração.
Portanto, a ludicidade deve ser considerada não apenas um recurso complementar, mas uma diretriz fundamental no planejamento de intervenções terapêuticas com pessoas com Parkinson, sobretudo na terceira idade. A valorização do prazer, da criatividade e do encontro humano constitui um diferencial qualitativo que potencializa os ganhos clínicos e amplia as possibilidades de reabilitação funcional, emocional e relacional.
APLICAÇÃO PRÁTICA E RECOMENDAÇÕES
A consolidação das evidências obtidas pela revisão sistemática Cochrane (CD013856, 2023) permite delinear orientações práticas para a implementação de programas terapêuticos com base em exercícios físicos lúdicos — especialmente a dança em grupo — voltados ao público idoso com Doença de Parkinson. A seguir, apresentam-se recomendações estruturadas para favorecer a eficácia clínica, a segurança e a adesão das intervenções no contexto de reabilitação funcional.
a) Estruturação do Programa Semanal de Intervenção
Para que os benefícios observados na literatura possam ser replicados em contextos assistenciais, recomenda-se a elaboração de um programa de atividades corporais com as seguintes características operacionais:
Frequência: entre 2 a 3 sessões por semana, com espaçamento adequado entre os dias para favorecer o tempo de recuperação muscular e evitar sobrecarga.
Duração: sessões com duração média entre 45 e 60 minutos, incluindo aquecimento inicial, parte principal com atividades rítmicas e relaxamento final.
Formato: preferencialmente em grupo, com estímulo à interação social, à cooperação e ao senso de pertencimento. A presença de pares promove motivação e engajamento emocional.
Ambiente: espaço amplo, arejado, com piso regular e ausência de obstáculos, favorecendo a segurança durante a movimentação.
Música: elemento fundamental para o sucesso da intervenção. Deve ser utilizada com intencionalidade terapêutica, considerando ritmo constante, melodias familiares e volume adequado. A música atua como regulador externo do movimento e estimula a memória afetiva.
Complexidade progressiva: as atividades devem respeitar o princípio da gradualidade, iniciando com padrões simples e aumentando a complexidade conforme a adaptação do grupo. A progressão deve ser individualizada, respeitando os limites e avanços de cada participante.
b) Exemplos de Movimentos e Estratégias Funcionais
A escolha dos movimentos deve considerar os objetivos terapêuticos relacionados à marcha, ao equilíbrio e à coordenação, além de favorecer a criatividade e o prazer da atividade. Alguns exemplos recomendados incluem:
Marcha no lugar com estímulo rítmico musical, favorecendo o treino da cadência e do tempo de passo;
Passos laterais com palmas sincronizadas, para estimular dissociação de cinturas, coordenação bilateral e atenção sustentada;
Sequências coreografadas com 3 a 5 movimentos simples, como avanço, recuo, giro leve e deslocamento lateral, executados com apoio musical;
Jogos rítmicos com variação de tempo (lento-rápido), favorecendo a adaptação do sistema motor e a flexibilidade cognitiva;
Exercícios de relaxamento final com música suave, respiração profunda e alongamentos leves, promovendo consciência corporal e regulação emocional.
Tais movimentos podem ser executados individualmente, em dupla ou em pequenos grupos, alternando momentos de repetição automática com tarefas de improvisação, promovendo tanto a memória procedural quanto a espontaneidade criativa.
c) Cuidados Terapêuticos e Precauções Essenciais
Apesar da segurança geral das intervenções baseadas em dança e movimento para pessoas com Parkinson, alguns cuidados devem ser observados para garantir a integridade física e o bem-estar dos participantes:
Supervisão constante por profissional habilitado, como fisioterapeuta, terapeuta ocupacional ou educador físico com experiência em neurologia ou gerontologia. A atuação do profissional é imprescindível para ajustes posturais, adaptação das demandas motoras e prevenção de acidentes.
Avaliação funcional prévia individualizada, incluindo anamnese, teste de equilíbrio e histórico de quedas, para definir contraindicações e estratégias de prevenção.
Adaptação da intensidade conforme o estágio da doença, o nível de condicionamento físico e a resposta motora individual. Atividades extenuantes ou com alto grau de complexidade devem ser evitadas em pacientes com rigidez acentuada, freezing ou histórico de instabilidade.
Pausas regulares e hidratação devem ser planejadas ao longo da sessão, considerando a fadiga precoce característica da DP.
Monitoramento de sinais clínicos durante a atividade, como tontura, dor, sudorese excessiva ou dispneia. O profissional deve estar preparado para interromper a sessão caso qualquer sintoma de risco seja detectado.
Orientações sobre vestimenta adequada, como roupas leves e calçados com solado antiderrapante, além do uso de barras de apoio ou cadeiras próximas, quando necessário.
Diante da consistência dos resultados científicos e da viabilidade prática, recomenda-se que programas de reabilitação destinados a pessoas com Doença de Parkinson incluam atividades físicas lúdicas e socialmente significativas como componente estruturante do plano terapêutico. Tais estratégias promovem ganhos motores e emocionais de forma integrada, contribuem para a autonomia e favorecem a construção de uma rotina ativa e prazerosa, com impacto positivo na qualidade de vida e na perspectiva subjetiva de saúde.
Considerações Finais
A presente análise evidencia, com base em uma robusta revisão sistemática da literatura, que a prática da dança em grupo e de outras atividades corporais com componentes lúdicos constitui uma estratégia terapêutica altamente promissora, segura e acessível para o cuidado multidimensional de pessoas com Doença de Parkinson (DP). Tais intervenções se destacam não apenas pelos efeitos clínicos mensuráveis sobre os sintomas motores — como melhoria do equilíbrio, da marcha e da coordenação —, mas também pelo seu impacto expressivo sobre dimensões subjetivas fundamentais, como o bem-estar emocional, a autoestima, a autonomia e a qualidade de vida.
A dança, ao integrar movimento, ritmo, música e interação social, ativa diferentes circuitos neurofisiológicos de forma simultânea, promovendo a reorganização funcional do sistema nervoso por meio da neuroplasticidade adaptativa. Além disso, a ludicidade presente nessas práticas favorece o prazer, o engajamento afetivo e a motivação intrínseca, fatores fundamentais para a adesão terapêutica em longo prazo, especialmente em populações idosas e com doenças crônicas.
Outro aspecto relevante é a versatilidade e adaptabilidade dessas intervenções, que podem ser personalizadas conforme o estágio da doença, as limitações individuais, o contexto sociocultural e os recursos disponíveis. A inserção da dança como recurso terapêutico não demanda estruturas complexas e pode ser implementada em centros comunitários, instituições de saúde, projetos de extensão universitária ou grupos de convivência, desde que haja supervisão qualificada e compromisso com a segurança dos participantes.
Do ponto de vista das políticas públicas de saúde e da prática clínica interprofissional, os achados reforçam a necessidade de se ampliar o acesso a programas de reabilitação integrativa que contemplem o corpo, o afeto e o vínculo social como dimensões terapêuticas legítimas. O reconhecimento da ludicidade como ferramenta de cuidado contribui para a humanização dos serviços, para o empoderamento dos usuários e para o resgate do protagonismo da pessoa idosa no enfrentamento da doença.
Em síntese, conclui-se que as atividades físicas lúdicas, com ênfase na dança em grupo, devem ser incorporadas de forma sistemática e estruturada aos planos terapêuticos multidisciplinares destinados a pessoas com Doença de Parkinson, promovendo saúde funcional, emocional e relacional de maneira integrada, ética e sustentável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Cochrane Review (2023). Physical exercise for people with Parkinson's disease. 10.1002/14651858.CD013856.pub3/full">https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD013856.pub3/full
Song R. et al. (2020). Effects of dance intervention on balance, mobility, and quality of life in people with Parkinson's disease: a systematic review and meta-analysis. BMC Neurology, 20(1). https://bmcneurol.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12883-020-01938-3
Wikipedia (2023). Dança Movimento Terapia. https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Dan%C3%A7a_Movimento_Terapia
Scielo Brasil. Práticas integrativas e complementares na atenção à saúde de pessoas com Parkinson. https://www.scielo.br/j/prc/a/FCkyVSCBQwytKqdNqpb6PWc
1 Graduando em Licenciatura Plena em Pedagogia, Tecnólogo em Psicomotricidade e Ludicidade na Educação Infantil e Licenciatura em Educação Especial. E-mail: [email protected]