EVANGELIZAÇÃO E COMUNICAÇÃO DA FAMÍLIA: ESTUDO A PARTIR DA MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O 49° DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14036217


Daniela Emilena Santiago1
Germano Miguel Favaro Esteves2
Maria Tereza Aparecida de Lima3


RESUMO
Os meios pelos quais a Igreja Católica comunica sua doutrina aos católicos tem apresentado significativa diversidade contemporaneamente. Esse processo que está em curso desde meados dos anos 90 do século XX no Brasil tem se ampliado substancialmente e um dos elementos que demonstra esse direcionamento da Igreja Católica é a instituição do Dia Mundial das Comunicações Sociais, em meados dos anos 60. Esse dia se caracterizou pela realização de uma reflexão temática, proposta pelo Vaticano, e expressa por meio de uma carta com mensagens específicas e mutáveis a cada ano. No ano de 2015 a temática de discussão foi orientada pela questão familiar, sendo assim a comunicação direcionada para a família. Nesse artigo foi realizada a reflexão e o estudo da mensagem papal de 2015 conferida em analogia ao Dia Mundial das Comunicações Sociais. Para compreender e conhecer esse documento e os sentidos nele conferidos foi realizada leitura do mesmo e sua análise correspondente. A metodologia usada para o presente artigo foi a pesquisa bibliográfica e a análise documental. Foi possível inferir que a mensagem papal fala diretamente às famílias buscando orientá-las no seu processo de comunicação cotidiana. A reflexão na mensagem papal reafirma postulados vinculados a fé cristã como a necessidade de comunicar a fé, demanda por discursos positivos e que estimulem o vínculo entre os pares. A comunicação é compreendida como algo inerente às famílias sendo as mesmas o primeiro agente comunicador com o qual as pessoas têm contato. De forma que, o documento se mostra como extremamente representativo da fé católica ao passo que adapta a linguagem para o momento contemporâneo.
Palavras-chave: Evangelização. Dia Mundial das Comunicações Sociais. Família. Papa.

ABSTRACT
The means by which the Catholic Church communicates its doctrine to Catholics have shown significant diversity in contemporary times. This process, which has been underway since the mid-1990s in Brazil, has expanded substantially in recent years, and one of the elements that demonstrates this redirection of the Catholic Church is the institution of World Communications Day in the mid-1960s. This day was characterized by the holding of a thematic reflection, proposed by the Vatican, and expressed through a letter with specific messages that changed each year. In 2015, the theme of discussion was guided by the family issue, thus the communication was directed towards the family. This article reflects on and studies the 2015 papal message given in analogy to World Communications Day. In order to understand and learn about this document and the meanings conferred upon it, it was read and its corresponding analysis was carried out. The methodology used for this article was bibliographical research and documentary analysis. It was possible to infer that the papal message speaks directly to families, seeking to guide them in their daily communication process. The reflection in the papal message reaffirms postulates linked to the Christian faith, such as the need to communicate the faith, the demand for positive discourses that encourage bonds between peers. Communication is understood as something inherent to families, with families being the first communication agent with whom people have contact. Thus, the document is shown to be extremely representative of the Catholic faith while adapting the language to the contemporary moment.
Keywords: Evangelization. World Communications Day. Family. Pope.

Introdução

A Igreja Católica tem buscado desde os áureos tempos da reforma protestante uma maior aproximação ao corpo de fiéis. Para fazê-lo recorre a um rol amplo de dispositivos visando uma maior aproximação e vinculação ao seu público. Um desses meios são as comunicações conferidas pelo Papa e que são traduzidas por meio de cartas destinadas aos fiéis espalhados em todo o mundo. A mensagem de Evangelização e Comunicação da Família é um desses elementos usados pelo Papa, em nome da Igreja Católica.

Atualmente a figura do Papa é representada por Francisco, popularmente conhecido por Papa Francisco. Nascido Jorge Mario, em Buenos Aires, é o 266º. Papa Católico e que foi eleito pelos seus pares em 13 de março de 2013. Sua escolha causou grande comoção ao passo que Francisco é nascido em Buenos Aires, onde também foi criado sendo o primeiro Papa nascido e criado fora da Europa. Outro elemento importante a ser destacado faz menção ao fato de Franciso ter sido jesuíta, algo que não foi comum em seus antecessores. Francisco foi precedido por Bento XVI.

Tido por alguns estratos da sociedade como um Papa mais aberto e que chegou a proferir nas mídias falas acolhedoras em relação a públicos LGBTQIAP+, Francisco demonstra gestos e falas que buscam maior proximidade a comunidade de católicos e de cristãos como um todo. A exemplo a mensagem conferida para as famílias e que se deu em um evento nomeado como Dia Mundial das Comunicações Sociais.

O Dia Mundial das Comunicações Sociais, conforme Santos (2021), foi uma iniciativa da Igreja Católica a partir do Concílio Vaticano II, sendo instituído em 1967 no Concílio Vaticano II ocorrido em 07 de maio. No entanto, convencionou-se que o Dia Mundial das Comunicações Sociais seria o dia 31 de Maio de cada ano. E, em cada um deles é delimitado um tema a ser partilhado para reflexão da comunidade católica. Essa reflexão é mediada por uma carta preparada pelo Papa com uma mensagem disparadora.

O objetivo dessa reflexão, segundo a Igreja, seria realizar uma profusão de mensagens positivas pelo mundo, sendo essa também direcionada para todos aqueles que trabalham com Comunicação Social. Nesse rol também são inseridos aqueles que trabalham com Comunicação Social em favor da Igreja Católica. Isso posto, no ano de 2015, a mensagem difundida esteve associada a relação a ser firmada entre Comunicação Social e Família e será sobre esse elemento que versará o texto que segue.

Isso posto, o tema despertou o interesse dos autores a partir de sua inserção no curso de Psicologia4 onde várias provocações e inquietações foram surgindo, demandando assim o desenvolvimento de novos estudos, e, dentre eles há a questão do Dia Mundial da Comunicação Social do ano de 2015 devido a sua relação e sua fala direcionada para as famílias. Afinal, a inquietação foi precipitada pelo fato de que há o interesse em conhecer e analisar o teor desse documento assim como elementos subjacentes a essa prática: afinal, como pode ser compreendido e lido esse tipo de documento frente a realidade da sociedade contemporânea?.

O caminho da pesquisa motivou a realização de estudos suplementares e para tal intento foi realizada pesquisa junto a base de dados Lilacs, usando o indicador: “Dia Mundial das Comunicações Sociais” e foram apresentados três trabalhos dos quais dois abordavam meios de comunicação social (Hernández-Cáceres, 2017; Puccinelli; Marques; Lopes, 2023) e um abordava a relação entre ensino e exclusão social (Meyer et al., 2006). O que permite a inferência de que nenhum deles discutia a relação firmada entre a Igreja e o Dia Mundial de Comunicações Sociais, fazendo com que o presente tema de pesquisa hora proposto se apresente como relevante para a produção acadêmica contemporânea.

O Lilacs é um site representativo da produção acadêmica latino americana. O fato de não haver, nesse indicador, nenhuma menção a textos produzidos em torno dessa discussão fortalece a relevância acadêmica do que é proposto e de certa forma pactua pelo caráter inédito da proposta elencada. Por outro lado, há que se considerar também a relevância social do tema proposto. Como indica Minayo (2001) toda pesquisa possui um caráter colaborativo com a sociedade e as pesquisas em Ciências Humanas tem uma potência ainda maior uma vez que abordam temas e fenômenos sociais, contemporâneos a um tipo de sociedade específica.

Nesse sentido, conforme dados do IBGE de 2023, o Brasil possui em sua população de 106.000 milhões de católicos, representando 51,0% da população do país. Outrossim, independente do grau de vinculação e de pertencimento dos que se manifestam como católicos no país é possível concluir que estudos que aproximem o conhecimento científico dessa forma de compreender e se relacionar com o mundo são extremamente importantes e socialmente necessários.

Para a apreensão desse tema de pesquisa foi realizado estudo teórico, ou, como indica Gil (2008) uma pesquisa bibliográfica. De acordo com esse autor os estudos dessa envergadura são aqueles que há construção da análise do tema com o aporte a livros, artigos, revistas e todo um rol de produção inerente. Nesse sentido, a produção advém de um rol de textos já produzidos sobre o tema e no caso em específico essa produção comporta notadamente livros e artigos científicos. A pesquisa bibliográfica esteva orientada então a textos que abordassem a relação entre mídia e religião, elemento sobre o qual foi elaborado o primeiro item do artigo. Tal abordagem foi delimitada para que fosse possível realizar uma reflexão sobre a analogia firmada entre comunicação social e igreja. Os conceitos em questão seguem apresentados com base em vários autores que estudam e demarcam o tema e permitem o maior entendimento do objeto de estudo aqui abordado.

A pesquisa de natureza bibliográfica é descrita por Minayo (2001) com o termo estudo teórico. A autora também menciona esse elemento como um dispositivo usado para a produção de conhecimento. Tanto ela quanto Gil (2008) associam essa forma de produção de conhecimento aquelas formas em que o objeto de pesquisa é conhecido e recomposto através da leitura e sistematização de saber por meio do aporte a um material que já foi previamente pesquisado por outros autores. A opção teórica requer, por conseguinte, como aponta a autora e também Gil (2008) a leitura de um considerável arcabouço teórico sobre o tema e sua recomposição por meio de texto. Nesse estudo, a opção se mostrou como ideal uma vez que a mesma poderia contemplar o objeto de estudo.

No entanto, como dito anteriormente, seria necessário, dado o objeto proposto, maior aproximação ao documento emitido pelo Papa e que é direcionado para as famílias no Dia Mundial das Comunicações de 2015. Para isso foi realizada a leitura do carta em epígrafe e que fora encaminhada a comunidade católica, bem como análise do documento para que o mesmo pudesse ser apresentado e discutido nesse trabalho.

Nesse caso, a carta não se encaixaria como um dispositivo de produção teórica ou então como uma pesquisa bibliográfica como apresentado acima mas sim como o que Gil (2008) chama de pesquisa documental. Isso porque há necessidade de leitura e apresentação de um documento suplementar para além de livros e artigos para a composição do trabalho. De acordo com o autor pesquisas dessa natureza utilizam como fontes “[...] documentos como livros, jornais, papéis oficiais, registros estatísticos, fotos, discos, filmes e vídeos, que são obtidos de forma indireta “ (op.cit, p. 147).

De tal forma, o artigo foi composto por meio da mesclagem e da associação de ambas formas de produção de conhecimento, ou seja, bibliográfica e documental. Assim, no primeiro item que segue a essa apresentação inicial, e, como dito anteriormente, segue a reflexão teórica em torno da discussão da relação firmada entre mídia e religião e na sequência a apresentação da carta emitida pelo Papa para as famílias no contexto do Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2015, como afiançado acima.

Para além de um artigo apresentado como requisito para a conclusão de um curso, espera-se que esse trabalho possa oferecer um contributo mais significativo em torno dos saberes que são necessários quando é pensada a relação firmada entre sociedade e religião. O texto deve interessar a todos os estudiosos da área. Por conseguinte, não interessa apenas a Teólogos, mas a Historiadores, Psicólogos, Educadores e todos outros estudiosos que voltam o seu olhar para a religiosidade e suas expressões em nossa sociedade ou então profissionais que nas diferentes instâncias buscam conhecer um pouco mais sobre esse fenômeno, o religioso, tão presente e latente na sociedade contemporânea. Também é interessante para aqueles que de certa forma percebem a sua realidade atravessada e perpassada pela religiosidade.

Mídia e religião: um debate em constante (re) construção

Montes (2012) coloca que o Brasil deve ser compreendido como um país em que a religião confere grande influência para a vida em sociedade como um todo sendo essa a essência de cultura desse povo. Assim, o Brasil deve ser entendido como um “[...]país onde a religião, na vida pública e assim como na vida privada, sempre tivera um papel de reconhecida relevância”(op. cit., p. 12). Por conseguinte, o Brasil incorpora um rol amplo de religiões as quais figuram no ideário da população desde o contexto imperial, momento em que as religiões evangélicas chegam ao país.

Nesse contexto a Igreja Católica era ainda hegemônica no campo religioso do país. Com a vinda de outras denominações o país passa a observar novas formas de pregar o evangelho no país. Os grupos que aqui chegam, dentre eles, presbiterianos, batistas e outras denominações afins começam a realizar visitas nas casas. Nelas é realizada a apresentação do evangelho para as pessoas o que potencializou o desenvolvimento de várias abordagens diferenciadas das que eram desenvolvidas até então sob o domínio católico. Inaugura-se o proselitismo evangélico do país.

A expansão da vinculação de pessoas as religiões evangélicas foi algo que se consolidou com o tempo. Apesar da Igreja Católica ter se constituído hegemônica, ao menos no que diz respeito a quantidade de fiéis, o aumento do número de evangélicos foi percebido por essa instituição que rapidamente passou a adotar medidas em busca da manutenção de seu monopólio religioso. Em meados de 1920 a Igreja Católica fortaleceu esse movimento por meio da chamada Restauração Católica. Nesse período a Igreja Católica possuía laços fortes e consolidados com o Estado. Um exemplo da influência desse órgão junto ao poder público é a instituição do Cristo Redentor no Rio de Janeiro e que a época dos fatos foi descrito como elemento da fé católica e não da fé cristã (Montes, 2012; Mendonça, 2008).

Nesse momento, como indicam os autores supra citados, a Igreja Católica possuía como inimigos a serem combatidos as religiões evangélicas e sobretudo as de matriz africana que já se faziam presentes na realidade. Para empreender uma empreitada junto aos fiéis visando conter o avanço das demais denominações no Brasil a Igreja Católica conferiu uma nova posição para suas ações desenvolvendo outros elementos e dispositivos para a consolidação da fé.

No período em questão além das missas, conforme Montes (2012), foram consolidados elementos como periódicos, a exemplo dos impressos: Lar Católico, Almanaque de Nossa Senhora Aparecida. Esses dispositivos tinham como finalidade fortalecer o catolicismo e os mesmos passaram a ser escritos e elaborados de forma mais acessível para a comunidade leitora. Há que se considerar que mesmo as missas eram em latim, e, muitos católicos não tinham pleno entendimento do que os ritos significavam em sua íntegra.

Há que se destacar que a primeira missa foi celebrada em português no Brasil somente no ano de 1965. Contudo, os impressos já vinham sendo utilizados pelos evangélicos visando a profusão da fé desde o momento em que os grupos puderam vir ao Brasil para evangelização no contexto imperial. O fato é que muitos católicos, e, muitos cristãos, não sabiam ler o que resultou na necessidade de que muitos passassem a ser alfabetizados. Dessa forma, essa inovação para deixar a Igreja Católica mais próxima da comunidade não atendeu plenamente aos seus objetivos ficando resignada a apenas alguns extratos ou segmentos em questão.

Montes (2012) indica que nos anos 40 a Igreja Católica brasileira passou por outro processo de revisão, visando maior aproximação aos fiéis. Nesse contexto o discurso da Igreja Católica passou a ser orientado para os mais pobres, visando assim a discussão de questões sociais e seu enfrentamento no sentido de socorrer os segmentos mais vulnerabilizados, algo totalmente inovador e distinto ao que era praticado até então. Um outro exemplo dessa ressignificação do Centro Dom Vital criado em 1922 e que possuía como referência a oferta de formação do laicato para sua posterior inserção em obras sociais, as quais eram especialmente orientadas para atender as demandas geradas e presentes na vida das classes mais pobres.

Os católicos mais liberais surgem nesse período e passam a requerer maior participação nos dogmas da Igreja Católica a medida que são também estimulados em atuar junto aos pobres visando corrigir os descompassos provenientes das desigualdades sociais e econômicas que afetam o pais naquele momento singular. Nos anos 40 o Centro Dom Vital passou ser presidido por Alceu Amoroso Lima, importante líder católico e também professor, escritor e literário. Alceu integrava e representava esses ideias mais modernos, por assim dizer e investiu na formação do laicato de maneira a estimular a caridade.

Iamamoto; Carvalho (1982) destacam a importância do laicato nesse período para fortalecer a imagem da Igreja Católica no Brasil. O Centro Dom Vital oferecia a formação para mulheres, sobretudo não casadas e pertencentes a classe burguesa para que essas pudessem atuar de forma incisiva junto as expressões da pobreza com a qual se deparavam. Essas mulheres eram escolhidas socialmente para que pudessem se dedicar exclusivamente ao ofício de cuidar. E, esse cuidado também vinha alicerçado no entendimento da necessária profusão dos dogmas católicos uma vez que as intervenções não eram separadas da fé que também comungavam.

As ações eram desenvolvidas por meio de puericultura, concessões de bens como alimentos, remédios, roupas e outros itens afins. A concessão era viabilizada por meio de parcerias firmadas entre a Igreja Católica e as Câmaras Municipais. Grande parte dos benefícios no entanto, era concedida através de arrecadações realizadas entre os próprios católicos. Dessa forma, a Igreja Católica foi estruturando uma nova imagem social frente a sociedade brasileira, apresentando práticas mais humanas. Faleiros (2004) indica que essas ações eram agressivas ao ponto de exigir que os atendidos por esse sistema frequentassem as atividades da Igreja Católica e muitos deles eram condicionados a prestar serviços voluntários nos equipamentos desse órgão como uma espécie de pagamento pelo auxílio recebido.

Iamamoto; Carvalho (1982) e Faleiros (2004) assim como Montes (2012) indicam que nesse período as ações da Igreja Católica também passaram a ser orientadas para um novo inimigo: a contenção do comunismo. Assim, as abordagens eram desenvolvidas nos grupos mais vulneráveis também porque se entendia que era nesses que os ideais comunistas vinham ganhando mais notoriedade. Iamamoto; Carvalho (1982) apontam que no período em pauta foi criada no Rio de Janeiro a Fundação Leão XII instituição especialmente orientada para a prática da Igreja Católica que visava o enfrentamento dos ideais comunistas junto as famílias que já residam nas favelas.

Após essa reorganização Montes (2012) aponta os anos 60 como aqueles em que a Igreja Católica fortaleceu o movimento de inserção dos leigos em ações sociais. Havia ainda muitos grupos mais ortodoxos entre os representantes ordenados pela Igreja Católica e os leigos, porém, nos anos 60 houve a expansão dos segmentos mais liberais. Liberais a ponto de defender os mais pobres, de falar e reclamar justiça social, porém, ainda arraigados na doutrina católica. A contraposição as demais religiões ainda se faz latente sendo as religiões de matriz africana as que foram mais estigmatizadas. De igual maneira, o enfrentamento ao comunismo segue sendo uma grande bandeira da Igreja Católica no período posto.

Momento esse que é apresentado por Mendonça (2008) como de profunda recessão econômica e também por ser o período mais agressivo da ditadura política, contexto em que mesmo os partidos políticos foram perseguidos. O contexto era de grande incerteza e temor mas a Igreja Católica manteve os laços com o Estado Brasileiro com alguns segmentos a ela vinculados (mas não todos) defendendo o contexto ditatorial e tudo que ele congrega.

Dessa forma, a Igreja Católica entende possuir um papel social frente as desigualdades sociais que se mostram presentes na sociedade brasileira. Assim, segmentos como o bispado brasileiro passa a empreender e defender ações para auxílio dos mais pobres e vulneráveis, destacando assim o papel dos leigos em tais ações. Em alguns casos, há críticas ao Estado, porém, as mesmas seguem abafadas pelo regime ditatorial. Hegemonicamente há um movimento de mudança fortalecendo substancialmente o aspecto social percebido como necessário. “[...] os bispos brasileiros dariam início a uma profunda mudança no seu discurso perante a realidade social, em seus posicionamentos políticos e em sua própria estrutura organizacional” (Montes, 2012, p. 27).

A alteração das posições da Igreja Católica se fizeram sentir sobretudo em meados dos anos 70 uma vez que nesse momento o país passa a assistir e vivenciar a distensão política. A insatisfação popular e também a piora da vida como um todo associado a repressão política passam a gerar expressões contrárias de toda uma população. A Igreja Católica passou a apresentar segmentos contrários a essa situação vivenciada no Brasil. Agora, a Igreja Católica passa a apoiar a democratização e o fim da ditatura assumindo grande posição de destaque no processo de democratização política. Assim, há uma mudança dos inimigos da Igreja Católica agora não mais os comunistas e nem os evangélicos ou aqueles que estavam vinculados as religiões de matriz africana. No entanto, a intenção proselitista ainda segue figurando como um dispositivo de profusão da fé católica.

Montes (2012) nos coloca que nos anos 90 houve uma nova reorganização da Igreja Católica agora com a incorporação de uma série de bens orientados a promoção da salvação. Nesse momento não basta mais as missas ou as visitas do padre às famílias. Nem mesmo as pastorais já instituídas se mostravam suficientes sendo preciso a partir de então a delimitação e a utilização de novos dispositivos para a divulgação da fé católica. Isso advém de mudanças processadas, segundo a autora, no campo evangélico. O contexto dos anos 90 se caracteriza como o momento de inserção das igrejas evangélicas na televisão. O exemplo e grande referência desse movimento foi a Igreja Universal do Reino de Deus com a oferta dos cultos televisivos.

A inovação em pauta foi acompanhada por outras denominações resultando em um processo nomeado como “diversificação dos mercados de bens da salvação” (op. cit.,p. 13). Montes (2012) compreender esse processo como a construção de alternativas, pelas igrejas em geral, para falar mais próximo ao crente, sendo esse aquele que está vinculado ou mesmo o afastado. Os meios de comunicação em massa são apontados pela autora como o primeiro dispositivo utilizado pelas religiões com tal finalidade.

Agora, conforme a autora, a igreja consegue adentrar na intimidade dos lares, das famílias e falar a elas de forma distinta, diferenciada. Após a televisão os grupos passam a incorporar outros meios como rádios, passam a ser desenvolvidos shows de música específica, há ampliação de escolas confessionais e outros elementos afins. O que se busca, a partir de então, é usar outras formas de atrair fiéis, e, dentre eles, sobretudo os mais jovens. Há, no universo evangélico, como a autora destaca, até mesmo o surgimento de roupas cristãs e assessórios de igual natureza.

A Igreja Católica acompanha esse movimento buscando fazer frente aos dispositivos instituídos pelos evangélicos. Constituem condutas representativas dessas práticas a expansão do Movimento de Renovação Carismática Católica, surgido no Brasil nos anos 60, porém, ainda bastante fragilizado e estigmatizado no seio do próprio catolicismo. As práticas desse movimento foram importantes para trazer novos fiéis ao passo que incorporam cânticos mais animados, atividades diferenciadas como gincanas e propõe maior comunicação com Deus por meio dos dons do espírito santo, elemento até então ausente nas práticas católicas (Montes, 2012).

O momento em que a Igreja Católica busca alternar o seu discurso também se caracteriza pela expansão da Canção Nova, comunidade católica criada em 1978 por um importante expoente do Movimento de Reconceituação, o Padre Jonas Abib. Surgem os padres cantores e mais conhecidos como Padre Marcelo Rossi o que mais tarde traria abertura para figuras icônicas como o Padre Fábio de Melo, por exemplo. A Comunidade Canção Nova ainda hoje é um ícone da fé católica promovendo grandes formações e encontros para vários públicos visando fortalecer ou reconecta-los com sua fé.

Atrelado a esse movimento há também a diversificação dos bens de salvação uma vez que os católicos também passam a ter acesso a músicas diferenciadas, a shows específicos, a filmes e a uma série de elementos que buscam tornar o catolicismo mais próximo da comunidade. No âmbito da televisão é importante frisar que no ano de 1989 foi criada a TV Canção Nova e no 2005 teremos o surgimento da TV Aparecida, ambas inicialmente acessíveis apenas para aqueles que assinassem televisão a cabo. De lá para cá, foram incorporados um rol amplo de bens de salvação visando tornar a fé católica pública e sobretudo acessível ao maior número de pessoas. Hoje há um rom amplo de sites, plataformas que também tem sido usados para a promulgação e a profusão do catolicismo que, busca, ainda que atualmente, conter o avanço das demais religiões apesar de a Igreja Católica hoje defender a convivência pacífica com as demais denominações.

Tais colocações precisaram ser arroladas a medida que indicam e situam a utilização de mídias pelas igrejas, incluindo a Igreja Católica que passa a se valer de mídias também para dispor de orientações destinadas ao fiéis. O Dia Mundial das Comunicações Sociais foi criado em 1967 no Concílio Vaticano II e demonstra a tentativa da Igreja de Roma em se aproximar dos fiéis. O Brasil, como salientado, já vinha apresentando um movimento de mudança da Igreja Católica e o Dia Mundial das Comunicações Sociais deve ser entendido como uma expressão desse momento que também é possível graças a expansão e o desenvolvimento dos meios de comunicação em massa, sobretudo pela internet e outros dispositivos.

De forma que pensar a mídia usada pela Igreja Católica a requer compreendê-la dentro de um contexto muito peculiar e específico em que essas práticas se desenham e são desenvolvidas. Afinal, ainda que o objeto do presente estudo seja a mensagem papal conferida via carta emitida para celebrar o Dia Mundial das Comunicações a mesma só ganha grande representatividade e notoriedade quando é largamente difundida pela Igreja Católica e essa profusão só é possível pelo aporte da Igreja Católica às mídias sociais. Mídia aqui compreendida como representação dessa Igreja e que pode ser entendida como reflexo de como os católicos vivenciam as experiências com sua fé.

Bem, Bellotti indica que sempre que há um estudo sobre religião há que se considerar, antes de qualquer apreciação, a questão da linguagem uma vez que qualquer mídia que seja estará apoiada em uma linguagem. Por oportuno conforme a autora é necessário e fundamental “[...] problematizar a questão da linguagem, entendendo-a não como um meio neutro, mas sim como instância geradora de sentidos – polissêmica” (2004, p. 102). Por conseguinte, a linguagem expressa interesses, especificidades, elementos que caracterizam quem fala, quem emite um discurso e nenhuma linguagem é despossuída de sentido, de significado ou de finalidade a ser alcançada. Por conseguinte, no documento que será analisado na sequência há que se considerar a presença e a existência de parâmetros que definem o catolicismo, ainda que, na presença do Papa Francisco essa linguagem tenha buscado maior interlocução com fiéis e muitas vezes é direcionada de forma a acolhê-los, há elementos que delimitam, ainda que de forma subliminar, os dogmas da fé católica.

A linguagem ou o discurso apresentado em um processo de comunicação midiático advém de um processo de construção de representações sociais e de práticas que lhes são inerentes. Representação deve ser entendida como a apropriação de conceitos pelo ser humano. Essa apropriação se dá durante todo o desenvolvimento do gênero humano e consiste em um processo de subjetivação por meio do qual o homem constrói e estrutura conceitos em sua subjetividade. Esse processo tem na linguagem o seu principal dispositivo porém, ela não é o único. Há um rol de símbolos que também permitem a construção de representações pelos seres humanos sendo que isso acontece durante toda a vida do homem (Chartier, 2002; Chartier, 1990).

A representação é por consequência uma referência construída por meio da apropriação do real pelo homem. Essa construção do real também interfere em sua capacidade de imaginação segundo Chartier (1990). É um processo de atribuição de significados e sentidos para o mundo e é algo que que determina e influencia as relações sociais dos homens a medida que também condiciona a sua inserção social junto a sociedade. A representação construída sobre eventos e fenômenos é condicionada pela realidade histórica e social em que as mesmas são construídas e estruturadas.

E, como dito pelo autor, as representações tem alguma finalidade a alcançar, a contemplar e representam ideais de determinados grupos. Essas representações são assentadas em linguagens e em um rol de símbolos que as fortalecem, as consolidam e as estruturam. No campo religioso as representações são também construídas com a finalidade de profusão da fé de determinadas religiões e destacam os ideais de determinados grupos ou seja, não são isentas de intencionalidade. Montes (2012) indica que as representações do sagrado se consolidam por meio de “[...] símbolos e práticas, riso, valores, crenças e regras de condutas” (op. cit, p.16) que estão presentes e fazem sentido dentro de um contexto cultural. Outrossim, a representação do religioso só é adotada pelos grupos para os quais ela tem algum sentido, alguma coerência.

A autora destaca ainda que as representações têm a potência de delimitar aspectos que orientam a vida privada e pública. No discurso direcionado para as famílias é possível observar que os conceitos religiosos visando delimitar “[...] o domínio da vida privada, na intimidade da experiência familiar” (Montes, 2012, p. 17) oferecendo um rol amplo de orientações que estão orientadas a adoção ou a escolha de práticas por aqueles que estão vinculados as mais variadas igrejas. Disso decorre outro elemento de basal importância no que concerne ao conceito de representação ou seja: o mesmo conduz e orienta a adoção de posturas, de práticas. Chartier (1990) em seu conceito de representação indica que as mesmas conduzem o ser humano, o orientam a escolha de práticas.

O autor ainda destaca que há representações sociais ou seja coletivas. Seria uma espécie de apropriação de grupos a respeito de conceitos similares. As representações coletivas conduziram o homem a um processo de práticas sociais. Dito de outra forma: conceitos similares orientam o gênero humano na adoção de condutas e práticas comuns, de práticas sociais e coletivas uma vez que se reporta a referências, bases coletivas, comuns. Esse processo é descrito pelo autor como decorrente das relações firmadas entre o ser humano e o mundo. Assim, para o autor há:

[...] três modalidades da relação como mundo social: primeiro, o trabalho de classificação e de recorte que produz as configurações intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade; em seguida, as práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria de estar no mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais 'representantes' (instâncias coletivas ou indivíduos singulares) marcam de modo visível e perpetuado a existência do grupo, da comunidade, da classe" (Chartier, 2002, p.73).

Sendo que esse processo provoca a construção do que o autor chama de identidade social, ou seja, um ponto de convergência entre os seres humanos. A vinculação a uma representação social, coletiva é também um ponto de identificação do homem com seus pares. Essa vinculação, por vezes, acontece em espaços institucionalizados como as igrejas o que consolida, por outro lado, a instituição em uma dada sociedade.

Contudo, o contexto de análise desse artigo busca precisar como a mídia pode ser usada para a profusão de ideias religiosos. Nesse interim, é possível compreender a mensagem papal reproduzida na mídia e difundida entre os católicos como um desses dispositivos usados para a construção e a estruturação de representações sociais. A mídia é descrita por Bellotti (2004) como um veículo usado para a transmissão e a profusão das mais variadas mensagens. “isto é, seria o espelho das intenções de seus produtores, que perfariam a mensagem por si só” (op. cit., p.108). Portanto, uma carta, por ser do Papa, principal ícone da Igreja Católica precisa ser compreendida como elemento que atesta e indica em sua linguagem, em seu discurso conteúdos que são inerentes a essa denominação. Como será possível observar e inferir, a carta traz elementos como a visita de Maria à Isabel e que não seria, com certeza, apresentada se o documento fosse emitido por uma religião evangélica.

O fato de ser conferida pelo Papa Francisco também atribuí a carta o caráter de veracidade. Isso corresponde a entendê-la como um elemento integrante da fé católica. Outro elemento que garante veracidade é o fato de ser difundida em várias paróquias católicas. E, por fim, o último elemento a ser considerado quando há reflexão sobre a questão das mídias usadas no campo religioso há a sua vinculação a uma imposição de conceitos. Dessa forma, as mensagens conferidas nesse e em outros documentos católicos consolidam pontos pacíficos dessa doutrina impondo aos crentes tal entendimento. Nesse sentido, essas mídias podem ser compreendidas como “[...] um meio de dominação ideológica, que ludibriaria a audiência com falsas promessas de milagres, curas, prosperidade, em troca de doações em dinheiro – uma extensão religiosa do que a mídia como um todo já seria (conforme teóricos marxistas da comunicação)”(op. cit., p.108).

No entanto, a recepção desses conceitos difundidos pela mídia provém da aceitação dos mesmos pelo público leitor. Há que se considerar assim como “[...] diferentes crenças e práticas fazem sentido para as pessoas e os
grupos que as adotam, em contextos históricos específicos”(idem, p. 110). Importante frisar que no campo de religioso as representações também conduzem a práticas sociais. Bellotti (2004) salienta o fato que quando há uma vinculação a uma dada denominação religiosa há condutas que são esperadas por parte dos seres humanos. No campo católico há indicativos como ir às missas, frequentar catequese, ser crismado que definem o que é ser católico. Nesse sentido, se posicionar contra o abordo, ou, defender o casamento e os dogmas católicos também é uma prática idealizada para quem se apropriou das representações católicas com as quais teve contato ao longo de seu processo de aculturação.

A utilização das mídias pelos grupos religiosos precisa então, conforme a autora, considerar três elementos básicos, assim expressos:

1. O meio constitui a mensagem – o meio não é espelho das intenções dos autores, nem pode ser explicado somente por elas. É necessário ler os produtos de mídia como uma combinação de conteúdo e de forma, em que a forma faz parte da mensagem. Analisar a especificidade de cada produto de mídia religiosa significa aliar as limitações e as potencialidades de cada meio de comunicação ("forma") às representações contidas nesses meios ("conteúdo");

2. As representações expressas nos produtos de mídia estão ligadas à história do grupo produtor da mensagem, o que implica a construção de uma identidade e de uma tradição que dá sentido à ação desse grupo no presente, em relação a uma sociedade não-evangélica, mas majoritariamente cristã, como a brasileira.

3. Considerar a comunicação como a relação bilateral entre um produtor/emissor e um receptor/produtor. Nem sempre é fácil estabelecer uma pesquisa de recepção satisfatória (não meramente baseada em estatísticas), mas isso não significa ignorar a circulação das referências culturais presentes nos produtos de mídia. (Bellotti, 2004, p. 109).

Assim, a mensagem conferida representa um meio. Uma carta papal, representa, por conseguinte, a Igreja Católica e não especificamente faz alusão ao que o Papa Francisco pensa. Como carta apresenta limitações uma vez que é um documento simples, com poucas orientações práticas ao fiéis, porém, como difundido via mídias sociais apresenta grande potência sendo conhecido por uma gama considerável de católicos. Nele temos também presente e destacado a figura da tradição da Igreja Católica por meio do fato de ser um documento que provém do Vaticano e carrega, ao passo que representa todo o ideal desse órgão. De igual medida, para o católico, o fato de ser um documento emitido e assinado pelo Papa também aborda e trabalha com elementos subjetivos intrínsecos pois apresenta elementos fundantes da definição do que é ser católico. Ser católico é, com certeza, ao menos respeitar a figura papal.

E, por fim, uma mensagem do Papa Francisco é circunscrita em uma relação de emissão e de recepção por meio diálogo estabelecido entre esses atores. A emissão provém e representa Igreja Católica e, no caso da carta papal, é possível inferir que os receptores serão os católicos que farão a leitura da carta, que abordarão meios de coloca-la em prática. Por conseguinte, a emissão de um documento só tem sentido porque haverá adesão e aceitação do público leitor. Sua publicização por meio das mídias contemporâneas amplia substancialmente as possibilidades de comunicação da mensagem católica a um número maior de fiéis. Resta então inferir que o discurso em pauta é orientado para todos que desejem conhece-lo, contudo, é especialmente orientado para os católicos.

Assim, é possível inferir que a carta assume especial potência no contexto contemporâneo o via possibilidades de maior circulação dessas e de outras informações. Isso posto, no próximo item a atenção está orientada para um aprofundamento e correspondente análise da mensagem papal, especialmente orientada pela família. Sua compreensão permite inferir a que tipo de família a Igreja Católica fala e sobretudo como compreende a importância das mídias e da Comunicação Social como um todo.

A Carta Papal para o 49° Dia Mundial das Comunicações: a família e seu papel na comunicação da Igreja Católica

Pensar um documento emitido pelo Papa Francisco pressupõe e requer que o mesmo seja compreendido dentro de um contexto peculiar e específico. Santos (2021) faz uma apresentação sólida em que discute os vários elementos, principalmente gestos do Papa e que buscam segundo seu entendimento uma maior aproximação da Igreja Católica aos cristãos frente ao avanço das Igrejas Evangélicas na conquista de fiéis. Porém, para quem é católico, uma mensagem papal é lida como uma ordem. É compreendida como algo que precisa ser refletido, sentido e expresso em atos concretos. Assim, o Dia Mundial das Comunicações Sociais deve ser entendido como um fenômeno que buscar formar os católicos e prepará-los para uma ação concreta.

O Dia Mundial das Comunicações Sociais é lido pela Igreja Católica como um momento de refletir sobre a questão da inteligência artificial. Isso porque, há que se considerar que grande parte das comunicações sociais contemporâneas são assentadas no aporte à inteligência artificial. Para tanto, há advertência para que os católicos possam usar a inteligência artificial de forma saudável, como especial atenção ao fato de que a inteligência artificial jamais poderá substituir o ser humano (Santos, 2021).

A Igreja adverte quanto a utilização da inteligência artificial para a produção de textos, destacando e enfatizando, uma vez mais, a importância de que esse tipo de documento deve provir, essencialmente, do ser humano. Ainda que a inteligência artificial tenha condições de produzir tais elementos, é possível inferir que isso subverteria a ótica natural de que o homem deve fazê-lo podendo resultar em escritos descontextualizados e dispersos. Isso advém do fato de que o dia em questão é também pensando para aqueles que atuam com a comunicação social da Igreja. Avançando nesses aspectos há a indicação de que a inteligência artificial não auxilia o humano na intepretação de textos, algo que é vital ao homem contemporâneo. Conforme atesta, somente o homem, dotado de sabedoria pode fazê-lo.

Os meios de comunicação social são então compreendidos como elementos vitais na evangelização da sociedade, sobretudo de jovens. A tentativa é para que os meios de comunicação social possam ser usados com intenção evangelizadora, propagando a fé católica e visando assim conquistar o maior público possível. Santos (2021) coloca ainda que essa mensagem provém do Vaticano mas é direcionada para toda a comunidade católica do mundo. Sua profusão se faz por meio da leitura e estudo do documento papal em várias paróquias.

No Brasil, após o documento ser recebido, é direcionado para a Comissão Episcopal para a Comunicação Social. Esse órgão é responsável por planejar, organizar e articular todos os procedimentos atrelados a comunicação social da Igreja Católica no Brasil. A Comissão Episcopal é um dispositivo de serviço da Igreja. A Comissão Episcopal para a Comunicação Social se encarrega de repassar as informações para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). É de responsabilidade da CNBB, a base dos elementos apresentados, conferir subsídios para que as paróquias possam desenvolver atividades regionais. Assim, a CNBB confere propostas para que as dioceses e as paróquias desenvolvam abordagens junto a sua comunidade. Esse processo é acompanhado pela Pastoral da Comunicação (Pascom) que é uma representação local da Comissão Episcopal para a Comunicação Social em cada paróquia.

Em resumo, são os meios burocráticos consolidados dentro da Igreja Brasileira e que buscam, cada qual a sua forma, conferir concreticidade as ações propostas. Órgãos como a Comissão Episcopal para a Comunicação Social e a Pastoral da Comunicação são elementos importantes no sentido de dar visibilidade para a ação desenvolvida e para publicar informações sobre as mesmas.

Montes (1998) nomeia, como indicado acima, esse processo pelo termo “diversificação dos mercados de bens da salvação” (op.cit., p. 13) fenômeno que, como é possível inferir corresponde a mudança da forma com que se fala à comunidade para fins de maior atração dos fiéis. As cartas papais, também conhecidas como encíclicas, figuram como elemento integrante da ação católica há muitos séculos, porém, nos últimos anos a forma com que se fala aos fiéis tem se diversificado substancialmente visando atraí-los. Por analogia, a consolidação de um Dia Internacional da Comunicação Social bem como a instituição de órgãos responsáveis para fazer valer, na prática, o que é recomendado pela Igreja Católica figuram como elementos que permitem a implementação dos ideais católicos na sociedade. Melhor dizendo, permitem que os postulados católicos sejam buscados ao menos junto a comunidade de crentes.

Esse contexto se mostra importante ao passo que permite a compreensão do movimento realizado dentro da Igreja Católica Brasileira sempre que um documento papal é emitido. E, por fim, caminhando em direção ao objeto de estudo posto é basal a apresentação do conteúdo atrelado a “Mensagem de Sua Santidade Papa Francisco para o XLIX Dia Mundial das Comunicações Sociais”(Papa, 2015).

A “Mensagem de Sua Santidade Papa Francisco para o XLIX Dia Mundial das Comunicações Sociais” é iniciada destacando que o documento é direcionado para as famílias uma vez que esse ente é entendido como o principal lugar de apreensão da comunicação pelos seres humanos. Assim, “[...] a família é o primeiro lugar onde aprendemos a comunicar” (Papa, 2015, p.01) fazendo alusão ao processo de socialização e apreensão da língua e da comunicação de todos os seres humanos. No documento é dito que essa comunicação precede o nascimento e tem início no ventre, desde a gestação. O “ventre” (op. cit., p. 01) seria assim o primeiro espaço de comunicação com que o ser humano tem contato.

Em analogia a questão da gestação o documento apresenta ainda o exemplo bíblico de visita de Maria para a prima Isabel. Consta na história que quando Maria checa à casa de Isabel, que estava grávida, a criança teria “saltado” no ventre materno. A comunicação se dá por meio da saudação entre ambas, mas, provoca mudanças e comportamentos. O documento indica que a comunicação tem potências até para influir no corpo. O exemplo da criança mexer no ventre da mãe é então entendido como uma “linguagem do corpo” (Papa, 2024, p. 02), ou seja, como uma forma de expressar que comunicação, o diálogo interfere em expressões físicas do ser humano. Indica assim:

Este episódio mostra-nos, antes de mais nada, a comunicação como um diálogo que tece com a linguagem do corpo. Com efeito, a primeira resposta à saudação de Maria é dada pelo menino, que salta de alegria no ventre de Isabel. Exultar pela alegria do encontro é, em certo sentido, o arquétipo e o símbolo de qualquer outra comunicação, que aprendemos ainda antes de chegar ao mundo. O ventre que nos abriga é a primeira «escola» de comunicação, feita de escuta e contacto corporal, onde começamos a familiarizar-nos com o mundo exterior num ambiente protegido e ao som tranquilizador do pulsar do coração da mãe. Este encontro entre dois seres simultaneamente tão íntimos e ainda tão alheios um ao outro, um encontro cheio de promessas, é a nossa primeira experiência de comunicação. E é uma experiência que nos irmana a todos, pois cada um de nós nasceu de uma mãe (op. cit., p. 02).

Reiterando assim que a comunicação é apreendida no ventre, na gestação e destacando também que esse seria a primeira escola de comunicação. A analogia estabelecida indica o entendimento de que o feto já começa a se familiarizar com a comunicação durante o período gestacional. Esse momento da gestação e compreendido como é possível inferir, como um período em que a criança já consegue se apropriar, conhecer o mundo externo via relação com a “mãe”, sendo enfatizado que “[...] cada um de nós nasceu de uma mãe” (idem, p. 02) e fortalecendo assim a mensagem da Igreja Católica em relação a própria procriação compreendida como algo que deve provir, essencialmente, de uma mulher.

Bellotti (2005) realizou uma profunda análise dos vários meios de comunicação social que são usados pelas igrejas evangélicas para ofertar a doutrina na contemporaneidade. Sua análise vem estruturada e assentada na produção radiofônica, em livros, programas de televisão e outros meios de comunicação social. No entanto, sua análise se mostra importante pelo fato de chamar a atenção para dados elementos os quais podem ser de grande valia ao se considerar também os bens que são produzidos em outras religiões visando a profusão da fé, incluindo a católica.

Por oportuno, recorrendo ao pensamento dessa autora é possível inferir que a produção atende a requisitos mínimos de cristianismo mais antigo e que faz menção ao entendimento de que a procriação é algo inerente à mulher, cabendo a ela, e somente a ela, o direito de gerar. A questão de poder gerar um filho suscita e remete a outros elementos que carecem, essencialmente, de aprofundamento e que estão agregados a esse conceito e, dentre eles, há que se considerar a obrigatoriedade por gerar filhos por parte de mulheres. Nesse sentido, ainda que não diga, expressamente, que essa é a referência e o ideal de vida em família, subliminarmente, é colocado que compete a mulher gerar, gestar e também é de sua responsabilidade. Rimando com essa colocação é perceptível o entendimento da que as famílias devem ter composição heterossexual, como também é salientado ao final do documento e de acordo com o que será apresentado no decurso do presente texto.

De maneira que a menção ao ventre não é despretensiosa, ou seja, confere uma mensagem que vem carregada de elementos e de doutrina cristã. Interessante pensar também que a analogia com o ventre é fortalecida no documento ao comparar a família com o ventre, um espaço de convivência e de vínculo entre as pessoas e que faz a mediação do ser humano com a cultura, viabilizando, dentre outros elementos, a apropriação da língua materna. A língua materna é o dispositivo fundamental para que as pessoas possam se comunicar, possam trocar informações e por isso a família é o espaço privilegiado de apreensão do sistema de comunicação. É dito ainda que esse processo comunicativo vivenciado na família precisa incorporar as pessoas com deficiência, adaptando dispositivos comunicativos para a inserção desse público. Algo que é inovador, uma vez que no documento é enfatizada a importância da inclusão de todos os membros da família no processo de comunicação.

A família é assim entendida como:

Um ventre feito de pessoas diferentes, interrelacionando-se: a família é «o espaço onde se aprende a conviver na diferença» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 66). Diferenças de géneros e de gerações, que comunicam, antes de mais nada, acolhendo-se mutuamente, porque existe um vínculo entre elas. E quanto mais amplo for o leque destas relações, tanto mais diversas são as idades e mais rico é o nosso ambiente de vida. (Papa, 2015, p. 02).

E também é um espaço de contradição, de mutabilidade e de vivência entre as diferentes pessoas. A diferença de “gênero” e de “relações” não é aprofundada no documento, porém, há que se compreender que o sentido conferido é de que as diferenças em voga são comuns e que as pessoas aprendem a conviver com essas diferenças. O vínculo passa a ser maior do que as diferenças, ou melhor dizendo: o vínculo entre os membros deve superar as possíveis diferenças entre os seres que integram uma família.

A diversidade também é apresentada como algo positivo à comunicação no final desse trecho e supra citado. No trecho “[...] quanto mais amplo for o leque destas relações, tanto mais diversas são as idades e mais rico é o nosso ambiente de vida. (idem, p. 02)” há a indicação de que as pessoas precisam ter uma ampla rede de convivência, possivelmente como um elemento que favoreceria a comunicação dessas pessoas. No entanto, a analogia a diversidade apresentada no trecho, ao que tudo indica, está associada e relacionada a diversidade de idade, fazendo alusão a faixas etárias distintas de pessoas que pertencem ao mesmo núcleo familiar.

De forma que, há um avanço ao pontuar a importância da convivência e do respeito `diversidade, contudo, isso não faz menção a diversidade de gênero no sentido de identificação de gênero para além do sexo biológico de nascimento. Supostamente, já que a menção no documento não é clara há o entendimento da necessidade de respeito entre homens e mulheres, ou seja, esses entes precisam aprender a conviver e a se relacionar para uma vida em família saudável.

A família é ainda apresentada como um espaço de expressão das limitações próprias de cada ser humano. A convivência junto a essas limitações é um momento comunicativo, e, também um espaço para o exercício do perdão. Isso porque se tem o entendimento de que a convivência cotidiana resulta em conflitos. E, para bem conviver, o perdão é algo necessário, e, é também uma forma de comunicação. Por conseguinte, a comunicação é lida como atos, como o perdão.

Não existe a família perfeita, mas não é preciso ter medo da imperfeição, da fragilidade, nem mesmo dos conflitos; preciso é aprender a enfrentá-los de forma construtiva. Por isso, a família onde as pessoas, apesar das próprias limitações e pecados, se amam, torna-se uma escola de perdão. O perdão é uma dinâmica de comunicação: uma comunicação que definha e se quebra, mas, por meio do arrependimento expresso e acolhido, é possível reatá-la e fazê-la crescer. Uma criança que aprende, em família, a ouvir os outros, a falar de modo respeitoso, expressando o seu ponto de vista sem negar o dos outros, será um construtor de diálogo e reconciliação na sociedade. (Papa, 2015, p. 03)

E também a família é lida como um espaço de aprendizagem. É nele que a criança aprenderia, como dito, a “[...] ouvir os outros” (op. cit., p. 03), a exercer o respeito em relação a pontos de vista diverso sendo esses elementos compreendidos como basais para a vida sadia em sociedade.

No processo de socialização a família seria então o espaço onde a comunicação começa desde a gestação, e, após o nascimento um dos elementos comunicativos seria a apropriação da língua materna. Essa inserção seria mediada pela convivência entre pessoas diferentes e que seria também um meio de comunicação. E, caberia a família também se consolidar como um espaço de formação religiosa. A família comunica para a criança elementos atrelados a religião que frequenta, pois na “[...] família a dimensão religiosa da comunicação” (Papa, 2024, p.03) deve ser expressa. Informa ainda o documento que é na família que se aprende a oração, por sua vez também entendida como uma forma de comunicação firmada pelos seres humanos diretamente com Deus e mediada pela Igreja Católica.

Certeau (2021) enfatiza que a apropriação da religião guarda fundamento com a realidade social e familiar que é vivenciada pelas pessoas. Assim, a depender da realidade cultural e social vivida há uma construção daquilo que é idealizado como sagrado pelas pessoas. Já Bellotti (2014) apresenta a importância que há nos impressos cristãos para o fortalecimento das famílias, tanto é que os documentos em geral buscam sempre recomendar pela manutenção dos relacionamentos a qualquer custo, evitando assim o divórcio. De maneira que é comum em tais impressos o fortalecimento da família. A família passa a ser destacada como importante também pelo fato de se consolidar como um difusor da fé cristã. Cabe assim as famílias formarem os filhos na fé. O momento em que o documento destaca que a família é espaço de profusão da fé apenas corrobora com outras produções cristãs do mesmo período.

Devido a isso, cabe a comunidade cristã fortalecer e defender as famílias. A intervenção constante e a supervisão das famílias, sobretudo dos casais, é algo que sempre se mostra presente na doutrina cristã. A busca é para que as famílias sejam mantidas no seio da Igreja e não se afastem dos postulados cristãos nunca. Isso é contemplado por meio de um rol de atividades que têm acompanhamento das figuras de referência, e, no caso, dos padres ou de leitos autorizados em fazê-lo.

As famílias, por outro lado, devem ser espaços em que se comunicam elementos positivos ao desenvolvimento do ser humano. Há o entendimento de que a comunicação positiva viabilizada por uma família seria um elemento para se contrapor ao ódio que tem sido difundido na sociedade contemporânea.

Além disso, num mundo onde frequentemente se amaldiçoa, insulta, semeia discórdia, polui com as murmurações o nosso ambiente humano, a família pode ser uma escola de comunicação feita de bênção. E isto, mesmo nos lugares onde parecem prevalecer como inevitáveis o ódio e a violência, quando as famílias estão separadas entre si por muros de pedras ou pelos muros mais impenetráveis do preconceito e do ressentimento, quando parece haver boas razões para dizer «agora basta»; na realidade, abençoar em vez de amaldiçoar, visitar em vez de repelir, acolher em vez de combater é a única forma de quebrar a espiral do mal, para testemunhar que o bem é sempre possível, para educar os filhos na fraternidade (Papa, 2015, p. 04).

E termos como abençoar, visitar, acolher são apresentados como elementos fundamentais para a comunicação para as famílias. E, nesse sentido é claro o apontamento para que educação, o processo educativo e que também é um elemento comunicativo seja pautado na afetividade e no acolhimento, descrito como “fraternidade”. Importante frisar tal elemento uma vez que o documento aponta para a necessidade de serem consolidadas outras formas de comunicação, sobretudo com os mais jovens. Destaca que os elementos presentes na sociedade contemporânea, como a tecnologia, tendem a facilitar esse processo comunicativo mas também podem dificultar o mesmo com a profusão de perspectivas que são negativas ao desenvolvimento do ser humano. Por conseguinte, é importante que as famílias consigam se aproximar, sobretudo dos jovens, por meio de uma comunicação que seja atrativa a esses públicos.

E, por fim, a família é tida como elemento de comunicação pelo exemplo prático uma vez que as condutas e ações adotadas pelos membros de uma família possuem a condição de comunicar algo. Assim, a prática cotidiana é também compreendida como um meio de comunicação que orienta, sobretudo as gerações mais jovens, sendo o documento concluído e expresso na sentença:

A família mais bela, protagonista e não problema, é aquela que, partindo do testemunho, sabe comunicar a beleza e a riqueza do relacionamento entre o homem e a mulher, entre pais e filhos. Não lutemos para defender o passado, mas trabalhemos com paciência e confiança, em todos os ambientes onde diariamente nos encontramos, para construir o futuro. (Papa, 2015, p. 04).

O testemunho é um dispositivo compreendido para além da oralidade. Está associado a exemplos que conferimos para além da expressão verbal. O testemunho, a prática é um elemento de comunicação. E, tal elemento é basal, como é possível concluir, para a construção de novas relações e novos encontros entre as pessoas que fazem parte dessa família. Importante frisar que o documento salienta para o fato de esse sistema comunicativo estruturar relações entre “homem e a mulher” (op. cit.,p. 04) fazendo alusão à composição heterossexual das famílias e orientando o fato de que os filhos seriam algo inerente a essa disposição e organização familiar.

Isso porque o viés cristão pressupõe que a família reproduza os princípios cristãos e ainda que isso não seja dito, verbalmente, expresso de forma clara e significativa, é perceptível que o sentido implícito dessas asserções é uma condução para a defesa da família heterossexual, composta por marido mulher e filhos ou seja:

O casamento é uma instituição divina em que duas pessoas abandonam o lar paterno para se unir e constituir uma nova família. Ao marido, cabe respeitar e amar a mulher assim como Cristo amou sua igreja (o conjunto de
fiéis). À mulher cabe ser submissa ao marido, amando-o e respeitando-o até que a morte os separe. Aos filhos cabe respeitar seus pais, e aos pais, respeitar os filhos, criando-os sob limites (BELLOTTI, 2005, p. 167)

Respeito que também vem associado ao que os pais comunicam para os dependentes, para os filhos. E, filhos que devem ser comunicados na fé, criados na fé cristã, e consequentemente, partindo da mensagem papal, na fé católica, ainda que isso não seja dito.

Nesse sentido, vemos a inovação da Igreja Católica em se colocar a importância de mudança do diálogo conferido ao jovem. Bellotti (2014) indica que isso pode advir do fato de que já sem o entendimento de que esse público estaria se afastando do cristianismo e, por isso, há necessidade de mudar a forma com que se fala para esse público. É igualmente importante a menção a demanda para que as famílias modificassem o diálogo para termos mais acolhedores. Isso pode ser lido ainda como um reflexo do entendimento de que caso o discurso não fosse alterado, a Igreja Católica poderia perder ainda mais fiéis. Assim, defender discursos agressivos ou de ódio podem resultar no afastamento dos crentes.

Atualmente o discurso proferido é conferido com rapidez inimaginável uma vez que a internet publiciza documentos de tal natureza. A exemplo da carta aqui usada como elemento de pesquisa, ou melhor, como fonte para o artigo é possível acessá-lo via site do Vaticano sendo o mesmo traduzido literalmente para mais de 18 idiomas na hora que o mesmo é acessado. Há então maior divulgação de discursos que são mais acessíveis a um grupo grande de pessoas e por conseguinte, há que se considerar ainda que discurso fala realmente com o público. Há que se lembrar o que fora conferido no início desse artigo e que consiste em afirmar que nenhuma comunicação ou linguagem é emitida sem o objetivo de alcançar uma finalidade.

Para fins de orientar e sistematizar os principais conteúdos abordados no texto considerou-se a necessidade de sua representação por meio da tabela que segue:

Tabela 1 – Sistematização dos principais conceitos da mensagem papal para as famílias

Conceito de Família

Missão e objetivo das famílias

Conceito de Comunicação

Outros elementos

Família heterossexual (relação homem e mulher)

Ter filhos

Acontece desde a gestação

Ênfase na questão do ventre e do período gestacional

Conferir a educação dos filhos na fé católica

Comunicação é desenvolvida visando uma ação futura

Defesa pela importância da mudança de discurso voltado ao jovem

Orientar os filhos de forma afetiva

Comunicação visa minimizar o ódio

Exemplo citado da visita de Maria para Isabel

Incluir pessoas com deficiência na comunicação familiar

Comunicação incorpora a construção de valores religiosos

Ênfase para que a Igreja possa fortalecer as famílias

FONTE: OS AUTORES, 2024.

Essa mensagem deveria ensejar a adoção de abordagens e práticas nas paróquias, como dito anteriormente. Ou seja, a base para as ações e reflexões em torno da questão familiar, em 2015, seria o documento papal, porém, cada região e paróquia teria liberdade para promover ações orientadas à dar concreticidade para o que fora proposto. Em pesquisas suplementares não foi possível encontrar registros que auxiliassem a compreensão dos exemplos práticos. Afinal, como as paróquias brasileiras incorporaram a mensagem papal difundida?. Essa lacuna não fora contemplada no presente trabalho, e, ainda que não constituísse o objeto do mesmo, fez emergir o interesse pelo tema. Sua abordagem poderia precisar se as representações sociais construídas pelos católicos da carta papal os conduziram na adoção de práticas sociais correspondentes.

Considerações finais

A análise da mensagem emitida pelo Papa e conforme apresentado acima suscitou questões que merecem destaque. Inicialmente é preciso compreender a mensagem emitida como algo que está atrelado a uma burocracia institucional já consolidada pela Igreja Católica. Nesse sentido, a CNBB, a Comissão Episcopal e a Pastoral da Comunicação representam dispositivos que foram consolidados com a finalidade de transmitir ao corpo dos fiéis a mensagem papal, e, por analogia, a “mensagem” da Igreja Católica.

Nesse sentido o documento aqui analisado apresenta a família como um espaço privilegiado de comunicação sendo que em tal espaço o processo comunicativo tem início desde a gestação, ou desde o “ventre”, como salientado no documento. Porém, a família é apresentada como passível de erros, e, o perdão é recomendado sendo também reconhecido como um dispositivo de comunicação.

A comunicação familiar é apresentada ainda como um meio de transmissão da fé, do ensino do cristianismo e há ênfase na necessidade de adoção d enovas linguagens que busquem maior aproximação ao jovem e que usem elementos orientados ao acolhimento. Há grande ênfase para que as famílias sejam estimuladas a novos discursos, mais afetivos e que esses busquem não mais fortalecer dispositivos de agressão.

Em tempo, é destacado o papel da família em comunicar e ofertar afeto visando se contrapor a discursos de ódio e de segregação. Nesse aspecto é dito ainda que as famílias precisam incluir todos os membros na comunicação e que esse elemento deve considerar as especificidades de cada membro, sobretudo as pessoas com deficiência. Esse elemento é bastante inovador pelo fato de que situa a família com nos novos tempos, e, significativo ao apontar a diversidade como elemento intrínseco a ela também salienta a necessidade de adaptação do diálogo para melhorar a comunicação com jovens e para a inclusão de forma propositiva junto a pessoas com deficiência.

No entanto, além dessas mensagens, digamos assim, subliminares, é perceptível que o entendimento associado é a família heteronormativa. O texto no início apresenta o diálogo estabelecido entre Maria e Ana, destacando assim um importante dogma da fé católica: a de que Maria fora a escolhida por Deus para gerar o salvador. Isso indica a afirmação de elementos presentes na doutrina católica mas também salienta e destaca conceitos subjetivos como por exemplo: a concepção de uma vida deve ser gerada por uma mulher, ou seja, inserir um exemplo como esse no início do documento rima com a perspectiva de que todas mulheres devem conceber. A perspectiva em pauta encontra assento no entendimento proferido ao final do texto: relação homem e mulher, ou seja, heteronormativa, dando indícios do que pode ser entendido como família sob o viés católico.

De maneira que, em linhas gerais, o documento se apoia em elementos tradicionais do cristianismo católico mas também busca conferir uma perspectiva inovadora ao passo que situa a necessidade de mudança do diálogo e da inserção de pessoas com deficiência no processo de comunicação das paróquias, podendo ser compreendido como um dispositivo, um meio de aceitação social da Igreja Católica na sociedade como um todo, incluindo a sociedade brasileira.

Dessa forma, a Igreja Católica mantém alguns pontos cruciais de sua doutrina e busca inserir novos diálogos por meio dos quais também tenta fortalecer o vínculo firmado com fiéis. Infelizmente a análise realizada não procurou exemplos práticos que pudessem viabilizar a checagem do impacto dessa mensagem no cotidiano das paróquias, e, isso indica a necessidade de estudos suplementares sobre o tema. Considera-se assim que a presente pesquisa cumpriu o objetivo ao qual se propôs e suscitou vários outros elementos a serem aprofundados em estudos e pesquisas suplementares.

Nesse sentido é preciso compreender a mensagem do Papa Francisco dentro de um contexto de grande disputa pela hegemonia religiosa. O alinhamento do discurso busca garantir a adesão dos fiéis ao catolicismo. A energia passa a ser orientada para as famílias uma vez que as mesmas são compreendidas como as responsáveis pela educação dos novos seres e, sobretudo, para que esses também sejam orientados na fé católica. Ainda que incorpore elementos inovadores como apresentado acima, tem a finalidade de buscar fiéis e sustentar a hegemonia do catolicismo que cada vez mais vem sendo abalada frente a expansão e o crescimento de outras denominações.

As mídias ocupam um lugar de centralidade nas práticas religiosas uma vez que colaboram para a profusão dos ideais veiculados pelas denominações mais variadas, incluindo a católica. A divulgação e a partilha da carta papal tem que ser compreendida como resultado do aprofundamento das mídias e que faz com que as mensagens como a que foi apresentada no texto ganhem maior notoriedade e divulgação junto a vários segmentos. A divulgação desse documento e de outros afins representa sobretudo o tempo histórico que é vivido pela sociedade em que esses dispositivos são vitais para o homem e se mostram agora como essenciais às religiões. O estudo das religiões é sempre importante uma vez que dá a saber como a sociedade se relaciona com esse fenômeno que rege e orienta os povos na adoção de condutas e posturas variadas.

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Meyer, D. E. E.; Mello, D.F. de V.Valadão, M. M. Ayres, J. R. de C. M. Cadernos de Saúde Pública (Online);22(6): 1335-1342, jun. 2006. Disponível em https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-428314. Acesso em: 11 de out. de 2024.


1 Daniela Emilena Santiago é Assistente Social, Mestre em Psicologia e Mestre em História pela Unesp – Assis-SP, Doutora em História pela Unesp de Assis-SP. Docente no curso de Psicologia da Unip de Assis-SP. E-mail: [email protected]

2 Germano Miguel Favaro Esteves é Historiador, Mestre em História pela Unesp de Assis-SP, Pós Doutor em História pela Unesp de Assis-SP. Docente nos cursos de Direito, Pedagogia e Psicologia da Unip de Assis-SP. E-mail: [email protected]

3 Maria Tereza Aparecida de Lima é graduanda do curso de Psicologia da Unip de Assis-SP. E-mail: [email protected]

4 Um dos autores é acadêmico do curso de Psicologia da UNI, campus Assis-SP e os demais são professores do referido curso.