EDUCAÇÃO FÍSICA EM COLÉGIOS MILITARES E A CONSTRUÇÃO DA “ANORMALIDADE”

PDF: Clique Aqui


REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13948744


Felipe Barnabe Batista1


RESUMO
Este artigo tem como objetivo investigar a integração da Educação Física no Ensino Médio Militar, com foco no Colégio da Polícia Militar do Estado do Tocantins, em Palmas. A pesquisa examina criticamente o papel normativo da disciplina e da padronização no sistema educacional militar, analisando como essas práticas podem impactar a formação de cidadãos reflexivos e inclusivos. Utilizando a teoria da “anormalidade” de Michel Foucault, o estudo explora como o controle e a categorização dos corpos influenciam a abordagem educacional, promovendo a exclusão de discentes que não se encaixam nos padrões normativos. O trabalho propõe uma reflexão sobre a necessidade de práticas mais inclusivas que respeitem a individualidade dos alunos, considerando o contexto militar e a importância da Educação Física na formação crítica.
Palavras-chave: Educação Física. Disciplina. Padrões Normativos

ABSTRACT
This article aims to investigate the integration of Physical Education in Military High Schools, focusing on the Military Police School of the State of Tocantins, in Palmas. The research critically examines the normative role of discipline and standardization in the military educational system, analyzing how these practices can impact the formation of reflective and inclusive citizens. Using Michel Foucault's theory of "abnormality," the study explores how the control and categorization of bodies influence the educational approach, promoting the exclusion of students who do not fit normative standards. The paper proposes a reflection on the need for more inclusive practices that respect students' individuality, considering the military context and the importance of Physical Education in critical formation.
Keywords: Physical Education. Discipline. Normative Standards.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como ênfase a Educação Física em colégios Militares. O objetivo é analisar como a Educação Física pode ser integrada de maneira crítica e eficaz na educação básica no Ensino Médio Militar na rede pública de ensino, de forma a contribuir para a formação de cidadãos reflexivos em todo ou qualquer tipo de sistema de ensino, normativo militarizado ou não.

O trabalho busca analisar criticamente questões antes tratadas em temas do ensino tradicional, este firmemente empregado em regimes militares fixados em sua individualidade de ensino por uma educação não inclusiva que reforça a padronização dos alunos e a desconstrução da individualidade dos discentes pela disciplinaridade e controle.

Questionamentos são poucos difundidos nas Escolas Públicas Militares em geral. A pesquisa é desenvolvida no Colégio da Polícia Militar do Estado do Tocantins, situado na cidade de Palmas, capital do Estado.

Esta investigação trilha um caminho fixado em análises e comparações através de investigações e correlações conceituais, explorando as estruturas e os problemas encontrados no Ensino Médio Militar na abordagem da “anormalidade” a partir de Michel Foucault (1926-1984) e da presença “normatizadora” que existe nesse modelo de ensino nas relações do papel da Educação Física no Ensino Médio.

REFERENCIAL TEÓRICO

No cenário educacional, é inegável que as instituições militares de ensino ocupam um lugar peculiar, onde valores como disciplina, hierarquia e normatização ganham um destaque singular.

Como certos comportamentos ou características são categorizados como desvios da norma, e como essa categorização influencia a abordagem educacional adotada. Essa exploração nos conduzirá a examinar o conceito de "anormalidade" encontrado na “genealogia da anormalidade” de Foucault à luz das particularidades dos colégios militares. Um aluno de Educação Física pode ser considerado anormal pela sua fisionomia?

A genealogia da “anormalidade” de Michel Foucault (1926-1984) examina as origens históricas e culturais de nossa compreensão e tratamento da doença mental e do desvio de conduta social. Argumentando que os conceitos históricos de “anormalidade” não são baseados em fatos científicos objetivos, mas sim em relações de poder social e político. A classificação de certos comportamentos ou condições como “anormais”, segundo Foucault (2001, p. 6), é um produto da mudança de normas culturais e do exercício do poder por grupos dominantes.

Os problemas que serão tratados quanto a aproximação com a educação são relatados por Foucault de modo basilar, mas às vezes indiretamente em suas obras. Porém, suas contribuições servirão para a construção de uma crítica aos modelos das instituições.

Segundo Foucault, (2001, p. 7)

A anormalidade é uma construção social que é usada para controlar e regular os corpos e as mentes das pessoas. Ela é criada por discursos médicos e psiquiátricos que classificam e patologizam uma série de comportamentos e características que antes eram considerados normais.

Michel Foucault aponta que a articulação entre o corpo e a história é fundamental na compreensão dos acontecimentos. Ele argumenta que é no corpo que os eventos são registrados. Em vez de procurar uma identidade comum e constituinte, Foucault destaca a heterogeneidade e a multiplicidade de eventos na origem das coisas, revelando o que é acidental e descontínuo na história. Isso significa que as narrativas históricas tendem a omitir a proveniência, construindo um discurso coerente sobre a origem das coisas, mas ignorando elementos que podem causar interrupções na unidade proposta. Para realizar uma "genealogia da 'alma' moderna", é necessário analisar cuidadosamente as relações entre o corpo e a história. A investigação do sujeito e de suas identidades leva o genealogista aos vários eventos heterogêneos pelos quais ele se forma, de modo que a identificação da proveniência permite a dissociação do eu e das identidades formadas (MORAES, 2018).

Para acompanhar o que Foucault sugere como “genealogia da anormalidade” são traçadas três formulações de sujeitos “monstruosos”, pareceu-nos melhor persegui-las conforme elas surgiram, em ordem cronológica, nos textos de Foucault. Essa abordagem é talvez a mais convencional.

Em sua genealogia, Foucault traça a evolução histórica da convencional compreensão da doença mental clínica e das instituições, como os asilos, que foram criados para lidar com a “higiene social”. Segundo Foucault (2001, p. 149)

Em linhas gerais, a psiquiatria, por um lado, fez funcionar toda uma parte da higiene pública como medicina e, por outro, fez o saber, a prevenção e a eventual cura da doença mental funcionarem como precaução social, absolutamente necessária para se evitar um certo número de perigos fundamentais decorrentes da existência mesma da loucura.

Segundo Foucault, houve uma importante flexão no trato desse problema. Primeiramente, observou-se que: “Nos colégios, nos seminários, nas escolas [...] fala-se o mínimo possível, mas tudo, na disposição dos lugares e das coisas, designa os perigos desse corpo de prazer. Dizer dele o mínimo possível, só que tudo fala dele” (FOUCAULT, 2001, p. 294-295). O corpo é o sujeito de suas implicações nos seus espaços, algo que ocorre no ensino da Educação Física em geral.

No decorrer da história o corpo não saudável e portanto, o “anormal”, sujeito degenerado, não educável, não disciplinável, resistente à penalidade, pervertido e incurável, será o novo “monstro” para o qual serão edificados diversos conceitos e teorias e variadas instituições e práticas. Discursos e locais alheios ao social, intencionalmente fora do social, em nome de sua proteção. “É para o indivíduo perigoso, isto é, nem exatamente doente nem propriamente criminoso, que esse conjunto institucional está voltado”. (FOUCAULT, 2001, p. 43)

Todas essas correlações de fatores inseriram na ciência um interesse pela criança, logo, também, pela pedagogia, estabelecendo juntos parâmetros de normalidade. A psicologia da “criança retardada”, o deficiente mental em sentido cognitivo e a diversidade constrói na sala de aula moderna uma nova “anormalidade”. (DAMETTO; ESQUINSANI, 2014, p. 68)

No contexto educacional, a inclusão escolar e social enfrenta desafios decorrentes dessas categorizações e práticas de controle dos corpos. A resistência dos alunos às atividades físicas escolares pode ser interpretada como um ato voluntário de protesto ou como uma manifestação de anormalidade. Essas interpretações têm consequências na forma como os alunos são tratados e educados na instituição.

A anormalidade é um conceito que foi criado pela sociedade para classificar e controlar aqueles que não se encaixam nas normas e valores da sociedade. A anormalidade é associada à doença, à deficiência e ao crime. As pessoas que são consideradas anormais são excluídas, marginalizadas ou ressocializadas. Socialmente são frequentemente discriminadas em termos de emprego, educação e habitação. As pessoas que são consideradas anormais também são mais propensas a sofrer de problemas de saúde mental e de comportamento. A anormalidade é um conceito que é usado para justificar a violência e a opressão contra aqueles que não se encaixam nas normas e valores da sociedade". (FOUCAULT, 1975, p. 61)

A disciplina militar constrói certos tipos de individualidade. Faz do sujeito um indivíduo, cria-se uma “engrenagem” sem funcionamento ou defeituosa dentro de uma máquina performática que não funciona com erros.

O monstro em si na atualidade não cumpre mais o papel de ser uma anomalia depreciativa. Algo antinatural, a Pedagogia e a Psicologia juntas com a medicina criaram métodos de Ensino direcionados às pessoas com deficiências físicas ou mentais no intuito de que o “monstro” moderno seja tratado de forma normativa em seu espaço específico, no Ensino Especial, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) etc. Não existe espaço para esse sujeito no Ensino Militar em geral.

Em suma, aquelas dificuldades não são ontologicamente necessárias, isso é, elas não advêm de uma suposta natureza das coisas, de alguma propriedade transcendental que presidirá o funcionamento do mundo. Vejamos um exemplo disso. Se parece mais difícil ensinar em classes inclusivas, classes nas quais os (chamados) normais estão misturados com os (chamados) anormais não é tanto porque seus (assim chamados) níveis cognitivos são diferentes, mas, antes, porque a própria lógica de dividir os estudantes em classes - por níveis cognitivos, por aptidões, por gênero, por idades, etc. - foi um arranjo inventado para, justamente, colocar em ação a norma, através de um crescente e persistente movimento de, separando o normal do anormal, marcar a distinção entre normalidade e anormalidade. Nesse caso, o conceito de nível cognitivo foi inventado, ele próprio, como um operador a serviço desse movimento de marcar aquela distinção [...] (VEIGA-NETO, 2001, p. 25).

Através de um movimento contínuo e persistente de separar o normal do anormal, essa divisão serve para marcar e reforçar a distinção entre normalidade e anormalidade. No caso específico do conceito de nível cognitivo, ele foi inventado como um instrumento para sustentar esse movimento de demarcação. Assim, fica evidente que as dificuldades encontradas não são inerentes às capacidades dos indivíduos, mas são, em grande parte, construções sociais que refletem e perpetuam normas e estigmas, destacando a importância de repensar essas estruturas para promover uma verdadeira inclusão e igualdade na educação, no ensino de Educação Física e na sociedade como um todo.

CONCLUSÃO

Este trabalho buscou examinar criticamente a Educação Física no contexto dos colégios militares, em particular no Colégio da Polícia Militar do Estado do Tocantins, a partir da perspectiva da normatização e da disciplina. A análise foi orientada pelas reflexões de Michel Foucault, que evidenciam como o poder é exercido através da padronização e controle dos corpos e comportamentos, classificando o que é "normal" e "anormal" dentro das instituições de ensino.

O estudo evidenciou que o modelo de educação militar reforça uma padronização que muitas vezes nega a individualidade dos alunos e pouco promove a reflexão crítica. A disciplina e o controle excessivo acabam por definir normas de conduta que excluem aqueles que não se encaixam nos padrões estabelecidos, classificando-os como anormais. No contexto da Educação Física, isso pode ser observado na maneira como o corpo dos discentes é tratado e moldado, limitando a possibilidade de uma educação inclusiva que valorize as diferenças individuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAMETTO, J. & ESQUINSANI, R. Desdobramentos educacionais das teorizações sobre a anormalidade: perspectivas a partir de Michel Foucault. Perspectiva: Linguística, Letras e Artes e Ciências Humanas, n. 144, v. 38, p. 1-100, dez. 2014.

FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1975.

MORAES, Marcos Vinicius Malheiros. 2018. "Genealogia - Michel Foucault". In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: <http://ea.fflch.usp.br/conceito/genealogia-michel-foucault>. Acessado em 08 de fevereiro de 2024.

VEIGA-NETO, Alfredo. Incluir para excluir. In: LARROSA, Jorge; SKLIAR Carlos. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p. 105-118.


1 Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected]