ECOS DO PASSADO: ARTE, ARQUITETURA E PATRIMÔNIO NO CEMITÉRIO NOSSA SENHORA DA PIEDADE EM ALAGOAS
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13289290
Laura Tereza Menezes de Souza1
Nathalie Tenório de Barros Farias2
RESUMO
O Cemitério Piedade, localizado em Alagoas, representa um relevante patrimônio histórico e arquitetônico. Erguido no século XIX, o cemitério reflete as transformações sociais e urbanas ocorridas após a abolição da escravatura e a modernização de Maceió. A transição dos sepultamentos das igrejas para cemitérios, influenciada por normas sanitárias europeias, transformou o Cemitério Piedade em um espaço sagrado que conserva memórias e tradições socioculturais. Além de ser um local de descanso eterno, ele testemunha práticas funerárias e dinâmicas sociais da época. Sua arquitetura e os monumentos funerários incorporam tanto valores materiais quanto simbólicos, consolidando-se como um patrimônio cultural urbano de significativa importância.
Palavras-chave: Urbanização, Patrimônio, Arquitetônico, Monumento, Cultura.
ABSTRACT
The Piedade Cemetery, located in Alagoas, represents an important historical and architectural heritage site. Built in the 19th century, the cemetery reflects the social and urban transformations that took place after the abolition of slavery and the modernization of Maceió. The transition of burials from churches to cemeteries, influenced by European health standards, transformed the Piedade Cemetery into a sacred space that preserves memories and socio-cultural traditions. As well as being a place of eternal rest, it bears witness to the funerary practices and social dynamics of the time. Its architecture and funerary monuments embody both material and symbolic values, consolidating it as an urban cultural heritage site of significant importance.
Keywords: Urbanization, Heritage, Architectural, Monument, Culture.
Introdução
Desde tempos imemoriais, os cemitérios têm desempenhado um papel fundamental na preservação da memória coletiva e na expressão Arquitetônica das sociedades. No contexto Brasileiro, o Cemitério Nossa Senhora da Piedade, localizado em Maceió, Alagoas, destaca-se como um marco histórico e cultural do século XIX.
Este cemitério não apenas testemunhou as transformações urbanas e sociais da época, mas também abriga uma rica diversidade arquitetônica que reflete a evolução estilística e os valores culturais da sociedade alagoana. Além disso, é o repouso eterno de figuras ilustres que moldaram não apenas a história local, mas também contribuíram para o panorama cultural e político mais amplo do Brasil. Este artigo explora a importância do Cemitério Nossa Senhora da Piedade como Patrimônio com seus aspectos Arquitetônicos, Históricos e Culturais, destacando suas características Arquitetônicas distintas e o legado das personalidades notáveis ali sepultadas.
A edificação do Cemitério Nossa Senhora da Piedade, que teve início em 1850, marcou um momento importante para Maceió. No dia 29 de setembro daquele ano, o jornal. O Correio de Maceió noticiou que o engenheiro Pedro José Schranback recebeu a tarefa de demarcar o terreno e preparar as fundações do cemitério. A escolha do local e a execução da obra refletiram influências arquitetônicas da época, como o estilo Neoclássico e Gótico, incorporando elementos locais e criando um espaço único e reverenciado.
A relevância deste cemitério para Alagoas transcende seu valor histórico e arquitetônico. Ele testemunha as transformações sociais e econômicas do século XIX e permanece como uma lembrança concreta das contribuições culturais e políticas das personalidades sepultadas ali. O Cemitério Nossa Senhora da Piedade é, portanto, um lugar de memória que liga o presente ao passado, oferecendo uma compreensão mais rica da história e do desenvolvimento da região.
"Os cemitérios não são apenas locais de repouso final, mas também refletem a alma de uma sociedade, suas crenças, valores e histórias. Eles são 'os lugares onde as lembranças perduram e os ecos do passado se fazem presentes', como bem observou Robert Pogue Harrison em seu estudo sobre a relação entre a morte e a cultura." (Harrison, 2003).
Essa estrutura dá um panorama abrangente da importância do Cemitério Nossa Senhora da Piedade e integra uma citação relevante que enriquece a discussão sobre a função dos cemitérios na preservação da memória coletiva.
A metodologia deste trabalho baseou-se em fontes secundárias, como livros e artigos acadêmicos, e a realização de uma entrevista com o Arquiteto responsável pela criação de um dos monumentos funerários presentes no Cemitério Nossa Senhora da Piedade. As fontes secundárias forneceram o contexto teórico e histórico necessário para a análise das práticas de arquitetura funerária. A análise de dados combinou uma revisão narrativa das fontes secundárias e uma análise de conteúdo da entrevista. Todos os procedimentos seguiram as diretrizes éticas, com o consentimento informado do entrevistado e a garantia de confidencialidade.
Uma Breve contextualização sobre a morte relacionada a cultura
Desde o início das civilizações do mundo, o ser humano demonstrou uma grande preocupação com o sepultamento dos mortos. Como ocorria no Egito Antigo, onde esta preocupação se manifestava de forma extraordinária nas grandiosas pirâmides e nas elaboradas tumbas construídas para faraós e nobres. Essas edificações, além de servirem como locais de descanso eterno, refletiam o desejo de perpetuação e imortalidade, tanto do indivíduo quanto do grupo social ao qual pertenciam (OLIVEIRA, 2007, p. 10).
A construção de locais específicos para os falecidos, indicava a relevância que era atrelada à vida após a morte, e até mesmo a memória coletiva dos vivos. No Egito, as pirâmides e complexos funerários, com suas várias câmaras e rituais, demonstravam um tratamento delicado para com o local onde eram sepultados aqueles que haviam falecido.
Os cemitérios são mais do que locais destinados ao armazenamento e preservação de restos mortais humanos. Tratam-se de espaços sagrados de manifestação de diversas expressões socioculturais, onde há uma conexão do ser humano com o lado espiritualista e com a reflexão ancestral, podendo até mesmo exercer o ato filosófico de pensamento sobre sua existência. Estas paisagens funerárias não apenas nos oferecem um patrimônio arquitetônico com suas construções, mas também valores, tradições, religiosidades (NOGUEIRA, 2013, p. 31).
Como patrimônio cultural urbano, os cemitérios possuem valores vinculados tanto aos bens tangíveis quanto aos intangíveis. Conforme apontado por Carrasco e Nappi (2009), três valores patrimoniais significativos podem ser relacionados aos bens materiais: o ambiental, o urbano, o artístico e o histórico.
A visitação de museus para reconhecer suas obras arquitetônicas, artes e características históricas, pode ser utilizada como uma lógica para os cemitérios, pois estes possuem em seus aspectos característicos informações e memoriais. Cemitérios e museus, ambos criados pelos e para os vivos, continuarão existindo enquanto houver seres humanos, e serão sempre uma fonte inestimável de conhecimento (RIBEIRO, BRAHM E TAVARES, 2018).
Propagação da Arquitetura Funerária Ao Redor do Mundo e No Brasil:
A arquitetura desempenha um papel crucial como indicador sociocultural e cronológico, sendo essencial para os estudos de arqueologia cemiterial. Compreender essas características permite identificar e analisar como os espaços destinados aos mortos foram projetados e utilizados pelos vivos ao longo do tempo. Os estilos arquitetônicos servem como ferramentas indispensáveis para entender a evolução das práticas funerárias. (BARTHEL, STELLA; RAMOS, ANA CATARINA; CASTRO, VIVIANE, 2020).
Nos cemitérios, a arquitetura é meticulosamente planejada com o uso de materiais duráveis, capazes de resistir ao passar dos anos. As técnicas e formas empregadas refletem as tendências de uma era específica, ao mesmo tempo que demonstram o controle social sobre os espaços urbanos e seus arredores. Assim como outras construções, os cemitérios seguem esses princípios e se destacam como elementos significativos no contexto urbano.
Durante a segunda metade do século XIX, doenças tais como a cólera, a febre amarela, varíola e a influenza se espalhavam pelo Brasil através dos navios e causavam infecções nos provincianos, que viviam em situações de precariedade higiênica. De acordo com Figueira Júnior (2018), medidas sanitárias foram propostas e colocadas em prática para amenizar a propagação das infecções em locais onde havia matéria orgânica, tais como: igrejas, pântanos, ruas, etc.
De acordo com Lima (1994), até o século XIX eram realizados no Brasil os enterros em Igrejas. Porém, a França com suas pesquisas e medidas médicas que eram conhecidas mundialmente argumentou e divulgou que os sepultamentos em igrejas era uma prática que poderia espalhar doenças devido aos odores e gases liberados pós-morte. Existia ainda uma preocupação com a reorganização dos espaços públicos urbanos da época, visando melhorias higiênicas para a cidade. Isso contribuiu para a transferência dos sepultamentos das igrejas para cemitérios privados.
Cymbalista (2002) observa que apenas as pessoas de condição nobre eram enterradas dentro das igrejas, enquanto os menos favorecidos eram sepultados nas escadarias. Embora a igreja não pudesse cobrar pelo sepultamento em seu interior, os padres aceitavam "doações" dos familiares do falecido e escolhiam o local do enterro. Enterros perto de Deus eram uma garantia de vida plena depois da morte (Reis, 1997).
Durante o período colonial e imperial no Brasil, os escravos e pessoas marginalizadas frequentemente encontravam seu descanso final em praias, terrenos baldios e campos abertos, como apontam Medeiros (2012) e Rodrigues (2014). Além disso, muitos desses indivíduos eram enterrados nos cemitérios administrados pela Santa Casa de Misericórdia de Maceió. Enquanto isso, os sepultamentos das classes mais privilegiadas aconteciam nos pisos das igrejas, bem como nos altares e ossuários das capelas em sítios e engenhos.
No início do século XIX, a aristocracia que dominava o período anterior começou a dar lugar a uma burguesia emergente ou em ascensão, que buscava reafirmar seu novo status como elite dominante. Nessa época, o estilo arquitetônico Neoclássico, influenciado pela Europa, tornou-se predominante no Brasil. De acordo com Bellomo (2008, p. 27), a ornamentação dos túmulos transmitia uma imagem de poder para aqueles cujas famílias tinham melhores condições financeiras.
Usando como parâmetro a categorização do pesquisador Harry Bellomo, podemos dividir esses adornos em: Cristãos, Alegóricos e Celebrativos.
Os símbolos cristãos são representados principalmente pelos símbolos da cruz e de Cristo, que abrangem momentos importantes como nascimento, evangelização, morte, ressurreição e ascensão. Estas aparições incluem também: figuras religiosas de Maria e figuras de anjos (GALVAN, 2021).
O estilo alegórico segue princípios antigos e enfatiza a admiração de pessoas que são perfeitas além da norma (BELLOMO, 2008, p. 18). Este gênero celebra heróis e virtudes e usa figuras femininas para representar conceitos ou emoções como dor, conforto, tristeza e esperança. Além disso, esses mitos são de natureza política, representando ideias como republicanismo, pátria e aventura. (GALVAN, 2021).
A tipologia cerimonial está associada ao positivismo e à política do início do século XX, e distingue-se dos túmulos, que têm uma dupla função, como observa Bellomo. Estas sepulturas não só proporcionam um local de descanso final, mas também honram a memória de importantes figuras políticas. Normalmente, estes túmulos apresentam imagens e alegorias dos mortos que representam as suas atividades ou ideologia durante as suas vidas, integrando-se assim num culto cívico (2008, p. 21).
A Prática de Visitação aos Cemitérios no Século XIX: Um Culto Familiar e Moral aos Mortos
A prática de visitação de cemitérios é uma forma de demonstrar uma certa afetividade familiar, que se tornou comum a partir do Século XIX. Esta prática no Brasil, foi popularizada a partir de veículos como: as crônicas, a literatura romântica da época em questão, e até mesmo as revistas de Portugal.
O escritor Machado de Assis tem até mesmo em uma de suas obras denominada “O Memorial de Aires”, uma citação subjetiva, que leva os leitores a reflexão a respeito desta temática da visitação aos mortos:
“Os mortos param no cemitério, e lá vai ter a afeição dos vivos, com suas flores e recordações. [...] A questão é que virtualmente não se quebre este laço, e a lei da vida não destrua o que foi da vida e da morte” (Machado de Assis, 1959, v. 1, p. 1121).
Imagem 1: A Obra Literária de Machado de Assis, de 1959.
Transformações Sociais, Urbanas e Cemitérios em Alagoas no Século XIX
No século XIX, a sociedade de Alagoas era significativamente influenciada pela escravidão. A produção agrícola dependia amplamente do trabalho escravo, moldando as interações sociais dessa região. Com a abolição da escravatura em 1888, Alagoas, assim como o restante do Brasil, enfrentou o desafio de adaptar-se ao sistema de trabalho livre (FREIRE,2007).
Alagoas vivenciou profundas transformações, especialmente a partir da segunda metade do século, com a modernização e urbanização. Maceió, que se tornou a capital em 1839, cresceu rapidamente após a construção da estrada de ferro em 1860, conectando a cidade ao interior e facilitando o escoamento da produção agrícola, principalmente de açúcar e algodão. Esse desenvolvimento foi essencial para a urbanização, estimulando a migração do campo para a cidade e o surgimento de novos bairros e infraestrutura urbana (MELO, 2003).
As alterações urbanas causaram alterações das relações sociais, diversificando a população com a chegada de trabalhadores livres, comerciantes e profissionais liberais. As novas oportunidades econômicas e a infraestrutura moderna facilitaram o surgimento de uma classe média urbana, embora a desigualdade social ainda permanecesse (FARIAS, 1998).
Cemitério Nossa Senhora da Piedade como Objeto de Estudo
Imagem 2: Fachada do Cemitério Nossa Senhora da Piedade.
Durante sua gestão como Governador de Alagoas, em diferentes períodos no final do século XIX e início do século XX, Antônio Coelho de Sá e Albuquerque enfrentou desafios consideráveis, como problemas econômicos e sociais, além de conflitos políticos locais que frequentemente levaram a instabilidades administrativas. Seu governo foi marcado por esforços para modernizar e promover o desenvolvimento, embora tenha sido frequentemente interrompido por crises políticas e sociais (SILVA, 1975).
De acordo com Silva, o Cemitério Nossa Senhora da Piedade é um dos mais antigos presentes em Maceió. No ano de 1855, Antônio Coelho de Sá e Albuquerque, informou que a construção do cemitério estava em fase final. Dentre as instalações já existentes, contabilizavam-se 274 catacumbas, sendo que 198 foram erguidas com verbas públicas e as demais custeadas pelas associações locais. A área total do cemitério era de 597 metros quadrados.
No bairro do Prado, há uma grande quantidade de estabelecimentos relacionados ao falecimento, como hospitais, funerárias, serviços de assistência funerária, planos funerários, lojas de flores e o Instituto Médico Legal (IML).
Atualmente, o campo santo, que se encontra lotado e sem área para crescimento, contém uma variedade de sepulturas pertencentes a famílias ricas de Maceió, as quais são verdadeiras obras arquitetônicas, enfeitadas com peças de arte de vários tipos e materiais. Além disso, existem ossuários e sepulturas mais modestas, uma vez que, com o decorrer dos anos, o local se transformou em um cemitério público frequentado pela população em geral. (CAVALCANTE, 2013)
A Visão Arquitetônica do Cemitério Nossa Senhora da Piedade
No cemitério Nossa Senhora da Piedade, podem ser encontrados túmulos e mausoléus das famílias mais prósperas, que possuem um uso notável do estilo neogótico e neoclássico, se inspirando nos países de origem europeia e refletindo um desejo de honrar os falecidos com solenidade e respeito. Estes espaços foram adornados e projetados com detalhes meticulosos e simbolismo religioso; Túmulos e monumentos projetados que incorporam elementos como arcos ogivais, vitrais coloridos e pináculos, que evocam a aura de grandiosidade das antigas catedrais góticas. (CAVALCANTE, 2013)
Imagem 3: Obra Funerária de Estilo Neogótico presente no Cemitério.
Os pináculos são um elemento arquitetônico decorativo proeminente na arquitetura gótica e neogótica. Podem ser encontrados no topo de edifícios como igrejas e mesquitas, bem como em monumentos funerários. Esses ornamentos são frequentemente decorados com entalhes detalhados, como folhas, figuras e outros motivos decorativos. Segundo Bony (1983), esses elementos são importantes para a linguagem visual do gótico e contribuem para uma sensação de elevação e transcendência.
Imagem 4: Pináculo do Jazigo do Barão de Atalaia no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, Maceió, Al.
Na fachada, podem ser observados o uso das pinhas[3] como elementos decorativos que representam a força vital e a eternidade, porém, estas substituíram os vasos portugueses que adornavam a entrada, e que eram constantemente alvos de furto, considerados objetos de cobiça (CHALITA, 1979), pois foram produzidos com louça portuguesa, diretamente da cidade do Porto. Atualmente, é possível encontrar alguns resquícios desses vasos com brasões e pinturas.
”Há atos deliberados contra o patrimônio cultural, realizados precisamente porque os objetos culturais tornaram-se depositários da identidade cultural e da memória coletiva.” (Cuéllar, 1997, p. 269).
Imagens 5 e 6: Pinha e Vaso Português encontrados no Cemitério.
Ao adentrar a Necrópole, percebe-se que existe uma divisão de ruas, em que o foco central se dirige para a capela, esta que foi construída anos depois, em 1868, como um local para celebrar missas e velórios. Em seu interior, encontravam-se imagens e telas pintadas à óleo, que se deterioraram com o tempo e foram substituídas por esculturas de santos. O teto, que antes possuía um forro de madeira pintado de azul com uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, feita por um artista, agora foi substituído por um forro de PVC branco. Como pode ser observado em sua fachada, é ornamentada com aspectos típicos da arquitetura Neogótica, como as rosáceas, colunas e arcos ogivais.
Imagem 7: Fachada da Capela.
As Generosas Doações de Dom Pedro II no Século XIX para Alagoas
A visita de Dom Pedro II à província Alagoana em 1859 é citada no livro “Ninho de cobras”, do escritor Lêdo Ivo (1973):
“Saibam quantos esta virem que, no ano de 1859, a província das Alagoas foi visitada por Sua Majestade o Senhor Dom Pedro II e a Sereníssima Senhora Dona Teresa Cristina. Primeiro, o imperador esteve na cidade de Penedo, dali seguindo conhecera Cachoeira de Paulo Afonso. Embarcou, depois, para a Bahia, a fim de encontrar-se com a imperatriz. E, exatamente no último dia daquele Ano de Cristo, o imperador e sua prezadíssima consorte aportaram a Maceió.”
Sua visita foi um marco significativo para Alagoas, trazendo visibilidade e prestígio à região, de modo a incentivar o desenvolvimento local e estreitar os laços entre o Governo Imperial e as províncias Nordestinas. Eventos oficiais, como a doação de um quadro de Nossa Senhora da Conceição ao Cemitério Nossa Senhora da Piedade nos últimos dias de dezembro de 1859, demonstraram o interesse da Monarquia em promover a Coesão Nacional e valorizar as contribuições das diversas regiões do Brasil.
A inauguração da Catedral Metropolitana de Maceió, Alagoas, deu-se em 31 de dezembro de 1859. Neste evento em questão, o Barão de Atalaia, que participou do encontro com Dom Pedro II, realizou a entrega da imagem de Nossa Senhora dos Prazeres para a Catedral, que até hoje se conserva no altar. Enquanto isso, o Cemitério de Nossa Senhora da Piedade, decorado com objetos trazidos de Portugal, incluindo um presente de Dom Pedro II, tornou-se ao longo do tempo alvo de vandalismo (GUIMARÃES, 2011).
Ainda de acordo com Guimarães (2011), a doação do quadro de Nossa Senhora da Conceição para o cemitério analisado neste artigo, se tratava de uma bela obra do século XIX, permanecendo na capela do Cemitério Nossa Senhora da Piedade até meados dos anos de 1920. Esta obra de arte desapareceu sem deixar nenhum resquício, com suspeitas de furto.
Entre Fatos e Lendas: Carolina de Sampaio Marques “A mulher da capa preta”
Carolina de Sampaio Marques, nascida em São Miguel dos Campos em 21 de março de 1869, foi casada com Manoel de Sampaio Marques. Após seu falecimento em 22 de novembro de 1921, ela foi sepultada no Cemitério de Nossa Senhora da Piedade em Maceió. Seu túmulo, coberto por um manto sagrado, inspirou a famosa lenda da Mulher da Capa Preta. Carolina, que era filha do coronel João Correia Sampaio, era conhecida por sua devoção e respeito, atributos que continuam a ser lembrados através dessa história mítica. (OLIVEIRA, Jorge, 2019).
A Lenda da Dama do Manto Preto, uma das histórias mais populares de Alagoas, é centrada em Carolina de Sampaio Marques. Após sua morte, começou a história de que seu espírito, envolto em um manto preto, começou a vagar pelo cemitério onde estava sepultado. Este manto, símbolo da sua devoção religiosa, tornou-se parte da sua herança espiritual. Relatos locais dizem que a Mulher da Capa Preta aparece aos visitantes noturnos do cemitério, trazendo consigo uma sensação de mistério e admiração. A lenda não só acrescenta mística ao cemitério, mas também reforça a importância da preservação histórica e cultural desses locais (ALMEIDA,2015).
Imagens 8 e 9: Túmulo de Carolina de Sampaio Marques.
Entre a Eternidade e o Palco: A Arquitetura do Túmulo e a Vida de Linda Mascarenhas, Ícone Feminista do Teatro e da Educação Multilíngue.
Imagem 10: Monumento funerário em homenagem a Linda Mascarenhas, Dama do teatro de Alagoas.
Nascida em no Bairro da Levada em 1895, em Alagoas, Linda Mascarenhas desde muito jovem demonstrou talento e dedicação total aos estudos, mesmo sendo um fato incomum para a época em questão. Ela se graduou pela Escola Normal de Maceió, e trabalhou como professora de diversos idiomas, tais quais: Inglês, francês e português. Recebendo então, em sua aposentadoria o título de Professora Catedrática de Inglês, que é atribuído a professores que são considerados líderes em sua área de especialização, tanto em termos de pesquisa quanto de ensino (COSTA, 2005).
No dia 14 de maio de 2013, durante a celebração do Dia Alagoano do Teatro, autoridades e artistas locais reuniram-se para a entrega de um mausoléu dedicado à memória de Linda Mascarenhas, no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, no Prado.
O mausoléu, projetado pelo arquiteto Mário Aloísio Melo, é uma obra que reflete a profunda conexão de Linda Mascarenhas com as pedras, um elemento pelo qual a atriz nutria grande interesse. O monumento apresenta um design arquitetônico distinto, composto por um arco elegante, simbolizando a passagem e a perpetuidade da memória artística, e uma pedra cuidadosamente colocada sobre uma lápide de mármore.
A utilização de mármore na lápide, além de conferir um aspecto estético refinado, é uma referência clássica na arquitetura funerária, conhecida por sua durabilidade e associação com homenagens de grande prestígio. Já a pedra sobre a lápide serve como uma metáfora tangível do legado duradouro de Linda Mascarenhas nas artes e na cultura Alagoana (ALOÍSIO, Mário, entrevista concedida a Nathalie Tenório e Laura, 2024).
Entrevistando o Arquiteto responsável pelo Monumento de Linda Mascarenhas:
No âmbito deste estudo sobre a arquitetura do século XIX no cemitério Nossa Senhora da Piedade, em Maceió, Alagoas, entrevistamos o Arquiteto Mário Aloísio Melo, nascido em Penedo, renomado por seus grandes projetos arquitetônicos que ganharam destaque por suas contribuições em obras culturais e históricas que valorizam um estilo arquitetônico onde há a incorporação dos elementos simbólicos e materiais locais, refletindo a identidade da área onde atua.
A entrevista foi realizada no dia 08 de julho de 2024, de forma presencial, e teve uma duração de aproximadamente trinta minutos. As perguntas foram previamente elaboradas pelas entrevistadoras.
Abaixo, apresentamos algumas das perguntas e respostas desta entrevista, que elucidam a importância associados à preservação dessa estrutura:
1. Nathalie Tenório: Qual foi a inspiração principal para o design do Monumento funerário dedicado a Linda Mascarenhas?
Mário Aloísio Melo: “Não queria algo ostensivo, pois ela era uma pessoa de grande simplicidade. Cheguei a conhecer Linda Mascarenhas pessoalmente, então o arco é uma ideia do arco-íris dos sonhos e da perseverança que ela sempre teve”.
2. Nathalie Tenório: Quais materiais foram escolhidos para a construção do monumento?
Mário Aloísio Melo: “Laje revestida, pedra revestida, arco em concreto”.
3.Nathalie Tenório: Quanto tempo levou desde o início do projeto até a conclusão da obra?
Mário Aloísio Melo: “Fui chamado para começar o projeto em 2010, porém, dependemos de verbas, licenças e a inauguração da construção só aconteceu em 2013”.
4. Nathalie Tenório: Como você se sentiu ao concluir o monumento em homenagem a Linda Mascarenhas, sabendo de sua relevância histórica para Alagoas, e que legado espera que esta obra deixe para as gerações futuras?
Mário Aloísio Melo: “Na conclusão da obra me senti prestigiado, pois eu era ligado ao teatro, não diretamente, mas sempre frequentei. Sobre o legado, é de uma responsabilidade com o futuro, uma ideia de que ela não seja esquecida, acho que ela gostaria de celebrar a vida”.
As respostas fornecidas por Mário Aloísio Melo, evidenciam a complexidade e a importância de abordamos neste artigo o Mausoléu de Linda Mascarenhas, a relação entre as respostas e o tema central do artigo foram elucidativas e permitiram uma maior reflexão aprofundada sobre este a arquitetura e construção deste monumento.
O Legado de Jayme de Altavilla: A Arquitetura de Seu Túmulo e Sua Contribuição para a Educação em Alagoas:
Anfilófilo de Oliveira Mello, mais conhecido como Jayme de Altavilla, nasceu em 1895 em Maceió, Alagoas. Era um destacado intelectual, educador e jornalista. Como fundador da Academia Alagoana de Letras, Altavilla influenciou a formação literária e cultural do estado. Além de sua contribuição como prefeito de Maceió, onde modernizou a infraestrutura urbana, ele deixou um legado duradouro na educação ao lecionar economia e direito. Sua obra literária, reconhecida com o título de "Príncipe dos Poetas Alagoanos", consolidou sua importância na cultura alagoana. Jayme de Altavilla faleceu em 1970.
Imagem 11: Jayme de Altavila em 1913.
A lápide de Jayme de Altavila foi projetada pelo Arquiteto e Escultor Francisco Bittencourt, um dos mais renomados artistas plásticos Alagoanos. Francisco Bittencourt empregou uma estética que combina traços do Neoclássico com características distintas do Modernismo Brasileiro (SILVA, 2009).
Sua obra é notavelmente sóbria e monumental, captando de forma significativa a relevância histórica e cultural. Utilizando mármore, um material tradicionalmente ligado à grandiosidade Neoclássica, ele incorporou linhas e formas que refletem uma estética contemporânea e funcional característica do Modernismo. A fusão de estilos proporciona uma homenagem duradoura e singular, que ressalta tanto a importância histórica de Altavila quanto a evolução da Arte Funerária Brasileira (SILVA, 2009).
Imagem 12: Túmulo de Jayme de Altavila.
Memória Preservada: O Mausoléu dos Pracinhas de Alagoas e sua Arquitetura na História da Segunda Guerra Mundial
Alagoas desempenhou um papel crucial na contribuição do Brasil para os esforços dos Aliados contra o Nazifascismo durante a Segunda Guerra Mundial. O estado enviou tropas para a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que combateu na Itália, e também participou ativamente na defesa do litoral contra ameaças submarinas. (FAUSTO, 2012)
Em setembro de 1943, o navio Brasileiro Itapagé, sediado em Maceió, foi alvo de um ataque do submarino alemão U-161, destacando a vulnerabilidade das águas brasileiras durante a guerra. Adicionalmente, soldados alagoanos foram mobilizados em unidades militares para patrulhar o litoral do estado, garantindo a segurança e a defesa contra possíveis incursões inimigas (FAUSTO, 2012).
O jazigo dos Pracinhas, construído no Cemitério Piedade, na sua essência arquitetônica, foi projetado para abrigar múltiplos túmulos em uma estrutura única, dos soldados Alagoanos que participaram da Segunda Guerra Mundial.
Imagem 13: O Jazigo dos Pracinhas
Considerações Finais
Em síntese, o estudo sobre o Cemitério Nossa Senhora da Piedade em Alagoas revela não apenas a importância do local como lugar de repouso eterno, mas também como um tesouro cultural que reflete a história e identidade alagoana. A análise da arquitetura Neoclássica e Gótica dos monumentos funerários do século XIX demonstra a influência das tendências artísticas europeias na paisagem urbana de Alagoas na época. Essas estruturas não são apenas testemunhos Arquitetônicos, mas também narrativas visuais que ilustram a evolução estilística e técnica da construção civil na região.
Além da estética, o cemitério abriga sepulturas de figuras históricas cujas vidas foram entrelaçadas com os eventos cruciais de Alagoas, desde Líderes Políticos até Artistas renomados, cada um deixando sua marca na cultura e sociedade local. A preservação dessas memórias não é apenas uma questão de conservação física, mas também de manutenção da identidade cultural e histórica de Alagoas para as futuras gerações.
Para futuras iniciativas de preservação e estudo do Cemitério Nossa Senhora da Piedade, sugere-se a implementação de programas de restauração que respeitem e valorizem os estilos arquitetônicos originais, com o objetivo de manter a integridade estética e histórica dos monumentos, isto se deve à importância atribuída ao legado do local, que representa um espaço cultural significativo para as gerações futuras.
Agradecimentos (Acknowledgments)
As autoras gostariam de expressar seus sinceros agradecimentos ao arquiteto Mário Aloísio Melo pela significativa contribuição para a pesquisa arquitetônica em Alagoas e no Nordeste Brasileiro. Seu trabalho tem sido uma fonte de inspiração e um exemplo de dedicação à preservação do patrimônio arquitetônico regional.
Gostariam de expressar gratidão a Luna, filha de Nathalie Tenório, e afilhada de Laura Menezes, que incentivou as autoras como uma fonte de motivação, através de sua alegria e curiosidade.
Também prestam uma homenagem póstuma a Alex Washington Silva, cujos sonhos inspiraram a autora Nathalie Tenório a produção e pesquisa árdua para a produção deste artigo. Alex Washington Silva, sempre será lembrado pelos seus aspectos positivos e pela persistência em perseguir suas ideologias e defende-las.
Por fim, expressam profundos agradecimentos aos pais das Autoras pelo apoio incondicional, encorajamento constante e amor inabalável ao longo de suas jornadas acadêmicas e profissionais. Sem esse suporte e orientação, este trabalho não teria alcançado o que é hoje.
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1 Laura Menezes, arquiteta e urbanista formada pelo Centro Universitário Cesmac, pós-graduanda em Gerenciamento de Obras pelo Centro Universitário UNINTER.
2 Nathalie Tenório, historiadora, pós-graduada em Metodologia do Ensino de História, pedagoga e psicopedagoga pelo Centro Universitário UNINTER.
3 As pinhas são consideradas símbolos da ressurreição e da regeneração nas tradições góticas medievais.