CIRURGIA DE RECONSTRUÇÃO DAS FRATURAS DO TERÇO MÉDIO DA FACE DO TIPO LE FORT III (DISJUNÇÃO CRÂNIOFACIAL): UMA REVISÃO DE LITERATURA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14053674
Edson Carlos Zaher Rosa
RESUMO
As fraturas tipo Le Fort III ou disjunções craniofaciais em Cirurgia Maxilo Facial, representam um dos traumas faciais mais graves da região facial, sendo caracterizadas pela separação completa da região da maxila em relação ao crânio, com impacto significativo nas estruturas faciais e na funcionalidade do paciente.
Esse tipo de fratura ocorre comumente em situações de trauma de alta energia, como acidentes automobilísticos e quedas de altura considerável e requer uma abordagem cirúrgica complexa, que abrange desde a estabilização inicial até a reconstrução definitiva dos ossos e tecidos moles traumatizados.
A reconstrução cirúrgica envolve uma compreensão profunda da anatomia facial, com o uso de técnicas avançadas de fixação óssea, como placas de titânio, e manejo cuidadoso dos tecidos moles para garantir um resultado funcional e estético adequado.
Este estudo revisa as características anatômicas das fraturas de face tipo Le Fort III, seus métodos diagnósticos e as técnicas reconstrutivas disponíveis.
Além disso, discutimos a importância de uma equipe multidisciplinar entre especialidades médicas, no planejamento e execução das intervenções, bem como no manejo das complicações e na reabilitação do paciente, abordando a literatura atual sobre o tema e propondo uma sistematização para o manejo eficaz e seguro desses casos complexos.
Palavras-chave: Fratura Le Fort III; Disjunção craniofacial; Reconstrução facial; Cirurgia maxilofacial; Fixação óssea; Trauma facial; Ciências médicas; Ciências cirúrgicas.
ABSTRACT
Le Fort III fractures, or craniofacial disjunctions in Maxillofacial Surgery, represent one of the most serious facial traumas. They are characterized by the complete separation of the maxilla from the skull, with a significant impact on facial structures and the patient's functionality. This type of fracture commonly occurs in high-energy trauma situations, such as car accidents and falls from considerable heights, and requires a complex surgical approach, ranging from initial stabilization to definitive reconstruction of the traumatized bones and soft tissues. Surgical reconstruction involves a thorough understanding of facial anatomy, the use of advanced bone fixation techniques, such as titanium plates, and careful management of soft tissues to ensure an adequate functional and aesthetic result. This study reviews the anatomical characteristics of Le Fort III facial fractures, their diagnostic methods and the reconstructive techniques available. In addition, we discuss the importance of a multidisciplinary team between medical specialties, in the planning and execution of interventions, as well as in the management of complications and patient rehabilitation, addressing the current literature on the subject and proposing a systematization for the effective and safe management of these complex cases.
Keywords: Le Fort III fracture; Craniofacial disjunction; Facial reconstruction; Maxillofacial surgery; Bone fixation; Facial trauma; Medical Sciences; Surgical Sciences.
1. Introdução
As fraturas do terço médio da face são causadas na maior parte das vezes, por traumatismo grave e direto na região, sendo diversos os agentes etiológicos, tais como agressão física, acidentes esportivos, quedas de grande altura, cistos e tumores (fraturas patológicas), esses últimos mais raros.
As fraturas do tipo Le Fort III, ou disjunções craniofaciais, representam lesões de alta complexidade e gravidade, que resultam na maior parte das vezes, em uma separação completa da maxila em relação ao crânio.
Esse tipo de fratura, identificado e descrito por René Le Fort no início do século XX, é caracterizada pela ruptura nas suturas fronto-zigomáticas, naso-maxilares e pterigoides, culminando na desarticulação da maxila e da órbita inferior em relação à base craniana.
Por se tratar de uma fratura grave da região craniofacial, os pacientes acometidos pela fratura, podem vir a óbito se a evolução do tratamento não for positiva por falha no tratamento das seqüelas de fraturas ou pelas lesões concomitantes ocorridas.
Dessa forma, a atenção inicial deve sempre ser dirigida para o estabelecimento de via aérea e o controle da hemorragia.
Essas fraturas, além de comprometerem significativamente a estabilidade estrutural da face, afetam a funcionalidade e a estética do paciente, impondo desafios clínicos, diagnósticos e cirúrgicos complexos.
Podemos dizer que os mecanismos de trauma que originam a fratura Le Fort III são geralmente de alta energia, como acidentes de trânsito e quedas de grande altura, sendo freqüentes em adultos jovens, especialmente do sexo masculino.
Esse grupo demográfico está mais suscetível a atividades de risco e, conseqüentemente, à exposição a situações traumáticas de alta intensidade.
As consequências das fraturas Le Fort III para o paciente incluem não apenas deformidades estéticas graves, como também comprometimento funcional importante, podendo afetar a visão, a oclusão dental, a respiração e, em casos mais graves, até mesmo a circulação de líquidos cefalorraquidianos, com compromentimentos neurológicos importantes.
Assim sendo, a cirurgia de reconstrução das fraturas Le Fort III exige uma abordagem multidisciplinar que pode abranger diversas especialidades, incluindo Cirurgia Maxilofacial, Neurocirurgia, Otorrinolaringologia, Oftalmologia, dentre outras.
Esse trabalho colaborativo visa restabelecer a simetria facial, a função mastigatória, a integridade das vias aéreas e a estética, fatores fundamentais para a recuperação funcional, emocional e psicológica dos pacientes acometidos.
Além disso, avanços recentes nas técnicas de imagem, como a tomografia computadorizada tridimensional e a simulação cirúrgica virtual, têm facilitado o planejamento cirúrgico, permitindo uma abordagem mais precisa e menos invasiva.
Este artigo revisa as características anatômicas e clínicas das fraturas craniofaciais do tipo Le Fort III, discutindo as modalidades de diagnóstico, detalhando as técnicas de reconstrução óssea e o manejo dos tecidos moles, e abordando as complicações pós-operatórias.
Também enfatizamos a importância de uma reabilitação completa, com o apoio de equipe multiprofissional para otimizar os resultados estéticos e funcionais a longo prazo.
2. Anatomia das Fraturas Tipo Le Fort III
As fraturas faciais tipo Le Fort III comprometem a arquitetura facial ao longo das suturas naso-maxilar, zigomático-frontal, zigomático-temporal e pterigoide.
Esse tipo de fratura envolve uma dissociação da estrutura óssea média da face, que inclui a maxila, o arco zigomático e a parede inferior da órbita, sendo que a mesma frequentemente poderá comprometer o arco zigomático, as margens orbitais e a base da pirâmide nasal.
A anatomia desta fratura implica em uma movimentação significativa dos ossos afetados, que resultam em deformidade facial acentuada, e podem estar associadas a lesões do septo nasal, dos músculos extraoculares e do nervo infraorbital.
A reconstrução eficaz exige uma compreensão da distribuição das forças biomecânicas da face, para assegurar uma restauração tridimensional adequada, com alinhamento e fixação que preservem a funcionalidade dos nervos e vasos sanguíneos.
A recuperação anatômica é um dos maiores desafios da reconstrução cirúrgica, visto que a estabilidade facial depende da reintegração dessas estruturas em seus pontos de articulação originais.
Essa abordagem complexa requer um planejamento pré-operatório detalhado e uma técnica cirúrgica precisa para garantir a simetria e a funcionalidade da estrutura facial.
3. Etiologia e Epidemiologia
As fraturas faciais do tipo Le Fort III são relativamente raras no contexto de fraturas faciais, mas sua incidência é maior em pacientes envolvidos em traumas de alta energia.
Estudos epidemiológicos indicam que jovens adultos do sexo masculino constituem a maioria dos casos, devido a uma maior exposição a atividades de risco, como esportes de alto impacto e condução imprudente.
Esse perfil demográfico resulta em um alto custo econômico e social, uma vez que essas lesões exigem hospitalizações prolongadas e intervenções cirúrgicas complexas, pois os traumas associados a essas fraturas freqüentemente incluem lesões intracranianas e fraturas de outros ossos faciais, aumentando a complexidade do tratamento.
4. Diagnóstico e Classificação
O diagnóstico das fraturas faciais tipo Le Fort III é um procedimento minucioso que envolve exame físico aprofundado, histórico de trauma completo e a solicitação de exames complementares, tais como exames de marcadores laboratoriais, exames de imagens de alta resolução da região de cabeça e pescoço e outras regiões do corpo humano que sejam necessárias de investigação por parte do Cirurgião Maxilofacial.
O exame clínico freqüentemente revela sinais clínicos como a mobilidade anormal da maxila e zigoma, edema periorbitário e equimoses bilaterais.
Os exames de imagem como a tomografia computadorizada tridimensional é a modalidade de imagem preferencialmente solicitada, pois permite uma visualização detalhada das linhas de fratura e deslocamentos ósseos para a cirurgia de reconstrução.
A classificação Le Fort é essencial para orientar o tratamento, segmentando as fraturas em tipos I, II e III, de acordo com o nível de separação óssea e articulação envolvida.
A distinção entre esses tipos permite uma abordagem cirúrgica personalizada, baseada na extensão do trauma e na integridade das estruturas adjacentes.
5. Indicações para Cirurgia de Reconstrução Crâniofacial
Podemos dizer que a cirurgia para reconstrução craniofacial é indicada em pacientes com instabilidade estrutural significativa, perda de função, alterações neurológicas ou deformidade estética grave.
Em fraturas Le Fort III, onde há uma disjunção craniofacial completa, o principal objetivo cirúrgico inclui restaurar a simetria, a funcionalidade e o suporte estrutural da face, sendo que as indicações específicas funcionais incluem dificuldades respiratórias devido a obstrução nasal, diplopia por desalinhamento orbital e oclusão comprometida. A cirurgia de reconstrução visa restabelecer as dimensões faciais anteriores ao trauma, utilizando técnicas de osteossíntese e, em alguns casos, a aplicação de enxertos ósseos, podendo ser de áreas doadoras do próprio paciente, para corrigir a perda de volume ou defeitos significativos locais.
6. Planejamento Pré-operatório
O planejamento pré-operatório para as cirurgias de reconstrução de fraturas Le Fort III exige uma preparação extensa, que envolve a reconstrução tridimensional das estruturas faciais por meio de tomografias e, em alguns casos, simulação cirúrgica virtual e inteligência artificial.
Dependendo da gravidade da fratura e alterações funcionais, a equipe poderá ser composta por diversos cirurgiões do segmento médico, tais como: Cirurgiões Maxilofaciais, Neurocirurgiões e Oftalmologistas, discutindo as melhores abordagens para cada caso, considerando as estruturas anatômicas afetadas e as possíveis complicações. Esse planejamento permite uma fixação precisa e evita problemas pós-operatórios, como cicatrizes excessivas ou perda de função nas articulações faciais.
7. Técnicas de Fixação Óssea
A técnica de Osteossíntese é fundamental para a estabilização das fraturas Le Fort III, sendo que o uso de placas e parafusos de titânio permitem a fixação segura das estruturas ósseas fraturadas.
Essas fixações são aplicadas estrategicamente nas regiões anatômicas acometidas como as margens orbitais, a maxila e a parede zigomática para restaurar a continuidade óssea e a simetria facial comprometida.
As placas de titânio são materiais de osteossíntese que possuem diferentes espessuras e são selecionadas conforme a demanda biomecânica e estética do paciente, garantindo a estabilidade necessária para a cicatrização óssea e minimizando o risco de reabsorção ou deslocamento do enxerto, além de serem biocompatíveis com tecido ósseo humano.
8. Manuseio dos Tecidos Moles e Enxertos
Podemos dizer que durante o ato cirúrgico, o manejo dos tecidos moles é complexo na reconstrução desse tipo de fratura, pois o comprometimento desses tecidos pode resultar em necrose e cicatrizes hipertróficas.
A reposição do volume ósseo perdido freqüentemente pelas fraturas, requer enxertos ósseos do tipo autólogos, que oferecem melhores resultados de integração.
O enxerto autólogo, geralmente obtido da crista ilíaca ou calota craniana, é retirado pelo cirurgião e modelado para preencher áreas de defeito ósseo locais.
O manuseio cuidadoso dos tecidos moles também é necessário para evitar retrações cicatriciais e preservar a funcionalidade muscular e sensorial.
9. Complicações e Manejo Pós-operatório
Podemos dizer que o pós-operatório das fraturas faciais do tipo Lefort III é um período crítico, com potencial para complicações como infecção, exposição de placas, necrose de tecidos e formação de cicatrizes quelóides, sendo fundamental além da solicitação de exames complementares de imagem e planejamento cirúrgico aprofundado, o mapeamento metabólico completo do paciente através de exames complementares laboratoriais para investigação de eventuais comorbidades.
As infecções locais são suportadas com o uso profilático de antibióticos e monitoramento constante da cicatrização, porém a exposição de placas é uma complicação grave que pode exigir intervenção cirúrgica adicional para remover ou reposicionar o material.
A gestão do edema e do hematoma também é essencial por parte do cirurgião, pois essas condições podem comprometer a recuperação funcional, saúde e estética do paciente.
Por outro lado, não menos importante, o manejo psicológico do paciente também é uma componente importante, oferecendo suporte ao mesmo para enfrentar o impacto físico e emocional da lesão.
10. Reabilitação e Resultados Funcionais Pós-operatórios
A reabilitação dos pacientes com fratura facial do tipo Le Fort III inclui fisioterapia para recuperação muscular e articulações, além de acompanhamento psicológico para adaptação à nova estrutura facial.
A fisioterapia é essencial para restaurar a mobilidade mandibular e fortalecer a musculatura facial, enquanto o suporte psicológico ajuda o paciente a lidar com a percepção alterada da imagem corporal.
A reabilitação a longo prazo visa recuperar a função mastigatória, a expressão facial e melhorar a qualidade de vida do paciente.
11. Discussão
Podemos dizer que a reconstrução das fraturas do tipo Le Fort III tem evoluído com o uso de tecnologias como impressões 3D, simulação cirúrgica virtual e inteligência artificial, que proporcionam maior precisão no planejamento e na execução das intervenções cirúrgicas reconstrutivas.
Dependendo da gravidade da fratura, a abordagem multidisciplinar pode ser considerada ideal, sendo padrão ouro, uma vez que permite uma recuperação mais eficiente e reduz complicações.
Estudos recentes mostram que o uso de biomateriais e técnicas minimamente invasivas pode otimizar a recuperação, com melhores resultados funcionais e estéticos, sugerindo novos horizontes na reabilitação de pacientes com esse tipo de fratura.
12. Conclusão
As fraturas tipo Le Fort III ou disjunções craniofaciais em Cirurgia Maxilo Facial, representam um dos traumas faciais mais graves da região facial, sendo caracterizadas pela separação completa da região da maxila em relação ao crânio, com impacto significativo nas estruturas faciais e na funcionalidade do paciente.
Esse tipo de fratura ocorre comumente em situações de trauma de alta energia, como acidentes automobilísticos e quedas de altura considerável e requer uma abordagem cirúrgica complexa, que abrange desde a estabilização inicial até a reconstrução definitiva dos ossos e tecidos moles traumatizados.
A Cirurgia de Reconstrução Craniofacial de fraturas do tipo Le Fort III requer um alto nível de especialização e a integração de múltiplas técnicas avançadas por parte do cirurgião para assegurar a recuperação da funcionalidade e da estética facial.
A utilização de métodos modernos de diagnóstico e a aplicação de tecnologias de fixação óssea e manejo de tecidos moles têm proporcionado uma evolução significativa nos resultados.
Contudo, cada caso apresenta complexidades que demandam um planejamento cirúrgico personalizado, um mapeamento metabólico abrangente através da solicitação de exames complementares para investigação de eventuais doenças crônicas e comorbidades existentes, além de um acompanhamento rigoroso, para alcançar uma recuperação completa e devolver ao paciente qualidade de vida e reintegração social satisfatória.
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1 Especialista em Cirurgia Maxilo Facial, Cirurgia Crâniomaxilofacial, Medicina Interna / Clínica Médica, Patologia Geral e Semiologia Médica. Mestre em Medicina e Cirurgia (MSc) Mestre em Ciências Cirurgicas (Área de Concentração Cirurgia Oral e Maxilo Facial- MSc) Doutor em Medicina (MD). Doutor em Medicina e Cirurgia (PhD). Pós-Doutor em Medicina e Cirurgia (Post-Doc). E-mail: [email protected]