AS FRAGILIDADES INSTITUCIONAIS DO MERCOSUL: O CASO VENEZUELA E A CLÁUSULA DEMOCRÁTICA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14230869


Luanna da Silva Sousa1
Ricardo Pereira Mendes2


RESUMO
O artigo “As fragilidades institucionais do Mercosul: o caso Venezuela e a Cláusula Democrática” consiste na apresentação e na análise do conceito de democracia em relação à crise política venezuelana, abordando sua evolução de 1952 a 2024, com base em fontes relevantes da ciência política. O texto discute as falhas institucionais na democracia venezuelana e a criação do Mercosul fundamentada na Cláusula Democrática, evidenciando como as interpretações dos protocolos influenciaram o processo de adesão e suspensão da Venezuela no bloco, tornando-o mais plausível no âmbito político do que no técnico. Essas dinâmicas refletem a complexidade de harmonizar ideais democráticos em contextos políticos distintos, reforçando a necessidade de critérios claros e consistentes que possam sustentar a legitimidade tanto venezuelana quanto no próprio Mercosul.
Palavras-chave: Mercosul. Suspensão da Venezuela. Cláusula Democrática. Fragilidade Institucional.

ABSTRACT
The article "The Institutional Fragilities of Mercosur: The Case of Venezuela and the Democratic Clause" presents and analyzes the concept of democracy in relation to the Venezuelan political crisis, tracing its evolution from 1952 to 2024, based on relevant sources from political science. The text discusses the institutional failings of Venezuelan democracy and the establishment of Mercosur grounded in the Democratic Clause, highlighting how interpretations of the protocols have influenced Venezuela's process of accession and suspension from the bloc.
Keywords: Mercosur. Suspension of Venezuela. Democratic Clause. Institutional Fragility.

1 INTRODUÇÃO

O Mercosul se apresenta como um bloco econômico que defende princípios fundamentais no âmbito democrático, visando a integração e a estabilidade na região. Contudo, a Venezuela se encontra em uma profunda encruzilhada com o bloco, enfrentando um conturbado processo de adesão e subsequente suspensão, reflexo de suas crises políticas que se intensificaram em determinados períodos. Em vista desse quadro, a situação não apenas desafia a validade do Mercosul, mas também levanta questões relevantes sobre a aplicação da Cláusula Democrática e a definição de normas comuns entre seus membros.

Este artigo busca examinar as fragilidades democráticas na Venezuela, destacando que tais problemas remontam não apenas ao governo Maduro, mas têm raízes desde o fim da ditadura militar no país. Ademais, explora-se como a subjetividade do conceito de democracia dentro da Cláusula Democrática do Mercosul impacta o processo de adesão e suspensão venezuelana. A partir da análise das crises políticas da Venezuela e dos Protocolos de Ushuaia, o estudo traz diferentes perspectivas teóricas sobre a definição de democracia, com vistas a refletir sobre a consistência normativa do bloco frente a tais desafios, assim como a falta de um conceito claro impossibilita identificar as falhas institucionais na Venezuela.

2 MERCOSUL

A Organização regional sul-americana conhecida como Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) foi criada em 26 de março de 1991, através do Tratado de Assunção, estabelecido entre os países Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. O bloco regional surgiu em meio a onda neoliberal nos países latino-americanos que procuravam ampliar a segurança regional e um comércio mais liberal. Ademais, desde sua fundação, um dos principais focos entre os seus países-membros é de manter a soberania nacional de cada Estado, assim como viabilizar a democracia entre os mesmos. Isso ficou particularmente evidente com o caso da Venezuela desde sua adesão à sua suspensão. (FUCCILLE; LUCIANO; BRESSAN, 2021)

O Mercosul emergiu como uma das principais iniciativas para promover a estabilidade democrática na América Latina, durante o período de redemocratização na década de 1980. Essa aliança foi fundamental para consolidar a democracia na região considerando o contexto prévio marcado por uma onda de regimes ditatoriais. Além disso, uma aliança de grande impacto foi formada entre o Brasil e a Argentina, que antes eram rivais desde séculos, formalizada através da Declaração de Iguaçu, anterior ao Tratado de Assunção. Após a entrada de mais outros dois membros, Uruguai e Paraguai, o Mercosul foi criado e deu um passo no fortalecimento da integração. (FUCCILLE; LUCIANO; BRESSAN, 2021)

Quanto aos seus objetivos, o bloco regional tinha como principais o seguimento de novas visões de mercado, contrárias à época do modelo de substituição de importações, como a liberalização de mercado e uma abertura comercial. Entretanto, o Brasil e a Argentina tentaram sempre evitar com que fosse apoiado instituições ou Estados autoritários em seu meio, colocando-se em discussões de oposição em favor da democracia, principalmente devido ao fato de que regimes autoritários iam contra o que os teóricos integracionistas defendiam. A título de exemplo, foi a suspensão do Paraguai no bloco, quando a instabilidade democrática foi resolvida positivamente para o retorno do país, diferentemente do caso da Venezuela, que permanece suspensa até os dias atuais (FUCCILLE; LUCIANO; BRESSAN, 2021).

Dos protocolos de formação do bloco regional, é posto em análise a Cláusula Democrática utilizada para a suspensão paraguaia (SLOBODA, 2015). A mesma presente no Protocolo de Ushuaia I, mas que não foi considerada no momento de adesão da Venezuela, o que traz uma ocasião de reflexão, pois, essa cláusula foi utilizada de forma distinta entre os dois casos, sendo interpretada como uma ferramenta para atender interesses ideológicos dos membros, em vez de apenas princípios democráticos. (FERREIRA; PAIVA, 2022)

O Mercosul ganhou reconhecimento como um dos blocos mais relevantes como produtor global de bens, como alimentos, energia e bens manufaturados (SEVERO, 2016). A proposta de um bloco econômico comprometido com a democracia traz à tona desafios, particularmente no caso da Venezuela, que, além de suas vastas reservas petrolíferas, enfrenta sérias falhas instituições democráticas.

3 ADESÃO DA VENEZUELA AO MERCOSUL

O Mercosul recebeu o pedido formal da Venezuela para fazer parte como membro do bloco em 2005. A partir deste momento, foi analisada sua adesão, especialmente, o impacto de um país que é considerado um dos maiores produtores e exportadores de petróleo, mas que enfrentava questionamentos referentes à democracia. Será a partir dessas questões, que os países-membros colocaram na balança o que seria mais favorável a eles, já que a Argentina e o Uruguai sofrem com o fornecimento de energia elétrica e não há produção de petróleo no Paraguai. Portanto, foram avaliados não só fatores que constam no Tratado de Assunção, mas também fatores estratégicos para ampliar essa integração regional e inserir a Venezuela no contexto internacional. (SILVA, 2011).

Antes de adentrar ao cenário analítico de sua adesão, é necessário introduzir o período/ou processo de pré-adesão, isto é, os obstáculos institucionais que a Venezuela teve que enfrentar a partir de 2005 até sua formalização em 2012.

O Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul, assinado em julho de 2006, pelos representantes de cada Estado integrante do bloco, Uruguai, Brasil, Argentina e Paraguai, representou os requisitos para que o pedido de adesão fosse aceito (BARBOSA, 2008). Ou seja, para a Venezuela adentrar ao bloco, era necessário seguir todo o processo solicitado neste protocolo, composto por doze artigos que deveriam ser acordados entre os Presidentes (SILVA, 2011). Além disso, a Venezuela deveria aceitar e respeitar todos os passos institucionais presentes nos Tratado de Assunção, no Protocolo de Ouro Preto I e II, entre outros presentes. (DEFINE, 2014)

A Venezuela, com a assinatura do Protocolo de Adesão, passou a ser considerada como membro pleno do bloco, porém em processo de adesão. É válido enfatizar isto, porquanto, o país se encontra na obrigação de incumbir os compromissos impostos no documento, tendo os países já pertencentes ao Mercosul decidirem se as responsabilidades estão sendo seguidas pela Venezuela. Com a adesão da Venezuela, seria possível desbalancear a concentração bilateral entre Argentina e o Brasil, além de novas visões políticas e sociais ao bloco. Para além, no âmbito econômico traria uma escala de 14% o PIB do Mercosul e representaria um notório posicionamento energético. (BARBOSA, 2008)

A discussão sobre a entrada da Venezuela se desenrolou por um longo período de seis anos. Isso se deu principalmente pelo Paraguai constantemente recusar a entrada da Venezuela ao Mercosul (SEVERO, 2016) impactando um retardo significativo. Entretanto, um ponto crítico foi a aceitação da Venezuela coincidir com a suspensão do Paraguai.

Para a Venezuela aderir ao bloco, era fundamental a ratificação dos países-membros. Primeiramente, os Congressos argentino e uruguaio acordaram, já os Congressos brasileiro e paraguaio analisaram previamente antes de apoiar a entrada. No caso brasileiro, o enjeitamento se dava pelo congresso brasileiro que tinha uma opinião oposta aos presidentes, Luiz Inácio Lula da Silva e, posteriormente, Dilma Rousseff. Por fim, no caso paraguaio, a rejeição vinha tanto do poder legislativo quanto do executivo, reprovação essa que dificultava ainda mais a entrada do país venezuelano. (FERREIRA; PAIVA, 2022)

Após o apoio do Brasil, o Paraguai era o único país que se nomeava contra a entrada da Venezuela. Enquanto o Brasil e a Argentina apoiavam sua adesão, o Congresso paraguaio era abertamente contra, comprovando uma relação esgotante entre os dois países. Posto isso, o Brasil e a Argentina esperavam por uma situação favorável para que pudessem aceitar a Venezuela ao bloco, momento esse conhecido como a suspensão do Paraguai. (FERREIRA; PAIVA, 2022)

Remetendo aos protocolos de formação do bloco regional, é posto em análise a Cláusula Democrática utilizada para a suspensão paraguaia. A mesma presente no Protocolo de Ushuaia I, mas que não foi considerada no momento de adesão da Venezuela, o que traz uma ocasião de reflexão, pois, essa cláusula foi utilizada de forma distinta entre os dois casos, sendo interpretada como uma ferramenta para atender interesses ideológicos dos membros, em vez de apenas princípios democráticos. (FERREIRA; PAIVA, 2022)

Outra perspectiva de análise seria sobre a decisão tomada pelos Estados-membros de suspender o Paraguai e consequentemente aceitar a entrada da Venezuela foi baseada em aspectos ideológicos, uma vez que, a aplicação do Protocolo de Ushuaia I para aderir um membro ou suspender o outro foi interpretado como uma forma de concernir com ambições próprias e não aspectos democráticos. Isto é notório também a contar do momento em que os Estados Unidos (EUA) e o Canadá eram contra a suspensão do Paraguai, justamente pelo fato de aceitarem que a entrada da Venezuela era incoerente e tinham o conhecimento de que ocorreria apenas com a suspensão do Paraguai. (FERREIRA; PAIVA, 2022)

Pode-se dizer que, devido ao contexto da época, o Brasil e a Argentina eram a favor da entrada da Venezuela também devido ao fato da presença de governos de esquerda e a alteração do foco do bloco regional, que transforma os temas abordados para além da economia. Com isso, Hugo Chávez considerou o Mercosul como uma preferência em meio a um contexto de integração neoliberal (FERREIRA; PAIVA, 2022). Logo, nota-se que o Mercosul passa a utilizar pretextos políticos e também culturais e sociais e não apenas econômicos para interpretar a entrada de outros Estados ao bloco.

O contexto da Venezuela, no entanto, era de instabilidade política, dentre diversos conflitos internos. Chávez era o presidente na época e se destacou por ser um dos maiores influenciadores para a adesão da Venezuela ao Mercosul. Há diversas opiniões quanto ao ex- presidente. O objetivo desse artigo não é expor quais estão certas ou erradas, mas apenas elencar algumas de suas principais atuações políticas que foram relevantes para a Venezuela. Chávez conduziu a Venezuela a uma polarização significativa, além de mudar o cenário internacional do país, aplicando diversas reformas e intensificando os diversos confrontos com os EUA. (SILVA, 2011)

Na perspectiva do Mercosul, seria interessante a adesão da Venezuela para que ocorresse uma integração e as tensões, devido ao isolamento, com este país diminuíssem. Ademais, para o Brasil, é notável o interesse na adesão, já que a política do “chavismo” estaria em crescimento constante, e tendo uma aproximação, seria melhor para observar essa disseminação e até mesmo ter um monitoramento maior (SILVA, 2011). Logo, na perspectiva brasileira, seria notório manter as relações entre o governo Lula e o governo Chávez, procurando uma aproximação e impedindo um isolamento (BARBOSA, 2008)

Em síntese, os benefícios da entrada da Venezuela ao bloco seriam ganhos territoriais, maior reconhecimento internacional, e aumento no mercado consumidor tendo como consequência um aprimoramento nos comércios internacional e regional. Para mais, a Venezuela apresentou números positivos, no âmbito do Mercosul e do próprio país, na Balança Comercial, ou seja, havia um superávit na balança comercial em que os números de exportações eram maiores que os números de importações. (SILVA, 2011)

A capacidade petrolífera da Venezuela seria crucial para o Mercosul, já que a competição da Venezuela nesse setor, assim como sua transcendência na exportação global deste recurso ajudaria no crescimento do bloco. Posto isso, o país ajudaria como o principal fornecedor de petróleo aos outros membros, fora o Brasil, que precisam de petróleo para a produção de energia (SILVA, 2011).

É necessário destacar que a adesão da Venezuela ao bloco, ajuda a balancear o poder concentrado no Brasil, em termos de preponderância econômica, pois, 70% do que o Mercosul representa é concentrado no Brasil e isso traz grandes impactos no sentido da influência brasileira no bloco, em aspectos políticos, econômicos e até mesmo sociais. Dito isso, a Venezuela poderia desmistificar essa concentração, fazendo com que haja um maior equilíbrio no bloco (SILVA, 2011).

De antemão, o motivo mais significativo para a entrada da Venezuela ao Mercosul não está apenas em alterar a concentração de poder, por ser produtora de petróleo, mas sim por razões estratégicas geopolíticas e no âmbito político por si só (SILVA, 2011). Chávez buscava ampliar a Venezuela no contexto internacional, trabalhar com a política externa do país e era contra uma visão unipolar americana rejeitando projetos que advinham dos EUA. Havia um interesse de aumentar o poder sul-americano, notando-se o incentivo do governo venezuelano em adentrar ao Mercosul (RUIZ, 2010). A decisão de Chávez foi fundamentada em três princípios básicos. O primeiro, seria desconcentrar o poder norte-americano e ampliar a visão multipolar. O segundo, a antipatia ao neoliberalismo. E o terceiro, expandir a política bolivariana e sua integração (RUIZ, 2010).

4 CRISE POLÍTICA NA VENEZUELA

A partir de 2013, iniciou-se uma crise política na Venezuela com o governo de Nicolás Maduro. A crise, marcada por desafios econômicos e políticos, foi amplamente atribuída à gestão do governo Maduro. No entanto, é importante destacar que as raízes desses problemas não se originaram apenas com o seu governo, mas têm ligações profundas com as transformações políticas iniciadas no período pós ditadura militar e no governo de Chávez. Nesse contexto, é fundamental analisar as transições que culminaram na crise atual. Assim, esta seção abordará a Venezuela sob a partidocracia e a transição para uma democracia delegativa com a ascensão de Chávez.

4.1 CRISE POLÍTICA NA VENEZUELA ENTRE 1952 e 2013

Serão utilizados os autores Octavio Amorim Neto (2002) e Gabriel Boff Moreira (2018) como fontes principais para discutir o antigo sistema político venezuelano.

De 1959 a 1998, a Venezuela era representada pelo sistema conhecido como Punto Fijo.

Os partidos venezuelanos desempenharam um papel fundamental no estabelecimento e consolidação da democracia em função de quatro fatores: (1) a disposição que demonstraram seus líderes em superar diferenças ideológicas para formar pactos de governabilidade (Karl 1991, Navarro 1988); (2) a capacidade que tiveram no esforço de eliminar a atuação de grupos radicais e antidemocráticos durante o auge da guerra fria; (3) sua habilidade em aplacar os militares e submetê-los ao controle civil; (4) sua eficácia na organização, mobilização e representação de diversos grupos sociais. (AMORIM NETO, 2002, p. 253)

Na segunda ditadura militar, surgiu o partido de oposição, Acción Democrática (AD), conhecido por atuar de forma clandestina com o objetivo de derrubar o regime. Com o apoio de outras forças políticas, como o Comité de Organización Electoral Independiente (COPEI) e da Unión Republicana Democrática (URD), foi possível desmantelar o regime militar em 1958, culminando nos acordos do Pacto de Punto Fijo e no Promama Mínimo de Governo. Tais acordos foram assinados por esses partidos, realizando um comprometimento entre eles, o qual definia que independente dos resultados das novas eleições, deveria ser respeitado. Ademais, buscavam evitar um retorno ao autoritarismo e promover uma democracia estável. Esse novo arranjo político criou um ambiente em que os principais partidos buscavam manter uma representação equilibrada e promover a estabilidade. (AMORIM NETO, 2002) Durante esse período, os partidos AD e COPEI, ficaram mais conhecidos e mais presentes. O AD, um partido de centro-esquerda, possuía uma forte presença multiclassista, enquanto o COPEI, de orientação democrata cristã, tendo presentes grupos conservadores como a Igreja Católica e os empresários.

O Punto Fijo tinha como característica promover uma democracia representativa; reformular as definições de regras que iriam manter as eleições futuras mais estáveis e equilibradas, fazendo com que os partidos fossem justos uns com os outros; manter os processos políticos comandados pelos partidos dominantes e; formular novos acordos entre hierarquias políticas. Portanto, o modelo político trouxe uma diversificação partidária e uma pluralidade política, mas ao mesmo tempo, criou-se uma concentração de poder nos partidos pertencentes a elites. (MOREIRA, 2018) Também, cabe ressaltar que, os principais fatores que levaram a criação do modelo foram a presença de petróleo e a relação entre os partidos políticos, construída na luta contra a ditadura militar.

Em seus primeiros 15 anos, o regime era considerado multipartidário, mas o cenário mudou com o fortalecimento do bipartidarismo nas décadas de 1970, resultando na hegemonia do AD e do COPEI. Somente em 1993, houve uma ruptura nesse ciclo, com a eleição de Rafael Caldera, que, não sendo filiado a esses partidos, representou uma tentativa de superação do domínio político bipartidário. (AMORIM NETO, 2002)

No que tange ao período de 1970 a 1990, o país enfrentou uma série de crises, como o Caracazo, as tentativas de golpe lideradas pelo Chávez, ainda coronel, e a deposição do presidente Carlos Andrés Pérez, por escândalos de corrupção (MOREIRA, 2018). Essas tensões contribuíram para o aumento da apatia política e incentivaram reformas entre 1989 e 1995 para fortalecer as instituições democráticas. Apesar das tentativas de reforma, as mudanças estruturais foram insuficientes, em grande parte porque o sistema continuava sendo dominado pelo AD e COPEI, resultando em novas frustrações populares. (AMORIM NETO, 2002) Os partidos mais conhecidos foram perdendo a confiança da população e não conseguiram manter a onda institucional que se seguia. O sistema Punto Fijo não conseguiu ter sucesso nos objetivos que pretendia alcançar. Ao invés de uma democracia e uma liberdade entre partidos políticos, na verdade, virou um bipartidarismo com a presença de dois grandes partidos que tomavam conta das eleições e tornava outros partidos mais invisíveis aos olhos da população. Dito isso, os partidos perdendo essa credibilidade por parte da população faz com que a fragilidade institucional floresça, pois segundo Amantino (1998), para evitar a fragilidade democrática, é indispensável que não exista dominância partidária por parte de elites que buscam apoio popular.

As revoltas populares se intensificaram e a relevância de Chávez foi aumentando, dando a ele um reconhecimento importante na Venezuela, pois ele transpassou uma imagem de luta pela democracia e de reforma constitucional. Quando Chávez assumiu a presidência, ficou conhecido em 1999, por romper com a ordem institucional estabelecida e implementar um novo modelo político, caracterizado por uma democracia delegativa. Vale destacar que, a sua posse ocorreu sob a Constituição de 1961, mas ainda em 1999, Chávez impulsionou a promulgação de uma nova Constituição que ampliou os poderes presidenciais e centralizou a autoridade em torno de sua figura, transformando a dinâmica política do país (AMORIM NETO, 2002).

A eleição do presidente Hugo Chávez, em 6 de dezembro de 1998, marcou o início de um processo de desconstrução das regras político-institucionais estabelecidas na “democracia pactuada de Punto Fijo”13, como ficou conhecido o período político entre 1958 e 1998 (MOREIRA, 2018, p.39)

Após a reforma constitucional, houve uma concentração maior de poder para o presidente da república. Ademais, a superioridade do poder Executivo tornou-se cada vez mais forte em relação aos poderes do Legislativo e Judiciário, permitindo com que Chávez tivesse mais poderio. Por fim, a partir de 1999, a polarização política e social tornou-se cada vez mais presente na Venezuela, trazendo impactos na administração política e para o povo venezuelano. (MOREIRA, 2018)

Em 2001, ocorreram as primeiras demonstrações explícitas de insatisfação popular do governo Chávez e, depois, em 2002, atingiram ainda um nível maior (MAYA, 2016). Os principais opositores ao governo eram os que defendiam a propriedade privada. As leis elaboradas eram baseadas em um módulo mais estatal, provocando uma adversidade aos grupos empresariais, fazendeiros e os responsáveis pelas redes petrolíferas. Ademais, cada vez mais, a polarização política foi se fortalecendo, por meio dos discursos de Chávez que destacavam suas contrariedades aos puntofijistas, escuálidos, e outros opositores. (MOREIRA, 2018)

Ainda no início de 2002, Chávez foi afastado do poder e retornou após dois dias, através de um golpe. Apenas em 2004, com um referendo revogatório, que trouxe um espaço de comunicação entre a oposição e o governo de Chávez, o qual foi interposto pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelo Grupo de Amigos da Venezuela, que decidiram pela continuidade de Chávez no poder. Com isso, houve um maior apoio ao governo, fazendo com que Chávez tivesse mais autonomia para garantir uma preponderância política. Posto isso, o sistema político venezuelano tornou-se caracterizado pela democracia delegativa, tendo o pressuposto de que o presidente poderá atuar da forma que achar melhor, apenas restringido pelos outros poderes existentes, tornando-o como a figura central da nação (MOREIRA, 2018). Logo, Chávez tornou-se o protagonista da Venezuela, intensificando a concentração de poder nele mesmo, tornando as instituições cada vez mais fracas, e com a democracia delegativa enfraquecendo cada vez mais as mesmas.

Em 2005, a crise política fez-se ainda mais presente, pois os partidos que representavam a oposição não participaram “das eleições parlamentares de 2005, transferindo ao governo o controle absoluto do Poder Legislativo, eliminando, na prática, os mecanismos de controle parlamentar previstos na constituição de 1999.” (MOREIRA, 2018, p. 66-67). Desde então, Chávez ficou conhecido por evitar com que a oposição chegasse ao poder e mudou todo o sistema político do país, diminuindo o espaço institucional e a participação de partidos opositores. O governo de Chávez gerou opiniões divergentes. O autor Scheidt (2014) traz uma breve análise do chavismo expondo posições que são favoráveis, contrárias e visões equilibradas.

Nos pontos de vista contrários, destaca-se o caráter autoritário do regime, como a centralização de poder e a degradação de instituições democráticas. Tais críticas incluem a limitação da liberdade de imprensa e a repressão aos opositores políticos. No âmbito econômico, a política chavista revela uma dependência do petróleo, vista como prejudicial, e a deterioração de outros setores econômicos, como a falta de exploração e aproveitamento dos mesmos. (SCHEIDT, 2014)

Por outro lado, as opiniões favoráveis valorizam os avanços sociais promovidos pelo governo, como a redução da pobreza, a ampliação do acesso à educação e saúde e a promoção de políticas de redistribuição de renda. A defesa da política externa venezuelana é baseada na ideia de independência dos EUA, reforçando sua soberania, também vista de forma positiva, buscando políticas de integração com os seus vizinhos sul-americanos. (SCHEIDT, 2014)

Já as análises equilibradas, segundo o autor, ponderam-se alguns fundamentos acadêmicos que tentam oscilar os avanços sociais e a inclusão dos mais pobres com os problemas estruturais do governo Chávez, isto é, após uma análise estrutural, os acadêmicos notaram êxitos em áreas sociais, contudo versam os obstáculos econômicos e institucionais que surgiram, como a crescente dependência do Estado, corrupção e sua ineficiência administrativa. (SCHEIDT, 2014)

4.2 CRISE POLÍTICA NA VENEZUELA ENTRE 2013 E 2024

Em 2013, Maduro assumiu a presidência, após a morte de Chávez. A Venezuela se encontrava em um contexto de profunda crise econômica, herdada em grande parte do modelo rentista, ou seja, um modelo dependente do petróleo e das variações de preço no mercado internacional; além de uma acentuada desvalorização de sua moeda nacional. A situação foi agravada pelo isolamento diplomático, que distanciou a Venezuela de antigos parceiros regionais e internacionais. (ARAÚJO e SILVA, 2024)

Maduro assumiu a presidência com falas de que seguiria o mesmo modelo de seu antecessor, entretanto, as perseguições a opositores, as eleições que ganhou, e a intervenção de países como os EUA, geraram crescente cobertura midiática e atenção internacional. Assim, é difícil analisar o que está acontecendo na Venezuela atualmente, devido à intensa polarização política. Essa polarização se reflete nos discursos antagônicos, com narrativas conservadoras que condenam a gestão de Maduro e vozes progressistas que defendem seu governo como uma tentativa de manter um projeto socialista. Tais narrativas desviam o foco do problema central que é uma profunda crise democrática marcada pela deterioração das instituições e pela concentração de poder no Executivo.

Nicolás Maduro ficou conhecido então por seu caráter anti carismático, politicamente enfraquecido no âmbito internacional, e seu governo extremamente polarizado, marcado por um gradual descontentamento da sociedade venezuelana e uma crise econômica sem precedentes, que dificulta ainda mais a vivência interna e torna o bolivarianismo menos presente. Com as diversas acusações de fraude nas eleições de Maduro, a oposição ganhou força, levando o presidente a gerar um discurso mais extremista. Com isso, no âmbito internacional, a polarização foi refletida, com progressistas apoiando o governo e políticos neoliberais se opondo (COELHO; ROSA; MENDES, 2022).

Vale lembrar que essa polarização foi crucial para a intensificação da agenda internacional venezuelana. Enquanto Chávez buscou levar a Venezuela ao mundo e atrair a atenção de agentes internacionais, Maduro enfrentou pressões externas e rebeliões internas, exacerbadas pela crise econômica que resultou na escassez de alimentos e produtos básicos como remédios e itens para higiene. Essa situação tornou ainda mais desafiador para Maduro sustentar uma política externa que se apresentava como isolacionista, agravando a crise política interna (COELHO; ROSA; MENDES, 2022).

Ao longo desses 11 anos de seu governo, a administração de Maduro foi alvo de críticas substanciais. Boa parcela de tais críticas foi em relação à crise migratória do povo venezuelano aos países vizinhos, que teve como causa a escassez de itens básicos para a sobrevivência, o alto índice inflacionário, o mau funcionamento das instituições, repressão para com a parcela da população que se opunham ao atual governo (ARAÚJO e SILVA, 2024). Posto isso, nota-se outro fragmento da fragilidade democrática venezuelana, visto que o governo de Maduro está sendo caracterizado por práticas autoritárias e pela repressão à oposição. Tais práticas enfraquecem a democracia de acordo com Robert Dahl (2005), pois afetam as duas dimensões fundamentais da democratização: a contestação pública e a inclusão política. Enquanto a contestação pública é afetada pela marginalização da oposição política e a falta de liberdade de expressão, a inclusão política é afetada pela exclusão de núcleos relevantes da população dos processos políticos eleitorais.

Um aspecto que deve ser destacado é a presença externa no conflito venezuelano. O forte interesse dos EUA em interferir nos processos eleitorais e no governo venezuelano, motivado pela riqueza petrolífera da região, ocasionando na aproximação da China com a Venezuela, assim como a Rússia e o Irã, que atuaram como mediadores nas vendas do produto. Para além, é perceptível o interesse que os EUA têm em derrubar o governo de Maduro por meio da mídia, da economia e de um isolamento venezuelano. Após as eleições de 2018 acusadas de fraudulentas, a oposição se destacou ainda mais, com Juan Guaidó proclamando-se presidente interino em 2019, apoiado pelos EUA, União Europeia e alguns países da América Latina, incluindo o Brasil. Diante disso, percebe-se que, a postura agressiva dos EUA em relação a Maduro não só exacerba o conflito partidário interno, mas também transforma a Venezuela em um campo de batalha geopolítico, onde as potências mundiais competem por influência (COELHO; ROSA; MENDES, 2022).

A crise política da Venezuela se intensificou devido a processos decisórios que desafiaram a legitimidade do governo, as interferências externas intensas e decisões autoritárias de repressão de Maduro. Dito isso, as garantias institucionais fundamentais para se ter uma democracia consolidada, como a liberdade de imprensa e o direito de voto, estão sendo comprometidas, evidenciando os obstáculos que Dahl (2005) aponta na luta pela estabilidade democrática. O autor ainda aponta que a competição entre os regimes aumentam os custos da repressão superando os da tolerância. Isso faz com que, no contexto político da Venezuela, a repressão da oposição aparenta indicar que o governo vigente entende a tolerância como um custo maior, tendo como consequência um cenário político caracterizado pela fragilidade democrática.

A intersecção entre a crise econômica, a repressão política e a interferência externa sugere que a resolução da crise política na Venezuela é incerta, exigindo não apenas uma mudança de liderança, mas também um novo paradigma político que restabeleça a democracia e a legitimidade governamental (COELHO; ROSA; MENDES, 2022). Com isso, para que uma democracia se mantenha estável, Przeworski et al. (1997) exploram algumas condições, como a presença de riqueza, crescimento econômico, menores níveis de desigualdade, um contexto internacional favorável ao país e instituições parlamentaristas. Posto isso, no contexto venezuelano, a ausência desses elementos influencia um nível democrático menor, já que é marcado por uma dependência excessiva do petróleo, uma gestão governamental atribuída a um quadro de recessão e inflação elevada, que prejudica a estabilidade democrática. Ademais, a desigualdade social impede uma maior inclusão política, criando uma exclusão que afeta a legitimidade do regime atual. Por fim, existe também a ausência de um clima internacional favorável à Venezuela, pois há hostilidade atual entre ela e as democracias ocidentais, fazendo com que a situação se agrave, impedindo a legitimidade e o fortalecimento de instituições democráticas.

Portanto, a incerteza quanto à resolução dessa crise é alarmante, especialmente considerando que as acusações de fraude e a escolha isolacionista de Maduro resultaram na suspensão da Venezuela do Mercosul (COELHO; ROSA; MENDES, 2022).

5 SUSPENSÃO DA VENEZUELA DO MERCOSUL

A suspensão da Venezuela do Mercosul ocorreu em duas fases principais: a primeira por motivos jurídicos, por não adequação às regras tarifárias do bloco e a segunda por violação do Protocolo de Ushuaia, que visa garantir a manutenção da democracia entre os Estados membros (IPEA, 2022). Em 2016, a Venezuela teve sua suspensão do Mercosul por não estar seguindo com os compromissos acordados quando teve sua adesão, acarretando na perda de seus direitos no bloco (JÚNIOR, 2018).

Em 2017, com a graduação da crise política e econômica na Venezuela, a suspensão foi reafirmada no bloco, com base em fundamentos políticos, uma vez que a Venezuela não estava cumprindo com as regras do Protocolo de Ushuaia, comprometendo-se com a democracia (JÚNIOR, 2018). Dito isso, com o colapso do sistema democrático, foi estabelecido que a Venezuela só poderia retornar ao Mercosul quando seu regime democrático fosse restabelecido (IPEA, 2022).

O intuito dos países-membros do Mercosul com a suspensão é fazer com que o governo da Venezuela busque um acordo e esteja aberto a negociações com a oposição, para que assim o país possa superar a crise política. As relações diplomáticas se intensificaram ao longo dos anos, com a tentativa de aproximar a Venezuela à democracia por meio de negociações. Contudo, não houve nenhum ponto de partida do governo venezuelano para realizar essa negociação com os seus opositores (JÚNIOR, 2018).

A decisão da suspensão da Venezuela pelo bloco baseou-se na violação da cláusula democrática, sustentada pelas crises econômicas e políticas, como a queda do valor do barril do petróleo, a escassez de produtos básicos e a energia elétrica. Assim, instaurou-se uma crise econômica que impactou a política interna, agravando o cenário democrático (JÚNIOR, 2018).

O Protocolo de Ushuaia é utilizado como um instrumento para o regime democrático permanecer perseverante entre os países membros e manter as instituições democráticas como disposição necessária para a integração regional ser funcional. Tal qual é evidenciado no artigo 1º do documento em que “A plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados Partes do presente Protocolo” (USHUAIA, 1998). A suspensão da Venezuela ocorreu por descumprir o acordo internacional estipulado e consequentemente foi caracterizada por romper com a visão sistêmica democrática. Tal decisão teve como base o artigo 5º do protocolo de Ushuaia, acordado pelos Estados membros, que visa a democracia como fundamental para a estabilidade social e econômica no contexto internacional (MENEZES; CARDOSO; BANDICIOLI, 2021).

No contexto do Mercosul, os protocolos são uma forma de manter a democracia entre os Estados-membros, funcionando mais como um incentivo à governança democrática do que uma forma de controle. Os protocolos de Ushuaia servem como um modelo para além do âmbito econômico, abordando a importância de uma ordem social estável para sustentar uma instituição democrática. Sua criação reflete a preocupação dos países latino-americanos de retornarem a um regime ditatorial. Entretanto, algumas ambiguidades no protocolo geram incertezas, pois não especifica claramente os critérios que definem uma democracia, gerando interpretações maleáveis a cada contexto presente (WILSON; MATSUNO, 2012). Por exemplo, o Protocolo não fornece uma definição exata do que é uma instituição democrática, o que leva a diferentes interpretações políticas, nem sempre centradas na proteção da democracia. Portanto, mesmo com suas variáveis interpretações, a criação desse acordo foi justamente para servir como uma medida para manter uma defesa da democracia, respeitando as diferenças sociais, políticas e culturais dos países membros e não como uma forma de opressão entre os Estados (MENEZES; CARDOSO; BANDICIOLI, 2021).

No caso específico da suspensão venezuelana, a falta de clareza no termo “instituições democráticas”, torna a decisão da suspensão subjetiva aos Estados membros. Embora o Mercosul tenha a democracia como base, a falta de critérios precisos nos Protocolos de Ushuaia gera incertezas sobre a proteção efetiva do regime democrático entre os países-membros (MENEZES; CARDOSO; BANDICIOLI, 2021).

6 CLÁUSULA DEMOCRÁTICA

A assinatura do Protocolo de Ushuaia, em 1998, introduziu a Cláusula Democrática no Mercosul, evidenciando os requisitos para que um Estado se torne membro do bloco, entre eles a preservação de uma democracia e a garantia das instituições democráticas. O Protocolo de Ushuaia II aprimorou os mecanismos de aplicação de sanções, para casos em que um Estado não cumpra com as normas do acordo (GOMES; WINTER, 2015).

A Cláusula Democrática do Mercosul foi colocada em prática na suspensão do Paraguai ao bloco (SLOBODA, 2015), porém MONTE e ANASTASIA (2016) ressaltam que a adesão da Venezuela foi utilizada de maneira quase que intencional, pois havia um interesse econômico para sua admissão e justamente por existir uma falha conceitual, gerou essa facilidade estratégica para configurar a adesão da Venezuela ao bloco.

A cláusula democrática se encontra em um constante debate, pois não apresenta uma exata definição do que é necessário para ser constituída uma democracia, permitindo diferentes interpretações. Observa-se que as decisões do Mercosul, tanto na suspensão do Paraguai, quanto na adesão e posterior suspensão da Venezuela mostram-se variações nos conceitos de democracia adotados por cada Estado. Ademais, nota-se que a adesão da Venezuela no Mercosul seguiu um conceito democrático mais abrangente, já que foi utilizado o fator socioeconômico do povo venezuelano e por ter uma melhoria nesse sentido, foi considerado um regime democrático favorável ao Mercosul. No entanto, alguns opositores à adesão argumentam que o regime venezuelano não atendia aos requisitos do Protocolo de Ushuaia (MONTE; ANASTASIA, 2016).

Ao longo do artigo foi possível notar que, antes da suspensão da Venezuela ao bloco, já haviam fatores determinantes de uma crise política já existente, assim como uma fragilidade democrática. Antes mesmo da adesão da Venezuela ao bloco, foi notado o contexto de fragilidade democrática, assim como no seu processo de adesão e depois sua suspensão. E para constatar tais fragilidades democráticas, foram utilizados diferentes conceitos da democracia. Com isso, Gomes e Winter (2015) destacam que a ferramenta utilizada pelos integrantes do Mercosul, falha em não trabalhar as relações diplomáticas, de forma com que os Estados consigam ajudar a reconstituir o regime democrático no Estado que está fragilizado, como a Venezuela. Então, por não estar presente na cláusula democrática uma forma de lidar com os Estados fragilizados institucionalmente, os países membros acabam não conseguindo encontrar uma solução para inverter o cenário.

Assim, questiona-se se a Cláusula Democrática foi interpretada de forma diversa em tais momentos. Postiga (2014) destaca que o ingresso da Venezuela no Mercosul foi um exemplo de falha nos tratados realizados, evidenciando críticas aos fundamentos jurídicos, políticos e democráticos. Ademais, expõe que o Mercosul passa-se por uma crise institucional, a qual seria necessária uma revisão de legalidade quanto aos acontecimentos do bloco, visando a integração regional e o diálogo constitucional entre os países-membros (POSTIGA, 2014). Posto isso, é perceptível que se há uma falha na própria conceituação democrática, a fragilidade democrática se intensifica, pois a demora para intervir na suspensão venezuelana causou um isolamento do país, tornando ainda mais difícil resolver esse conflito democrático.

Considerar a necessidade de uma definição clara de democracia no Mercosul é importante para revisar os protocolos para futuras adesões e sanções.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz dos acontecimentos envolvendo a Venezuela, observa-se uma fragilidade na aplicação da Cláusula Democrática do Mercosul. Desde sua adesão ao bloco, a Venezuela enfrenta questionamentos sobre a qualidade de sua democracia - um aspecto já perceptível antes mesmo de sua adesão. Dessa forma, a decisão de adesão e posterior suspensão parece ter se baseado mais em interesses políticos do que em critérios técnicos.

As recorrentes crises políticas na Venezuela ilustram a ausência de critérios claros e objetivos sobre o que constitui uma democracia, o que permite interpretações subjetivas. Em um contexto onde diferentes conceitos de democracia podem ser maleáveis entre países com orientações políticas distintas, torna-se praticamente inviável estabelecer uma norma única para Estados tão diversos.

Com vistas a uma consideração final, apesar de ser sustentado pela Cláusula Democrática, o Mercosul carece de critérios objetivos, assim como a democracia venezuelana é colocada em xeque devido aos subjetivos significados do que é uma democracia. Essa indefinição afeta diretamente a situação venezuelana, demonstrando a necessidade de uma revisão normativa e jurídica para consolidar o compromisso democrático entre os membros.

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1 Discente do Curso Superior de Relações Internacionais do Instituo de Educação Superior de Brasília Campus Edson Machado. E-mail: [email protected]

2 Orientador: Ricardo Pereira Mendes — Docente do curso de Relações Internacionais do Instituo de Educação Superior de Brasília Campus Edson Machado. Mestre pela Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]