AS EMOÇÕES E O DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA SOCIEDADE HÍBRIDA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14822826


Nilton Pereira da Cunha1


RESUMO
Este artigo investiga como as novas dinâmicas da sociedade híbrida, onde o mundo real e o mundo virutal se entrelaçam, impactam o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças. Antes da era digital, as emoções eram amplamente desenvolvidas por meio de interações face a face e experiências diretas, estabelecendo uma base sólida para o desenvolvimento afetivo. No entanto, com a presença crescente das tecnologias digitais no cotidiano, as crianças começam a viver experiências emocionais também mediadas por dispositivos e plataformas online. Este novo cenário gera mudanças significativas na maneira como as emoções são processadas e expressadas. Este artigo reflete sobre o uso precoce e excessivo dos dispositivos digitais, que podem alterar a construção de vínculos afetivos, a regulação emocional e a percepção de si e dos outros. Ao mesmo tempo, reflete sobre os desafios criados pela sociedade híbrida, destacando a importância de encontrar um equilíbrio entre as inovações tecnológicas e o bem-estar emocional das crianças. O estudo sugere que é crucial considerar as implicações dessas transformações no processo de socialização e no desenvolvimento emocional da criança, com uma preocupação maior pelas as crianças de 0 aos 3 anos de idade. A ênfase sobre a importância do desenvolvimento equilibrado e saudável das emoções, ganha uma nova dimensão na sociedade híbrida. Não há interação social adequada e nem o aprendizado profundo sem a salubridade emocional. Além disso, também estamos tratando da interface homem-maquina, ou seja, sobre o futuro do ser humano como nós o conhecemos hoje.
Palavras-chave: Sociedade híbrida. Homem-maquina. Salubridade emocional. Dispositivos digitais.

ABSTRACT
This article investigates how the new dynamics of the hybrid society, where the real world and the virtual world intertwine, impact children's emotional and cognitive development. Before the digital age, emotions were largely developed through face-to-face interactions and direct experiences, establishing a solid foundation for affective development. However, with the increasing presence of digital technologies in everyday life, children are beginning to experience emotional experiences that are also mediated by online devices and platforms. This new scenario generates significant changes in the way emotions are processed and expressed. This article reflects on the early and excessive use of digital devices, which can alter the construction of emotional bonds, emotional regulation and the perception of oneself and others. At the same time, it reflects on the challenges created by the hybrid society, highlighting the importance of finding a balance between technological innovations and children's emotional well-being. The study suggests that it is crucial to consider the implications of these transformations on the child's socialization process and emotional development, with greater concern for children from 0 to 3 years of age. The emphasis on the importance of the balanced and healthy development of emotions takes on a new dimension in the hybrid society. There is no adequate social interaction and no deep learning without emotional health. Furthermore, we are also dealing with the human-machine interface, that is, the future of the human being as we know it today.
Keywords: Hybrid society. Machine man. Emotional healthiness. Digital devices.

1 Introdução

A sociedade contemporânea atravessa uma transformação paradigmática, na qual a fusão entre o humano e o digital redefine os limites da experiência e da existência.

Nesse cenário emergente, da denominada sociedade híbrida, as crianças encontram-se no epicentro de uma revolução que, ao mesmo tempo em que promete avanços tecnológicos, coloca em risco aspectos fundamentais da humanidade.

O desenvolvimento infantil, tradicionalmente compreendido como um processo biológico e psicológico profundo, passa agora a ser influenciado por interações com tecnologias que alteram não apenas as capacidades cognitivas, mas também as emocionais.

Neste contexto, as emoções – que desempenham um papel crucial no desenvolvimento afetivo, social e cognitivo das crianças – começam a se entrelaçar com as interfaces digitais e as máquinas que mediamos, criando uma nova dinâmica de aprendizagem e de construção de identidade.

O presente artigo se propõe a explorar como as emoções, essas forças invisíveis e poderosas, se manifestam e se desenvolvem nas crianças da sociedade híbrida, considerando os impactos das tecnologias digitais no desenvolvimento emocional e nas relações sociais.

A partir disso, buscamos compreender como o ambiente tecnológico em que as crianças estão imersas podem moldar, de maneira inédita, suas experiências afetivas e psicológicas, desenhando um novo panorama para o desenvolvimento emocional e cognitivo.

As interações digitais, muitas vezes mediadas por dispositivos inteligentes e algoritmos, alteram a forma como as crianças experimentam e processam suas emoções, oferecendo novas formas de comunicação, aprendizado e entretenimento. Tornnado-se ainda mais precocupante agora com a geração Beta que terá a Intelegiência Artificial (IA) plenamente integrada à tecnologia.

Essas experiências trazem à tona desafios, como a construção de vínculos afetivos, a regulação emocional e a percepção de si mesmos e dos outros em um mundo cada vez mais virtualizado.

O impacto dessas novas dinâmicas, especialmente às crianças de 0 aos 3 anos de vida, podem trazer problemas gravíssimos, como está escrito na literatura, inclisive há indícios fortes de crianças que usam os dispositivos digitais (DD) de forma precoce e excessiva, no primiero ano de vida, podem apresentar caracteristicas semelhantes aos sintomas deTEA e THDA, aos 3 anos. Além disso, isso, por si só já é gravíssimo, porém, podem também contribuir para o aumento da ansiedade e da dificuldade em lidar com frustrações. Ao mesmo tempo, surgem questões éticas e sociais, como a privacidade emocional das crianças e a potencial possibilidade de manipulação através das plataformas digitais.

Portanto, é crucial analisar de que forma esse cenário híbrido está redefinindo não apenas a infância, mas a própria natureza da experiência humana, em que as emoções, longe de serem simplesmente relações biológicas, tornam-se também construções mediadas por tecnologias que transcendem os limites do corpo e da mente.

O desafio, portanto, é encontrar formas de integrar essas tecnologias de maneira que promovam o crescimento emocional das crianças, sem que suas identidades e experiências afetivas se vejam subjugadas ou diluídas por um mundo tenso digitalizado.

O futuro do ser humano, em sua essência emocional e cognitiva, dependerá também da participação do poder público em conscientizar à sociedade, especialmente os pais e cuidadores, para que juntos sejam capazes de se adaptarem a essas mudanças, mas garantindo que as crianças, no futuro, não apenas se tornem consumidoras digitais, mas também seres humanos plenos, capazes de experimentar o mundo com sensibilidade, autonomia e empatia.

2 A Hibridação Corpo-máquina na Sociedade Contemporânea

A sociedade híbrida corresponde as transformações sociais e tecnológicas ocorridas nas últimas décadas. Onde a Internet é um marco crucial, pois possibilitou uma integração mais profunda entre os mundos físico e virtual, criando novas dinâmicas de interação social, trabalho, educação, entretenimento e informação. O conceito de "hibridização" implica essa fusão entre o real e o digital, onde as fronteiras entre os dois se tornam cada vez mais fluidas2.

Além disso, o avanço na compreensão do cérebro humano, especialmente com a neurociência e a inteligência artificial, contribui para que as interações digitais se tornem mais complexas e personalizadas, ajustando-se melhor ao comportamento e às necessidades dos indivíduos.

O avanço da neurociência e a crescente compreensão do funcionamento do cérebro humano influenciaram diretamente o desenvolvimento da inteligência artificial (IA). Durante décadas, cientistas se dedicaram a mapear como as redes neurais no cérebro processaram informações, memórias, emoções e aprendizagem. Esse conhecimento não só tem possibilidade de avanços no tratamento de doenças neurológicas e psicológicas, mas também fornece uma base para a criação de sistemas computacionais que imitam o funcionamento da mente humana.

Nesse sentido comenta Durkin que, a inteligência artificial (IA) é um conjunto de estudos da ciência que pesquisa formas de fazer o raciocínio do computador simular o raciocínio humano3.

A IA, especialmente a partir da década de 2000, começou a se beneficiar da neurociência, com a introdução de algoritmos inspirados no funcionamento dos neurônios e suas conexões. As redes neurais artificiais, por exemplo, são projetadas para simular de forma simplificada como as células cerebrais se comunicam e aprendem. Esse paralelo entre cérebro e tecnologia abriu portas para o desenvolvimento de sistemas de aprendizagem de máquina mais sofisticados, capazes de analisar grandes volumes de dados.

A velocidade das mudanças tecnológicas no contexto da sociedade híbrida ocorrem de forma muito rápida que o sistema educacional, saúde e as dinâmicas familiares não conseguem acompanhar. Historicamente, as inovações tecnológicas sempre ocorreram a um ritmo mais lento, permitindo que as sociedades se adaptassem gradualmente aos novos paradigmas. Contudo, com o advento da era digital e das tecnologias de inteligência artificial, o ritmo dessa transformação acelerou de forma inédita.

Vamos fazer uma analogia com alguns marcos históricos: da invenção da escrita, por volta de 3.500 a.C4, foi uma revolução que transformou a comunicação humana, mas levou milênios para que seu uso se espalhasse e se consolidasse em diversas civilizações. O desenvolvimento do papel, que facilitou a disseminação do conhecimento e a preservação de textos, ocorreu muito mais tarde, por volta do século II dC, na China. Do advento da excrita ao desenvolvimento do papel durou cerca de 3.600 anos. Do papel para o advento da prensa tipográfica, durou cerca de 1.300 anos e da prensa para Internet, cerca de 500 anos, da Internet para as redes sociais, menos de 40 anos, das redes sociais para a Banda Larga, menos de 10 anos e o mesmo ocorreu para da Banda Larga à integração completa entre Inteligênia Artificial (IA) e as tecnologias.

Nesse cenário é importante destacar que a geração Beta será a primeira a nascer dentro de um contexto, onde a IA e as tecnologias digitais estão totalmente integradas ao cotidiano. Ao contrário das gerações anteriores, que acompanharam a evolução gradual das tecnologias e tiveram que se adaptar a elas, os membros da geração Beta crescerão num ambiente onde a IA totalmente integrada é uma parte intrínseca da realidade.

Desde os primeiros anos de vida, essas crianças poderão mergulhar em dispositivos inteligentes, que aprenderão e se adaptarão às suas necessidades e comportamentos de forma quase imperceptível. A interação com assistentes virtuais, sistemas de recomendação e tecnologias baseadas em IA será natural quanto ao uso de uma lâmpada ou de uma televisão. As plataformas educacionais serão moldadas por algoritmos que personalizam o aprendizado, oferecendo experiências de ensino únicas para cada estudante, enquanto a saúde e o bem-estar também serão monitorados e otimizados.

A geração Alpha foi introduzida dentro de uma contexto dos dispositivos digitais, num mundo dominado por telas. Contudo, a geração Beta crescerá em um contexto onde as tecnologias serão imersas de maneira invisível e quase imperceptível. A IA não será apenas uma ferramenta interativa, mas uma rede de sistemas inteligentes que otimizarão e anteciparão as necessidades dessa geração. Serão crianças que, desde o nascimento, terão seu mundo ajustado e customizado por algoritmos e dispositivos que se adaptam em tempo real ao seu comportamento.

Para uma reflexão é importante sublinha o que Haraway comemta, citado por Tomaz da Silva, as máquinas no final do século XX tornaram-se completamente ambíguas, a diferença entre o natural e o artificial, entre mente e corpo, podendo-se dizer o mesmo de muitas outras definições que se costumavam aplicar aos organismos e às máquinas. Nossas máquinas são pertubadoramente vivas, assustadoras e inertes5.

Nos últimos anos, a tecnologia tem se aproximado cada vez mais do corpo humano, não apenas como uma ferramenta externa, mas como uma verdadeira extensão do sistema nervoso. A ideia de interfaces neurais é uma conexão direta entre o cérebro humano e sistemas computacionais, permitindo implantes.

Por exemplo, ao usar óculos de Realidade Aumentada (RA), o usuário pode visualizar informações, imagens ou objetos virtuais sobrepostos ao ambiente físico. Esse tipo de tecnologia, ao ser utilizado em atividades cotidianas, pode fazer com que o corpo humano interaja com o ambiente de maneira mais rica e informada. O corpo, nesse contexto, deixa de ser apenas uma entidade biológica e passa a ser parte de um sistema híbrido, onde o físico e computacional se integram.

A Tecnologia Wearable, o corpo como plataforma, por exemplo, os dispositivos vestiveis. Esses dispositivos permitem que as informações sobre o corpo sejam acessadas de maneira instantânea, proporcionando uma nova camada de autoconsciência e feedback sensorial.

Com a introdução de interfaces neurais, dispositivos vestiveis inteligentes, e exoesqueletos, ou seja, o corpo humano pode ser equipado com sensores e sistemas computacionais que melhoram ou modificam sua funcionalidade. O ser humano, então, passa a interagir com o ambiente e com outras pessoas de formas mais diretas e imersivas, utilizando a tecnologia para aumentar suas habilidades, como o controle mental de próteses, o acesso instantâneo a informações ou a criação de novas experiências sensoriais por meio de realidade aumentada (RA).

Esse novo conceito de corpo híbrido gera um questionamento sobre a própria natureza da identidade humana. Em um mundo onde o biológico e o digital se entrelaçam, será que a linha entre o que é “humano” e o que é “máquina” pode ser definida de maneira clara? Ou será que, no futuro, o próprio conceito de humanidade precisará ser reavaliado à medida que nossas capacidades físicas e cognitivas se expandam e se fundem com a tecnologia?

Ou seja, a Hibridação Corpo-Máquina, esse tipo de hibridação, em que o corpo humano não se limita à sua biologia, mas se expande e se adapta às novas possibilidades digitais, está remodelando a nossa compreensão do que significa ser humano. O corpo não é mais uma unidade isolada; ele está se tornando uma plataforma de integração entre o biológico e o digital, onde a tecnologia não apenas complementa, mas expande as ideias de implantes neurais, próteses cibernéticas e o uso de dispositivos vestiveis.

O mais interessante dessa transformação é que ela está desafiando as noções tradicionais de identidade e individualidade. Se, por um lado, o corpo físico sempre foi visto como a essência da experiência humana, por outro, a fusão do corpo com a tecnologia sugere que nossa identidade pode ser fluida e em constante evolução. O que antes parecia uma linha clara entre o natural e o artificial agora se torna uma zona de transição, onde a humanidade e a capacidade de adaptação às inovações tenológicas.

Essa transformação sugere que, no futuro, a noção de corpo não será mais centrada apenas nas funções biológicas, mas também na interação contínua com o mundo digital. O corpo humano, como plataforma de integração, passa a ser um sistema híbrido, multidimensional.

Com isso, as questões de identidade, autonomia e ética ganham novas dimensões. O corpo não será mais simplesmente uma "casca" física, mas uma entidade fluida, capaz de se modificar, melhorar e até se adaptar às novas condições por meio da tecnologia. Isso redefine a ideia de humanidade, pois o ser humano não será mais apenas o que ele é biológico e geneticamente, mas também o que ele pode se tornar com a hibridez, como viver, sentir e existir no século XXI.

Não podemos olvidar que, a geração Beta será a primeira a viver dentro desse contexto, crescerá em um ambiente em que as interfaces neurais, os dispositivos vestíveis e as inovações tecnológicas não serão apenas teorias, mas estarão presentes no seu cotidiano.

Com o uso contínuo de interfaces digitais e a presença constante de dispositivos conectados, a geração Beta poderá enfrentar dificuldades em distinguir entre o real e o virtual, e do desenvolvimento adequado e equilibrado das sua emoções.

3 As Emoções e o Desenvolvimento Infantil

Segundo o psicólogo Paul Ekman, as emoções determinam a qualidade da nosso existência. Elas são dadas em todas as relações que estamos envolvidos: no trabalho, com nossos amigos, no trato com a família e em nossas relações mais ímtimas. Pode salvar nossas vidas, porém, podem fazer muitos danos também. Podem nos levar a agir de uma forma que nos parece realista e apropriada, mas também podem nos conduzir a ações que logo nos arrepemos de todo o coração6.

Os estudos cada vez mais apontam sobre a importância das emoções nas nossas vidas, destacando como elas são essenciais para o nosso bem-estar, tomada de decisões, relacionamentos interpessoais e para nossa saúde física e mental.

O neurocientista português António Damasio, que é professor e pesquisador nos Estados Unidos, comenta que as emoções têm função social e papel fundamental na interação humana. Acrescenta que as emoções são apdaptações singulares que integram o mecanismo com o qual os organismos regulam a sobrevivêncai orgânica e social. Em sentido básico, as emoções são partes da regulação homeostática e constituem-se em poderosos mecanismos no processo de aprendizagem7.

Nessa mesma direção Paul Ekman sublinha que, as emoções alteram nossa forma de ver o mundo e nossa interpretação das ações das outras pessoas.

As emoções, em sua essência, são a chave para a nossa compreensão do mundo e dos outros. Elas são mais do que respostas biológicas a estímulos; são experiências profundamente humanas que nos conectam à nossa existência e ao nosso entorno. Na ausência de emoções, a percepção do mundo se torna uma tela vazia, uma paisagem sem profundidade, onde os atos dos outros, os eventos e as situações perdem a sua carga de significado. As emoções são as lentes que usamos para interpretar a realidade, conferindo-lhe cor, textura e relevância. Elas não apenas nos impulsionam a agir, mas também nos oferecem a capacidade de compreender, de sentir e existir.

Ao interagirmos com o outro, não nos limitamos a analisar fatos objetivos; estamos imersos em uma rede de significados e interessados, muitas vezes não ditas, que só podem ser apreendidos por meio das emoções. Quando alguém sorri, por exemplo, não estamos apenas registrando um movimento muscular, mas captando, através da nossa própria ocorrência emocional, o significado profundo da satisfação, da alegria. A teia de significados que perpassa dessa interpretação, nos conectam ao mundo de uma forma que vai além da razão.

A percepção humana não é objetiva; ela é sempre filtrada por uma rede de afetos, memórias, desejos e medos. Cada gesto do outro, cada palavra ou ação, é carregado de um significado emocional que apenas conseguimos entender porque nossas emoções atuam como um espelho que reflete a realidade.

No contexto social, as emoções não são apenas reações individuais, mas formas de compreensão compartilhadas, são mútuas a interpretação.

Vivemos em um tempo em que, paradoxalmente, temos a necessidade de desenvolver a comunicação emocional, espeialmente das crianças, porém, elas estão sendo inseridas dentro de uma sociedade híbrida, em que as interações são cada vez mais mediadas pela interação superfical ou virtual, com seu vasto oceano de informações, cores, luzes proporcionadas pelas telas dos dispositivos digitais (DD).

O que sugere refletir sobre os seus desafios, pelo fato de que as emoções não são apenas os sentimentos momentâneos que experimentamos, mas os canais por meio dos quais o mundo se tornam interpretáveis ​​e significativos. Elas, nos permitem viver e entender a complexidade do outro, da vida e de nós mesmos. Em um mundo híbrido e digital, onde o real e o virtual se entrelaçam, as emoções permanecem como a única verdade que nos conecta à essência da experiência humana, mostrando que a interpretação da realidade nunca é apenas lógica ou objetiva, mas sempre profundamente afetiva e emocional.

O grande desafio contemporâneo, que se coloca de forma urgente diante de nós, é como preparar as futuras gerações, especialmente, a geração Beta, para viver inserida dentro de um contexto mediado pela inteligência artificial (IA). Sem perder a essência humana das emoções. É o desenvolvimento da experiência emocional, que nos torna capaz de nos conectarmos genuinamente com os outros e a compreensão do que se passa ao nosso redor, da vida, e dos nós mesmos.

Desde o nascimento, a geração Beta crescerá imersa em um contexto onde a inteligência artificial (IA) integrada às tecnologias poderá contribuir em, no mínimo, minimizar as habilidades emocionais dessa geração.

Porém, a verdadeira questão não está na presença da tecnologia, mas na necessidade que as ciranças dessa geração posso está em ambientes em que tenha o toque real, o olhar genuino, as conversas sinceras, a escuta ativa, para poder desenvolver a capaccidade de se conectar em um nível profundo com o outro. Ou seja, preservando a cultivação da essênia emocional humana.

O grande desafio para os responsáveis na formação e educação das crianças da geração Beta e do poder público é conscientizar esses responsáveis da primeira infância: Como poderemos manter um equilíbrio entre a necessidade de estarmos num contexto da sociedade híbrida, entre o mundo real e o virutal, no entanto, as crianças, espeialmente de 0 aos 3 anos, devem estar inseridas apenas na sociedade analógia? Esta é a únia forma de desenvolver as emoções genuínas e a salubridade emocional dessa geração e envitar que sejam inseridas no contexto das milhões de pessoas que pelo mundo estão com problemas de saúde mental, ocasionado pela falta de um desenvolvimento equilibrado e adequado da salubridade emocional.

Nessecitamos refletir: Será esse um mundo onde as pessoas ainda serão capazes de olhar nos olhos umas das outras e se considerarem como iguais, com todas as suas complexidades emocionais e sociais? Ou seremos simplesmente produtos de um sistema digital que, apesar de parecer inteligente e eficiente, não podem nos oferecer a profundidade da experiência humana?

Neste contexto, as máquinas devem servir à humanidade e não dominar a maneira como nos relacionamos uns com os outros. Preservar sua capacidade emocional e afetiva, sendo capaz de viver em raízes humanas.

Portanto, o grande desafio que enfrentamos não é a tecnologia em si, mas na maneira como seremos capazes de preservar a essência da humanidade em manter a proteção das nossas emoções e a profundidade das nossas relações humanas.

Este é o grande desafio que a sociedade híbrida impõe: preparar as crianças para crescer em um mundo onde as tecnologias estão profundamente integradas ao seu cotidiano, sem que percam o essencial da experiência emocional humana.

Hoje, não há um debate amplo e profundo sobre o desafio de desenvolver as emoções na sociedade híbrida, algo imprescindível no atual cenário.

Historicamente, a pesquisa educacional tem dado primazia ao desenvolvimento das habilidades cognitivas. As crianças sempre foram vistas, em grande parte, como "tabulas rasas", em que o processo de ensino consiste, basicamente, em desenvolvimento do raciocínio lógico, memorização, resolução de problemas e habilidades analíticas, essas sempre foram consideradas como os pilares do sucesso acadêmico e, consequentemente, o principal objetivo da educação.

Porém, ao olharmos mais profundamente para o desenvolvimento humano e para o papel das emoções, percebemos que as habilidades cognitivas não podem se desenvolver sem uma base emocional sólida. Não se pode aprender verdadeiramente sem que haja uma conexão emocional com o que está sendo aprendido. As emoções são fundamentos sobre os quais o conhecimento se constrói. Elas moldam a forma como percebemos e nos relacionamos com o mundo.

A motivação de aprender é movida pela emoção. Não é simplesmente o desejo que nos empolga, como as emoções alimentam a nossa curiosidade. Ou seja, o aprendizado não é apenas um ato cognitivo, mas um processo em que as emoções desempenham um papel central, já que é a conexão emocional com o conteúdo aprendido é o que alimenta a nossa vontade de aprender.

Mais do que isso, a pesquisa em educação contemporânea já reconhece que o processamento emocional é parte fundamental de todos os aspectos, necessita dá masi ênfase a isso. Estudos em neurociência mostraram que são as emoções que regulas, a atenção e tomada de decisão. Em termos simples, as emoções facilitam ou dificultam a aprendizagem, dependendo de como são gerenciadas e percebidas. O medo, por exemplo, pode bloquear a capacidade de aprender, enquanto a alegria ou a curiosidade pode despertar o interesse de aprender.

O que isso significa para o futuro da educação, especialmente em um contexto da sociedade híbrida, onde o físico e o digital se entrelaçam de maneira cada vez mais intrínseca e quase não há distinção entre o mundo real e o virtual. Onde as telas dos dispositivos digitais e a inteligência artificiail ganham ada vez mais espaços cotidiano, isso deste tenra idade.

Nesse contexto, a educação emocional passa a ter um papel preponderante. A sociedade híbrida nos desafia a dinamizar mecanismo que possam difundir de forma mais enfática sobre a importânia das emoções humanas, elas são o alicerce sobre o qual os seres humanos são construídos.

Dentro dessa nova conjuntura, as emoções humanas são a essência do processo educativo. A capacidade de gerenciar as emoções, entender o impacto emocional das experiências, onde a empatia, o autoconhecimento e a resiliência emocional serão competências essenciais para que as crianças possam avançar no conhecimento.

Na prática, isso significa que o futuro da educação precisará ser holístico, que leva em conta tanto os aspectos cognitivos quanto os emocionais. O desenvolvimento das habilidades cognitivas e emocionais . As crianças precisarão aprender não só a pensar, mas também a sentir e a lidar com os seus sentimentos. O processo de aprendizagem será muito mais eficaz quando a educação emocional for algo tratado com a sua importância, dentro de uma sociedade híbrida.

O cerne desse desafio é a necessidade de inegrar o importante papel das emoções na educação. Não podemos mais pensar em educação como transferência de conhecimento intelectual, precisamos entender que a educação emocional será, cada vez mais, uma chave para o sucesso na sociedade do futuro. As habilidades cognitivas, sem um fundamento emocional, não têm raízes profundas. Elas podem ser adquiridas, mas quando bem desenvolvidas e gerenciadas, não apenas apoiam o processo cognitivo, mas, são elas que potencializam a aprendizagem, dando-lhe significado, relevância e profundidade.

Antes da sociedade híbrida, a emoção era naturalmente construída e vivenciada nas interações face a face, de forma direta e transmitida, nos vínculos humanos estabelecidos no cotidiano.

As expressões emocionais surgiam no contato físico, nas trocas sensíveis e na convivência social imediata, tornando o discurso sobre as emoções menos urgente, pois estas se manifestavam de maneira orgânica e visível.

Contudo, com a chegada da sociedade híbrida, em que o digital se entrelaça com o físico, a forma como as emoções são expressas, detalhadas e até gerenciadas necessitam ser mais compreendidas por todos nós.

As relações virtuais e as interfaces tecnológicas transformaram a maneira de sentir e de comunicar emoções, tornando necessário refletir sobre as novas dinâmicas emocionais que surgem nesse contexto, onde a proximidade e a intimidação das interações humanas são frequentemente mediadas

Espeialmente, em um mundo onde as máquinas, a inteligência artificial e o digital ganham cada vez mais espaço, não podemos nos permitir negligenciar a humanidade que reside no sentir. O grande desafio que a sociedade híbrida impõe aos responsáveis da formação e educação das crianças é justamente o desenvolvimento das emoções, elas têm que ser bem trabalhadas desde tenra idade, especialmente do 0 aos 3 anos de vida.

E o papel do poder público é difundir isso para toda a sociedade, através e uma linguagem clara e objetiva.

4 O Desafio do Desenvolvimento Infantil na Sociedade Híbrida

No início do século XXI, surgiu pela primeira vez o termo nativo digital, por Marc Prensky, um escritor e palestrante americano da área da educação, para descrever aqueles que nasceram numa cultura digital e que pareciam ter habilidades tecnológicas intrínsecas8. Esta nova geração foi pioneira no acesso aos dispositivos móveis e interativos, como smartphones e tablets, e à internet de uma forma mais generalizada e desenvolvida. Esta geração foi também descrita como tendo “conhecimentos sofisticados e competências com as tecnologias da informação”, bem como formas de aprender totalmente diferentes das gerações anteriores, que iriam obrigar a uma mudança radical no sistema educativo.

Contudo, o termo e as capacidades atribuídas a esta geração foram rapidamente questionados e o que se sugere é que, possa ter feito uma generalização enganadora da realidade. Esses mesmos que consideravam possíveis grandes avanços educacionais dessa geração, passaram a repensar sobre a capacidade das crianças e adolescentes desenvolverem aprendizagem sólida na ausência de programas efetivos de aprendizagem.

Em 2021, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apresentou algumas conclusões do relatório de “Leitores do Século 21 – Desenvolvimento de Habilidades de Alfabetização num Mundo Digital”. Apesar do maior acesso e exposição às tecnologias, isso não se traduziu numa maior aprendizagem tecnológica e os índices de alfabetização digital dos jovens mostraram uma escassa evolução nas avaliações do PISA entre 2000 e 2018, apesar do intervalo temporal e alterações socioculturais. Isto significa que estar familiarizado com as tecnologias, característica que se atribui aos nativos digitais, não significa estar capacitado para localizar, compreender e filtrar a informação disponível na internet9.

A partir de 2010, os dispositivos digitais (DD), como os smartphones e tablets passaram a substituir os meios de comuniação traicionais como a TV, conhecidos por transmitir conteúdo de forma passiva, os novos permitem o acesso rápido a conteúdos interativos, na forma de e-book, jogos, vídeos e aplicativos. Além disso, em sua maioria, são portáteis e podem ser usados em locais e circunstâncias onde anteriormente não era possível, nomeadamente em viagens de carro, restaurantes e outros locais de lazer, onde acabam por ocupar o tempo de outras atividades e se tornaram onipresentes.

A Common Sense Census, que é o estudo que analisa como crianças e jovens nos Estados Unidos usam mídia e que mantém atualizados os dados sobre a utilização dos dispositivos digitais, divulga dados obtidos através de entrevistas aos pais, onde estes registram o que foi visto em cada dispositivo e o conteúdo assistido. No relatório referente a fevereiro e março de 2020, que inclui crianças desde o nascimento até aos oito anos de idade, o tempo médio de utilização dos dispositivos digitais foi de duas horas e 24 minutos diários, sendo que cerca de 23% das crianças analisadas não usou qualquer dispositivo digital e 24% usou durante mais de quatro horas. O relatório de 2021, que incluiu 1.306 jovens entre os oito e os 18 anos, concluiu que as crianças e adolescentes com idade entre os oito e os 12 anos de idade despenderam cinco horas e 33 minutos com os dispositivos digitais enquanto os adolescentes entre os 13 e os 18 anos de idade utilizaram durante cerca de oito horas e 39 minutos. O estudo mostrou que é cada vez mais comum a utilização simultânea de diversos dispositivos e que, por esse motivo. Apenas 5% do grupo dos oito aos 12 anos e 3% do grupo dos 13 aos 18 anos não utilizam nenhum dispositivo digital num dia normal e o gênero masculino usa, em média, mais uma hora e quinze minutos do que o gênero feminino10.

Os pais, comenta Cláudia Coelho, têm um papel nuclear no controlo do tempo e do conteúdo assistido, uma vez que a maior parte do uso dos DD ocorre em casa. O stress parental no exercício das funções parentais parece estar associado ao maior uso dos dispositivos eletrónicos e digitais pelas crianças e as características e necessidades da criança também parecem influenciar o seu uso. Num estudo recentemente publicado, a dificuldade em lidar com o comportamento da criança foi associado a maior stress materno que, por sua vez, levou ao aumento do uso dos DD. São várias as razões apontadas pelos pais para o uso dos DD, nomeadamente serem uma forma segura de ocupar os tempos livres, permitindo aos pais executar outras tarefas, servirem como fonte de entretenimento e/ou relaxamento ou serem ferramentas de fácil acesso11.

As evidências mostram que os DD afetam a função cerebral e o neurodesenvolvimento de diversas formas.

Nesse sentido, Cláudia Coelho acrescenta que os primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento cerebral e das suas funções. As crianças nesta faixa etária precisam de ter contacto direto com pessoas e objetos concretos para terem um desenvolvimento cognitivo, motor e emocional adequados. Para isso, é necessário criar um ambiente seguro, estimulante e dar tempo e oportunidades de aprendizagem adequadas à idade. Conseguir todos estes requisitos num meio rodeado de dispositivos eletrónicos e digitais é uma tarefa desafiante e implica conhecer as suas potenciais vantagens e desvantagens, com o objetivo de conseguir o equilíbrio que os permitam fazer parte do dia-a-dia com o menor impacto possível.

Nestes primeiros anos de vida os diferentes componentes do neurodesenvolvimento, tais como a atenção, a imitação, a memória e o pensamento abstrato são ainda muito imaturas e vários estudos têm demonstrado um impacto negativo dos media digitais ao nível do desenvolvimento cognitivo e da linguagem.

Um estudo apontou que a capacidade de as crianças perceberem interações não verbais foi maior em crianças privadas de DD durante cinco dias do que em crianças que continuaram com a sua utilização regular.

Também apontou que, aprender a regular as emoções e os comportamentos faz parte do processo do neurodesenvolvimento. A capacidade de autorregulação em crianças em idade pré-escolar foi positivamente associada às suas competências sociais e ao seu desempenho escolar e negativamente associada a problemas de internalização e externalização futuros, e a exposição aos DD parece influenciar negativamente este processo12.

Os prematuros, por definição nascidos com idade gestacional (IG) abaixo das 37 semanas, apresentam um risco acrescido de desvios do neurodesenvolvimento. Este risco aumenta com a menor IG, menor peso de nascimento e complicações neonatais. Este grupo de crianças apresenta um maior risco de alterações da linguagem nas funções executivas, na atenção e na memória de trabalho e memória de figura e menor rendimento escolar. Um estudo recente, que incluiu 414 crianças entre os seis e os sete anos, nascidos com IG inferior a 28 semanas, concluiu que o transtorno emcoional (TE) contribui negativamente para as funções cognitivas e executivas e para o comportamento neste grupo.

Perante a vulnerabilidade intrínseca deste grupo de crianças, constata-se que os DD precoce e em excesso, juntamente com o conteúdo inadequado ou sem supervisão agravam o quadro clínico e o seu prognóstico.

Vários estudos parecem demonstrar um impacto negativo do uso precoce e excessivo dos DD nas crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Quanto maior a exposição aos DD, mais grave parece ser o espectro clínico da doença. Assim, com o objetivo de isolar o impacto negativo do TE nas crianças com TEA, foi realizado um estudo onde os DD foram totalmente retirados do quotidiano destas crianças, tendo sido dado aos pais estratégias para a diminuição do TE e aumento das interações sociais. Os resultados mostraram uma diminuição da clínica e da ansiedade parental13.

Além disso, parece haver uma relação entre a exposição precoce aos DD e o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Um estudo japonês determinou que quanto mais prolongada for a exposição aos DD no primeiro ano de vida, maior a probabilidade de ser diagnosticado com TEA aos três anos de idade14.

Ainda neste estudo, foi observado que o gênero masculino apresentava uma maior sensibilidade ao uso excessivo dos DD, sendo o diagnóstico de TEA três vezes superior neste gênero. Será difícil determinar se esta exposição precoce é um sinal da patologia já existente ou se é, de fato, um desencadeante ambiental. As evidências têm demonstrado que as crianças com TEA tipicamente estão expostas mais precocemente aos DD e durante mais tempo. As características clínicas que parecem contribuir para um uso mais prolongado são os défices na comunicação, os interesses restritos, a preferência pelo uso solitário, as alterações na perceção sensorial, os défices associados às funções executiva e fatores contextuais, como a ansiedade parental. As crianças com TEA têm maior facilidade em interagir com os DD do que com as pessoas, porque a interface dos dispositivos é de fácil manuseio e não implica contacto social. A exclusão social gerada pelas barreiras criadas no acesso a determinadas atividades físicas e sociais é também um fator importante no aumento do TE das crianças com TEA.

Em um breve relatório da ELSEVIER, sobre comportamento e desenvolvimento infantil, de novembro de 2020, que reuniu 120 crianças com 36 meses de idade demonstrou que aquelas que tinham THDA tinham uma exposição mais prolongada aos DD do que o grupo de controle sem estes antecedentes15. Também foi demonstrado que crianças em idade pré-escolar com exposição aos DD durante mais de duas horas por dia apresentaram um risco 7,7 vezes superior de se enquadrar nos critérios de THDA.

Na sociedade híbrida, as relações interpessoais mudaram. As crianças não estão mais apenas interagindo com seus pais, cuidadores e pares em ambientes físicos — agora, elas também se conectam digitalmente, o que pode gerar uma desconexão emocional .

Damásio classifica as emoções em três categorias: emoções de fundo, primárias e sociais. As emoções de fundo são aquelas em que o sujeito tem a capacidade de decodificá-las rapidamente em diferentes contextos, sendo elas agradáveis ou desagradáveis. As emoções primárias ou universais são facilmente identificáveis entre seres de uma mesma espécie, como, por exemplo, raiva, tristeza, medo, zanga, nojo, surpresa, felicidade. E finalmente, as emoções sociais ou secundárias que, de acordo com Damásio, são influenciadas pela sociedade e cultura, como a vergonha, o ciúme, a culpa, compaixão, embaraço, simpatia, orgulho16.

É durante os 3 primeiros anos de vida que o cérebro desenvolve-se mais rapidamente, e é este também o período de maior receptividade e vulnerabilidade aos estímulos do meio envolvente17. O desenvolvimento da linguagem, de competências motoras e o estabelecimento das primeiras relações sociais e afetivas ocorrem durante o período pré-escolar18. Especificamente, a aquisição da linguagem é um processo complexo e indispensável ao desenvolvimento harmonioso de uma criança, e que depende essencialmente da exposição precoce a ambientes verbalmente estimulantes19. A atual alteração dos hábitos de vida, associados à utilização massiva de dispositivos digitais (DD), influencia diretamente a forma como comunicamos e pode afetar o desenvolvimento da linguagem de crianças pré-verbais e o desenvolvimento adequado e equilibrado da salubridade emocional.

Por exemplo, a falta de interações presenciais pode comprometer a leitura de sinais sociais, da perepção de habilidades socioemocionais, que são fundamentais para o desenvolvimento da empatia, colaboração e resolução de conflitos.

A socioafetividade, isto é, o vínculo que se estabelece nas relações e interações sociais, bem como o brincar são os fatores determinantes para que a criança se desenvolva de forma saudável emocionalmente.

As telas passaram a ocupar o lugar dos pais, o que tem colaborado para a fragilidade psíquica das crianças e para o aumento de psicopatologias, como atrasos no desenvolvimento da linguagem, dificuldades na socialização, obesidade, depressão, problemas de aprendizagem e dependência à tecnologia e o crescimento dos mais variados transtornos provocados pela falta de uma salubridade emocional equilibrada e saudável.

Este é o grande desafio apondato ao poder público, conscientizar sobre as rápidas mudanças que são implementadas pela sociedade híbrida, os pais, os cuidadores e toda a sociedade, ou seja, todos necessitamos compreender essas mudanças, por uma linguagem clara e simples para que possamos fazer com que as crianças da geração Beta possam desenvolver as emoções, elemento fundamental para a sua regulação e sobrevivência orgânica e social equilibrada e adequada.

Esta é uma questão sine qua non imposta pela sociedade híbrida ao futuro da humanidade.

5 Considerações Finais

A literatura é extensa no que diz respeito ao estudo do impacto dos dispositivos digitais (DD) no neurodesenvolvimento e comportamento das pessoas como um todo, especialmente das crianças. Inclusive, alguns estudos de neuroimagem têm documentado alterações cerebrais em relação ao uso dos DD.

A ampla utilização dos dispositivos digitais é uma realidade da vida moderna. Embora cativante, o discurso do nativo digital não oferece maneiras adequadas de avaliar a relação entre as crianças e adolescentes e a tecnologia, nem oferece maneiras concretas para educar e apoiar nesse sentido.

As pesquisas apontam que o uso precoce e a exposição excessiva aos DD parecem interferir negativamente nas diferentes áreas do neurodesenvolvimento assim como em alguns transtornos, como o TEA e o THDA.

Quando há indícios e evidênias científicas, temos que recorrer aos princípios juridicos da prevenção e precausão para evitar danos. Quando estamos tratando de transtornos do neurodesenvolvimento e multifatorial, além disso, relacionados a impactos provocados por tecnologias, não há como esperar pesquisas conclusivas para tomar as medidas, é agir imediantamente. A tecnologia avança diariamente e não se deve esperar que os danos apareçam, eles poderão se converter em danos ireversíveis. Além disso, tem que se levar em conta que a tecnologai sempre estará fomentando novos e inéditos desafios.

Diante disso, os principios jurídicos da prevenção e precaução são fundamentais para podermos evitar danos em toda a sociedade, especialmente nas pessoas mais vulneráveis, que são as crianças, especialmente as de 0 aos 3 anos de vida, por estarem vivendo na fase mais importante do desenvolvimento cerebral, pela plasticidade de se adaptar as pressões do meio ambiente e de quaisquer outras experiências.

Com diz o renomado neurocientista da Escola de Medicina de Harvard, Alvaro Pasqual-Leone, citado por Nicholas Carr20, que a neuroplasticidade é uma construção das mais importantes para a evolução humana, é uma característia singular que permite ao sistema nervoso escapar das restrições do seu próprio genôma e, assim, adaptar-se às pressões ambientais, às mudanças fisiológicas e às quiasquer outras experiências.

Nesse contexto, é importante frisar que a interação através dos DD é uma interação construída artificialmente, que impõe suas regras de comportamentos e pensamentos. Ou seja, o uso precoce e excessivo, provavelmente irá afetar a área social do cérebro. Uma interação face a face envolve um rede neural complexa, envolvendo o córtex pré-frontal (responsável pelas funções de tomadas de dicisões, empatia e controle dos impulsos) e as amigdalas (responsáveis pelo processamento das emoções). A falta de uma interção rica possivelmente irá resultar em uma menor ativação dessas regiões cerebrais, o que irá prejudicar a criança em desenvolver habilidades de interpretar emoções alheias, compreender nuances sociais e regular as suas próprias emoções. Em decorrência da poda neural que tem como tendência elimiar os estímulos menos usados.

As crianças, como sementes do futuro, representam o ponto de interseção entre a humanidade e a tecnologia em uma sociedade híbrida, onde o humano e a máquina se fundem em uma nova ontologia do ser.

No horizonte da evolução humana, o homem-máquina não é mais um conceito distópico, mas uma realidade iminente, em que a consciência pode ser potencializada e até reconfigurada por meio da inserção de chips na memória.

Nesse cenário, as crianças, ainda em formação, tornam-se o campo de batalha onde o futuro se joga: elas herdarão uma existência na qual a fronteira entre o biológico e o digital é tão tênue que a própria ideia de "natureza humana" precisará ser reconfigurado.

A memória humana, antes de um território sagrado e pessoal, será agora um espaço compartilhado com algoritmos, controlado e talvez manipulado. O que isso significa para a subjetividade e para a liberdade de ser?

É preciso perguntar: ao inserir chips, estamos aprimorando ou aniquilando a essência do ser humano, essa que é, paradoxalmente, nossa última chance de preservar a pureza do ser humano no labirinto das máquinas?

A sociedade híbrida, ao projetar um futuro de homogeneização da memória e da identidade, corre o risco de criar indivíduos sem raízes, sem história própria, um reflexo de uma tecnologia que não compreende o valor do ser no seu estado mais primitivo e intangível.

É algo a refletirmos!!!!!

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1 Nilton Pereira da Cunha é professor, psicopedagogo e escritor, com graduação lato e stricto sensu na área da educação e também graduado e pós-graduado em Direito. Autor de dezenas de artigos publicados em vários países da América Latina, por exemlo: Brasil, Argentina e Colômbia. Também com mais de uma dezena de livros públicados na língua portuguesa e em castelhano, entre eles: O autismo e a interação social: como desenvolver uma criança saudável na Era Digital; El autismo y la interación social: cómo desarrollar una crianza saludable en la Era Digital; Educação, Família e Geração Digital: desafios e perspectivas da pós-modernidade.

2 CUNHA, Nilton Pereira da. Da sociedade analógica à sociedade híbrida: os seus ecossistemas e o impacto no desenvolvimento infantil. Disponível em: https://revistatopicos.com.br/artigos/da-sociedade-analogica-a-sociedade-hibrida-seus-ecossistemas-e-o-impacto-no-desenvolvimento-infantil. Consultado em: 30/01/2025.

3 DURKIN, J. Experts Systema Design and Development. Prentice Hall, 1994.

4 BURNS, Edwar McNall. História da civilização occidental: do homem das cavernas até a boba atômica. Porto Alegre: Globo, 1981.

5 SILVA, Tomaz Tadel da (Org.). Antropologia do Ciborque: As verigens do pós-humano. Belo Horizonte, 2013.

6 EKMAN, Paul. El rostro de las emociones: Qué nos revelan las expresiones faciales.

7 DAMÁSIO, António R. O errdo de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

8 BENNETT, S.; MATON, K.; KELVIN, L. The ‘digital natives’ debate: A critical review of the evidence. Br J Educ Technol. 2008; 38 (5):775-786.

9 OECD. Leitores do século XXI: Desenvolvimento habilidades de alfabetização em um mundo digital. Disponível em: https://www.oecd.org/en/publications/21st-century-readers_a83d84cb-en.html. Consultado em: 30/01/205.

10 COMMON SENSE MEDIA. Censo do senso comum: uso da mídia por pré-adolescentes e adolescentes, 2021. Disponível em: https://www.commonsensemedia.org/research/the-common-sense-census-media-use-by-tweens-and-teens-2021. Consultado em: 30/01/2025.

11 COELHO, Eva Lúcia Gonçalves. Neurodesenvolvimento na era digital.

12 HOLFAMAN, W.; SCHMEICHEL B. J. BADDELEY, A. D. Funções executivas e autoregulação. Disponível em: https://www.cell.com/trends/cognitive-sciences/abstract/S1364-6613(12)00028-9?_returnURL=https%3A%2F%2Flinkinghub.elsevier.com%2Fretrieve%2Fpii%2FS1364661312000289%3Fshowall%3Dtrue. Consultado em: 31/01/2025.

13 DONG, H. Y., WANG, B.; LI H.H., YUE, X. J., JIA, F. Y. Correlation Between Screen Time and Autistic Symptoms as Well as Development Quotients in Children with Autism Spectrum Disorder. From Psychiatry. 2021: 12 (February): 1-8.

14 KUSHIMA, M.; KOSIMA, R.; SHINOHARA, R; et al. Association Between Screen Time Expose in Children at 1 Year of Age and Autism Spectrum Disorder at 3 Years of Age: The Japan Environment and Children’s Study. JAMA Pediatric, 2022; 176 (4): 384-391.

15 COLINA, Monique Moure; GANGI, Devon; MILLER, Meguan; RAFI, Sabrina Mohamed; OZONOFF, Sally. Tempo de tela em crianças de 36 mese aumenta a probabilidade de TEA e TDAH. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0163638320301120?via%3Dihub. Consultado em: 31/01/2025.

16 DAMÁSIO, António R. Em busca de Espinoza: Prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo: Compnahia das Letras, 2004.

17 FOX, S. R.; LEVIT, P.; NELSON, C. A. How the liming and quality of early experiences influence the development of brain architecture. Child Dev. 2010.81:28-40. Doi: DOI 10.1111/14678624.2009.01380. X.

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