APRENDIZAGEM DE CONCEITOS QUÍMICOS: ESTUDOS A PARTIR DA LEITURA UTILIZANDO ESTRATÉGIAS METACOGNITIVAS: DO CAFEZINHO AO CAFÉ DESCAFEINADO
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17172325
Francisco José Mininel1
Silvana Márcia Ximenes Mininel2
RESUMO
Neste trabalho, utilizou-se estratégias de leituras metacognitivas a fim de que os alunos refletissem sobre a produção do café descafeinado. Assim sendo, a metacognição refere-se à capacidade de "pensar sobre o próprio pensamento", que inclui o monitoramento e a regulação dos processos cognitivos e da aprendizagem. Nas aulas de Química, onde os textos podem ser complexos e cheios de conceitos abstratos, as estratégias metacognitivas de leitura (como planejar, monitorar e avaliar a própria compreensão) são fundamentais para que os estudantes consigam entender e aprender o conteúdo. O presente trabalho foi realizado em uma turma do 2º Ano do Ensino Médio de uma escola do Programa Ensino Integral (PEI) da Rede Estadual de São Paulo na disciplina de Química. Os resultados sugerem que o modelo de estratégias metacognitivas de leitura se revela pertinente na medida em que possibilita aos estudantes um processo de tomada de consciência sobre seus próprios conhecimentos, oportuniza planejar e avaliar as ações visando atingir o objetivo de compreensão do texto, além de propiciar o envolvimento dos estudantes com a atividade de leitura e com a aprendizagem dos conhecimentos específicos em discussão.
Palavras-chave: Leituras metacognitivas. Café descafeinado. Compreensão do texto.
ABSTRACT
In this study, metacognitive reading strategies were used to encourage students to reflect on the production of decaffeinated coffee. Metacognition refers to the ability to "think about one's own thinking," which includes monitoring and regulating cognitive processes and learning. In chemistry classes, where texts can be complex and full of abstract concepts, metacognitive reading strategies (such as planning, monitoring, and evaluating one's own comprehension) are essential for students to understand and learn the content. This study was conducted in a 2nd-year high school class in a São Paulo State School's Full-Time Education Program (PEI). The results suggest that the metacognitive reading strategy model is relevant because it enables students to become aware of their own knowledge, provides opportunities to plan and evaluate actions aimed at achieving the goal of understanding the text, and fosters student engagement in the reading activity and in learning the specific knowledge under discussion.
Keywords: Metacognitive readings. Decaf coffee. Text comprehension.
1 INTRODUÇÃO
Compreendemos com Wenzel & Maldaner (2014) que aprender química requer a apropriação e a significação da sua linguagem, a qual apresenta peculiaridades como símbolos, fórmulas, conceitos que necessitam ser internalizados e significados pelos estudantes. Daí a importância da atenção para a linguagem estabelecida em sala de aula e para os modos de uso da mesma, seja por meio da escrita, da fala e/ou da leitura.
Para além do uso da linguagem específica da química, é fundamental que a sala de aula se torne um espaço de formação de leitores, ou seja, que os estudantes aprendam a se posicionar frente ao texto, que dialoguem de forma responsável com a leitura realizada, para que a leitura seja “um processo de interação entre um leitor e um texto” (SOLÉ, 1998, p. 22), num movimento de leitura interativa, onde se considera tanto o leitor como a forma de como se lê. Nas aulas de química é primordial que o professor de química atente para o fato de “formar e produzir leitores com responsabilidade social e política e com capacidade de julgar, avaliar e decidir no campo do domínio técnico e científico” (TEIXEIRA & SILVA, 2007, p.1368). E um caminho para isso consiste na apropriação da linguagem química, na sua compreensão conceitual pelo uso significativo da linguagem da química.
Nessa acepção, a leitura é um processo que envolve uma complexa atividade mental, em que a simples decodificação de palavras isoladas está muito longe da efetiva compreensão do texto. Com base nessa atividade mental, as estratégias de leitura são classificadas em: Estratégias cognitivas, desenvolvidas a partir do início da aquisição da leitura, aperfeiçoando-se com o tempo e a prática, conduzindo o leitor a uma automatização de boa parte dos processamentos. Estas são operações inconscientes do leitor, são ações que ele realiza para atingir algum objetivo de leitura sem estar ciente. Essas operações são realizadas de forma estratégica e não por meio de regras. Estratégias metacognitivas, são tidas como estratégias mais fáceis de serem observadas e controladas, exigindo do leitor um monitoramento mais consciente (Figura 1). Estas são as operações realizadas com algum objetivo em mente sobre as quais temos controle. O processo que envolve a leitura é, desse modo, a unção das estratégias cognitivas e metacognitivas de compreensão do texto. Segundo Kleiman (1993), o ensino estratégico de leitura consiste na modelagem de estratégias metacognitivas e no desenvolvimento das habilidades verbais subjacentes aos automatismos das estratégias cognitivas.
Fonte: (HODGES & NOBRE, 2012)
Nesse contexto, entendemos que o Ensino Médio (EM) é a etapa da escolarização em que os jovens assumem uma maior preocupação com a sociedade e com os problemas que a envolvem, inserindo-se em debates sobre o destino do país e a difícil arte de posicionar-se de forma autônoma e crítica sobre questões sociais, ambientais e científicas da atualidade. No entanto, para que o estudante desenvolva pensamento e posicionamento crítico é fundamental que, em sua formação escolar, seja incentivado a ler e encontrar sentido e interesse na leitura, para que dessa forma seja capaz de compreender textos informativos, pois o ensino de Ciências aborda assuntos relacionados ao meio ambiente, à saúde etc.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O ensino de Química visa contribuir para a formação da cidadania, uma vez que os conteúdos ensinados nesta disciplina estão relacionados com o meio ambiente, com a saúde, com uma melhor qualidade de vida, de modo que o aluno se torna consciente do que é melhor para si e para a sociedade. A leitura é muito importante para o ensino de ciências, principalmente para a disciplina de Química, uma vez que tem como um dos seus objetivos a formação do cidadão crítico e capaz de transformar a realidade em que vive. Porém, ainda hoje, se verifica que na disciplina de Química há predominância de um ensino que recorre, preferencialmente, à memorização e aplicação de fórmulas, desvalorizando a leitura e interpretação dos textos (GIRÃO, 2011).
Portanto, ter conhecimento dos conceitos químicos, permite aos sujeitos compreenderem e interpretarem o mundo. Devido a essa importância a ciência se torna disciplina obrigatória da etapa do Ensino Médio conforme a Base Nacional Comum Curricular (BNCC):
Estudar Química no Ensino Médio ajuda o jovem a tornar-se mais bem informado, mais crítico, a argumentar, posicionando-se em uma série de debates do mundo contemporâneo. As mudanças climáticas e o efeito estufa, o uso de feromônios como alternativa aos agrotóxicos no combate às pragas agrícolas, a necessidade de informações sobre a presença de transgênicos em rótulos de alimentos e os custos ambientais das minerações são apenas alguns exemplos de assuntos em que o conhecimento químico é vital para que o/a estudante possa posicionar-se e tomar decisões com consciência. O estudo da Química, nessa perspectiva, envolve a participação dos jovens e adultos em processos de investigação de problemas e fenômenos presentes no seu dia a dia (BRASIL, 2018, p. 253).
Discutindo a dificuldade dos estudantes frente à disciplina Química, Santos et al. (2013), afirmam que os estudantes têm dificuldade na conceituação científica, principalmente nas ciências exatas, consideram-na de difícil compreensão, mesmo que ela apresente fundamentos capazes de promover a construção do senso crítico e a percepção dos fenômenos que fazem parte do cotidiano da sociedade. Para tanto, acredita ser necessário a diversificação no processo de ensino e aprendizagem desta área, de forma a garantir aos estudantes o interesse pelo seu desenvolvimento.
Delizoicov, Angotti & Pernambuco (2002) destacam que o termo contextualização se caracteriza como um recurso que relaciona situações do dia a dia das pessoas com conhecimentos científicos. Tais situações têm servido, no entanto, apenas como introdução aos conteúdos teóricos objetivando, exclusivamente, chamar a atenção do estudante, sem gerar uma análise crítica interpretativa e problematizadora dos acontecimentos do cotidiano.
A utilização da leitura no ensino de Química possibilita aprofundar a aprendizagem ao expor o aluno à linguagem específica da ciência, tornando-a mais significativa, crítica e contextualizada, integrando conceitos científicos e habilidades cognitivas para a formação de um cidadão mais consciente e participativo. A leitura, quando bem planejada e mediada pelo professor, vai além da memorização, promovendo a interpretação, a discussão de experiências e a compreensão do mundo à volta através da Química.
Os gêneros textuais no ensino de Química ampliam a comunicação e a compreensão de conceitos, permitindo aos alunos interagirem de forma mais significativa com a ciência. Exemplos incluem a retextualização de textos de divulgação científica, a produção de artigos, relatórios, resenhas, e o uso de gêneros criativos como poemas (háikus) e charges para explorar a interdisciplinaridade com a poesia e a linguagem visual. O uso de gêneros textuais ajuda a desenvolver a escrita, a participação crítica e a competência comunicativa dos alunos, alinhando o ensino de Química ao currículo escolar (Figura 2).
Fonte: Os autores.
O processo de leitura no ensino de Química visa qualificar a aprendizagem e formar cidadãos mais críticos e participativos, utilizando a leitura como ferramenta para a apropriação de conceitos e da linguagem científica. Isso é feito por meio da organização de momentos de leitura que valorizam o processamento textual, o uso de estratégias cognitivas e metacognitivas, como grifar, resumir e esquematizar, e a seleção de diferentes gêneros discursivos, incluindo livros paradidáticos, para contextualizar o conteúdo e estimular o debate (Figura 3).
Fonte: Os autores.
3 METODOLOGIA
O presente trabalho foi realizado em uma turma do 2º Ano do Ensino Médio de uma escola do Programa Ensino Integral (PEI) da Rede Estadual de São Paulo na disciplina de Química. A turma em questão contava com um total de 32 alunos. Inicialmente foram escolhidos três textos sobre o café, tomando-se o cuidado de que os mesmos apresentassem conceitos químicos relevantes no processo produtivo e processos de separação de misturas. Dessa forma foram escolhidos os textos:
Tabela 1. Textos lidos pelos alunos no transcorrer do trabalho.
Título | Autor / Ano | Recurso Metodológico e turma | Conteúdo discutido |
Café nosso de cada dia: investigação da influência de uma situação de estudo no processo de ensino aprendizagem de Ciências da Natureza no Ensino Médio. | JESUS, 2016 | Situação de estudo interdisciplinar envolvendo vídeos, Jigsaw e experimentação - 2º ano do Ensino Médio. | História do café; aquecimento da água; misturas e filtração, adoçamento do café e a planta café. |
A Química do café e a Lei 10.693/03: uma atividade prática de extração de cafeína a partir de produtos naturais. | BASTOS, AMAURO E BENITE, 2017. | Experimentação - 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio. | História do Café a extração de cafeína de produtos naturais. |
O que é café descafeinado? Café sem cafeína existe? Existe sim, e é dele que vamos falar hoje: tudo sobre o café descafeinado, começando de como é feito! | GABRIEL GUIMARÃES | Agora, aprofundando um pouco mais sobre o assunto, vamos te mostrar 6 benefícios do café descafeinado para a sua saúde. Em outras palavras, a bebida sem cafeína preserva as vantagens já conhecidas do café tradicional, porém, sem promover o aumento dos sintomas de ansiedade, insônia e irregularidades cardíacas. |
Para o processo de leitura ser mais eficaz no ensino de Química, serão utilizadas as seguintes estratégias (Figura 4):
1. Antes da leitura: Analisar o título do texto para ativar conhecimentos prévios sobre o tema. Organizar a leitura definindo os objetivos e expectativas.
2. Durante a leitura: Grifar ou marcar palavras-chave e ideias importantes. Fazer anotações e resumos para fixar o conteúdo. Realizar paráfrases para reescrever o texto com as próprias palavras. Esquematizar as informações principais, como mapas conceituais.
3. Após a leitura: Elaborar resumos e mapas conceituais para consolidar o aprendizado. Compartilhar experiências e novas compreensões sobre o texto. Realizar pesquisas complementares para aprofundar o tema, incluindo a visualização de vídeos ou experimentos relacionados.
Fonte: Os autores.
Para verificar a consolidação dos conhecimentos, foram usadas questões de vestibulares. Esse processo, frequentemente aumenta a familiaridade com a matéria, reduzindo o nervosismo em provas. O objetivo não é apenas memorizar, mas compreender os fenômenos químicos e ser capaz de explicar as relações entre as substâncias e o mundo real. Ao resolver exercícios, o aluno deverá relacionar a teoria com a prática para construir uma compreensão mais profunda e não apenas decorar fórmulas e nomes.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Nesse estudo, foram utilizadas a leitura usando estratégias cognitivas e metacognitivas, as quais envolve aplicar um conjunto de planos flexíveis para compreender o texto, que podem ser divididos em duas categorias: cognitivas, focadas nos processos diretos de aprendizagem e aquisição de informações (como resumir, fazer anotações e relacionar ideias); e metacognitivas, que são ações mais conscientes e reflexivas sobre o próprio pensamento durante a leitura, como o planejamento, o monitoramento e a regulação do processo de leitura.
Em resumo:
Cognição: Foca no que está sendo lido (o texto).
Metacognição: Foca em como você está lendo e aprendendo (seu processo de pensamento).
Ao utilizar ambas as estratégias de forma integrada, o leitor se torna mais eficiente, capaz de controlar seu processo de leitura, monitorar sua compreensão e regular suas estratégias para alcançar seus objetivos de aprendizagem.
Incialmente, foram separados textos de artigos, bem como um texto da internet sobre o tema café. Estes textos se constituíram em organizadores prévios da aprendizagem. Dessa forma, textos são usados como organizadores da aprendizagem, especialmente através dos organizadores prévios de David Ausubel, que fornecem um contexto geral sobre um tema antes do seu aprofundamento, acionando o conhecimento prévio dos alunos. Exemplos incluem narrativas pessoais, mapas conceituais ou resumos, que ajudam a criar conexões significativas entre o novo conteúdo e o conhecimento já existente, facilitando a compreensão e a retenção do material.
De acordo com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel, a aprendizagem torna-se mais efetiva quando o novo conhecimento é ancorado em conceitos que o aluno já possui. Os organizadores prévios atuam como um elo entre o novo conteúdo e a estrutura cognitiva do estudante.
Os alunos leram os textos em duplas e anotaram as palavras desconhecidas. Nesse passo, foram orientados também a irem anotando os conceitos químicos que já conheciam, de modo que fossem revisando conhecimentos já adquiridos e consolidados. Alguns conceitos se mostravam mais difíceis e ainda não conhecidos pelos alunos. Estes também eram anotados utilizando-se da caneta vermelha para posterior discussão em sala através da mediação da professora.
A utilização do artigo de Jesus (2016), “O café nosso de cada dia: investigação da influência de uma situação de estudo no processo de ensino aprendizagem de ciências da natureza no ensino médio”, traz relato sobre uma aula de Química onde se prepara um cafezinho. A leitura do texto, traz conceitos relativos à concentração de soluções, soluto e solvente, porém não explicita os processos de separação de mistura, que era a proposta da aula realizada nesse trabalho. Apesar disso, os alunos relatam sobre o processo de separação de misturas, a partir da reflexão acerca do que foi lido (metacognição).
Assim, fica claro os benefícios da metacognição para a aprendizagem, tais como: aumento da motivação, autonomia, autoeficácia, compreensão dos conceitos químicos e desenvolvimento do pensamento de ordem superior.
A partir dos relatos dos alunos, pode-se perceber que já traziam de séries anteriores, a noção sobre etapas de separação de misturas:
Aluno A: “No texto, encontramos que o café coado, passa por vários processos que já vimos em aula, por exemplo, colocação de água quente e extração, o processo de passar o café e o pó pelo coador, sendo esse um processo de filtração”.
Aluno B: “Encontramos o seguinte: Os processos químicos na preparação do café são cruciais para o aroma e sabor da bebida, envolvendo a torrefação (onde a reação de Maillard cria compostos aromáticos), a fermentação dos grãos (que gera precursores de compostos de sabor e doçura) e a extração durante a infusão (processo de dissolução dos compostos solúveis na água). A química também é vital desde a plantação, com o controle de nutrientes no solo, até a classificação e descafeinação do grão, utilizando reações químicas para isolar a cafeína”.
Aluno C: “Deve ser muito legal o processo de descafeinação do café. Quero entender mais sobre esse processo. Deve envolver equipamentos sofisticados no processo industrial. Quais são os processos utilizados? Teria algum outro jeito (processo) de descafeinar o café diferente do desse texto? Vou pesquisar sobre esse assunto que acho muito interessante”.
Aluno D: A descafeinação é a retirada da cafeína do café. Seria interessante observar a fórmula da cafeína? Por que ela pode ser retirada? Essa é a nossa dúvida professora. O texto fala dos processos, mas não mostra a fórmula da cafeína. O que tem nela que facilita a sua remoção?
No caso do aluno B, é interessante observar que entende a torrefação do café e a fermentação como processos de reação química, um outro assunto que trazem de séries anteriores, portanto, demostrando um conhecimento químico já consolidado. Dessa forma, a capacidade de lembrar e utilizar o conhecimento armazenado permite reforçar e reconsolidar o aprendizado, transformando o conhecimento em algo mais estável e aplicável em diferentes contextos.
Um dos objetivos do treino em estratégias de leitura é levar os alunos a atuarem na zona de desenvolvimento proximal-ZDP (VYGOTSKY, 1978). Para que os alunos atuem na ZDP e treinem a consciência metacognitiva, os textos utilizados para o treino devem ser adequados ao nível de instrução e/ou série em que está sendo realizado. Não pode ser tão fácil a ponto de não exigir o uso das estratégias metacognitivas e nem tão difícil a ponto de fazer o estudante se desmotivar e desistir da tarefa.
Em vista do exposto até então, e sobre as falas dos alunos, pode-se inferir que ao utilizarem o texto expositivo lido, eles exercitaram a habilidade em identificar, representar e usar a estrutura textual, pois quando o aluno consegue identificá-la pode organizar e reorganizar as informações e ideias nele contidas (RHODER, 2002), exatamente como exposto pelas falas dos alunos, indicando os conceitos químicos já aprendidos e consolidados em sua estrutura cognitiva. Para atingir esse objetivo, o professor pode trabalhar com a classe dividida em pequenos grupos de estudos (no caso, duplas), utilizando um texto escolhido. O importante, no início, é usar um texto com assunto conhecido, pois o objetivo não é introduzir novos conhecimentos e sim treinar a consciência metacognitiva dos estudantes, de modo que, conforme a fala do aluno (C), o mesmo reflita sobre os processos e queira saber mais sobre o assunto tratado, tornando-se um pesquisador.
Ao analisar a fala do aluno (D), percebe-se claramente que o mesmo (ele e o outro colega de dupla) pensaram “a frente” em termos da estrutura química da cafeína e sua interação com o solvente no momento da “retirada” do café (descafeinação). Dessa forma, fica claro que a partir da leitura, os alunos questionam os “por quês” do processo. Portanto, percebe-se claramente que o exercício da leitura metacognitiva em ciências da natureza é a capacidade do aluno de pensar sobre o seu próprio processo de leitura, usando estratégias como o planejamento, monitoramento e avaliação para melhorar a compreensão de textos científicos complexos. Isso envolve a reflexão sobre o que já sabe sobre o assunto, como abordará o texto, se estão compreendendo e o que fazer se encontrarem dificuldades, o que o torna um leitor mais autônomo e eficaz.
Nesse passo, a professora pôde trabalhar a dúvida do aluno, buscando mostrar a estrutura da cafeína e explicando o processo a partir da exposição em tela do processo simplificado de descafeinação e leitura de um texto explicativo encontrado em (https://blog.ucoffee.com.br/swiss-water-descafeinacao-do-cafe-usando-apenas-agua/). Foram momentos de muita interação entre os alunos, já que a dúvida era também de outras duplas (Figura 5).
Fonte: https://uniquecafes.com.br/.
Assim, segundo Flavell & Wellman (1970), que foram os primeiros autores a considerar a metacognição como uma área específica de pesquisa , o sentimento de saber é, então, produto da função metacognitiva. Inicialmente, os trabalhos sobre metacognição restringiam-se apenas ao conhecimento que os indivíduos possuíam sobre sua cognição, a exemplo do que sabiam sobre sua memória (metamemória) e do que sabiam sobre sua atenção, ou meta-atenção. Definiu-se, então, metacognição como a cognição sobre a cognição, ou como o processo mediante o qual o indivíduo realiza operações cognitivas, além de acompanhá-las enquanto elas acontecem (INCHAUSTI; JOU & MARA, 2006).
A aprendizagem de Química, para Avargil (2019), pode ser compreendida como um processo complexo e desafiador. Segundo o autor, “em química, fazer as conexões entre os níveis macroscópico e submicroscópico é um desafio para os alunos” (AVARGIL, 2019, p. 286). As conexões envolvem o desenvolvimento de conceitos, habilidades e atitudes em relação à ciência que estuda a matéria e suas transformações. Os estudos realizados (AVARGIL, 2019; MUTAMBUKI et.al., 2020) alertam, ainda, para a importância do professor/instrutor como orientador desse processo, que, ao explicar o conceito de metacognição e promover ações de aplicação, possibilita que os estudantes utilizem estratégias de estudo efetivas, estimulando o interesse, a curiosidade e o pensamento crítico. Ao saber que há estratégias metacognitivas capazes de ajudar na aprendizagem para além dos conhecimentos cognitivos, os estudantes podem refletir sobre o seu processo de aprendizagem e autorregulá-lo. Isso pode ser realizado por meio do incentivo aos estudantes para que eles realizem perguntas complexas utilizando ferramentas metacognitivas (caso do aluno C e D).
O artigo denominado “A química do café e a lei 10.639/03: uma atividade prática de extração da cafeína a partir de produtos naturais” de Bastos, Amauro & Benite (2017), traz um relato sobre a construção sócio–histórica do Brasil durante o Ciclo do Café e o estudo da Extração da Cafeína de produtos naturais, numa proposta de implementação da lei 10.639/03 no Ensino de Química.
O aluno E, coloca que o trecho do texto que chamou a sua atenção foi o que indicava os processos de separação da mistura café e água quente, que era o objetivo da aula. Dessa forma, escreveu em seus apontamentos:
Aluno E: Então por que nós conseguimos filtrar aqueles resíduos? A mistura era homogênea ou heterogênea? Uma mistura heterogênea tem diferença de quê? Densidade, por isso é possível separar pela filtração, as partículas maiores vão ficar retidas no funil e as partículas menores vão ser escoadas no funil, depois a gente fundamentou de novo que a solubilidade está presente o tempo todo, primeiro foi a ida da cafeína para água quente, depois a gente estimulou a ida dela para o clorofórmio gelado, daí nós utilizamos a solubilidade e o último processo que nós fizemos, novamente mandamos o solvente embora e o sólido ficou no precipitado.
Em sua pesquisa, Andretta (2010) defende que no decorrer do processo metacognitivo as informações armazenadas são passíveis de serem controladas pelo aluno que, consequentemente, também controla o conhecimento referente às ações concretas que ele vai realizar no meio (“Então por que conseguimos filtar aquele resíduo?”). É importante frisar que o processo metacognitivo é a conceitualização metacognitiva de uma determinada função, que remete na reflexão metacognitiva presente no instante em que começa uma tarefa ou no decorrer da sua execução.
O terceiro texto lido, retoma conceitos do processo extrativo da cafeína do café (descafeinação). A medida que a leitura reflexiva avançava, percebia-se que os conceitos químicos iam se “solidificando” na estrutura cognitiva. Os conceitos mais gerais amplos e inclusivos iam se diferenciando em conceitos químicos mais sofisticados. David Ausubel não descreveu uma "pirâmide da estrutura cognitiva", mas a ideia de uma estrutura piramidal é uma metáfora usada para ilustrar a sua teoria da aprendizagem significativa, onde os conhecimentos são organizados de forma hierárquica, do mais geral ao mais específico. A estrutura cognitiva de um indivíduo é a sua rede de conhecimentos prévios, e o processo de aprender significativamente ocorre quando novas informações se conectam e se ancoram a essa estrutura de forma não arbitrária, criando um significado (Figura 6).
Fonte: https://cursocompletodepedagogia.com/tag/por-que-a-teoria-de-ausubel-recebe-o-nome-de-teoria-da-aprendizagem-significativa/
O passo final, foi o processo avaliativo, uma vez que pretendíamos verificar se ocorrera aprendizagem significativa a partir da análise e reflexão dos textos lidos e mediação da professora. Dessa forma, buscou-se entender que o aluno é um ser metacognitivo por natureza capaz de realizar a “autocorreção” para saber o que aprendeu e refletir sobre o que aprender. Podemos deduzir que o conhecimento metacognitivo esteja ligado ao automonitoramento na sua dimensão mais cognitiva (SEMINERIO & ALMEIDA, 1998). Refletindo sobre essa perspectiva, e realizando uma conexão entre o monitoramento metacognitivo e o ensino de Ciências, o aluno pode realizar autorreflexão, planejamento e organizar estratégias para potencializar o aprendizado. Deffendi & Schelini (2016, p. 02) afirmam que: “[...] na expressão da criatividade, não só interessa o ato de pensar, mas também a autorreflexão dos indivíduos sobre a maneira como o fazem e como poderiam fazer “melhor”, ou seja, a sua avaliação metacognitiva”. Os temas ligados à avaliação são assuntos controversos, porém necessários de serem debatidos. Tendo em vista que o ato de avaliar é o ponto mais elevado e, sem dúvida, o mais complexo dentro do contexto do processo educacional, mas que deve ser aplicado com cautela para que o ato seja construtivo e enriquecedor para o aluno (Figura 7). Por isso, é importante que o aluno aprenda a se monitorar, pois “[...]o monitoramento auxilia a conscientização do próprio desempenho e da própria atenção como, por exemplo, perceber falhas na compreensão e necessidade de alterar o seu ritmo'' (PERASSINOTO; BORUCHOVITCH & BZUNECK, 2013,42 p. 352). Tendo em vista essas afirmações acreditamos que o processo de autorreflexão é uma ação no qual o discente monitora, estrutura, e avalia o seu próprio aprendizado.
Fonte: https://cursocompletodepedagogia.com/o-cognitivismo-e-suas-implicacoes-pedagogicas/
Foram indicadas duas questões avaliativas sobre a cafeína e processos de extração, coforme indicado nas Figuras 8 e 9).
Fonte: https://sisq.elitecampinas.com.br/
Fonte: https://sisq.elitecampinas.com.br/
Analisando as respostas dadas pelos alunos nas diferentes duplas, percebeu-se uma dificuldade maior no item (b) da questão da FUVEST. O ítem deveria ser respondido indicando que os grãos de café em (I) estavam descafeinados e portanto seriam inadequados para o preparo do café e, portanto, descartados. Dessa forma, a dificuldade relatada por alguns alunos sobre o item (b) da questão da FUVEST, que se refere ao descarte de grãos de café descafeinados por estarem inadequados ao preparo, parece ter sua origem na má interpretação de que o processo de descafeinação não elimina totalmente a cafeína, o que os levou a acreditar que os grãos ainda poderiam ser utilizados.
Portanto, a dificuldade reside em confundir o conceito de "descafeinado" com o de "totalmente sem cafeína", levando a interpretações equivocadas sobre o uso e o descarte dos grãos de café, de acordo com a descrição do problema.
Em relação aos demais itens, (A) e (C), percebe-se um entendimento mais profundo a respeito da solubilidade da cafeína em água e sobre o processo de extração. Alguns alunos indicam que estruturalmente a cafeína possui grupos que interagem com a água a partir de ligações de hidrogênio. Esse conhecimento aparece em diferenciação progressiva, indicando o conhecimento sobre as interações intermoleculares. Há um entendimento também de que os compostos se solubilizam mais em água quente do que em água em tempertatura ambiente. Dessa forma, percebe-se que a leitura dos textos lidos pelas duplas, favoreceram a aprendizagem significativa e fizeram com que os alunos refletissem sobre o processo. Assim sendo, podemos inferir que a leitura metacognitiva envolve a reflexão e a autorregulação do próprio processo de leitura, permitindo ao leitor planejar, monitorar e avaliar a compreensão do texto para otimizar a aprendizagem. Para isso, o leitor utiliza estratégias que vão além da simples compreensão, como fazer perguntas sobre o texto, antecipar informações, verificar o entendimento e fazer resumos, o que leva a um aprendizado mais eficaz e à autonomia na leitura.
A partir da análise da segunda questão da UNICAMP, percebe-se uma dificuldade maior na resposta do item (A). Esse ítem solicitava a escrita pelos alunos da equação química de queima da cafeína. Ficou claro que entenderam que o oxigênio atmosférico seria o comburente da reação. Escreveram as fórmulas corretas dos compostos presentes nos reagentes e produtos, porém encontraram dificuldades no balanceamento da equação. Esse fato é bastante comum entre os alunos do Ensino Médio. Assim sendo, podemos inferir que os alunos do Ensino Médio têm dificuldades no balanceamento de equações devido à falta de compreensão do conceito de massa e conservação de átomos, à dificuldade em interpretar os símbolos e fórmulas químicas em um nível microscópico, à aplicação inadequada de proporções e leis ponderais e à desmotivação causada por aulas descontextualizadas e pouca relação com o cotidiano. Além disso, alterações na fórmula química em vez de coeficientes e a confusão com múltiplos modelos de representação também contribuem para o problema. Portanto, ainda falta a consolidação de conceitos anteriores já ensinados. Isso serve de alerta ao professor, o qual deverá propor outras ações para recomposição das aprendizagens.
Percebeu-se que em relação ao ítem (B), a resposta foi mais assertiva, uma vez que, ao analisarem o gráfico disponibilizado, entenderam que a curva X é a que apresenta a maior pressão de vapor, quando ambos os sistemas estão em uma mesma temperatura, o que é característico de um solvente em relação à solução. Ficou claro para os alunos que a substância X seria a mais volátil e, portanto a que apresenta o menor ponto de ebulição.
Portanto, um dos fatores que têm influenciado o sucesso escolar dos estudantes é a leitura, a qual deve ser incentivada não somente pelo professor de literatura, mas por toda a comunidade escolar (SILVA, 1998). Promover momentos voltados a essa atividade não é uma tarefa fácil, pois a leitura sempre envolve o processo de compreensão do texto escrito, e para compreender é necessário aprender estratégias (SOLÉ, 1998).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As abordagens que utilizam estratégias metacognitivas promovem um ambiente de aprendizado mais dinâmico e personalizado, preparando os estudantes não apenas para exames e avaliações, mas para uma sociedade em constante mudança e para desafios futuros. A metacognição pode contribuir para a redução das disparidades educacionais, oferecendo a todos os estudantes as ferramentas necessárias para alcançar seu potencial. Estratégias metacognitivas podem ser integradas em todos os níveis de ensino, desde a educação básica até o ensino superior, e em todas as disciplinas, promovendo uma abordagem mais holística e inclusiva da educação.
Dessa maneira as atividades de leitura foram aplicadas, acompanhando o desenvolvimento dos conteúdos de Química, com discussões sobre os assuntos abordados nos textos e a vinculação com o conteúdo de Química trabalhado, possibilitou a integração do conhecimento dos conteúdos como conhecimento dos fatos e das notícias abordados nos textos, e ao mesmo tempo promoveu a associação entre a Química e o cotidiano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Docente do Curso Superior de Farmácia da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis-SP. Doutor em Química pelo Instituto de Química (UNESP- Campus de Araraquara-SP). E-mail: [email protected]
2 Docente do Curso Superior de Farmácia da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis-SP. Mestre em Química (PPGQUIM/UNESP-Araraquara-SP). E-mail: [email protected]