APLICAÇÕES DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO: EFICIÊNCIA OPERACIONAL E RESPEITO AOS LIMITES LEGAIS

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.16476629


Helio Freires da Silva Junior


RESUMO
Este artigo investiga de forma abrangente o emprego da inteligência artificial (IA) como instrumento de apoio à fiscalização de trânsito, destacando sua aplicação operacional pela Polícia Militar. Examina-se o funcionamento de sistemas inteligentes — como o reconhecimento automático de placas veiculares (ALPR), câmeras dotadas de visão computacional para detecção de comportamentos de risco e algoritmos capazes de identificar infrações em tempo real — evidenciando seu potencial para otimizar o policiamento ostensivo, minimizar a subjetividade nas abordagens e elevar a eficiência das ações policiais. Analisa-se, ainda, o arcabouço jurídico e ético que rege o tema, à luz do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), bem como os reflexos dessas tecnologias na esfera da privacidade dos condutores. Por fim, apresentam‑se diretrizes para a implementação responsável e estratégica da IA na fiscalização viária, conciliando inovação tecnológica com a proteção dos direitos fundamentais e o fortalecimento da segurança pública.
Palavras-chave: inteligência artificial, fiscalização de trânsito, Polícia Militar, ALPR, legalidade.

ABSTRACT
This article comprehensively investigates the use of artificial intelligence (AI) as a tool to support traffic enforcement, highlighting its operational application by the Military Police. The article examines the functioning of intelligent systems—such as automatic license plate recognition (ALPR), cameras equipped with computer vision to detect risk behavior, and algorithms capable of identifying violations in real time—highlighting their potential to optimize overt policing, minimize subjectivity in traffic stops, and increase the efficiency of police actions. It also analyzes the legal and ethical framework governing the topic, in light of the Brazilian Traffic Code (CTB) and the General Personal Data Protection Law (LGPD), as well as the impact of these technologies on driver privacy. Finally, it presents guidelines for the responsible and strategic implementation of AI in traffic enforcement, reconciling technological innovation with the protection of fundamental rights and the strengthening of public safety.
Keywords: artificial intelligence, traffic enforcement, military police, ALPR, legality.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o Brasil tem vivenciado um crescimento acelerado de sua frota de veículos, impulsionado pelo aumento populacional, pela expansão urbana e pela facilitação do acesso ao transporte individual. Esse fenômeno, embora represente avanços em termos de mobilidade, também tem contribuído para a intensificação da complexidade do trânsito nas cidades, elevando os índices de acidentes, infrações e congestionamentos. Diante desse cenário, o papel da fiscalização de trânsito torna-se cada vez mais estratégico para a preservação da ordem viária, da segurança dos usuários e da fluidez no tráfego urbano e rodoviário.

A atuação tradicional da Polícia Militar no controle do trânsito, por meio de abordagens presenciais, fiscalização manual e análise visual direta, embora ainda essencial, tem se mostrado limitada frente ao volume de veículos e à sofisticação das infrações cometidas. A necessidade de aumentar a efetividade das ações, reduzir o erro humano e otimizar recursos operacionais tem levado as corporações a buscarem soluções tecnológicas que possam potencializar sua capacidade de atuação.

Nesse contexto, a inteligência artificial (IA) desponta como uma ferramenta promissora no campo da segurança viária. Aplicada à fiscalização de trânsito, a IA permite o reconhecimento automatizado de placas (ALPR), a identificação de comportamentos de risco, a análise em tempo real de infrações e a produção de dados estatísticos que subsidiam o planejamento tático. Sua adoção tem o potencial de transformar a forma como as abordagens são realizadas, tornando-as mais rápidas, precisas e menos dependentes da intuição ou subjetividade do agente.

Contudo, a utilização de tecnologias inteligentes no âmbito da segurança pública demanda reflexão crítica sobre seus limites legais e éticos, especialmente em relação à privacidade dos cidadãos e à proteção de dados pessoais. A atuação policial deve estar em conformidade com os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, além de respeitar os dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

Diante disso, o presente artigo tem como objetivo analisar as principais aplicações da inteligência artificial na fiscalização de trânsito, avaliando seus impactos na atuação da Polícia Militar, seus benefícios operacionais e os desafios jurídicos associados. Busca-se, ao final, propor caminhos para a adoção segura, eficaz e responsável dessas tecnologias, em consonância com os direitos fundamentais e o fortalecimento da segurança pública.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A aplicação da inteligência artificial (IA) na fiscalização de trânsito exige a compreensão de seus fundamentos técnicos e das tecnologias que a viabilizam no contexto da segurança viária. Nesta seção, serão apresentados os principais conceitos relacionados à IA e as ferramentas específicas já aplicadas ou com potencial de uso na atuação policial militar.

2.1. CONCEITO E TIPOS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

A inteligência artificial pode ser definida como o ramo da ciência da computação dedicado ao desenvolvimento de sistemas capazes de simular a cognição humana, ou seja, que aprendem, raciocinam, tomam decisões e solucionam problemas de forma autônoma. A IA opera a partir de algoritmos complexos e grandes volumes de dados (big data), permitindo a realização de tarefas antes exclusivas da inteligência humana.

Entre as abordagens mais relevantes no contexto da fiscalização de trânsito estão:

  • Machine Learning (aprendizado de máquina): algoritmos que permitem que os sistemas “aprendam” com os dados recebidos, ajustando-se e melhorando sua performance ao longo do tempo sem necessidade de reprogramação manual.

  • Deep Learning (aprendizado profundo): uma subárea do machine learning que utiliza redes neurais artificiais em múltiplas camadas, capaz de interpretar dados não estruturados como imagens e vídeos — essencial para o reconhecimento visual de infrações e padrões de tráfego.

  • Visão Computacional: tecnologia que permite que máquinas interpretem imagens e vídeos de forma similar ao olho humano, sendo fundamental para a leitura de placas, identificação de manobras perigosas, uso de celular ao volante, não uso de cinto de segurança, entre outras infrações.

Essas tecnologias, integradas, proporcionam sistemas inteligentes com capacidade de detectar, registrar e analisar infrações de trânsito de forma automatizada, com alta taxa de acurácia e em tempo real.

2.2. TECNOLOGIAS ASSOCIADAS À FISCALIZAÇÃO

No campo da segurança viária, a IA é aplicada por meio de dispositivos e sistemas que atuam diretamente na coleta e análise de dados do trânsito. Entre as principais tecnologias associadas à fiscalização com suporte de IA, destacam-se:

  • ALPR (Automatic License Plate Recognition): também conhecido como reconhecimento automático de placas veiculares, esse sistema utiliza câmeras e algoritmos de visão computacional para capturar e interpretar os caracteres das placas dos veículos. Após a leitura, os dados são cruzados com bancos de informações policiais, administrativas ou judiciais, permitindo a identificação de veículos com restrições, como furtos, roubos, inadimplência ou uso em práticas criminosas.

  • Câmeras Inteligentes de Detecção de Infrações: equipamentos equipados com IA capazes de detectar comportamentos irregulares dos condutores, como excesso de velocidade, avanço de sinal vermelho, uso do celular durante a condução e desrespeito a faixas de pedestres. Essas câmeras operam de forma autônoma e em tempo real, reduzindo a necessidade de intervenção direta do agente policial.

  • Sensores Urbanos e Integração com Big Data: sensores instalados em semáforos, faixas de pedestres, vias e viadutos captam informações sobre fluxo veicular, velocidade média, paradas bruscas, entre outros indicadores. Quando conectados a sistemas de big data e IA, esses sensores permitem a geração de mapas de calor, identificação de pontos críticos e a construção de modelos preditivos de acidentes, subsidiando o planejamento operacional da Polícia Militar.

3 APLICAÇÕES PRÁTICAS NA FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO

A incorporação de sistemas baseados em inteligência artificial à fiscalização de trânsito tem proporcionado avanços significativos na capacidade de monitoramento, resposta e dissuasão de comportamentos infracionais. As tecnologias inteligentes possibilitam uma atuação mais estratégica e orientada por dados, reduzindo a dependência da fiscalização exclusivamente presencial e ampliando a abrangência das ações da Polícia Militar.

3.1. RECONHECIMENTO AUTOMÁTICO DE INFRAÇÕES

A utilização de sistemas de visão computacional e algoritmos de IA na fiscalização tem permitido a detecção automática de diversas infrações de trânsito, mesmo sem a presença direta de um agente no local. Entre os casos mais recorrentes, destacam-se:

  • Avanço de sinal vermelho, frequentemente associado a colisões transversais e atropelamentos em cruzamentos urbanos;

  • Excesso de velocidade, que compromete a segurança viária, principalmente em áreas escolares e zonas de tráfego intenso;

  • Direção perigosa ou evasiva, identificada por câmeras com capacidade de leitura de padrões de movimento e frenagem abrupta;

  • Estacionamento irregular, incluindo paradas em locais proibidos, faixas de pedestres ou vagas reservadas a pessoas com deficiência.

Além da detecção pontual, os sistemas podem ser programados para mapear zonas críticas com maior incidência de infrações, contribuindo para a redistribuição de efetivo, instalação de dispositivos de controle e campanhas educativas. A análise de padrões de reincidência permite, ainda, ações direcionadas a condutores infratores frequentes, promovendo uma abordagem preventiva e estratégica.

3.2. EXPERIÊNCIAS EM ESTADOS BRASILEIROS E NO EXTERIOR

Diversas unidades federativas brasileiras já experimentam com sucesso a aplicação da IA na fiscalização de trânsito. Em São Paulo, o sistema Detecta integra bancos de dados de segurança com câmeras inteligentes que emitem alertas em tempo real sobre veículos com queixa de furto, infrações ou envolvimento em crimes. O projeto tem sido essencial para a recuperação de veículos e a identificação de delitos em andamento.

No Distrito Federal, câmeras com tecnologia de IA foram instaladas em avenidas de grande fluxo para leitura automática de placas, registrando infrações e notificando automaticamente os condutores. Já em Minas Gerais, o foco está na integração entre câmeras urbanas, Polícia Militar e sistema de multas automatizado.

Internacionalmente, cidades como Londres, Nova York e Tóquio lideram o uso de IA no trânsito. Em Londres, algoritmos analisam o comportamento de motoristas e a velocidade média entre pontos, aplicando penalidades automáticas. Em Nova York, sistemas com IA monitoram o uso de faixas exclusivas, enquanto em Tóquio, sensores interligados a semáforos e drones mapeiam o fluxo e identificam riscos em tempo real.

Essas experiências evidenciam a viabilidade técnica e a eficácia operacional da IA aplicada à fiscalização, servindo de referência para estados brasileiros.

3.3. ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR COM APOIO DE IA

A Polícia Militar do Paraná possui plenas condições de integrar tecnologias de inteligência artificial à sua rotina de fiscalização de trânsito. A aplicação prática pode se dar por meio de:

  • Câmeras fixas instaladas em cruzamentos, entradas de bairros e rodovias estaduais, operando de forma contínua para registrar e processar infrações;

  • Câmeras móveis acopladas a viaturas operacionais, com leitura automática de placas e detecção de irregularidades enquanto os policiais patrulham;

  • Drones com IA embarcada, capazes de realizar o monitoramento aéreo de eventos, fiscalizar áreas de difícil acesso ou atuar em operações especiais de trânsito.

Além da coleta de dados, a eficácia dessas ferramentas depende de sua integração com sistemas já em operação, como o SINESP (Sistema Nacional de Segurança Pública), o DETRAN, o CIOSP (Centro Integrado de Operações de Segurança Pública) e centrais de comando regionais da PMPR. A unificação dessas informações permite que o policial militar receba alertas em tempo real durante o patrulhamento, otimizando as abordagens e aumentando a assertividade das ações.

A modernização da fiscalização de trânsito com IA, portanto, representa não apenas um ganho tecnológico, mas uma oportunidade de tornar o policiamento mais proativo, preciso e alinhado às melhores práticas nacionais e internacionais.

4 LEGALIDADE E LIMITES ÉTICOS DA FISCALIZAÇÃO COM IA

A adoção de tecnologias baseadas em inteligência artificial no campo da segurança pública, especialmente na fiscalização de trânsito, impõe a necessidade de rigorosa observância aos marcos legais e aos princípios éticos que regem o Estado Democrático de Direito. Embora tais ferramentas representem avanços significativos em termos de eficiência operacional, seu uso deve ser pautado por critérios que garantam o respeito às liberdades civis, à privacidade e à dignidade da pessoa humana.

4.1. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

O uso da inteligência artificial na atividade policial deve respeitar as normas já existentes no ordenamento jurídico brasileiro. No âmbito do trânsito, destaca-se a Lei nº 9.503/1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o qual define as competências das autoridades de trânsito, os procedimentos legais para autuação e as infrações previstas.

Além disso, a Lei nº 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), estabelece diretrizes sobre a coleta, o armazenamento e o tratamento de dados pessoais por entes públicos e privados. Embora a leitura de placas veiculares, por si só, não represente necessariamente um dado pessoal, o cruzamento com outras informações — como nome do proprietário, endereço, número do CPF ou dados de infrações — pode configurar identificação indireta da pessoa natural, o que submete tais práticas às exigências da LGPD.

A aplicação da IA na fiscalização de trânsito também deve observar os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da finalidade e da transparência, garantindo que a tecnologia seja utilizada dentro dos limites autorizados pela lei, com objetivos legítimos e de forma não excessiva.

4.2. PRIVACIDADE E RECONHECIMENTO DE CONDUTORES

Um dos principais desafios relacionados ao uso de sistemas inteligentes na fiscalização é o equilíbrio entre o interesse público da segurança viária e o respeito à privacidade dos cidadãos. Tecnologias como câmeras com reconhecimento facial, cruzamento de dados e monitoramento em tempo real podem gerar impactos relevantes na esfera individual.

Ainda que o foco principal dos sistemas seja a placa do veículo — um dado vinculado ao bem, e não à pessoa —, o uso dessas informações, quando associado a bases cadastrais, pode permitir a reconstrução de trajetos, hábitos, horários e padrões de deslocamento de indivíduos, abrindo margem para riscos de vigilância indevida, constrangimento ilegal ou uso abusivo das informações coletadas.

Outro ponto sensível é a eventual ausência de consentimento do cidadão quanto ao tratamento de seus dados, o que, no caso da administração pública, deve ser compensado pela observância rigorosa da finalidade e da necessidade da coleta, nos termos do artigo 23 da LGPD. A fiscalização automatizada não pode, portanto, ultrapassar os limites da razoabilidade, nem comprometer direitos fundamentais assegurados constitucionalmente.

4.3. NECESSIDADE DE NORMATIZAÇÃO E TRANSPARÊNCIA

Embora a legislação vigente ofereça parâmetros importantes, ainda há lacunas regulatórias específicas quanto ao uso de IA por corporações policiais na atividade de trânsito. A ausência de normas claras e padronizadas pode gerar insegurança jurídica, tanto para os cidadãos quanto para os próprios agentes públicos responsáveis pela operação dos sistemas.

Nesse sentido, é fundamental que a Polícia Militar — em conjunto com o Poder Executivo e os órgãos gestores de trânsito — desenvolva protocolos operacionais padronizados que definam:

  • Os limites de atuação das ferramentas de IA;

  • As hipóteses legais de coleta e cruzamento de dados;

  • O tempo de retenção das imagens e informações;

  • Os critérios para exclusão ou anonimização dos registros;

  • Os canais de controle e auditoria externa.

A criação de normativas internas claras, acessíveis e transparentes fortalece a legitimidade institucional da PM e assegura que o uso da tecnologia se dê em conformidade com os valores democráticos e com a confiança da sociedade.

5 BENEFÍCIOS OPERACIONAIS E ESTRATÉGICOS

A incorporação da inteligência artificial à fiscalização de trânsito proporciona uma série de vantagens operacionais e estratégicas para a atuação da Polícia Militar. Essas tecnologias ampliam a capacidade de monitoramento, aumentam a eficácia das abordagens e oferecem suporte à tomada de decisão com base em dados concretos, fortalecendo a segurança viária e a gestão integrada do trânsito.

Entre os principais benefícios, destacam-se:

  • Otimização da lavratura de autos de infração: a automação dos registros de infrações, por meio de câmeras e algoritmos de reconhecimento, elimina a necessidade de preenchimento manual, reduz erros administrativos e agiliza a emissão de notificações, garantindo maior agilidade e confiabilidade nos processos administrativos.

  • Redução da subjetividade nas abordagens policiais: os sistemas inteligentes baseiam-se em critérios técnicos e objetivos para identificar comportamentos infracionais, como avanço de sinal, excesso de velocidade ou uso de celular ao volante. Isso contribui para diminuir abordagens baseadas apenas em impressão visual ou suspeita subjetiva, promovendo maior isenção, previsibilidade e segurança jurídica às ações policiais.

  • Melhoria da segurança dos agentes em campo: ao permitir a identificação prévia de veículos com restrições, os sistemas de IA auxiliam o policial na preparação da abordagem, reduzindo o risco de confrontos inesperados. Além disso, a presença de tecnologias de monitoramento tende a desestimular condutas hostis por parte dos infratores, tornando o ambiente operacional mais seguro.

  • Aprimoramento do planejamento estratégico: os dados coletados por dispositivos inteligentes são organizados em relatórios que revelam padrões de comportamento, horários críticos, locais com maior incidência de infrações e áreas com concentração de acidentes. Essas informações subsidiam decisões sobre alocação de efetivo, instalação de novos equipamentos e execução de campanhas educativas ou repressivas mais eficazes.

6 DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO NA PMPR

Apesar dos avanços promissores proporcionados pela inteligência artificial na fiscalização de trânsito, sua efetiva incorporação na rotina da Polícia Militar do Paraná (PMPR) enfrenta diversos desafios práticos, estruturais e culturais. A superação desses obstáculos é fundamental para garantir que o uso da tecnologia seja seguro, eficiente e alinhado aos objetivos institucionais da corporação.

Entre os principais desafios, destacam-se:

  • Deficiências de infraestrutura e necessidade de investimento contínuo: a implementação de sistemas baseados em IA requer uma infraestrutura robusta, que inclui câmeras de alta resolução, dispositivos móveis embarcados em viaturas, servidores para armazenamento de dados e softwares especializados. Além disso, é necessário garantir a manutenção constante desses equipamentos, o que demanda investimentos sustentáveis e planejamento orçamentário de médio e longo prazo.

  • Capacitação técnica do efetivo policial: a operação de tecnologias inteligentes exige que os policiais estejam preparados para utilizar, interpretar e reagir aos dados gerados pelos sistemas de IA. Para isso, é fundamental oferecer treinamentos periódicos, programas de atualização tecnológica e capacitação voltada tanto à parte operacional quanto à compreensão jurídica dos limites do uso da ferramenta.

  • Integração entre sistemas e bancos de dados: a eficácia da inteligência artificial na fiscalização depende da integração entre os sistemas da PMPR e outras plataformas institucionais, como o SINESP, DETRAN, CIOSP e registros municipais. A ausência de interoperabilidade entre essas bases pode comprometer a agilidade do cruzamento de informações, dificultando a geração de alertas em tempo real e a automação das respostas operacionais.

  • Resistência institucional e percepção social: mudanças tecnológicas de grande porte costumam enfrentar resistência tanto internamente quanto na sociedade. No âmbito institucional, pode haver receio quanto à substituição de métodos tradicionais ou dúvidas sobre a eficácia da tecnologia. Por outro lado, parte da população pode manifestar preocupações com a privacidade, a vigilância constante ou o uso indevido das imagens e dados captados. Superar essas resistências exige ações de comunicação transparente, construção de confiança e demonstração clara dos benefícios públicos da iniciativa.

7 PROPOSTAS E PERSPECTIVAS FUTURAS

Para que a adoção da inteligência artificial na fiscalização de trânsito pela Polícia Militar do Paraná (PMPR) ocorra de maneira eficaz, segura e juridicamente respaldada, é necessário estabelecer diretrizes estruturadas e propor ações de curto, médio e longo prazo. A construção de um modelo tecnológico sustentável deve considerar aspectos operacionais, legais e institucionais, visando não apenas à eficiência, mas também à legitimidade e à aceitação social das novas práticas.

Entre as principais propostas e perspectivas para o futuro da aplicação de IA no trânsito, destacam-se:

  • Elaboração de um protocolo estadual para o uso de IA na fiscalização de trânsito: a criação de normas específicas, com base nos princípios da legalidade, proporcionalidade e transparência, permitirá padronizar procedimentos operacionais, delimitar o uso dos dados captados, estabelecer prazos de retenção de informações e definir os critérios para auditoria e controle externo. Esse protocolo serviria como referência para todos os batalhões e unidades operacionais da PMPR, garantindo segurança jurídica e uniformidade na aplicação da tecnologia.

  • Implementação de projetos-piloto em áreas estratégicas: uma alternativa viável para iniciar o processo de modernização é a adoção gradual da IA por meio de projetos-piloto em municípios com alta densidade veicular ou elevado índice de acidentes de trânsito. A partir da análise dos resultados operacionais, técnicos e sociais desses testes, seria possível ajustar metodologias, corrigir falhas e expandir o modelo com maior eficiência e legitimidade.

  • Atuação ativa da PMPR em conselhos municipais e estaduais de mobilidade urbana: a inserção da Polícia Militar nos espaços de debate e formulação de políticas públicas de mobilidade contribui para o alinhamento das ações tecnológicas com os objetivos das cidades inteligentes. Participar desses fóruns permite à corporação influenciar diretamente na elaboração de políticas integradas de trânsito e segurança, além de fortalecer o diálogo interinstitucional.

  • Desenvolvimento de sistemas próprios ou celebração de parcerias tecnológicas: a PMPR pode investir na criação de plataformas desenvolvidas internamente, em cooperação com universidades e centros de pesquisa, garantindo maior controle sobre os dados e independência tecnológica. Alternativamente, podem ser celebrados convênios com empresas especializadas em soluções de segurança viária e inteligência artificial, desde que observadas as normas de contratação pública e as exigências legais de proteção de dados.

8 CONCLUSÃO

A aplicação da inteligência artificial na fiscalização de trânsito representa um marco na modernização das práticas de segurança pública, especialmente no que se refere à atuação da Polícia Militar. A utilização de sistemas inteligentes, como câmeras com leitura automatizada de infrações, reconhecimento de placas e análise de comportamentos de risco, tem demonstrado grande potencial para ampliar a eficiência das operações, reduzir a subjetividade nas abordagens e oferecer suporte qualificado à tomada de decisão em campo.

Os ganhos operacionais vão além da automação: trata-se de um avanço na construção de um modelo de policiamento mais preventivo, baseado em evidências e com maior capacidade de resposta diante da complexidade do trânsito contemporâneo. A produção de dados confiáveis, a integração com outros sistemas públicos e o aumento da segurança do efetivo são evidências claras do impacto positivo que a IA pode oferecer à gestão do trânsito.

Contudo, o uso de tecnologias inteligentes exige o devido lastro jurídico e ético. É indispensável que a implementação desses recursos ocorra sob rigorosos critérios de legalidade, com respeito à privacidade dos cidadãos, à proteção de dados pessoais e à finalidade pública da atuação policial. Para tanto, torna-se urgente a regulamentação específica do uso de IA na segurança viária, com protocolos transparentes, auditoria contínua e participação social.

A Polícia Militar do Paraná, ao investir estrategicamente em inovação tecnológica, capacitação do efetivo e parcerias institucionais, tem a oportunidade de assumir papel de liderança nacional na aplicação ética, eficiente e democrática da inteligência artificial na fiscalização de trânsito. Com planejamento, responsabilidade e respeito aos direitos fundamentais, a corporação poderá consolidar-se como referência em um modelo de policiamento voltado à segurança viária inteligente e ao fortalecimento da confiança pública.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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