ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA DO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.16733914


Cliciano Vieira Da Silva1
Janildes De Moura Lino2


RESUMO
A análise do constitucionalismo brasileiro é fundamental para compreender a evolução das práticas democráticas e dos direitos fundamentais no país. Este estudo examina as transformações significativas nas Constituições brasileiras de 1824 a 1988, destacando como o sistema jurídico respondeu às demandas sociais e políticas, especialmente no que diz respeito à inclusão de grupos marginalizados. Com uma abordagem qualitativa e histórica, a pesquisa utiliza análise documental e revisão bibliográfica. A Constituição de 1824 estabeleceu um regime monárquico centralizador, enquanto a de 1891 representou a transição para a República e o federalismo. A Constituição de 1934 introduziu direitos sociais, mas a de 1937 instaurou um regime autoritário. Em 1946, a Constituição restaurou princípios democráticos após o Estado Novo. Durante o regime militar, a Constituição de 1967 e a Emenda de 1969 consolidaram o autoritarismo. A Constituição de 1988, conhecida como "Constituição Cidadã", marcou o retorno à democracia e ampliou direitos sociais, civis e políticos. A análise revela uma trajetória de avanços e retrocessos, refletindo as dinâmicas políticas e sociais do Brasil. A Constituição de 1988 é destacada como um marco na promoção da democracia e dos direitos fundamentais, embora desafios ainda persistam. Este estudo contribui para uma compreensão aprofundada das transformações constitucionais no Brasil e enfatiza a importância do contínuo aprimoramento jurídico para garantir inclusão e justiça social.
Palavras-chave: Constitucionalismo; Democracia; Direitos Fundamentais; Inclusão Social.

ABSTRACT
The analysis of Brazilian constitutionalism is essential for understanding the evolution of democratic practices and fundamental rights in the country. This study examines significant transformations in the Brazilian Constitutions from 1824 to 1988, highlighting how the legal system responded to social and political demands, especially regarding the inclusion of marginalized groups. Using a qualitative and historical approach, the research employs documentary analysis and bibliographical review. The Constitution of 1824 established a centralized monarchical regime, while the 1891 Constitution marked the transition to the Republic and federalism. The 1934 Constitution introduced social rights, but the 1937 Constitution established an authoritarian regime. In 1946, the Constitution restored democratic principles after the Estado Novo. During the military regime, the 1967 Constitution and the 1969 Amendment consolidated authoritarianism. The 1988 Constitution, known as the "Citizen Constitution," marked the return to democracy and expanded social, civil, and political rights. The analysis reveals a trajectory of progress and setbacks, reflecting Brazil's political and social dynamics. The 1988 Constitution is highlighted as a milestone in promoting democracy and fundamental rights, though challenges remain. This study contributes to a deeper understanding of constitutional transformations in Brazil and emphasizes the importance of continuous legal improvement to ensure inclusion and social justice.
Keywords: Constitutionalism; Democracy; Fundamental Rights; Social Inclusion.

1 Introdução

A análise historiográfica do constitucionalismo brasileiro é fundamental para compreender a evolução das práticas democráticas e dos direitos fundamentais no país. A problemática central deste estudo reside na identificação das transformações significativas no contexto constitucional brasileiro desde a sua primeira Constituição até a atual Constituição de 1988. A justificativa para este estudo está na necessidade de compreender como o arcabouço jurídico brasileiro tem respondido às demandas sociais e políticas ao longo do tempo, especialmente no que se refere à inclusão de grupos historicamente marginalizados. Além disso, é relevante examinar como os contextos econômicos e sociais influenciaram essas transformações, refletindo as pressões e aspirações de diferentes segmentos da sociedade brasileira. O objetivo principal é analisar a trajetória do constitucionalismo brasileiro, destacando as inovações e os desafios enfrentados em cada período histórico, com ênfase na forma como essas mudanças promoveram ou limitaram a participação democrática e a justiça social.

Ademais, o estudo da evolução constitucional no Brasil permite uma compreensão mais ampla das forças políticas e sociais que moldaram o país. Cada Constituição refletiu não apenas as realidades imediatas de seu tempo, mas também as aspirações e os conflitos de uma nação em constante transformação. A transição de um regime monárquico para uma república federativa, por exemplo, foi mais do que uma mudança de sistema de governo; representou uma reconfiguração profunda das relações de poder e das identidades regionais (DOMINGUES, 2013). Por conseguinte, ao analisar esses documentos históricos, é possível discernir as continuidades e rupturas que definem a trajetória política brasileira.

Além disso, este estudo se justifica pela necessidade de promover uma reflexão crítica sobre a eficácia das normas constitucionais em garantir direitos e promover a inclusão social. A história constitucional brasileira é marcada por uma tensão constante entre avanços legislativos e práticas políticas excludentes. Nesse sentido, investigar como as Constituições têm sido implementadas e quais impactos reais tiveram sobre a vida dos cidadãos brasileiros oferece insights valiosos para o debate contemporâneo sobre reforma política e jurídica (CITTADINO, 2004).

2 Metodologia

Este estudo adota uma abordagem qualitativa e histórica, utilizando-se de revisão bibliográfica para examinar as Constituições brasileiras e a literatura especializada sobre o tema. Os procedimentos metodológicos incluem a análise de documentos primários, como textos constitucionais e atas de assembleias constituintes, bem como documentos secundários, como livros, artigos acadêmicos e relatórios de pesquisas anteriores. Essa metodologia permite uma compreensão aprofundada das mudanças constitucionais e dos contextos históricos em que essas mudanças ocorreram. Adicionalmente, serão considerados discursos e registros de debates das assembleias constituintes para capturar as dinâmicas políticas e sociais que moldaram cada constituição. A triangulação dessas fontes garante uma análise robusta e abrangente, permitindo identificar continuidades e rupturas na evolução do constitucionalismo brasileiro.

A análise documental é crucial para compreender não apenas o texto das Constituições, mas também o contexto em que foram elaboradas. Por exemplo, o exame das atas das assembleias constituintes revela as disputas políticas e as negociações que influenciaram a redação final dos documentos constitucionais. Além disso, a análise de discursos e debates constituintes fornece insights sobre as preocupações e prioridades dos legisladores da época (LOURENÇO, 2018). Esses elementos são essenciais para uma interpretação crítica e contextualizada das normas constitucionais.

Por outro lado, a revisão bibliográfica permite integrar o conhecimento produzido por estudiosos de diferentes períodos históricos e perspectivas teóricas. Trabalhos clássicos e contemporâneos sobre o constitucionalismo brasileiro são utilizados para construir uma visão abrangente e multifacetada do tema. A integração dessas fontes variadas enriquece a análise, possibilitando uma compreensão mais detalhada e crítica dos processos constitucionais no Brasil. Esta abordagem metodológica robusta assegura que o estudo não apenas descreva as mudanças constitucionais, mas também explique suas causas e consequências de maneira rigorosa (SANTOS, 1988).

3. Análise Das Constituições Brasileiras

3.1 Constituição de 1824

A primeira Constituição brasileira, promulgada em 1824, estabeleceu um regime monárquico e centralizador, com poderes amplos concedidos ao Imperador. "A Constituição de 1824 consolidou um modelo político centralizado, que refletia a estrutura social e econômica da época, marcada pela manutenção da escravidão e pelo poder das elites agrárias" (Lourenço, 2018, p. 2). Essa centralização era uma resposta às tensões regionais e ao desafio de unificar um território vasto e diverso. A manutenção da escravidão como elemento central da economia foi um ponto de convergência entre as elites, evidenciando a interdependência entre o poder político e os interesses econômicos dominantes da época.

Além disso, a Constituição de 1824 introduziu o Poder Moderador, uma inovação que conferia ao Imperador o papel de árbitro supremo entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Esta estrutura singular, inspirada no modelo francês, visava garantir a estabilidade política em um país recém-independente, mas também consolidava o autoritarismo imperial (CITTADINO, 2004). A centralização do poder sob o imperador Dom Pedro I era vista como necessária para manter a unidade do país e a autoridade sobre as províncias, muitas das quais possuíam fortes identidades regionais e desejos de autonomia.

Por outro lado, a Constituição de 1824 também estabeleceu algumas liberdades civis, como a liberdade de imprensa e a inviolabilidade dos direitos individuais. No entanto, tais direitos eram limitados pela prevalência dos interesses das elites agrárias e pela manutenção da escravidão, que excluía uma grande parte da população da cidadania plena. "Embora a Constituição de 1824 tenha introduzido princípios liberais, como a liberdade de expressão, esses direitos eram restritos e não se aplicavam aos escravizados e às camadas mais pobres da população" (DOMINGUES, 2013, p. 78). Assim, o texto constitucional refletia as contradições de um país que buscava modernizar-se politicamente enquanto mantinha estruturas sociais profundamente arcaicas.

3.2 Constituição De 1891

Com a Proclamação da República em 1889, a Constituição de 1891 marcou a transição para um regime republicano e federalista. Este texto constitucional foi influenciado pelo modelo norte-americano, enfatizando a separação dos poderes e a autonomia dos estados. "A Constituição de 1891 representou uma ruptura com o passado monárquico, introduzindo princípios republicanos e federativos, mas ainda refletia a exclusão política de grandes parcelas da população, como mulheres e analfabetos" (Lourenço, 2018, p. 3). A exclusão de grandes parcelas da população, como mulheres e analfabetos, perpetuava uma democracia restrita, acessível apenas a uma elite educada e proprietária. O federalismo visava descentralizar o poder, mas também gerou novos desafios, como a desigualdade regional e a dificuldade de implementar políticas nacionais uniformes.

Outro aspecto importante da Constituição de 1891 foi a introdução do voto direto e universal masculino, excluindo, no entanto, uma grande parcela da população, incluindo mulheres, analfabetos e militares de baixa patente. "Embora a Constituição de 1891 tenha avançado em termos de democratização, ao instituir o voto direto, ela manteve exclusões significativas, refletindo uma democracia elitista" (SANTOS, 2007, p. 45). Esta limitação no direito ao voto revelou as contradições do novo regime, que buscava ser republicano e democrático, mas continuava a privilegiar as elites econômicas e sociais.

A Constituição de 1891 também trouxe mudanças significativas na organização do poder judiciário, estabelecendo o Supremo Tribunal Federal como a mais alta corte do país. "A criação do Supremo Tribunal Federal foi um passo importante para a consolidação do judiciário como um poder independente, essencial para a manutenção do equilíbrio entre os poderes" (CITTADINO, 2004, p. 109). No entanto, a independência judicial foi frequentemente comprometida pelas pressões políticas e pela influência das oligarquias regionais, que dominavam a política nacional durante a Primeira República.

3.3 Constituição de 1934 e 1937

A Constituição de 1934 introduziu avanços significativos em termos de direitos sociais e trabalhistas, influenciada pelas demandas dos movimentos operários e pelas mudanças socioeconômicas da época. "A Constituição de 1934 foi uma resposta às crescentes pressões sociais, buscando modernizar o país e garantir direitos básicos aos trabalhadores" (Lourenço, 2018, p. 3). No entanto, a Constituição de 1937, outorgada durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, estabeleceu um regime autoritário, concentrando poderes no executivo. "A Constituição de 1937 representou um retrocesso em termos democráticos, ao instaurar um regime autoritário que suprimia liberdades civis e direitos políticos" (Lourenço, 2018, p. 4). Essa mudança abrupta refletia a instabilidade política e a luta entre forças democráticas e autoritárias, evidenciando as dificuldades de consolidar uma democracia estável no Brasil.

A Constituição de 1934 também foi notável por instituir a Justiça do Trabalho, uma inovação importante para a proteção dos direitos dos trabalhadores. "A criação da Justiça do Trabalho e a inclusão de direitos trabalhistas na Constituição de 1934 representaram um avanço significativo na proteção dos trabalhadores e na promoção da justiça social" (SANTOS, 1988, p. 67). Este movimento refletia as pressões dos movimentos operários e a necessidade de modernização das relações de trabalho em um país em rápida industrialização.

Em contraste, a Constituição de 1937, influenciada pelos regimes fascistas europeus, centralizou o poder nas mãos do presidente e restringiu severamente as liberdades civis e políticas. "O Estado Novo, instituído pela Constituição de 1937, representou um período de autoritarismo e repressão, em que as liberdades individuais foram suprimidas em nome da segurança nacional" (DOMINGUES, 2013, p. 88). Essa constituição refletia a visão de Getúlio Vargas de um governo forte e centralizado, necessário para controlar a crescente agitação social e as ameaças percebidas ao seu regime.

3.4 Constituição de 1946

Com o fim do Estado Novo e a redemocratização do país, a Constituição de 1946 retomou os princípios democráticos e federativos. Este texto constitucional ampliou os direitos civis e políticos, embora ainda mantivesse restrições significativas à participação política plena de todos os cidadãos. "A Constituição de 1946 simbolizou a retomada da democracia no Brasil, mas ainda não conseguiu superar completamente as limitações impostas por décadas de autoritarismo" (Lourenço, 2018, p. 5). Essa Constituição surgiu em um contexto de pós-guerra, onde havia um desejo global de fortalecer as instituições democráticas, mas as restrições ainda presentes indicavam a persistência de estruturas autoritárias e conservadoras no país.

A Constituição de 1946, por exemplo, restabeleceu a independência dos poderes e garantiu maior autonomia aos estados, aspectos fundamentais para a retomada da democracia. "Ao restabelecer a independência dos poderes e garantir maior autonomia aos estados, a Constituição de 1946 procurou consolidar uma estrutura política mais democrática e descentralizada" (SANTOS, 1988, p. 91). No entanto, as eleições indiretas para a presidência, determinadas por um colégio eleitoral, ainda refletiam um controle significativo das elites sobre o processo político.

Outro ponto significativo da Constituição de 1946 foi a inclusão de direitos sociais, como a educação e a saúde, refletindo um compromisso com a justiça social. "A Constituição de 1946 introduziu direitos sociais importantes, estabelecendo um compromisso com a educação e a saúde públicas, embora a implementação dessas políticas enfrentasse desafios significativos" (DOMINGUES, 2013, p. 105). No entanto, a implementação dessas políticas enfrentou muitos obstáculos, principalmente devido à resistência das elites conservadoras e à falta de recursos financeiros.

3.5 Constituição de 1967 e Emenda de 1969

O regime militar que se instaurou no Brasil em 1964 foi marcado por uma crescente centralização do poder e restrição das liberdades democráticas. A Constituição de 1967 consolidou esse movimento, criando uma estrutura política que reforçava a autoridade do Executivo, ao mesmo tempo em que limitava os direitos civis e políticos da população. Como Lourenço (2018) observa, "as mudanças constitucionais durante o regime militar refletiram a necessidade do regime de legitimar e perpetuar seu controle autoritário sobre a sociedade brasileira" (p. 6). A nova Constituição foi uma resposta direta às exigências do regime de controlar o país sob uma fachada de legalidade, implementando um sistema que marginalizava a oposição e incentivava a repressão.

A centralização do poder na figura do presidente, com a Constituição de 1967, foi acompanhada de uma série de medidas que limitavam as liberdades civis e políticas. Um dos elementos centrais dessa centralização foi a criação de órgãos como o Serviço Nacional de Informações (SNI), um aparato de repressão política que tinha como função monitorar e suprimir qualquer forma de oposição ao regime militar. Como destaca Cittadino (2004), "a centralização do poder e a criação de órgãos de repressão, como o SNI, foram elementos centrais da Constituição de 1967, que buscou consolidar o controle autoritário sobre a sociedade" (p. 112). Esse fortalecimento do poder executivo e o surgimento de novos mecanismos de vigilância social permitiram ao regime militar controlar não só o governo, mas também a vida política e social do país.

O período pós-1967 foi ainda mais marcado por uma institucionalização da repressão com a Emenda Constitucional de 1969. Essa emenda, que pode ser considerada uma nova constituição, aprofundou a concentração de poder nas mãos do Executivo e restringiu ainda mais os direitos políticos e civis. A Emenda de 1969 representou uma resposta à crescente resistência popular e à oposição internacional, institucionalizando o autoritarismo de forma ainda mais explícita. Como Santos (2007) afirma, "a Emenda Constitucional de 1969 reforçou o autoritarismo do regime militar, institucionalizando a repressão política e restringindo ainda mais os direitos civis e políticos" (p. 55). Essa alteração constitucional foi fundamental para garantir a continuidade do regime, especialmente em um momento de crescente mobilização contra o governo.

A repressão política e a violação dos direitos humanos durante esse período foram, portanto, não apenas práticas ilegais, mas foram consolidadas no próprio texto constitucional. A Constituição de 1967 e sua emenda subsequente, em 1969, buscavam dar uma justificativa legal para a atuação repressiva do regime, criando uma fachada de legalidade para atos de censura, tortura e eliminação de adversários políticos. A legislação foi moldada de maneira a garantir que o regime militar se mantivesse no poder, utilizando o aparato jurídico para institucionalizar a violência e a supressão das liberdades individuais, que eram direitos fundamentais no contexto democrático.

Além do fortalecimento do poder executivo, o regime militar, amparado pela Constituição de 1967 e a Emenda de 1969, utilizou os mecanismos legais para suprimir a oposição política e enfraquecer qualquer possibilidade de resistência. Organizações de esquerda, movimentos estudantis e a imprensa independente foram duramente perseguidos, sendo censurados e criminalizados. A Constituição de 1967, ao criar uma estrutura jurídica para esse controle, e a Emenda de 1969, ao consolidá-lo, permitiram que o regime militar se mantivesse sem grandes desafios internos até o fim da década de 1980. Essa estrutura, baseada na repressão e na centralização do poder, constituiu um dos períodos mais sombrios da história recente do Brasil, com longos anos de censura e opressão que afetaram diretamente a vida dos cidadãos.

A análise das constituições de 1967 e 1969 mostra a profundidade do autoritarismo no Brasil durante o regime militar e como o direito foi utilizado para justificar ações que feriam princípios básicos de liberdade e justiça. As mudanças constitucionais desse período revelam a capacidade do regime em manipular as estruturas legais para garantir sua permanência no poder, criando uma aparência de legalidade que cobria uma realidade de repressão e violações de direitos humanos. Esse legado constitucional continuaria a impactar a política brasileira até a redemocratização na década de 1980, quando a Constituição de 1988, finalmente, restabeleceu os direitos civis e a democracia no país.

3.6 Constituição de 1988

A Constituição de 1988, também conhecida como "Constituição Cidadã", representou um marco na história do Brasil, pois significou o retorno à democracia após um longo período de regime militar. Ela é destacada pela ampliação dos direitos sociais, civis e políticos, refletindo as demandas de uma sociedade em transformação. Como afirma Lourenço (2018), "A Constituição de 1988 inaugurou um novo período no constitucionalismo brasileiro, promovendo a inclusão de grupos marginalizados e ampliando significativamente os direitos fundamentais" (p. 7). A elaboração do texto constitucional contou com uma ampla participação popular e foi o resultado de um esforço coletivo para garantir direitos e liberdades após anos de repressão. As inovações introduzidas pelo texto estavam diretamente ligadas às necessidades de justiça social e igualdade, buscando a reparação das desigualdades históricas.

Além do retorno à democracia, a Constituição de 1988 trouxe inovações estruturais importantes que buscaram fortalecer o Estado democrático de direito. Um exemplo significativo foi a criação do Ministério Público independente, uma medida essencial para garantir a fiscalização das ações do governo e proteger os direitos dos cidadãos. Como observa Domingues (2013), "A criação de um Ministério Público independente e a inclusão de novos direitos sociais e ambientais destacam-se como inovações significativas da Constituição de 1988" (p. 123). O fortalecimento das instituições públicas e a inclusão de direitos voltados para a proteção do meio ambiente e a promoção do bem-estar social tornaram-se pilares da nova ordem constitucional, refletindo um compromisso com a justiça e a sustentabilidade.

A Constituição de 1988 também ampliou os mecanismos de participação popular no processo político, inserindo ferramentas que promovem a democratização e a maior inclusão cidadã. A introdução de plebiscitos, referendos e iniciativas populares de lei são exemplos de mecanismos que permitiram aos cidadãos se envolver diretamente nas decisões políticas do país. Como destaca Cittadino (2004), "Os mecanismos de participação popular introduzidos pela Constituição de 1988, como plebiscitos, referendos e iniciativas populares, representam um avanço significativo na democratização do processo político" (p. 115). Esses instrumentos não apenas ampliaram o acesso da população às decisões políticas, mas também fortaleceram a democracia participativa, tornando o processo governamental mais transparente e responsivo às necessidades da sociedade.

A Constituição de 1988 também teve um impacto significativo na proteção dos direitos humanos e no reconhecimento da dignidade humana como um valor fundamental. Ela foi elaborada em um contexto de reconstrução democrática, após décadas de repressão e censura. Assim, um dos principais objetivos da nova constituição foi garantir que o país nunca mais vivesse sob um regime autoritário. O texto constitucional criou um sistema de freios e contrapesos que buscava limitar os poderes do Estado e garantir que as instituições fossem mantidas sob a vigilância e o controle da população. A promulgação da Constituição de 1988, portanto, foi um passo decisivo para consolidar a democracia no Brasil e assegurar que os direitos fundamentais de todos os cidadãos fossem respeitados.

Outro aspecto relevante da Constituição de 1988 foi a sua ênfase na promoção de direitos sociais, como educação, saúde, trabalho e segurança. Estes direitos foram concebidos como direitos de cidadania, essenciais para a construção de uma sociedade mais igualitária. A Constituição de 1988 também refletiu as demandas sociais da época, ao abordar temas como a reforma agrária, a proteção dos povos indígenas e a preservação do meio ambiente. Essas garantias estavam em sintonia com as aspirações de uma sociedade que buscava superar as desigualdades históricas e construir um futuro mais justo. Ao garantir esses direitos, a Constituição de 1988 procurou promover uma sociedade inclusiva, em que todos tivessem acesso a condições mínimas de vida digna.

Por fim, a Constituição de 1988 não apenas estabeleceu um novo marco jurídico para o país, mas também representou um renascimento da democracia e um símbolo da luta pela liberdade e pelos direitos humanos. Ela foi a base para a construção de um sistema legal que, mesmo com desafios e dificuldades, procurou fortalecer a cidadania e a participação popular. A Constituição Cidadã continua sendo um dos maiores legados do Brasil, refletindo o desejo da sociedade de construir uma nação mais democrática, justa e igualitária, em que todos os seus cidadãos possam ter seus direitos respeitados e suas vozes ouvidas.

4 Considerações Finais

A análise historiográfica do constitucionalismo brasileiro revela uma trajetória marcada por avanços e retrocessos, refletindo as complexas dinâmicas políticas e sociais do país. Cada Constituição, desde a de 1824 até a de 1988, trouxe inovações e desafios próprios, respondendo às demandas e pressões de seus respectivos contextos históricos. O estudo destaca a importância da Constituição de 1988 como um marco na promoção da democracia e dos direitos fundamentais no Brasil, apesar das limitações e desafios ainda presentes. Este trabalho contribui para uma compreensão mais profunda das transformações constitucionais no Brasil e aponta para a necessidade de contínua vigilância e aprimoramento do arcabouço jurídico para garantir a inclusão e a justiça social. Além disso, a evolução do constitucionalismo brasileiro ilustra a luta contínua por uma sociedade mais justa e democrática, evidenciando a importância de um sistema legal que responda às necessidades de todos os cidadãos, especialmente os mais vulneráveis.

Outra consideração importante é a necessidade de se avaliar constantemente a eficácia das Constituições em promover mudanças sociais reais. A história constitucional do Brasil mostra que, embora as leis possam ser progressistas, a implementação dessas normas muitas vezes enfrenta obstáculos significativos. "As Constituições brasileiras frequentemente enfrentaram desafios na implementação de suas normas, refletindo uma discrepância entre o texto legal e a realidade social" (SANTOS, 2007, p. 97). Portanto, é essencial que a sociedade civil e os órgãos de fiscalização mantenham uma vigilância contínua para assegurar que os direitos previstos na Constituição sejam efetivamente garantidos a todos os cidadãos.

Finalmente, a análise das Constituições brasileiras destaca a importância do contexto histórico na elaboração e interpretação dos textos constitucionais. Cada Constituição foi uma resposta às condições políticas, sociais e econômicas de sua época, e essas condições influenciaram profundamente o conteúdo e a aplicação das normas constitucionais. "O contexto histórico desempenha um papel crucial na elaboração e interpretação das Constituições, influenciando tanto o conteúdo dos textos quanto sua implementação prática" (DOMINGUES, 2013, p. 130). Assim, a compreensão dessas influências é fundamental para interpretar corretamente as mudanças constitucionais e suas implicações para a sociedade brasileira.

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