ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS EM DIFERENTES CONTEXTOS
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11651167
Sônia Maria da Silva Nunes1
Maria Luiza Batista Bretas2
RESUMO
Este artigo destaca algumas dificuldades no processo ensino/aprendizagem da leitura e da escrita. Algumas relacionadas ao próprio sistema alfabético da língua portuguesa, outras relacionadas ao ambiente sociocultural dos educandos, mas que podem influenciar no processo de alfabetização e de letramento da criança. Diante dessas questões, compreende-se que é necessário que o educador tenha conhecimento dos estudos sobre variantes linguísticas e a importância das crianças entrarem em contato com diferentes gêneros textuais direcionados à infância e textos circulantes na sociedade para uma efetiva educação letrada. O objetivo da pesquisa é discutir os desafios da alfabetização e do letramento e algumas perspectivas que podem auxiliar nesse processo. Entre tantos desafios que se apresentam à criança no seu processo de alfabetização estão a dificuldade de se aprender a escrita correta das palavras, visto que um só grafema apresenta inúmeros fonemas, além da questão da diversidade de variantes linguísticas, uma vez que o Brasil é um país continental. Essa questão exige das crianças das classes populares um enorme esforço para aprender a norma padrão da língua portuguesa. Como perspectiva para solucionar esses desafios, o conhecimento e o uso de diferentes gêneros textuais e da literatura infantil podem auxiliar o professor na tarefa de alfabetizar letrando. Para tratar do assunto em questão, recorreu-se à pesquisa bibliográfica de vários estudiosos sobre o tema e, por meio das discussões efetuadas tornou-se claro que a alfabetização e o letramento possuem suas especificidades, pois são processos distintos, mas inseparáveis.
Palavras-chave: Alfabetização. Letramento. Gêneros textuais. Alfabetização letrada.
ABSTRACT
This article highlights some difficulties in the learninng teaching process of reading and writing. A few of them related to the own alphabetic system of the portuguese language, some of them related to the sociocultural environment of the learners, but that can affect the alphabetization and literacy process of the child. In the face of these questions, it is understandble that is necessary that the educator has the knowledge about the studies of the linguistic variants and the importance of the children come into contact with different textual genres targeted to the childhood and texts circulating in the society for a effective scholar education. The aim of this research is to discuss the challenges of the alphabetization and the literacy and some perspectives which can assist in this process. For this purpose, sampling to the bibliographical research concerned to the matter in question. Through the discussions incurred by the authors investigated, became clear that the alphabetization and the literacy have their specificities, since they are separate processes, but inseparable.
Keywords: Alphabetization. Literacy. Textual genres. Scholar literacy.
INTRODUÇÃO
Ouvir histórias desde a infância é um hábito que pode impactar positivamente uma criança para que ela aprenda a gostar de ler. Primeiramente em casa e posteriormente na escola, esse processo faz com que ao ser alfabetizada ela possa se tornar fluente em leitura e passe a ser uma assídua visitante das bibliotecas e, até mesmo, por consequência, ser apaixonada por literatura. Assim ensina Pennac (1993, p. 63): “Escutem, escutem e vejam como é bom ouvir uma história. Não há melhor maneira de abrir o apetite de um leitor do que lhe dar a farejar uma orgia de leitura”. Tal experiência, quando exitosa, pode influenciar, definitivamente, os caminhos a serem percorridos na vida adulta. Foi o que nos aconteceu, fazendo a opção pela educação e a carreira docente. No curso de Pedagogia, o tema do nosso Trabalho de Conclusão de Curso foi: “A leitura dos diversos gêneros textuais na Educação Infantil”, assunto escolhido por compreender que a leitura é a primeira porta que abrimos a uma criança para torná-la parte do mundo encantado dos contos de fadas, da emoção da poesia, dos contos folclóricos, da leitura da realidade, enfim é uma fonte de saber apaixonante, instigante e inesgotável.
Os educandos chegam à escola eufóricos por descobrir um mundo novo, o mundo da leitura e da escrita e essa mesma escola, muitas vezes, desfaz esse encanto, pois não trabalha sob a perspectiva das crianças, não torna o saber escolar atrativo e prazeroso, não estimula a fantasia, a emoção, o encanto, a liberdade e o pensamento autônomo. Essa instituição, em determinados momentos, torna a alfabetização maçante, sem nexo, a transforma em um processo que deveria fazer parte da realidade fantasiosa ou real da criança, em algo totalmente fora de seu mundo, artificial e desprovido de graça.
As vivências dos alunos fora da instituição escolar também devem fazer parte das aulas, pois cada criança é única e possui experiências por vezes diversas dos seus pares. Ao permitir e incentivar que cada um traga sua realidade para a sala de aula, o professor promoverá o diálogo, o compartilhamento de saberes e culturas e também, porque não dizer, de histórias que poderão enriquecer e muito as disciplinas por ele ministradas. Assim, suas aulas serão inesquecíveis e significativas. Nesse sentido, a leitura e a escrita se darão em um contexto de ensino que valoriza as experiências da realidade social e cultural dos educandos, mostrando respeito e acolhimento ao seu ser, seus saberes já adquiridos, cada um conhecendo o outro e deixando-se conhecer. Sob essa perspectiva, o(a) professor(a) corrobora o pensamento do Mestre Paulo Freire (2018) de que o(a) estudante não é um recipiente vazio em que o docente vai preenchendo com o seu saber, mas é também um ser rico em conhecimentos e saberes que deve ser ouvido, acolhido e, acima de tudo, respeitado e valorizado.
É na esteira desse pensamento e analisando os caminhos do universo das histórias infantis trilhados até aqui, a partir do processo de alfabetização, das vivências de leitura até aqui acumuladas e da prática pedagógica mais recente, que opta-se por desenvolver uma pesquisa sobre “Alfabetização e Letramento: desafios e perspectivas em diferentes contextos”, compreendendo que o tema, apesar de não ser muito recente, se mostra de grande relevância para a Educação, sobretudo para as séries iniciais da escolaridade.
A pesquisa foi realizada a partir de um referencial teórico sobre o tema alfabetização, como acontece o processo de aquisição da escrita pela criança e como ocorre o letramento. Discorre-se também sobre esses conceitos na perspectiva de vários autores, na tentativa de responder à seguinte questão: “Que desafios e perspectivas se apresentam ao docente no processo de alfabetizar letrando?” Para responder a essa questão recorre-se à pesquisa bibliográfica, que segundo Moresi (2003, p.10) “é o estudo sistematizado desenvolvido em material publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, material acessível ao público em geral”.
Por meio do conhecimento, das discussões e das ideias que cada autor defende sobre o tema, é possível compreender melhor os conceitos de alfabetização e de letramento, assim como os desafios para a formação das crianças na aquisição do sistema alfabético e dos usos sociais da escrita. Para Amaral (2007, p.1), “a pesquisa bibliográfica é uma etapa fundamental em todo trabalho científico que influenciará todas as etapas da pesquisa, na medida em que dá o embasamento teórico em que baseará o trabalho”. Esse embasamento fornece subsídios para o pesquisador discorrer com maior propriedade sobre o assunto.
Há uma gama de autores influentes na educação, na linguística, na sociolinguística, na psicologia, entre outras áreas que tratam do assunto em questão. No entanto, a pesquisa está fundamentada predominantemente em Magda Soares (1986, 1997, 2004, 2020), Luiz Carlos Cagliari (2021), Angela Kleiman (1999, 2005), Roxane Rojo (2002, 2009) e Lev Vigotski (2001).
O trabalho encontra-se estruturado em três tópicos: o primeiro discorre sobre os temas alfabetização e letramento nas concepções de Magda Soares, Angela Kleiman e Roxane Rojo; o segundo trata de algumas dificuldades no processo de alfabetização, umas referentes ao sistema alfabético e ortográfico da linguagem, outras sobre a influência do meio sociocultural na aquisição da língua escrita. O terceiro tópico refere-se à importância de as crianças entrarem em contato com a literatura infantil e os textos circulantes na sociedade, posto que a leitura realizada por um adulto, mesmo quando essas ainda não se apropriaram da escrita, as incentivam e despertam a curiosidade pela escrita e pela leitura, lançando as sementes para uma educação letrada. Para essa discussão buscou-se auxílio nos estudos de Florentino (2017), Bakhtin (2010), Marcuschi (2008), Carvalho (2015), Bethelheim (1980) e Vigotski (2001).
1. ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTo
A alfabetização é a aquisição de uma saber histórico cultural construído. Quando a criança entra na escola, ela vai aprender a relacionar os sons emitidos na fala com a grafia que culturalmente foi adotada para determinado som. Visto que a criança não pode registrar o fonema com um sinal gráfico qualquer, mas o que de forma convencional ficou estabelecido. Ao apropriar-se do sistema simbólico da escrita, ela está apta a produzir textos utilizando os conhecimentos adquiridos para registrar e/ou difundir ideias, pensamentos, interagir com os seus interlocutores por meio da escrita. Essa habilidade corresponde ao letramento, prática social da escrita, conforme coloca Soares (2004). Ao desenvolver ou ao dominar de forma competente o processo da leitura e da escrita nas práticas sociais, diz-se que o indivíduo é letrado, ou seja, é uma pessoa que sabe usar a leitura e a escrita de acordo com as demandas sociais, como por exemplo, é capaz de organizar um discurso, de interpretar e de compreender textos e de fazer reflexões a partir deles.
1.1. Alfabetização
Para Magda Soares (2004), o ensino/aprendizagem da leitura e da escrita exige um ensino sistemático, entretanto esse não deve ser feito com textos que não tenham relação com a realidade própria à infância, mas por meio da literatura infantil e de textos de usos sociais da escrita, cartas, bilhetes, campanhas informativas, cartaz produzido pela turma, que tenham significado para a criança. Segundo a autora, a alfabetização.
É o processo ensino-aprendizagem de um sistema arbitrário de representação dos sons da fala (fonemas) em letras (grafemas) cuja função é a aprendizagem da codificação (escrita) e decodificação (leitura), compreendendo os signos linguísticos como um sistema de comunicação sem contudo dar grandes interpretações (SOARES, 2004, p.11-12).
Kleiman (2005, p.12) compreende alfabetização como “uma prática situada na escola”. Essa prática social da escrita envolve o ensino/aprendizagem da transposição de um código linguístico sonoro em código gráfico, que inclui técnicas de codificação (escrita) e decodificação (leitura), ambos os processos como uma atividade social. Sendo que, as habilidades de leitura e escrita não são vistas por ela como um processo individual, mas que ocorre em relação com o objeto do conhecimento e com o outro. O professor, sujeito mais experiente do processo de ensino, tem o papel de orientar os educandos, agindo como mediador entre o objeto de ensino, sistema alfabético e ortográfico da língua, cujo objetivo é propiciar ao aluno a compreensão do sistema de escrita, desenvolvendo competência de leitura e escrita para utilizá-las de forma “autônoma” nas diversas instituições sociais.
Para Rojo (2002, p.4) “Alfabetização em sentido amplo não pode ser compreendida apenas como: Codificação e decodificação de fonemas e grafemas, pois é um processo que exige várias outras aprendizagens como escrita e leitura da esquerda para a direita, de cima para baixo e a compreensão do que se escreve e lê.”
A autora vê a alfabetização como aprendizagem das técnicas de leitura e escrita como parte inerente do processo/ensino aprendizagem, mas inclui também o entendimento do que se escreve e lê. A apropriação da escrita e da leitura deve estar relacionada ao conhecimento de mundo do educando, partindo de textos e palavras que são significativas para os mesmos. É levá-los a ler não só para retirar informações contidas no texto, é saber relacionar com conhecimentos adquiridos em outras instituições, perceber as ideias contidas no texto, se posicionar em relação à leitura e à escrita.
1.2 Letramento
Nessas últimas décadas, observa-se que a educação brasileira vem experimentando uma efervescente movimentação no que se refere às concepções, estudos e práticas de letramento. Eventos, debates, publicações, testes, avaliações, tendo como discussão essa temática fizeram com que várias mudanças no sistema educacional brasileiro fossem implementadas. Muitas vezes, tais mudanças trazem no seu bojo um processo de desestabilização nas práticas dos professores, sobretudo dos alfabetizadores e dos docentes envolvidos com o processo de ensino e aprendizagem da língua materna.
Para Soares (1997), um dos motivos que gera as incertezas e fragilidades do professor alfabetizador e o de língua portuguesa, frente a essas transformações paradigmáticas, que se somam a um ambiente de desprestígio social dos docentes, é o desconhecimento que os professores têm sobre as teorias de linguagem que vêm sedimentando os documentos basilares da educação infantil. Muitas vezes, esses estudos não fazem parte dos programas dos cursos de Pedagogia ou de Letras que os formam.
Conforme Soares (2020), o termo letramento surgiu no Brasil, em 1986, no livro de Mary Kato, No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, da Editora Ática. Desde então, o termo letramento, que foi traduzido da palavra inglesa literacy, passou a significar “o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita”. Desse modo, o ensino da leitura e da produção textual na educação básica se tornou condição sine qua non para o letramento. Mais recentemente, o componente Língua Portuguesa da Base Nacional Comum Curricular, BNCC, que dialoga com vários documentos e orientações curriculares produzidas no ensino brasileiro das últimas décadas, procura atualizar as transformações das práticas de linguagem ocorridas já neste século.
Segundo Soares (2020):
Letramento é a habilidade de leitura e escrita como processo de interação das práticas sociais, capacitando o aprendiz a produzir e interpretar diversos gêneros textuais nos mais diversos contextos e com diferentes funções. Alfabetização e letramento para ela são processos distintos, mas interdependentes e indissociáveis” (p.43-44).
Pois, para que a pessoa se torne plenamente letrada há que ter adquirido as técnicas de ler e escrever, e, à medida que vai se alfabetizando o aluno também vai adquirindo o processo social da escrita. Portanto, são habilidades construídas de modo simultâneo.
Para Kleiman (2005)
Letramento é o desenvolvimento de habilidades e capacidades de leitura, escrita e interpretação de textos diversos presentes na sociedade, tem como função capacitar o educando para a compreensão e produção em contextos interativos em que torna-se necessário os mais variados processos de cognição (p.16-18).
Kleiman (1999), vê o letramento como um processo que leva o aluno a apropriar-se de conhecimentos que o tornam capaz de produzir e compreender textos circulantes na sociedade e com os quais entra em contato como um modo de interação entre os sujeitos nos mais variados ambientes. Defende ainda Kleiman (1999, p. 12) a ideia de que o letramento está relacionado ao desenvolvimento “de novas e eficientes estratégias que permitam ao aprendiz a compreensão da palavra escrita, a fim de funcionar plenamente na sociedade que impõe a cada dia mais exigências de letramento, isto é, de contato e familiaridade com a escrita para a sobrevivência”. Sob essa ótica, as palavras de Kleiman podem levar ao questionamento do quanto as práticas da leitura e da escrita contribuem para diminuir as desigualdades sociais e culturais.
Rojo (2009), compreende o letramento como uso e práticas sociais da linguagem que recobrem contextos sociais diversos. Para a autora, a língua é vista como um código vivo, podendo ter variações dialetais, pois falantes de uma mesma língua apresentam, em geral, diferentes maneiras de falar, de acordo com o espaço em que vivem. Ainda apresentam diferenças de acordo com a situação de fala ou registro, assim como a adequação do discurso ao gênero, à modalidade: oral ou escrita e segundo o contexto e o seu interlocutor. Sendo assim, não há uma única forma de interação, mas várias e o usuário utiliza a linguagem em qualquer modalidade considerando o interlocutor, adequando o seu discurso ao gênero e à função comunicativa a que essa interação se propõe.
As autoras acima citadas consideram o letramento como um processo social da escrita e como tal deve partir do conhecimento de mundo das crianças, de palavras e textos do seu cotidiano e de suas áreas de interesse para sua efetiva prática letrada e de alfabetização. As autoras concordam que todas as crianças, quando chegam à escola, possuem algum grau de letramento, não podendo ser considerado como uma página em branco, pois uns mais, outros menos, possuem algum conhecimento. Ao compreendermos que alfabetização e letramento ocorrem de modo simultâneo, e devem partir do cotidiano dos alunos, não podemos deixar de inferir que Paulo Freire utilizou, ao menos em parte, a teoria do letramento para o processo de alfabetização de adultos. Ao levar os educandos a lerem o contexto em que estavam inseridos, considerando a sua realidade como relevante para a construção de conhecimentos e utilizando o vocabulário do cotidiano desses aprendizes, Freire promovia o debate de ideias e o desenvolvimento da consciência crítica, tornando o processo de alfabetização muito mais significativo aos seus aprendizes.
2. DESAFIOS DA ALFABETIZAÇÃO E DO LETRAMENTO
Longe de se esgotarem as dificuldades e os desafios apresentados aos docentes durante os processos de ensino da alfabetização e do letramento ou de alfabetizar letrando, pois ambos são processos complexos e dependem do ritmo de aprendizagem de cada criança, este estudo trata de alguns desses desafios que se apresentam ao docente alfabetizador. A princípio é importante frisar que a alfabetização e o letramento não podem (e não devem), ser separados em dois processos distintos. Antes, ao contrário, são indissociáveis, pois ambos permitem a entrada da criança no mundo da escrita, por meio da aquisição do sistema convencional da escrita (alfabetização) e pelo desenvolvimento de habilidades que visam o uso desse sistema em atividades de leitura e de escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita (letramento), conforme nos diz Soares (2020).
A escrita e a leitura não são habilidades inatas, mas uma convenção social criada pelo homem com o objetivo de registrar acontecimentos, ideias, servir de apoio à memória etc. Todo ser humano possui a capacidade de aprender, no entanto, para que ele adquira a habilidade da escrita e da leitura há que ter alguém que o ensine de modo formal e sistemático a desenvolver tais habilidades. A criança não aprende só por ver alguém lendo e escrevendo, mas a aprendizagem da linguagem oral ocorre na convivência com falantes da sua língua e, por conseguinte, a aprende utilizando as variantes das pessoas com as quais convive. Tal processo de aprendizagem é possível, pois a criança é continuamente exposta a ambientes que proporcionam a aquisição linguística por meio do ouvir e do falar pela repetição e, posteriormente, ela se torna apta a ser autora do próprio discurso.
A língua portuguesa adotou o sistema alfabético composto por 26 letras, sinais gráficos (grafemas), para representar os sons da fala (fonemas). Esse sistema permite que se escreva todas as palavras de nosso idioma utilizando as combinações possíveis dentro do nosso sistema de signos. No entanto, na língua portuguesa brasileira há grafemas que representam mais de um som (fonema) como por exemplo, as letras s, x com som de z como em casa e exemplo; c com som de s como em citar, cela, assim como alguns outros. Portanto, não basta dizer às crianças para escreverem como se pronuncia as palavras, pois nem sempre o som emitido corresponde à letra com que a palavra é escrita, há que se levar em consideração também a ortografia do português para determinada palavra.
Outra questão que não pode ser esquecida são as variantes dialetais, pois algumas crianças pronunciam: “teia” para telha. “Bassôra” para vassoura, “pobrema” para problema, “correno” para correndo (o gerúndio não costuma ser utilizado na linguagem coloquial) o mesmo ocorre com o verbo no infinitivo, pois para dizer andar utilizam “eu vô anda”. Essas são algumas das dificuldades que professores e alunos encontrarão no processo de alfabetização.
Segundo Cagliari (2011, p.81):
Isto mostra que estamos muito longe do princípio alfabético e somente uma compreensão da categorização funcional das letras pode explicar por que uma letra pode ter tantos sons diferentes, ou um som pode ser representado por letras diferentes.
Para o autor, o ensino da ortografia torna-se imprescindível para que as crianças aprendam a escrever as palavras de acordo com a norma padrão da língua portuguesa, pois nem sempre a aprendizagem dos grafemas é suficiente para representar os fonemas e vice-versa, uma vez que esses grafemas irão responder a todas as necessidades da escrita e da leitura.
A aprendizagem da língua é o resultado de um processo sociocultural, pois a mesma é apreendida pela criança de acordo com os falantes da comunidade da qual faz parte e por meio dela comunica-se com interlocutores com os quais entram em contato, fazendo-se compreender e compreendendo os demais. As crianças, quando chegam à escola, já possuem internalizadas a gramática de sua língua materna, o léxico utilizado em seu meio sociocultural e, não raro, no processo de alfabetização podem replicar na escrita as marcas da oralidade de sua comunidade, das variantes linguísticas a que ela foi apresentada. Essa situação é esclarecida por Cagliari (2011, p.73) “A variação dialetal não representa erro de linguagem, mas sim que as pessoas podem ter formas diferentes de se expressar em uma mesma língua”. A escola trabalha com a gramática normativa por ser essa a variante adotada na sociedade, considerada como a variante “culta”, por ser a linguagem veiculada pelos grupos dominantes.
Ainda que o senso linguístico afirme que não há uma variação superior à outra, mesmo sendo o português a língua oficial da maior parte da população brasileira, esse fato não implica, automaticamente, que essa língua seja um bloco compacto, coeso e homogêneo, como nos afirma Bagno (1999). A contradição está no fato de existirem pessoas que estão em um nível de escolaridade mais elevado, que possuem poder aquisitivo maior e que consideram um determinado modo de falar mais correto que outros, ignorando muitas outras variações dessa mesma língua (BAGNO, 1999).
As crianças das classes populares ao entrarem na escola terão que aprender a codificar, decodificar, compreender textos e/ ou palavras que não fazem parte de seu vocabulário e também adequar sua escrita e muitas vezes a fala à norma padrão. Labov (apud Soares, 1986, p.45) fala que crianças das classes populares “possuem sistemas linguísticos perfeitamente estruturados, possuem a mesma capacidade para a aprendizagem conceitual e para o pensamento lógico”. Sendo assim, a norma padrão é considerada a linguagem apropriada por representar o dialeto da classe social dominante, e não por essa ser mais bem estruturada e melhor dentre todas as gramáticas, é também uma forma de padronizar a ortografia e tornar o processo de escrita compreensível para os falantes de todas os dialetos (regional) e socioletos (marca sociocultural na fala), ou seja, essa língua padrão normatiza o processo de escrita.
Desse modo, o ensino da língua materna deve estar aberto às diferentes variações, dando preferência àquelas que circulam no espaço escolar, como reconhecimento das características inerentes a cada aluno. O papel do professor como mediador da interação autor-texto-leitor de que nos fala Koch (2006) é fundamental na condução de um ensino significativo, para que ele não fique apenas restrito à norma padrão, mesmo que a escola não admita a existência de variações em seu ambiente ou busque escondê-las, como diz Bagno (2006, p.29): “Nossa escola não reconhece a existência de uma multiplicidade de variedade de português e tenta impor a norma padrão sem procurar saber em que medida ela é na prática uma ‘língua estrangeira’ para muitos alunos se não para todos”. Esse, portanto, é mais um dos desafios que o docente alfabetizador encontra na sua tarefa de ensinar.
Mesmo compreendendo que as variantes linguísticas não podem ser consideradas erros, é papel do professor ensinar a norma culta da linguagem, principalmente na escrita, sem contudo discriminar os falantes de outros dialetos e socioletos. Entendendo que esses problemas podem dificultar o processo ensino/aprendizagem caberá ao docente tornar a adaptação do aluno das classes populares à realidade escolar, começando as aulas com o que já é familiar ao aluno, a oralidade, diminuindo assim a insegurança natural em um ambiente distinto do seu grupo de interação habitual. Aos poucos, a criança se sentirá mais tranquila e confiante para interagir, expor ideias, relatar fatos ocorridos e relacionar seu conhecimento de mundo com o saber escolar. Esse trabalho contribui também na organização do pensamento, na compreensão de que os sons emitidos ao falar podem ser representados por letras, principalmente quando o professor utiliza um relato, uma história contada, uma música, uma poesia... para registrar em um cartaz e ser afixado nas paredes da sala, exemplificando, por meio desse recurso que podemos representar os sons utilizando sinais gráficos.
O trabalho com a linguagem oral auxiliará também para que o professor reconheça as variantes dialetais utilizadas pelos alunos, assim como propiciará ao aluno o contato com a linguagem padrão. Além disso, o professor poderá descobrir também os conhecimentos prévios e o vocabulário que os alunos utilizam com maior frequência. Todo esse material é de grande valia para nortear o professor no planejamento das próximas aulas, pois quanto mais ele conhece os alunos, melhor será a escolha do que deve ser trabalhado para auxiliar os aprendizes na construção do seu conhecimento.
Os primeiros anos de escolarização deveriam ser permeados das mais variadas linguagens: oral, escrita, imagens, linguagem artística etc., para que a criança perceba que a comunicação pode ocorrer de diversas formas. Também seria interessante privilegiar o uso da língua em detrimento do estudo da gramática, estudo que poderá ser feito quando necessário para atender a uma necessidade comunicativa por meio da escrita e/ou da fala, como forma de responder a uma realidade prática e não como um fim em si mesmo. A produção de textos coletivos e posteriormente individual, a leitura de textos inicialmente feitas pelo professor e posteriormente pelos alunos, incentivarão o prazer em desvendar o mundo da leitura e da escrita.
Confunde-se estudar a língua com estudar gramática, e a gramática, tal qual de ordinário se cursa nas escolas, não só não interessa à infância, não só, enquanto aos benefícios que se lhe atribuem, se reduz a uma influência totalmente negativa, senão que onde atua positivamente, é como elemento de antagonismo ao desenvolvimento intelectual do aluno (GERALDI, 1997, p.119).
Pelo exposto acima, apela-se à memória do que Braz José Coelho, linguista, professor e escritor dizia em suas aulas, que nos anos iniciais deveriam ser privilegiadas o usar a língua, oral e escrita, e não o falar sobre a língua, gramática, pois esse estudo só deverá ser feito bem mais tarde, uma vez que todo falante possui internalizada a gramática de sua língua e que se no Brasil ouvir “a menino...” todos os falantes nativos do português saberão que se trata de um estrangeiro. Logo, ao aprenderem a falar aprenderão também a estrutura usual do português: artigo de acordo com gênero feminino ou masculino, adequação ao plural ou singular, mesmo que não utilizem a desinência de número em (menino), nem flexionam o verbo no exemplo: “os menino foi brinca”. No entanto, todo falante compreende o que a criança está dizendo, o que prova a fala de Labov exposta acima de que a linguagem das classes populares é tão bem estruturada quanto a norma culta. Alguns autores falam que a linguagem popular é menos redundante e mais econômica, pois ao flexionar o artigo, subentende-se que são mais de uma criança.
Soares (1986), no livro Linguagem e Escola: uma perspectiva social, discorre sobre a discriminação das crianças das classes populares, trazendo uma importante reflexão sobre as causas do fracasso escolar que podem estar escamoteadas nas seguintes teorias: da ideologia do dom, da deficiência cultural, do déficit, das diferenças, do capital linguístico... esse é um estudo importante para o esclarecimento do quanto as crianças das classes populares são estigmatizadas na sociedade e infelizmente, em alguns casos, também na própria escola.
Surpreendentemente, houve quem tentasse defender, no contexto da ideologia do dom, a ideia de que as diferenças sociais teriam sua origem em diferenças de aptidão, de inteligência: a posição dos indivíduos na hierarquia social estaria determinada por suas características pessoais [...] pertenceriam a essas classes exatamente por serem menos aptos, menos inteligentes (SOARES, 1986, p.12).
Nossa sociedade é capitalista e, com isso, serão considerados como melhores a cultura das classes de maior prestígio social, incluindo a linguagem de tudo que foge à norma desse grupo é considerado como inferior, errado, ou seja, é depreciado. Sendo assim, as diferenças socioculturais com as quais os professores se deparam nas escolas, principalmente nas públicas, torna-se um desafio. No entanto, cabe aos educadores terem consciência desse fato e procurarem tornar o ensino uma importante e eficaz ferramenta para diminuir as desigualdades culturais, abordando conteúdos em linguagem mais acessíveis às classes populares, não o ensino mais fraco, mas procurar explicar de outra forma se perceber que a criança não compreendeu. Há que se levar em consideração ainda, que essa aprendizagem ocorre aos poucos e que cada criança possui um ritmo próprio de adquiri-la. Faz-se necessário, portanto, estimular o prazer de aprender, não discriminar e não permitir que discriminem essa classe já tão sofrida e estigmatizada. Enfim, é preciso procurar tornar a sociedade mais justa e menos desigual, dentro das possibilidades que são de competência da escola.
3. PERSPECTIVAS DE UMA ALFABETIZAÇÃO LETRADA
O processo de aquisição da linguagem escrita inclui fatores como: hipóteses formuladas pelas crianças sobre a relação som/letras, desenvolvimento emocional, interações sociais e a realidade linguística da criança. Quanto mais inteirado desses fatores o professor estiver, mais produtivo será seu trabalho e mais eficiente os conhecimentos adquiridos pelos alunos. Cabe também ao professor estar atento às dificuldades na aprendizagem para intervir de maneira adequada, considerando sempre que os alunos são indivíduos e como tal, cada um possui suas especificidades e formas diversificadas de aprender (FLORENTINO et al., 2017). A realidade sociocultural das crianças que frequentam a escola é um fato relevante para maior eficiência na aquisição da leitura e da escrita, pois crianças que convivem em ambientes que valorizam a linguagem escrita serão positivamente influenciadas por ela. Posto que veem os pais lendo, que eles leiam histórias para elas, que conversem sobre as leituras, que as incentivem a ler, mesmo que seja por meio das imagens, isso tudo as incentivam na aquisição da linguagem.
Ao entrarem em contato com a cultura valorizada pela sociedade e com o desenvolvimento da linguagem mais elaborada, essas crianças que convivem em um ambiente letrado podem ter maior facilidade com os conteúdos escolares. Por outro lado, as crianças que pouco ou nenhum contato tiveram com os diversos textos e seus portadores, não aprendem no ambiente doméstico a fazer reeleituras, interpretações, opinar sobre a leitura podem encontrar dificuldade, não por falta de interesse, capacidade cognitiva, mas por não estarem acostumados com a cultura valorizada e utilizada nesse ambiente.
Essas questões refletem a importância de a criança ser estimulada desde a educação infantil a entrar em contato com os mais variados gêneros textuais, pois essa prática contribui com o processo de alfabetização. Compreende-se, assim, a relevância desse contato e da criança ter como referência adultos leitores, familiares e professores, que as incentivem, que leiam para elas os mais variados gêneros textuais: literários, informativos, lista de compras, um bilhete, receitas culinárias entre outros. Todos eles devem ser explorados, de acordo com a idade, interesse e a função, mesmo que a criança ainda não saiba ler.
As propostas de trabalho que tomam o texto como uma unidade de estudo fundamental começam a surgir a partir da década de 1980. Com a constante contribuição dos estudos da linguística textual, da teoria dos gêneros, da sociolinguística e da análise do discurso, o texto toma uma outra dimensão dentro do ensino de língua portuguesa. A partir de então, o texto passa a ser considerado como a unidade básica de interação, muito graças aos princípios levantados por Bakhtin (2010) sobre o conceito de gêneros textuais como formas estáveis de enunciados que se definem por aspectos relacionados ao conteúdo, à composição estrutural e aos traços característicos de cada um deles. Essa ideia é confirmada por Marcuschi (2008, p.22) que diz: “Todo o uso e funcionamento significativo da linguagem se dá em textos e discursos produzidos e recebidos em situações enunciativas ligadas a domínios discursivos da vida cotidiana e realizados em gêneros que circulam na sociedade”.
Nessa perspectiva, os conhecimentos sobre os gêneros, sobre os textos, sobre a língua, sobre a norma-padrão, sobre as diferentes práticas de linguagens contemporâneas devem ser mobilizados em favor do desenvolvimento das capacidades de leitura, de produção textual e do tratamento das linguagens nos mais diferentes campos das atividades humanas.
Assim, a leitura e a escrita exercem funções sociais diversas e a escolha por um ou outro gênero dependerá do objetivo imediato da leitura. Sobre esse tema Fernandes (2016) apud Florentino et al. (2017, p.38) entende que “o contato com a diversidade de gêneros textuais será através da leitura realizada por um adulto, através da manipulação de materiais impressos e partipação de situações nas quais a prática da leitura e da escrita são necessárias”. Desse modo, fica claro que a mediação de um adulto, pais ou mestres, é imprescindível para que essa leitura guiada seja significativa para o aprendiz e torne o seu processo de alfabetização e de letramento muito mais eficiente e produtivo.
Na atualidade, a maioria das crianças brasileiras, a partir de 4 anos, frequenta as escolas de educação infantil que está dividida em creche e pré-escola (à exceção desses dois últimos anos em que tivemos o evento da pandemia do novo coronavírus, que obrigou a permanência dessas crianças em casa). Muitas delas permanecem em período integral e, conforme os documentos que regem esse período de escolarização, nessa fase é preciso aliar o cuidar com o educar. Os professores que atuam na educação infantil entendem a especificidade dessa fase do ensino e procuram desenvolver um trabalho em que o cuidar, o brincar e o ensino devem caminhar juntos, procurando trabalhar atividades importantes para o desenvolvimento integral do aluno. É preciso aliar exercícios de habilidades motoras, não com exercícios mecânicos, mas com brincadeiras: modelagem com massinha, atividades lúdicas para o desenvolvimento do movimento de pinça e vários outros. O ensino do alfabeto e da formação de palavras, por exemplo, pode ser realizado por meio de jogos e brincadeiras.
Há também o hábito e o prazer de ouvir diversificadas obras literárias, assim como a leitura e a escrita de textos como: cartas, bilhetes, cartazes, e o que estiver interessando as crianças, pois Florentino et al. (2017) chama a atenção para a importância dessa prática como “Um fator essencial para o sucesso na alfabetização e consequentemente da aprendizagem da leitura e escrita da criança”. Nunes (1992) apud Florentino et al. ( 2017, p.32) reforça essa fala de que “atribuir um significado à leitura para algum fim importante tem influência sobre o sucesso das crianças na alfabetização, portanto, torna-se clara a necessidade de que a escola promova esse tipo de atividade durante o processo de alfabetização”, como atividades de leitura que propiciem a compreensão quanto às finalidades da leitura na vida cotidiana.
Do mesmo modo, é importante incentivar o contato das crianças com a diversidade de textos presentes na sociedade, pois a escola, mesmo não sendo a única, ainda é a principal agência do letramento pela qual a criança e todos passam. Essa experiência do letramento se efetua por meio de relato de casos e notícias interessantes ouvidos ou vivenciados cotidianamente, dando espaço para a leitura dos mais variados gêneros textuais: poemas, parlendas, quadrinhas, músicas, são gêneros que exercem um importante papel na promoção da consciência fonológica e na formação de novas palavras.
Esse é um processo que a criança irá percebendo aos poucos, o que favorecerá o aprender a escrever e a ler ao brincar com a linguagem. O conto, por exemplo, desperta o imaginário, propicia a resolução de problemas psicológicos, os medos, o aprender a lidar com os perigos do mundo real, promove o deleite de ouvir e o aprender a gostar de histórias. As leituras vivenciadas contribuem também para o contato com a linguagem normativa, a linguagem literária, em que o aspecto sonoro, chamam atenção das crianças.
Na alfabetização, o nome da história pode servir de exemplo para o aprender a escrever, o recontar, o inventar histórias coletivas, tendo o professor como escriba inicialmente e, posteriormente, as crianças podem ser incentivadas a escrever a história do seu jeito. Outras atividades podem ser propostas, como estimular a ilustração de textos, dar um novo final para a história, questionar as crianças sobre o que elas fariam se estivessem no lugar de determinado personagem, enfim, são muitas as possibilidades que podem fazer parte do cotidiano das crianças com vistas ao aprendizado da língua.
Nesse contexto, as histórias em quadrinhos costumam atrair a curiosidade das crianças, por meio da sequência de cenas em que muitas vezes pode-se inferir o que os personagens estão dizendo, algumas fazem questão de “ler” para os colegas, os balões mostram às crianças que os sons emitidos podem ser escritos. Há muitas histórias em quadrinhos disponíveis, mas as da turma da Mônica possuem dois personagens que permitem trabalhar a questão das diferenças na fala como o Chico Bento, para tratar das variantes linguísticas, e o Cebolinha que troca o fonema /r/ pelo /l/. As características das personagens podem trabalhar outros temas, mas, neste estudo, o tema é a aquisição da linguagem por meio da alfabetização letrada. Outra perspectiva também são as tirinhas, encontradas em vários jornais, ferramentas interessantes que levam a criança a inferir sobre as falas das personagens, assim como conhecer um portador de texto circulante na sociedade.
A escolha sobre uma ou outra atividade, um ou outro gênero textual são questões de escolha do professor que é quem mais conhece a turma e também quem conhece o currículo previsto para a sua turma, portanto, cabe a ele decidir as melhores escolhas.
A literatura infantil também é um importante instrumento de trabalho para o professor, para o aluno é diversão, é querer ouvir de novo, é querer conhecer outras obras do autor, é se encantar. Carvalho (2015, p.88) diz que: “Ouvir histórias é uma experiência agradável e proveitosa, sob diversos pontos de vista. [...] que a leitura lhe dê prazer, que faça pensar, faça sonhar. Essa é a maior riqueza da literatura infantil.”
Ouvir histórias, poemas, músicas é um dos principais incentivos à leitura e deve fazer parte do cotidiano escolar, visto que, por meio desse contato, as crianças vão aos poucos desenvolvendo o hábito de ler. Porém, nem todas gostarão do mesmo gênero textual, embora seja preciso promover a oferta, proporcionar oportunidades de explorar esse mundo textual para que descubram qual ou quais são os seus preferidos. As parlendas e as quadrinhas são composições curtas, fáceis de memorizar e exploram a sonoridade das palavras. Fábulas permitem o trabalho com a linguagem e trazem sempre uma lição de valores, por outro lado, as lendas fazem parte do conhecimento popular e, provavelmente, as crianças conhecem algumas.
Os clássicos contos de fadas, por exemplo, costumam atrair muito as crianças, pois o mundo deles remete à fantasia, ao imaginário, ao devaneio, capacidades que são próprias da infância; muitas delas já devem ter ouvido alguns contos, o que permite que cada uma delas conte a sua narrativa preferida. Bethelheim (1980) assinala uma série de vantagens que os contos de fadas proporcionam às crianças para a construção da sua personalidade. Segundo o psicanalista, para que a criança cresça cognitivamente e amadureça emocionalmente, ela precisa compreender o que está se passando no seu eu inconsciente. Dessa forma, ela é capaz de dominar os problemas psicológicos que fazem parte dessa fase do crescimento, como superar as decepções narcisistas, os dilemas edípicos, as rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar dependências infantis, obter um sentimento de individualidade e autovalorização e um sentimento de obrigação moral. Além disso, a estrutura dessas narrativas sugere às crianças que, apesar de todas as dificuldades pelas quais elas possam passar, é importante não desistir de lutar e de superar as tarefas que lhes são impostas diariamente, dando assim um melhor direcionamento a sua vida.
A literatura feita para a criança torna as aulas interessantes, permite ao aluno o contato com a linguagem escrita tratada com arte, é perceber o mundo através do olhar do outro, é descobrir-se, de repente, personagem principal do livro, em um lugar mágico em que as crianças não crescem, é estar em outro continente como Sherazade, é emocionar-se com A Pequena vendedora de fósforos, Estrela de Joias e/ou O Patinho Feio. Deve-se oferecer às crianças a oportunidade de vivenciar essas e outras histórias, deixá-los se encantar com a narrativa, sentir todas as emoções que elas provocam, abstrair lições, ensinamentos que ficarão no inconsciente para os ajudar durante o período de crescimento.
A leitura de um livro começa na capa, primeiro item que é percebido, o nome do texto, o autor, as palavras, o encadeamento da narrativa, ou a sonoridade da poesia, as ilustrações, a interpretação literal, mas, talvez a mais importante seja a interpretação própria, quando se utiliza experiências de outras leituras e do seu conhecimento de mundo, os sentimentos que a leitura provocou. Aprender a ler e a escrever estimuladas por essas leituras provavelmente as levarão a responder uma das dificuldades que Vigotski (2001) coloca na aprendizagem da apropriação da escrita, de que crianças não compreendem a finalidade da aprendizagem da leitura e da escrita. A prática da leitura e da interpretação lúdica podem atenuar a sensação de incapacidade e frustração que muitas vezes os esforços que a alfabetização e o letramento provocam nas crianças, sentimentos que podem surgir no início de uma atividade até então desconhecida ou que não são relacionadas com as necessidades práticas da vida. Compreende-se que os conhecimentos específicos da alfabetização não ocorrem com a leitura de um ou vários textos feitos pelo professor, mas pode colocar o aluno em contato com as práticas sociais da escrita, quando se trabalha a relação letra/som, a letra inicial, a sílaba, a palavra, o nome do texto, o texto ou vice-versa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de alfabetizar e letrar simultaneamente é um complexo desafio que exige estudos do professor para que o mesmo adquira conhecimentos sobre os diferentes gêneros textuais que irão, efetivamente, auxiliá-lo em tal processo. A escolha de quais gêneros são os mais adequados a cada fase de desenvolvimento do aluno, que textos promovem a aquisição da consciência fonológica, quais são mais apropriados para a introdução de um conceito novo e como podem ser trabalhados para despertar a motivação exige paciência, determinação e conhecimento por parte do docente. É preciso observar aqueles gêneros textuais que são mais utilizadas na vida social do aprendiz e que os leve a refletir sobre o sistema alfabético da escrita.
Não é apenas lendo para as crianças ou deixando-as folhear os livros que elas aprenderão a ler e a escrever, mas sendo um mediador entre o aluno e o conhecimento, ensinando e intervindo sempre que necessário, auxiliando-os nas suas dificuldades. Assim, a alfabetização e o letramento dos pequenos se realizarão por meio de diferentes perspectivas: de leituras, de interpretações e das produções textuais que promoverão a leitura para além das palavras, fazendo com que compreendam as ideias e a sua utilização nos diferentes espaços e momentos sociais. Que eles escrevam inicialmente meia dúzia de palavras ou uma frase ou meia dúzia delas, mas que façam sentido para os alfabetizandos. Espera-se que ao descobrirem a utilidade prática dessa atividade social, que também pode ser diversão e lazer, os alunos tenham a educação que merecem, que consigam prosseguir ao mais alto grau de ensino, se assim o desejarem. Que os desafios encontrados durante o processo da alfabetização e do letramento sejam superados, um a um, para a realização do objetivo desse nível de escolaridade, que é o de atender o direito inalienável de qualquer criança, o de ser alfabetizada nas práticas do letramento. Que nenhuma criança seja desestimulada a prosseguir os estudos por sua suposta inaptidão e que outras tantas não sejam mais números a aumentar o índice dos analfabetos funcionais deste país.
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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto Federal Goiano - Campus Avançado Ipameri, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Formação de Professores e Práticas Educativas, em novembro de 2021.
1 Aluna do Curso de Especialização em Formação de Professores e Práticas Educativas, turma 2019.
2 Doutora em Letras pela UFG e Professora EBTT do Instituto Federal Goiano – Campus Avançado Ipameri.