ABORDAGEM FITOQUÍMICA DE JATROPHA MULTIFIDA L. (EUPHORBIACEAE)

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12525647


Francisco José Mininel1


RESUMO
Jatropha multifida L. é uma angiosperma da família Euphorbiaceae conhecida popularmente por mercúrio ou mertiolate vegetal e possui sinonímia científica de Adenoropium multifidum. Apresenta atividades antisséptica, antifúngica, anti-inflamatória e anticancerígena, principalmente derivadas do ácido gálico presente no látex produzido em suas folhas, frutos e raízes. Vários outros constituintes isolados da planta apresentaram atividade cicatrizante, analgésica, anti-hemorrágica, laxante, antirreumática, anti-hipertensiva e antibacteriana. O objetivo desse trabalho consistiu em realizar a abordagem fitoquímica da espécie vegetal a partir de reações clássicas de identificação de princípios ativos. As análises dos relatos da literatura científica consultada aliadas ao conhecimento popular, permitem inferir que J. multifida detém um grande potencial terapêutico, principalmente quanto a atividade antitumoral.
Palavras-chave: Angiosperma, abordagem fitoquímica, potencial terapêutico.

ABSTRACT
Jatropha multifida L. is an angiosperm from the Euphorbiaceae family popularly known as mercury or vegetable mertiolate and has a scientific synonym of Adenoropium multifidum. It has antiseptic, antifungal, anti-inflammatory and anti-cancer activities, mainly derived from gallic acid present in the latex produced in its leaves, fruits and roots. Several other constituents isolated from the plant showed healing, analgesic, antihemorrhagic, laxative, antirheumatic, antihypertensive and antibacterial activity. The objective of this work was to carry out a phytochemical approach to the plant species based on classical reactions to identify active ingredients. Analyzes of the reports in the scientific literature consulted, combined with popular knowledge, allow us to infer that J. multifida has great therapeutic potential, especially in terms of antitumor activity.
Keywords: Angiosperm, phytochemical approach, therapeutic potential.

1 INTRODUÇÃO

Jatropha multifida L., cujo exsudato da folha tem sido usado na medicina popular para o tratamento de lesões e feridas infectadas. A Jatropha multifida L. pertence à família Euphorbiaceae e é conhecida pelos nomes vulgares de flor-de-coral, coral, coral-dos-jardins, flor-de-sangue. Em Santa Catarina é encontrada apenas como planta cultivada e como planta ornamental (SMITH; DOWNS & KLEIN; 1998). As flores são muito pequenas, de cor vermelho-brilhantes, e agrupadas em cachos; a folha tem de 10 a 20 cm de largura e divididas em segmentos ou lóbulos estreitos, afilados, longos e podem ter as extremidades lisas ou dentadas; os frutos são amarelos e normalmente contêm três sementes. Apresenta seiva abundante leitosa ou incolor e o contato com ela pode causar dermatite ().

Em um estudo realizado com extrato de raiz da Jatropha multifida L. foi demonstrada a inibição de infecções causadas por B. subtilis e S. aureus em concentrações de 200µg/disco (AIYELAAGBE, 2001) e também foram encontradas substâncias imunomoduladoras e tóxicas na composição de seu exsudato e sementes, respectivamente (SAMPLITO; WILLEN & RUDI, 1989).

Segundo moradores do noroeste do estado do Paraná, das cidades de Jesuítas e Bandeirantes, a Jatropha multifida L. tem sido utilizada com a finalidade de cicatrizar feridas, sendo conhecida vulgarmente na região como bálsamo ou merthiolate. A seiva incolor proveniente da folha é aplicada diretamente sobre lesão e em alguns casos é ingerida para tratamento de úlceras gastrointestinais (BARG, 2004).

As plantas constituem uma fonte importante de produtos naturais biologicamente ativos, muitos dos quais se constituem em modelos para a síntese de um grande número de fármacos. Pesquisadores da área de produtos naturais mostram-se impressionados pelo fato desses produtos, encontrados na natureza, revelarem uma gama quase inacreditável de diversidade em termos de estrutura e de propriedades físico-químicas e biológicas. Apesar do aumento de estudos nessa área, os dados disponíveis revelam que apenas de 15 a 17% das plantas foram estudadas quanto ao seu potencial medicinal (SIMÕES, 2004).

O conhecimento sobre plantas medicinais simboliza muitas vezes, o único recurso terapêutico de muitas comunidades e grupos étnicos. De maneira direta e indireta, esse tipo de cultura medicinal desperta o interesse de pesquisadores em estudos multidisciplinares, tais como, botânica, farmacologia e fitoquímica, que enriquecem os conhecimentos sobre a inesgotável fonte medicinal natural (MACIEL et al., 2002).

No contexto histórico a medicina popular contribui com inúmeras descobertas que devem sempre ser respaldadas pelo conhecimento científico, contribuindo para o uso racional de espécies medicinais e a conscientizá-los quanto a sua toxicidade. Através de diferentes métodos, as plantas são transformadas em medicamentos e ao serem utilizadas como tal, deve-se dar atenção a plantas consideradas tóxicas, ou seja, aquelas que podem provocar a morte ou paralisia de um animal, doenças em crianças, náuseas ou perda de memória em adultos ou qualquer outro efeito nocivo e indesejado. Mesmo estas devem ser estudadas, pois podem conter princípios medicamentosos importantes, devendo determinar sua dose efetiva (GONSALVES, 1997, BARG, 2004).

O presente projeto objetiva avaliar as classes de compostos químicos presentes no extrato hidroalcóolico de folhas e frutos da espécie Jatropa multifida L. A pesquisa fitoquímica auxilia no conhecimento dos constituintes químicos de espécies vegetais, e pode indicar os grupos de metabólitos secundários de interesse farmacológico. O conhecimento dos constituintes químicos de diversas partes da planta favorece o seu uso sustentável e contribui para sua preservação. Jatropa multifida L. (Figura 1) é espécie encontrada facilmente em sitos, fazendas e jardins sendo utilizada para ornamentação, porém apresenta alto potencial tóxico, inclusive com vários relatos de intoxicação de animais e casos de alergias em humanos (LORENZI & MATOS, 2008).

Figura 1. Jatropha multifida L. Aspecto geral da planta e dos frutos.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

Jatropha multifida L. é conhecida popularmente por mercúrio ou mertiolate vegetal, flor-de-coral, pinhão-manso ou flor-de-sangue. É uma angiosperma pertencente à família Euphorbiaceae que possui sinonímia científica Adenoropium multifidum (SHU et al., 2008).

Foram realizados vários estudos os quais indicaram que Jatropha multifida L. possui atividade antisséptica, antifúngica, anticancerígena, antinflamatória, principalmente derivada do ácido gálico presente no látex produzido. As folhas, frutos e raízes podem ser utilizadas como cicatrizante, analgésico, anti-hemorrágico, laxante, antirreumático e anti-hipertensivo e antibacteriano (LORENZI & MATOS, 2008).

Estudos indicaram que é composta por variedade de compostos químicos, tais como, alcaloides, peptídeos, terpenóides, diterpenos, glicosídeos e toxalbuminas (DAS et al., 2009).

Foi identificado, também, um glicosídeo cianogênico em seu látex, a multifidina, que é um diterpenóide caracterizado por um anel fenólico e uma longa cadeia lateral, derivado da isoleucina (BERG et al., 1995).

Uma série de testes utilizando os extratos em acetato de etila, clorofórmio e metanol das raízes da planta apresentaram atividade antibacteriana frente a Bacillus subtilis e Staphylococcus aureus (AIYELAAGBE, 2006).

Estudos com o extrato metanólico das folhas indicaram a existência de três biflavonas di-C-glicosídicas. Em relação a esse extrato, observou-se que apresentou efeito antinflamatório e analgésico significativo em comparação com a indometacina, além de ser constatado efeito hipotensor (MOHARRAM et al., 2007).

Foram isoladas lectinas, que são proteínas que se ligam a carboidratos seletiva e reversivelmente e estão presentes desde os microrganismos até os animais e vegetais. Nas últimas décadas, lectinas têm recebido notoriedade no âmbito biotecnológico em função de suas potenciais propriedades biológicas, incluindo atividades antitumoral, anti-inflamatória, imunomoduladora, inseticida, antifúngica, antibacteriana, antiviral (PROCÓPIO et al., 2017).

Foi verificado que o triterpeno lupenona, presente em Jatropha multifida L. possui ação antifúngica frente às cepas de C. tropicalis, resistentes ao fluconazol, com possível mecanismo de ação na parede celular e ergosterol da membrana, além disso, foi observada a presença de uma possível catequina, com ação antifúngica à mesma cepa de C. tropicalis e também para Candida grablata (OLIVEIRA-TAVARES et al., 2019).

Verificou-se que a presença de lupeol no extrato hexânico está relacionado ao provável potencial cicatrizante da espécie vegetal. Isso pode estar relacionado com a presença de uma hidroxila no carbono 3 de seu esqueleto lupânico. Quando a capacidade cicatrizante de lupeol é avaliada frente a outros triterpenos lupânicos, como lupenona e acetato de lupeol, é visto que lupeol possui maior capacidade de promover a cicatrização (BOPAGE, et al., 2016).

Entretanto, poucos estudos falam sobre a segurança e eficácia dessa espécie para a população, além disso, faltam ainda estudos sobre os diferentes constituintes químicos e a toxidez de Jatropha multifida L. no processo de cicatrização de feridas, principalmente o extrato hidroalcóolico (IBRAHIM, 2007).

3 METODOLOGIA

Foram utilizadas as seguintes substâncias químicas e reagentes: Metanol grau HPLC (MeOH) adquirido de J.T. Baker (Baker-Mallinckrodt, Phillipsburg, NJ, EUA). Água de grau HPLC (18 MΩ.cm) foi obtida utilizando um sistema de purificação Milli-Q (Millipore Co., Bedford, MA, EUA). Cartuchos Sep-Pak RP18 (500 mg.mL-1) para a extração em fase sólida (SPE) foram adquiridos de Phenomenex Co. (Torrance, CA, EUA). Foi utilizado DMSO-d6 (Sigma Aldrich).

Utilizou-se um cromatógrafo líquido de alta eficiência (gradiente binário) modelo PU-2089 (Jasco®), acoplado a um detector de arranjo de fotodiodos, modelo MD-2010 (Jasco®) e a um injetor automático modelo AS-2055 (Jasco®). Para purificar as substâncias utilizou-se um HPLC Jasco® equipado com 2 bombas modelo PU-2086, mixer de alta pressão modelo MX-2080-32, detector PDA modelo MD-2018Plus e injetor manual Rheodyne com loop de 500 uL. O software utilizado para operação do equipamento e tratamento de dados foi o ChromNAV versão 1.18.03.

As folhas de Jatropha multifida L. foram coletadas na cidade de Fernandópolis-SP no Campus da Universidade Brasil, em dezembro de 2023 e foram identificadas pelo botânico Ângelo Donizete Simonato e depositadas no Herbário da Universidade Brasil (UB).

Em relação ao processo de extração, as folhas secas e pulverizadas (524,6 g) de Jatropha multifida L. foram extraídas por percolação à temperatura ambiente com uma mistura de EtOH: H2O (7: 3, v/v). Os solventes foram evaporados a pressão ambiente até completa eliminação de umidade para dar 33,1 g do extrato bruto hidroalcoólico (8,7%).

O extrato hidroalcóolico (7: 3 v/v) foi particionado da seguinte forma: um total de 14 g do extrato hidroalcoólico (7: 3, v/v) foi dissolvido em 500 ml de metanol-água (8: 2, v/v) e particionado sucessivamente com hexano (500 mL) e acetato de etila (500 ml), obtendo-se 0,68 g (4,8%) (fração hexânica), 1,93 g (13,78%) (fração acetato de etila) e 10 g (72,5%) fração hidrometanólica (8: 2 v/v).

Os testes fitoquímicos (reações clássicas de identificação de princípios ativos) foram feitos a partir da análise das frações hexânica, fração acetato de etila e fração hidrometanólica (SIMÕES et al, 2004), (MATOS & MATOS, 1985).

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

A análise do cromatograma por CLAE-DAD da fração isolada por MPLC (fração hexânica), denominada (MPLC-1), apresentou pico com tr 30,99 minutos, conforme indicado na Figura 2. O espectro no UV desta substância apresentou máximos de absorção com λmax 250, 306 e 368 nm, sugerindo que esta substância poderia ser um possível derivado do ácido elágico.

Figura 2. Cromatograma por CLAE-DAD da fração MPLC-1 e respectivo UV. Coluna analítica Phenomenex® de C-18 (250 x 4,6 mm, 4µm e pré-coluna (4x3 mm, 5 µm), modelo Synergi Hydro®. Gradiente de 5-50% MeOH em 40 min. e isocrático de 50% MeOH por 20 min. Volume injetado 20 µL. Tempo total: 60 min., 270 nm.

A fração acetato de etila proveniente do extrato hidroalcoólico (7:3, v/v) foi analisada a fim de se detectar a presença de ácido (Figura 3). A análise dos espectros de UV dos picos em tr 8,72 min e do em tr 19,22 minutos, apresenta espectro de UV característicos dos ácidos gálico. O pico 1, apresentou espectro de UV com absorções máximas em (λ max 271 nm), indicando a presença do ácido gálico.