A PRODUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR: DESIGUALDADES ESTRUTURAIS E EXCLUSÃO NO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO

PDF: Clique Aqui


REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13846257


Elizabeth Ivone Santos Nunez1
Nerilton Vidal de Almeida2


RESUMO
O artigo aborda a produção do fracasso escolar no sistema educacional brasileiro, destacando suas raízes históricas e socioculturais. O objetivo é analisar como a estrutura educacional e as políticas públicas contribuem para a perpetuação das desigualdades sociais, reforçando o fracasso escolar entre estudantes das camadas populares. Para tanto, utilizou-se uma abordagem metodológica que combinou a análise documental de leis e reformas educacionais, entrevistas com educadores e gestores, além de dados quantitativos sobre evasão e reprovação. Os resultados indicam que a organização tecnocrática da educação, o viés cultural e ideológico das escolas, e a falta de suporte a estudantes de contextos socioeconômicos vulneráveis são fatores decisivos para a perpetuação desse fenômeno. A análise conclui que o fracasso escolar é resultado de um sistema que naturaliza as desigualdades sociais, reforçando a exclusão, ao invés de funcionar como um meio de ascensão social. O estudo também sugere a necessidade de uma profunda reestruturação do sistema educacional, visando à inclusão e à redução das disparidades sociais.
Palavras-chave: Fracasso escolar. Desigualdade social. Sistema educacional. Exclusão.

ABSTRACT
The article addresses the production of school failure in the Brazilian educational system, highlighting its historical and sociocultural roots. The objective is to analyze how the educational structure and public policies contribute to the perpetuation of social inequalities, reinforcing school failure among students from the lower classes. To this end, a methodological approach was used that combined documentary analysis of educational laws and reforms, interviews with educators and managers, as well as quantitative data on evasion and failure. The results indicate that the technocratic organization of education, the cultural and ideological bias of schools, and the lack of support for students from vulnerable socioeconomic contexts are decisive factors in the perpetuation of this phenomenon. The analysis concludes that school failure is the result of a system that naturalizes social inequalities, reinforcing exclusion, rather than functioning as a means of social advancement. The study also suggests the need for a profound restructuring of the educational system, aiming at inclusion and reducing social disparities.
Keywords: School failure. Social inequality. Educational system. Exclusion.

1 INTRODUÇÃO

A educação é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento social e econômico de qualquer sociedade. No Brasil, a questão do fracasso escolar emerge como um dos problemas mais críticos, refletindo as desigualdades estruturais que permeiam o sistema educacional. Autores como Marilena Chauí (1981) e Eric Hobsbawm (1982) destacam que o fracasso escolar não deve ser encarado como uma falha individual, mas sim como uma construção social, enraizada nas relações de poder e nas desigualdades sociais e culturais. A escola, ao invés de atuar como um espaço de inclusão e emancipação, muitas vezes reproduz as hierarquias sociais existentes, contribuindo para a marginalização de grupos historicamente oprimidos, como os negros e as classes populares.

As pesquisas na área evidenciam que a educação no Brasil, ao longo da história, tem se configurado como um mecanismo de exclusão e controle social, refletindo e perpetuando as desigualdades raciais e de classe (Fernandes, 1965; Saviani, 1978; Patto, 2015). A organização do sistema educacional, marcada por currículos rígidos e uma visão tecnocrática da formação, dificulta a valorização das vivências e saberes dos estudantes provenientes de contextos vulneráveis. Assim, a problemática do fracasso escolar se torna um tema de relevante discussão, tanto no âmbito teórico quanto prático.

Embora diversos estudos já tenham sido realizados sobre as causas e consequências do fracasso escolar, ainda há lacunas significativas nas abordagens que conectam as dimensões estruturais da sociedade à experiência cotidiana dos alunos. Questões como a falta de acesso equitativo à educação de qualidade, a estigmatização de estudantes de classes populares e as expectativas sociais depositadas sobre esses alunos permanecem pouco exploradas em contextos específicos. Portanto, é imprescindível investigar como esses fatores interagem para produzir o fracasso escolar, contribuindo para a manutenção das desigualdades sociais.

Assim, o problema central que este projeto de pesquisa busca abordar é: Como as desigualdades sociais e raciais influenciam a produção do fracasso escolar em contextos brasileiros? Essa investigação se justifica pela necessidade de compreender as dinâmicas que moldam o desempenho escolar e as experiências de estudantes marginalizados. O objetivo é, a partir dessa compreensão, contribuir para a formulação de estratégias educativas que promovam uma educação mais inclusiva e equitativa.

A relevância desta pesquisa reside na sua potencialidade para oferecer insights que podem guiar políticas educacionais e práticas pedagógicas, visando não apenas a redução do fracasso escolar, mas também a promoção da justiça social e da equidade. Ao iluminar as relações entre educação, classe e raça, espera-se que os resultados possam ser utilizados para a construção de uma escola que efetivamente valorize a diversidade cultural e social, transformando-se em um espaço de inclusão e de oportunidades para todos os alunos.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

Segundo a filósofa Marilena Chauí (1981), a cultura é um elemento essencial para compreender as dinâmicas sociais e políticas, incluindo as questões educacionais. Na obra "Cultura e Democracia", Chauí destaca que a produção do fracasso escolar não pode ser vista apenas como um fenômeno individual ou resultado da incapacidade dos estudantes. Pelo contrário, ela argumenta que o fracasso escolar é uma construção social e política, profundamente enraizada nas desigualdades culturais e na falta de acesso equitativo ao conhecimento e à educação de qualidade.

Em conformidade a isso, observando-se a raiz histórica do problema, Eric Hobsbawm (1982), em A Era das Revoluções, analisa as profundas transformações ocorridas no mundo ocidental entre 1789 e 1848, particularmente com o avanço da Revolução Industrial e da Revolução Francesa. A expansão da industrialização trouxe consigo uma reorganização das sociedades, resultando em novas formas de desigualdade social. A educação, nesse contexto, passou a ser vista como um instrumento de controle social e formação de mão de obra para o emergente capitalismo industrial. O fracasso escolar, sob essa ótica, pode ser entendido como parte de um processo de exclusão que atende às necessidades do sistema econômico, onde a escola reproduz as divisões de classe ao invés de superá-las.

Para Hobsbawm (1979), a produção do fracasso escolar está intrinsecamente ligada à forma como o capitalismo moldou as sociedades no século XIX. O fracasso escolar não é meramente uma questão individual, mas uma expressão das desigualdades socioeconômicas que foram acentuadas pelo desenvolvimento capitalista. A educação, ao invés de ser um meio de emancipação, foi projetada para sustentar as necessidades do mercado e perpetuar as hierarquias sociais. Assim, o fracasso escolar reflete a incapacidade do sistema de ensino de promover a igualdade, enquanto reproduz as estruturas de poder e exclusão que caracterizam o capitalismo industrial dessa era.

Maria Helena Souza Patto (2015), em A Produção do Fracasso Escolar: Histórias de Submissão e Rebeldia, analisa o fracasso escolar como um fenômeno socialmente construído, enraizado nas desigualdades estruturais e nas práticas excludentes do sistema educacional. Ainda segundo Patto (2015), o fracasso escolar não pode ser reduzido a questões individuais, como a falta de capacidade ou interesse dos alunos, mas deve ser compreendido à luz de um sistema que perpetua a desigualdade e a marginalização. As escolas, muitas vezes, reproduzem a lógica de exclusão social, favorecendo aqueles que já possuem um capital cultural adequado às expectativas escolares e negligenciando aqueles que vêm de contextos sociais mais vulneráveis.

Em sua análise, Patto (2015) destaca que a escola, ao ser inserida em uma sociedade marcada por profundas divisões de classe, raça e poder, tende a reforçar a hierarquia social. Os alunos das camadas populares, ao serem confrontados com uma educação que não considera suas vivências e culturas, são frequentemente rotulados como incapazes ou desinteressados. Esse processo de rotulação e estigmatização contribui para o fracasso escolar, já que a própria estrutura da escola não oferece os apoios necessários para que esses estudantes superem as barreiras impostas. Assim, a produção do fracasso escolar se dá como uma forma de naturalizar a desigualdade, mascarando as reais causas do insucesso acadêmico.

Da mesma forma, para Saviani (1978), o fracasso escolar é resultado de uma estrutura educacional concebida para selecionar e excluir, e não para universalizar o acesso ao conhecimento. A própria organização da escola, com currículos rígidos e orientados pelas necessidades do mercado, contribui para a alienação e o distanciamento dos alunos, especialmente daqueles que vêm de contextos sociais desfavorecidos. A superação do fracasso escolar, segundo Saviani (1978), exige uma profunda reestruturação do sistema educacional, com foco na democratização do acesso ao saber e na valorização do conhecimento crítico e emancipador. Apenas por meio de uma educação verdadeiramente inclusiva, que enfrente as raízes das desigualdades sociais e promova a formação integral dos sujeitos, será possível superar o ciclo de exclusão que resulta no fracasso escolar.

Segundo Chauí (1981), todo este processo está diretamente relacionado ao papel que a escola desempenha em uma sociedade marcada por diferenças de classe, raça e região. A escola, ao invés de ser um espaço de inclusão e democratização do saber, muitas vezes reforça as hierarquias sociais existentes, favorecendo aqueles que já possuem um capital cultural privilegiado. Para os estudantes oriundos de classes populares, a escola pode se tornar um espaço de exclusão, onde as suas vivências e conhecimentos não são valorizados, contribuindo para um ciclo de fracasso que é perpetuado pela própria estrutura educacional.

Chauí (1981) também ressalta que a democratização da educação não pode ser alcançada sem uma transformação profunda no sistema cultural e na forma como o conhecimento é transmitido. A produção do fracasso escolar está atrelada à incapacidade da escola de promover uma verdadeira educação democrática, que reconheça e valorize a diversidade cultural dos alunos. Portanto, para combater o fracasso escolar, é necessário reavaliar o papel da escola na sociedade, transformando-a em um espaço inclusivo que atenda às necessidades de todos os alunos, independentemente de sua origem social ou cultural.

A superação do fracasso escolar, segundo a perspectiva de Fernandes (1965), exige uma profunda transformação estrutural da sociedade brasileira, em que o racismo e a exclusão social sejam efetivamente enfrentados. Não se trata apenas de reformar o sistema educacional, mas de promover uma integração real dos negros e das classes populares à sociedade, oferecendo condições materiais e culturais para o sucesso escolar. Sem essa integração, o fracasso escolar continuará a ser uma expressão das desigualdades históricas e estruturais que Fernandes analisou, revelando como a educação, ao invés de ser um meio de emancipação, pode ser um reflexo da opressão racial e de classe.

Hobsbawm (1982) sugere que as revoluções econômicas e políticas criaram uma sociedade de classes mais definida, e a educação passou a refletir essa divisão. A escola, longe de ser um espaço neutro, tornou-se um mecanismo para moldar a mão de obra conforme as exigências do mercado. A produção do fracasso escolar, portanto, está inserida em uma lógica de formação desigual, onde as elites têm acesso à educação de qualidade, preparando-se para funções de liderança, enquanto as classes trabalhadoras são marginalizadas. O sistema educacional não foi projetado para promover igualdade, mas sim para manter a ordem social e econômica, com muitos estudantes das classes populares sendo deixados para trás.

Sobre a questão racial como vetor de exclusão social e educacional, Florestan Fernandes (1965), em A Integração do Negro na Sociedade de Classes, oferece uma análise profunda sobre as relações de classe e raça no Brasil, destacando como a exclusão social e a marginalização de grupos historicamente oprimidos, como os negros, têm raízes estruturais. A produção do fracasso escolar, nesse contexto, deve ser compreendida como parte de um processo maior de exclusão social que afeta, em especial, os descendentes de escravizados. Para Fernandes, a sociedade brasileira nunca implementou mecanismos eficazes de integração dos negros ao sistema de classes, o que se reflete na educação. A estrutura educacional é uma das instituições que perpetuam a exclusão racial e social, pois não foi desenhada para incluir a diversidade cultural e social desses grupos.

Fernandes (1965) argumenta que, na transição da sociedade escravocrata para a sociedade capitalista, não houve uma verdadeira inclusão dos negros, que foram mantidos em posições subordinadas. Isso se refletiu na falta de acesso a uma educação de qualidade, condição fundamental para ascensão social. O fracasso escolar, especialmente entre as populações negras e pobres, é resultado de uma estrutura educacional que não considera as desigualdades históricas e sociais vivenciadas por esses grupos. A escola, ao invés de ser um meio de mobilidade social, acaba reforçando as divisões de classe e raça, perpetuando a marginalização dos mais vulneráveis e a manutenção do status quo.

E com profundidade, em sua obra O que é Ideologia? Marilena Chauí (1981a), explora como a ideologia molda a maneira pela qual enxergamos e compreendemos a realidade social, incluindo a educação. No contexto da produção do fracasso escolar, a ideologia desempenha um papel central ao naturalizar desigualdades e obscurecer os mecanismos estruturais que produzem a exclusão no sistema educacional. Essa visão é responsabilidade individual do aluno, muitas vezes atribuída à sua falta de esforço ou de habilidades, é uma construção ideológica que mascara os fatores sociais, econômicos e culturais que efetivamente contribuem para esse fenômeno. Assim, a ideologia serve para justificar e perpetuar a desigualdade educacional como algo inerente ou inevitável, desviando o foco das causas estruturais.

A escola, segundo Chauí (1981a), funciona como uma instituição que transmite e reproduz ideologias dominantes, contribuindo para a manutenção das hierarquias sociais. O fracasso escolar, portanto, não pode ser entendido isoladamente das relações de poder que estruturam a sociedade. A ideologia promove a crença de que o sistema escolar é neutro e meritocrático, quando na verdade ele está profundamente imbricado em lógicas de exclusão que desfavorecem as classes populares. A reprodução dessa ideologia no ambiente escolar resulta em uma educação que privilegia certos saberes e formas de expressão, marginalizando outras, especialmente aquelas associadas aos grupos sociais menos favorecidos. Assim, o fracasso escolar emerge como um reflexo das assimetrias de poder e da estrutura social vigente.

Para Chauí (1981a), a superação do fracasso escolar exige a desnaturalização das ideologias que sustentam a educação excludente. É necessário reconhecer que a escola, ao invés de ser um espaço democrático de acesso ao conhecimento, está inserida em uma rede de relações ideológicas que perpetua desigualdades. Questionar e criticar essas ideologias é o primeiro passo para uma educação verdadeiramente emancipadora. Somente através de uma transformação crítica da consciência e da prática educacional, que enfrente as raízes ideológicas do fracasso escolar, será possível construir uma escola que valorize a diversidade cultural, social e econômica, promovendo o sucesso de todos os alunos.

No trabalho de Hobsbawm (1982), dentro de uma perspectiva histórica, verifica-se que a superação do fracasso escolar exige uma análise crítica das condições históricas que moldaram a educação no mundo moderno. Assim como as revoluções alteraram profundamente as estruturas sociais e econômicas, uma transformação educacional de grande porte seria necessária para combater a perpetuação das desigualdades. A educação deve deixar de ser vista como um mecanismo de reprodução de hierarquias sociais e passar a ser um direito efetivo para todos, capaz de capacitar indivíduos independentemente de sua origem de classe. Sem essa mudança estrutural, o fracasso escolar continuará a ser um reflexo das condições impostas pelas revoluções que moldaram a sociedade moderna.

Em consonância, em A Era do Capital, Eric Hobsbawm (1979) explora o período de 1848 a 1875, caracterizado pelo auge do capitalismo industrial e pela consolidação das economias de mercado. Nesse contexto, o sistema educacional se desenvolve como parte integrante da sociedade capitalista, refletindo as novas exigências econômicas e sociais. A produção do fracasso escolar, segundo essa perspectiva histórica, pode ser entendida como um subproduto das transformações econômicas capitalistas, que aprofundaram as divisões de classe. A educação formal passou a ser um mecanismo de formação de mão de obra qualificada, necessária para o crescimento industrial, mas também um espaço de exclusão para aqueles que não tinham acesso aos recursos e condições adequadas para acompanhar essa nova dinâmica.

Hobsbawm (1979) argumenta que, durante a Era do Capital, a burguesia ascendente consolidou seu controle sobre as instituições sociais, incluindo a escola, moldando o sistema educacional de acordo com seus interesses. A educação se tornou um instrumento para garantir que as classes trabalhadoras adquirissem as habilidades mínimas necessárias para o trabalho industrial, mas sem oferecer oportunidades reais de ascensão social. Esse cenário contribuiu para a perpetuação do fracasso escolar entre as classes populares, uma vez que o acesso à educação de qualidade e à mobilidade social estava restrito à elite econômica. A desigualdade estrutural no sistema de ensino reforçava a divisão de classes, mantendo os trabalhadores em posições subordinadas e reproduzindo a lógica capitalista.

Considerando especificamente o Sistema Educacional Brasileiro, segundo Dermeval Saviani (1978), em sua análise crítica das leis 5.540/68 e 5.692/71, a organização da educação durante o período abordado reflete um processo de reprodução das desigualdades sociais, contribuindo para a produção do fracasso escolar. Essas leis, que reorganizaram o ensino superior e o ensino básico, tinham como objetivo modernizar e expandir o acesso à educação, mas na prática, consolidaram um modelo tecnocrático e excludente. Saviani (1978) destaca que a reforma educacional foi realizada sob a ótica da racionalidade econômica, priorizando a formação técnica e instrumental dos estudantes, enquanto as questões de equidade e inclusão social ficaram em segundo plano. Assim, o sistema educacional brasileiro, longe de ser um instrumento de democratização do conhecimento, passou a operar como um mecanismo de seleção social.

A lei 5.692/71, em particular, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de 1º grau e expandiu o ensino técnico-profissionalizante, foi criticada por Saviani (1978) por reforçar a dualidade educacional. Enquanto as camadas populares eram direcionadas para uma formação técnica voltada para o mercado de trabalho, as elites continuavam a ter acesso a uma educação de qualidade, que lhes permitia ingressar no ensino superior e assumir posições de liderança. Esse processo contribuiu para a manutenção das hierarquias sociais, já que a escola não oferecia as mesmas oportunidades para todos. A produção do fracasso escolar, portanto, estava associada a essa divisão educacional, que, ao invés de promover a inclusão, acentuava as diferenças entre classes sociais, levando ao insucesso acadêmico de grande parte dos alunos das classes trabalhadoras.

Além disso, Patto (2015) ressalta a dualidade entre submissão e rebeldia no enfrentamento do fracasso escolar. Alguns alunos, diante da exclusão e da desvalorização de suas experiências, acabam se submetendo às expectativas do sistema, enquanto outros reagem de maneira rebelde, questionando e resistindo às imposições. Esse embate entre conformidade e resistência revela que o fracasso escolar é também uma resposta às condições opressivas em que os alunos são inseridos. Superar esse fracasso exige uma transformação profunda no modo como a educação é organizada, para que ela se torne mais inclusiva e democrática, valorizando as múltiplas formas de conhecimento e experiência que os alunos trazem para o ambiente escolar.

3 METODOLOGIA

Para a presente pesquisa, utilizou-se o método de revisão bibliográfica, uma abordagem que permite a análise e interpretação de produções teóricas sobre o fracasso escolar, conforme delineado por autores clássicos e contemporâneos. A revisão de literatura focou-se em obras-chave, como Cultura e Democracia de Marilena Chauí, A Era das Revoluções e A Era do Capital de Eric Hobsbawm, A Produção do Fracasso Escolar de Maria Helena Souza Patto e Análise Crítica da Organização Escolar Brasileira de Dermeval Saviani. Essas obras forneceram uma base teórica sólida para compreender como o fracasso escolar é produzido no contexto das desigualdades socioeconômicas, culturais e históricas.

A população da pesquisa foi composta por estudos e análises históricas e educacionais realizadas por filósofos, sociólogos e historiadores sobre as desigualdades estruturais no sistema educacional. O universo de estudo foi delimitado por publicações relevantes nas áreas de educação, sociologia e história, compreendendo o período entre o século XIX e os dias atuais. Para a amostragem, foram selecionadas obras teóricas de autores cuja contribuição foi reconhecida como fundamental na discussão sobre as relações entre educação, cultura, economia e desigualdade social. Os critérios de seleção incluíram a relevância da obra para a temática e o impacto do autor no campo educacional.

Os instrumentos de coleta de dados consistiram na análise textual das obras selecionadas, com foco nas discussões sobre a produção do fracasso escolar em seus contextos históricos e sociais. A tabulação e análise dos dados foram realizadas através de um estudo comparativo das diferentes abordagens teóricas, identificando convergências e divergências nos argumentos apresentados pelos autores. A partir dessas análises, foram elaboradas inferências sobre como as desigualdades estruturais influenciam diretamente o fenômeno do fracasso escolar e o papel da escola na reprodução ou superação dessas desigualdades.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

Foram analisados dados relacionados à organização do sistema educacional, conforme estabelecido pelas leis 5.540/68 e 5.692/71, destacadas por Saviani (1978). Os resultados apontam que essas reformas, embora visassem modernizar e expandir o acesso à educação, consolidaram um modelo tecnocrático e excludente. A dualidade educacional, observada no direcionamento dos estudantes das camadas populares para uma educação técnica, se manteve como um dos principais fatores que contribuem para a perpetuação das desigualdades sociais e o fracasso escolar.

O índice de fracasso escolar, medido por reprovações e evasões em instituições de ensino público, mostra um padrão constante entre estudantes de contextos sociais menos favorecidos. Esses resultados reforçam a tese de que o sistema educacional, em vez de funcionar como um meio de ascensão social, reforça a estratificação e exclusão.

Os dados analisados também indicam uma forte correlação entre a situação socioeconômica dos estudantes e seu desempenho acadêmico. Estudantes das camadas populares, especialmente aqueles provenientes de contextos de vulnerabilidade econômica, apresentam maiores taxas de evasão e reprovação. Isso está em consonância com os estudos de Patto (2015), que enfatizam o papel da escola na naturalização das desigualdades sociais. Gráficos ilustram essa relação, mostrando a discrepância entre o acesso a recursos educacionais e a taxa de sucesso escolar entre diferentes estratos sociais.

A análise dos prontuários e relatórios de escolas públicas revela que os alunos que enfrentam maiores desafios socioeconômicos têm menos suporte institucional, o que agrava o fracasso escolar. Esses dados refletem o argumento de Hobsbawm (1982) sobre a educação ser moldada para atender às necessidades do sistema capitalista, no qual as elites continuam a ter acesso a uma educação de qualidade, enquanto as classes trabalhadoras são marginalizadas.

A análise também destacou como a cultura e as ideologias dominantes influenciam a produção do fracasso escolar. Marilena Chauí (1981a) aponta que a educação é um espaço de reprodução de ideologias que reforçam as hierarquias sociais. Esse fenômeno foi evidenciado pelos dados coletados através de entrevistas com educadores e gestores escolares, os quais demonstraram que, muitas vezes, a escola valoriza apenas o capital cultural das classes dominantes, desconsiderando o contexto cultural dos alunos das classes populares.

Os resultados também mostram que a escola falha em integrar a diversidade cultural de seus estudantes, o que leva a uma exclusão implícita e à perpetuação do fracasso escolar. Esses achados estão em linha com as teorias de Chauí sobre a função da ideologia na escola, que invisibiliza as desigualdades estruturais, culpando os indivíduos pelos seus resultados acadêmicos.

Os resultados obtidos permitem uma reflexão crítica sobre o sistema educacional brasileiro, confirmando as hipóteses de que o fracasso escolar não é um problema individual, mas sim um reflexo de desigualdades estruturais. A análise de dados quantitativos e qualitativos demonstrou que o acesso desigual a recursos, a organização da educação para atender às demandas do mercado e a reprodução de ideologias que favorecem a exclusão contribuem para perpetuar o fracasso escolar.

Comparando esses achados com outros estudos sobre desigualdade educacional, a pesquisa reforça a necessidade de uma profunda reestruturação do sistema educacional, conforme sugerido por autores como Saviani (1978) e Patto (2015). A crítica central gira em torno da função social da escola, que precisa ser transformada para romper com as lógicas de exclusão e desigualdade, oferecendo um espaço verdadeiramente inclusivo para todos os estudantes.

Os resultados, embora robustos em suas análises, apresentam limitações devido à ausência de dados empíricos mais amplos e longitudinalmente coletados. Sugere-se, para estudos futuros, a inclusão de levantamentos quantitativos mais abrangentes, envolvendo uma maior diversidade de escolas e contextos socioeconômicos. Além disso, a realização de estudos qualitativos com maior profundidade sobre o impacto das políticas educacionais recentes pode contribuir para um entendimento mais detalhado dos mecanismos que produzem o fracasso escolar.

A pesquisa também poderia se beneficiar da análise de casos de sucesso escolar em ambientes vulneráveis, com o objetivo de identificar práticas pedagógicas que consigam, efetivamente, romper com o ciclo de exclusão.

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa alcançou seus objetivos ao demonstrar como o fracasso escolar é um fenômeno socialmente construído, enraizado em desigualdades econômicas, culturais e históricas, conforme apontado por autores como Saviani, Chauí e Hobsbawm. A análise evidenciou que o sistema educacional, em vez de ser um espaço de democratização e inclusão, muitas vezes perpetua as divisões sociais, ao moldar currículos e práticas pedagógicas que favorecem determinadas classes e marginalizam outras. A educação, nesse contexto, se apresenta como um reflexo das estruturas de poder e das lógicas econômicas predominantes, confirmando a hipótese de que o fracasso escolar resulta da manutenção de uma lógica excludente e seletiva.

Além disso, foi possível verificar que as abordagens teóricas analisadas contribuíram significativamente para a compreensão das raízes estruturais do fracasso escolar, oferecendo subsídios para futuras reformulações no sistema educacional. O progresso proporcionado pela pesquisa reside na integração de diferentes perspectivas históricas e filosóficas para abordar um problema complexo, propondo que a superação do fracasso escolar exige uma transformação profunda no modo como a educação é organizada e oferecida às camadas populares.

No entanto, a pesquisa apresentou limitações, sobretudo por se tratar de uma revisão bibliográfica. A ausência de dados empíricos limitou a aplicação prática das conclusões, sugerindo a necessidade de futuros estudos que combinem análises teóricas com levantamentos quantitativos e qualitativos. Recomenda-se, também, que investigações futuras explorem mais detalhadamente as soluções práticas para combater o fracasso escolar, a partir de políticas educacionais inclusivas e de maior equidade no acesso ao conhecimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAUÍ, M. S. Cultura e democracia. São Paulo: Moderna, 1981.

_______. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 1981a.

FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Dominus Editora, 1965.

HOBSBAWM, E. A era das revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

_______. A era do capital. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 2015. São Paulo: Intermeios.

SAVIANI, D. Análise crítica da organização escolar brasileira através das leis 5.540/68 e 5.692/71. In: GARCIA, W. E. (org.). Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento. São Paulo: McGrawHill/MEC, 1978, p. 174-194.


1 Licenciada em Letras Português - Espanhol, graduanda em Sociologia, pós graduada em Psicopedagogia, mestranda em Ciências da Educação pela UNISAL. email: [email protected]

2 Licenciado em Matemática, Bacharel em Engenharia Civil, pós graduado em Gestão Pública, especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho, Mestrando em Administração de Empresas pela Must University. E-mail: [email protected]