A PARTICIPAÇÃO DOS PROFESSORES NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE DESAFIOS E POTENCIALIDADES DA FORMAÇÃO CONTINUADA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17773846
Rosemeire Pereira Torres da Silva1
RESUMO
Diante das exigências contemporâneas por práticas educacionais mais democráticas e colaborativas, torna-se fundamental analisar como os professores contribuem para a construção da gestão democrática na escola. Assim, o objetivo foi analisar como a participação dos professores contribui para a consolidação da gestão democrática na escola, evidenciando os desafios e as potencialidades relacionadas à formação continuada docente. Metodologicamente, este estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa, com o intuito de reunir, analisar e discutir contribuições teóricas sobre o tema. Os resultados evidenciam que a participação docente é fundamental para o fortalecimento da gestão democrática, ao mesmo tempo em que revela desafios estruturais e formativos que ainda limitam essa atuação. De modo geral, a literatura analisada aponta que a formação continuada constitui uma importante potencialidade para ampliar o protagonismo dos professores nos processos decisórios e promover práticas colaborativas e democráticas no ambiente escolar.
Palavras-chave: Gestão Democrática. Participação Docente. Formação Continuada. Desafios.
ABSTRACT
Given the contemporary demands for more democratic and collaborative educational practices, it is essential to analyze how teachers contribute to the construction of democratic management in schools. Thus, the objective was to analyze how teacher participation contributes to the consolidation of democratic management in schools, highlighting the challenges and potential related to continuing teacher education. Methodologically, this study is characterized as qualitative bibliographic research, aiming to gather, analyze, and discuss theoretical contributions on the subject. The results show that teacher participation is fundamental for strengthening democratic management, while also revealing structural and formative challenges that still limit this action. In general, the literature analyzed indicates that continuing education constitutes an important potential for expanding the protagonism of teachers in decision-making processes and promoting collaborative and democratic practices in the school environment.
Keywords: Democratic Management. Faculty Participation. Continuing Education. Challenges.
INTRODUÇÃO
A gestão democrática constitui um dos pilares fundamentais da educação brasileira, sustentada por marcos legais como a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/1996). Nesse modelo, a participação coletiva na tomada de decisões é entendida como condição essencial para assegurar a qualidade social da educação e fortalecer o vínculo entre escola, comunidade e políticas públicas. Entre os diferentes sujeitos responsáveis por essa construção, os professores ocupam posição estratégica, pois atuam diretamente no processo pedagógico e influenciam de forma decisiva a definição de práticas, valores e prioridades educacionais.
Nesse contexto, a formação continuada emerge como elemento central para potencializar a atuação dos professores nos espaços decisórios, como Conselhos Escolares, equipes pedagógicas e processos de elaboração e avaliação do Projeto Político-Pedagógico, PPP. Uma revisão bibliográfica sobre o tema permite identificar os principais desafios enfrentados pelos docentes, bem como as potencialidades que a formação pode oferecer para ampliar sua autonomia, seu protagonismo e sua capacidade de intervir criticamente na gestão da escola.
O objetivo geral foi analisar como a participação dos professores contribui para a consolidação da gestão democrática na escola, evidenciando os desafios e as potencialidades relacionadas à formação continuada docente. A partir desse objetivo, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: compreender os princípios, fundamentos e mecanismos que estruturam a gestão democrática na escola; analisar os principais desafios enfrentados pelos professores no contexto da gestão democrática; examinar o papel da formação continuada no fortalecimento da atuação docente, ressaltando como esse processo contribui para ampliar a participação dos professores na gestão democrática da escola.
Metodologicamente, este estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa, com o intuito de reunir, analisar e discutir contribuições teóricas sobre o tema, a partir de obras que abordam a relação entre linguagem digital, ensino e práticas pedagógicas. O presente artigo foi estruturado em três partes distintas: a primeira seção concentra-se na fundamentação teórica, organizada em três eixos principais. O primeiro discute a gestão democrática na escola, abrangendo subtópicos como Conselhos Escolares, Grêmios Estudantis, Coordenações Pedagógicas e Comissões de Elaboração do PPP. Em seguida, apresenta-se o eixo sobre os principais desafios enfrentados pelos professores nesse contexto, e por último, a seção é concluída com uma abordagem sobre a formação continuada de professores. Por fim, apresentam-se as considerações finais e as referências que sustentam o estudo.
1. REFERENCIAL TEÓRICO
1.1. Gestão Democrática na Escola
A gestão democrática da educação pública possui forte sustentação legal no ordenamento jurídico brasileiro, sendo reconhecida como um princípio estruturante do sistema educacional. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 206, inciso VI, estabelece explicitamente a gestão democrática do ensino público como princípio fundamental, reforçando a necessidade de participação da comunidade escolar na organização e nas decisões das instituições de ensino. Esse dispositivo constitucional marca uma ruptura com modelos autoritários de administração e inaugura uma visão de escola participativa, transparente e corresponsável.
Com base na Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394/1996, aprofunda o conceito ao determinar, no art. 3º, inciso VIII, que a gestão democrática do ensino público constitui um princípio a ser assegurado pelos sistemas de ensino. A LDB estabelece que cada sistema de ensino deve definir normas para concretizar essa gestão, respeitando, contudo, aspectos essenciais como: participação dos profissionais da educação na elaboração e execução do projeto pedagógico da escola; participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares; e autonomia pedagógica, administrativa e financeira das unidades de ensino (Art. 12, 13 e 14). O art. 14 da LDB é um dos mais importantes, pois orienta os sistemas de ensino a definirem mecanismos de gestão democrática com base em dois pilares:
Participação dos profissionais da educação na elaboração do Projeto Político-Pedagógico (PPP);
Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
Isso coloca os professores como protagonistas do processo de gestão democrática, uma vez que são eles os responsáveis diretos pela construção, revisão e implementação do PPP, documento central que organiza a identidade e as práticas educativas da escola.
Além da LDB, o Plano Nacional de Educação (PNE 2014–2024) reforça a gestão democrática como estratégia de fortalecimento da qualidade da educação. A Meta 19 visa “assegurar condições, no prazo de dois anos, para a efetivação da gestão democrática da educação”, destacando estratégias como fortalecimento dos conselhos escolares, eleições diretas para gestores (quando previstas pelos sistemas) e ampliação da autonomia das unidades escolares. As estratégias 19.3 e 19.4 tratam especificamente da participação docente e do protagonismo dos atores escolares nos processos decisórios.
O papel dos professores também é reforçado pelo Estatuto do Magistério (varia por estado e município), que geralmente inclui entre as atribuições docentes a participação em conselhos, reuniões pedagógicas, planejamento e atividades colegiadas, elementos fundamentais da gestão democrática. Essas normativas reconhecem que a atuação docente ultrapassa a sala de aula: o professor é sujeito ativo na tomada de decisões e corresponsável pela organização institucional.
No âmbito institucional, diversas normas internas das redes estaduais e municipais regulamentam a constituição de Conselhos Escolares, Grêmios Estudantis, Coordenações Pedagógicas e Comissões de Elaboração do PPP. Essas normativas traduzem as diretrizes nacionais em mecanismos concretos de participação, como será detalhado no subtítulo a seguir.
1.1.1. Conselhos Escolares
Os Conselhos Escolares constituem a principal instância colegiada de participação democrática na escola. São regulamentados por legislações estaduais e municipais e formados por representantes de diversos segmentos da comunidade escolar, incluindo direção, professores, funcionários, estudantes, pais e membros da comunidade local.
Para Libâneo (2004, p 102), “a participação é o principal meio de garantir a gestão democrática da escola, possibilitando o envolvimento de profissionais e usuários no processo de tomadas de decisões e no funcionamento da organização escolar”. Nesse sentido, uma participação ativa e com qualidade nos processos decisórios e uma conduta ativa e compromissada com o coletivo é mais uma garantia de que a democracia seja efetivada.
Ao analisar a definição de Conselho Escolar, segundo o Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares (MEC 2004, p. 43), percebe-se que sua função não é somente dizer sim às propostas feitas pelos gestores, mas debater sobre elas e procurar o melhor caminho para uma educação de qualidade.
Os Conselhos Escolares são órgãos colegiados compostos por representantes das comunidades escolar e local, que têm como atribuição deliberar sobre questões político-pedagógicas, administrativas, financeiras, no âmbito da escola. Cabe aos Conselhos, também, analisar as ações a empreender e os meios a utilizar para o cumprimento das finalidades da escola. (MEC 2004, p. 43).
O Conselho Escolar tem em sua representação os diferentes segmentos da comunidade escolar e equipe pedagógica: professores e supervisores; equipe administrativa: secretários, auxiliares de serviços gerais e outros; pais e alunos. Essa heterogeneidade garante uma visão ampla das necessidades diagnosticadas em cada setor da escola e, atuando em conjunto, este será capaz de definir os melhores caminhos na construção de uma gestão totalmente participativa e democrática.
Sua função é deliberar, fiscalizar, acompanhar e avaliar aspectos administrativos, pedagógicos e financeiros da escola, assegurando transparência e corresponsabilidade. De acordo com a LDB (art. 14), os conselhos são órgãos essenciais para materializar a gestão democrática, uma vez que ampliam a tomada de decisões coletivas, fortalecem a autonomia da unidade escolar e constroem uma cultura participativa. A presença dos professores é central nesse espaço, pois sua experiência pedagógica contribui diretamente para decisões sobre currículo, práticas educativas, avaliação e recursos didáticos.
1.1.2. Grêmios Estudantis
Os Grêmios Estudantis representam a instância de participação dos alunos na gestão democrática e são garantidos pela Lei Federal nº 7.398/1985, que assegura a organização de entidades estudantis nas escolas. O Grêmio funciona como espaço de expressão, diálogo e protagonismo juvenil, permitindo que os estudantes participem da vida escolar, apresentem demandas, articulem atividades culturais e assumam responsabilidades coletivas. O fortalecimento dessa entidade amplia a formação cidadã e incentiva processos de escuta ativa.
O Plano Nacional de Educação (PNE/2014-2024) na meta 19 apresenta as estratégias para a efetivação da gestão democrática e, especificamente, na estratégia 19.4 trata da implantação do grêmio estudantil nas escolas:
Estimular, em todas as redes de educação básica, a constituição e o fortalecimento de grêmios estudantis e associações de pais, assegurando-se-lhes, inclusive, espaços adequados e condições de funcionamento nas escolas e fomentando a sua articulação orgânica com os conselhos escolares, por meio das respectivas representações.
Em consonância com o PNE (2014-2024), o Plano Estadual de Educação de Alagoas (PEE/2015-2025) também apresenta na estratégia 19.4:
Apoiar e estimular, em todas as redes de educação básica, a constituição e o fortalecimento de grêmios estudantis e associações de pais e mestres, assegurandolhes, inclusive, espaços adequados e condições de funcionamento nas escolas e fomentando a sua articulação orgânica com os conselhos escolares, por meio das respectivas representações.
Como determinam os planos de educação, o grêmio estudantil caracteriza-se como um instrumento de participação dos estudantes nas escolas da rede básica como garantia de uma gestão consolidada por meio do protagonismo juvenil. Assim, segundo Araújo (2009, p. 258), os alunos devem ser vistos como “atores centrais desse processo, o alvo a ser atingido pela gestão democrática, pois a formação de alunos críticos, criativos e autônomos não vai ocorrer de forma espontânea, e deve ser estimulada e facilitada numa gestão democrática”.
1.1.3. Coordenações Pedagógicas
As Coordenações Pedagógicas são estruturas institucionais fundamentais para a articulação entre o trabalho docente, o planejamento coletivo e as ações pedagógicas. Regulamentadas por legislações internas das redes de ensino, têm como atribuições organizar reuniões pedagógicas, acompanhar o desenvolvimento das aprendizagens, promover formação em serviço e mediar relações entre gestão e professores. Segundo Araújo (2019), a função desse profissional em uma rede educacional tem importante e fundamental papel por ser dele a responsabilidade de articulação dos professores para o alcance do mais almejado resultado da educação, o efetivo ensino e aprendizado.
O coordenador pedagógico deve ser um líder que goste de ser um educador e que compreenda a escola como um espaço de construção conjunta principalmente na sociedade na qual está inserida. Ele deve ser um profissional flexível, que não imponha suas vontades, mas que precisa evidenciar suas atitudes para dar lugar às prioridades que se fazem necessário ao desenvolvimento das ações, minimizando as dificuldades inerentes ao cotidiano escolar para que, assim, possa chegar ao objetivo desejado (Chauí, et al., 2018).
Segundo Gatti (2008), a coordenação pedagógica é o trabalho coordenado de ações e recursos socio psicopedagógicos e didáticos utilizados pelos atores sociais desse processo, centrado nas funções da unidade curricular, que inclui a gestão didática do trabalho metodológico e do trabalho docente, fortalece a gestão do trabalho personalizado, permitindo direcionar o processo ensino-aprendizagem, onde a prática docente passa a ser uma gestão para a aprendizagem.
Para Domingues (2015), a gestão institucional pressupõe processos formais, isto é, aqueles que visam a concretização de ações formuladas e planejadas, e também ações que, no exercício da autoridade, referem-se a processos não tão racionais ou facilmente quantificáveis, mas referem-se a atitudes. e modos de comportamento que afetam os processos afetivos dos membros da organização. No contexto da gestão democrática, a coordenação pedagógica promove o diálogo horizontal entre docentes, estimulando práticas colaborativas, espaços de estudo e reflexão coletiva sobre o currículo e estratégias didáticas. Esse setor é responsável por viabilizar condições para que a equipe docente participe efetivamente das decisões pedagógicas e da construção do PPP.
1.1.4. Comissões de Elaboração do Projeto Político-pedagógico (PPP)
As Comissões de Elaboração, Revisão e Atualização do PPP são equipes formadas para organizar o documento que fundamenta a identidade pedagógica da escola. A LDB, no art. 14, determina a participação dos profissionais da educação na construção do PPP, o que torna a comissão um espaço de exercício concreto da gestão democrática. Essas comissões incluem professores, gestores, funcionários, pais e estudantes, de acordo com o regimento da rede de ensino. Sua função é diagnosticar a realidade local, definir objetivos e metas, orientar práticas pedagógicas, estabelecer critérios de avaliação e propor ações para o desenvolvimento escolar.
Cada escola possui um sistema de relações interpessoais e é muito mais que uma estrutura formal, pois as pessoas constroem uma cultura própria e a sua identidade. O PPP é uma ferramenta que ajuda a escola a definir suas estratégias, criar meios para alcançar as metas de aprendizagem e avaliar o seu desempenho. Quando construímos um projeto político pedagógico, construímos a identidade da escola, pois neste documento consta a organização da instituição, a organização do tempo pedagógico, a proposta curricular, os objetivos, entre outros. De acordo com Veiga (2007, p.13): “deve considerar o projeto político pedagógico como um processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca de alternativas viáveis”
A participação docente nessa comissão é indispensável, pois são os professores que traduzem o PPP em práticas pedagógicas cotidianas. Assim, seu envolvimento assegura coerência entre concepções pedagógicas, demandas reais das turmas e prioridades da comunidade escolar. Segundo Hora (1994, p.51): “o planejamento participativo, que pressupõe uma deliberada construção do futuro, do qual participam os diferentes segmentos de uma instituição”.
Neste contexto, a autora deixa claro que, para que haja o planejamento participativo, todos que fazem parte da comunidade escolar, ou seja, os professores, diretores, técnicos, alunos, funcionários, pais e comunidade em geral, precisam estar participando, refletindo, avaliando e reformulando as mudanças que acontecem na escola, construindo assim uma identidade, um futuro para a comunidade. Na perspectiva de uma gestão democrática, o trabalho coletivo é que provoca mudanças; todos os envolvidos precisam assumir a responsabilidade de suas atividades, desenvolvendo assim, o compromisso do ato educativo.
1.2. Principais Desafios Enfrentados Pelos Professores
A profissão docente é marcada por uma série de desafios que vão desde a entrada na carreira até o desenvolvimento de práticas pedagógicas consolidadas ao longo do tempo. O exercício da docência exige não apenas domínio de conteúdos e metodologias, mas também a capacidade de lidar com situações complexas relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem, às condições de trabalho e às relações interpessoais que permeiam o ambiente escolar. Assim, compreender as etapas vivenciadas pelos professores em sua trajetória é essencial para refletir sobre as dificuldades enfrentadas e as possibilidades de superação.
Nesse percurso, Nóvoa (1992) destaca que o início da carreira é marcado simultaneamente por um momento de sobrevivência, em que o docente confronta suas expectativas com a realidade e questiona sua escolha profissional, e por um momento de descoberta, caracterizado pelo entusiasmo em assumir a sala de aula e planejar com maior autonomia. Esses movimentos revelam a tensão constante entre as dificuldades do cotidiano e o desejo de afirmação profissional.
Na contemporaneidade, intensifica-se a sobrecarga do trabalho docente, especialmente na educação infantil e nos anos iniciais. Entre os fatores que contribuem para esse quadro estão condições de trabalho precárias, acúmulo de funções e necessidade de múltiplas jornadas, o que dificulta a realização de atividades de estudo, planejamento e avaliação. Embora a Lei nº 11.738/2008 estabeleça a destinação de um terço da jornada para atividades extraclasse, na prática muitos professores continuam realizando essas tarefas fora do horário de trabalho, o que amplia o cansaço e o estresse.
Outro aspecto que agrava esse cenário é a multiplicidade de tarefas. Frequentemente, o número de horas oficialmente atribuídas não corresponde à carga real de trabalho, pois o magistério exige constante pesquisa, reflexão e planejamento. Quando o tempo destinado a essas atividades não é garantido, o professor é obrigado a realizá-las fora de sua jornada oficial, o que intensifica a sobrecarga. Esse quadro revela que a organização escolar ainda não considera o planejamento como ação essencial para a intencionalidade pedagógica.
Com o objetivo de equilibrar essas demandas, a Lei n° 11738/2008 que ficou conhecida como a Lei do Piso salarial dos professores, em seu parágrafo 4º de seu art. 2º, estabelece um limite de ⅔ (dois terços) da jornada de trabalho semanal do professor seja destinado a atividades de interação com os alunos, e ⅓ (um terço) seja direcionado para atividades extraclasse, tais como pesquisa, avaliação e planejamento. Levantamento recentes2, mostram 6.775 professores de escolas públicas (municipais e estaduais) de todo o país, entre julho e dezembro de 2022, se sentem estressados pela sobrecarga de trabalho.
Além da carga laboral, a efetivação da gestão democrática nas escolas enfrenta obstáculos que limitam a participação dos professores nos processos decisórios. Um dos principais entraves é a resistência de parte da comunidade escolar, que mantém uma visão centralizadora, atribuindo responsabilidades apenas à equipe diretiva. Essa postura restringe o diálogo e enfraquece a construção coletiva de soluções.
Nessa perspectiva, Freire (1996, p. 13), defende a educação como prática da liberdade e valoriza sua dimensão humana, para ele “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Nesse sentido o professor não é visto como o detentor do saber, mas como um mediador que cria possibilidades para a construção do conhecimento do educando, a partir das interações com o meio e com os pares.
Um dos desafios que se apresenta, portanto, é a ausência ou insuficiência de formação continuada específica voltada à gestão democrática, o que dificulta a atuação crítica e propositiva dos docentes nesses espaços de participação. Tal lacuna será aprofundada na próxima seção, dedicada à formação continuada de professores.
1.3. Formação Continuada de Professores
A educação sempre foi uma preocupação recorrente em diferentes instâncias sociais e, especialmente a partir da década de 1990, passou por mudanças significativas impulsionadas por políticas públicas educacionais. Entre elas, podem ser citados o Plano Nacional de Educação – PNE (Brasil, 2014), o Programa Diversidade na Universidade, voltado para a formação de professores, o Programa Mais Educação, entre outros, que direta ou indiretamente têm impactado a qualidade da educação e, consequentemente, intensificado a exigência de formação continuada dos educadores brasileiros
Uma das mudanças mais relevantes desse período foi a proposição e implementação da formação continuada para todos os educadores envolvidos com a educação básica. Cunha (2013, p. 612) compreende a formação continuada como “iniciativas instituídas no período que acompanha o tempo profissional dos professores. Pode ter formatos e duração diferenciados, assumindo a perspectiva da formação como processo”. Do ponto de vista legal, essa formação encontra respaldo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96 (Brasil, 1996), especialmente nos artigos 61 a 65, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (Brasil, 2001.
A formação docente, nesse sentido, é decisiva para a qualidade do trabalho pedagógico, pois repercute diretamente no desenvolvimento de competências para o ensinar e o fazer. Ela não se restringe à habilitação técnica para ministrar aulas, mas envolve a construção de uma postura reflexiva e crítica frente à realidade escolar. Para Pimenta e Lima (2012, p. 88), o docente é o profissional “que ajuda o desenvolvimento pessoal e intersubjetivo do aluno, sendo um facilitador de seu acesso ao conhecimento”. Por isso, a formação do educador também se dá na prática, no cotidiano da escola, no contato com sua estrutura institucional e com as necessidades concretas de aprendizagem dos estudantes.
Neste sentido, a formação continuada dos professores representa um dos principais instrumentos para assegurar a atualização pedagógica e científica dos profissionais da educação. Trata-se de um processo que possibilita ao docente aprimorar suas práticas, desenvolver novas competências e responder de maneira mais eficaz aos desafios educacionais contemporâneos. Nesse sentido, a formação não deve ser vista apenas como um complemento à formação inicial, mas como parte integrante do desenvolvimento profissional e da valorização da carreira docente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi discutido ao longo deste estudo, torna-se evidente que a participação dos professores na gestão democrática da escola é um elemento central para a consolidação de práticas educativas mais justas, dialógicas e socialmente comprometidas. A revisão bibliográfica permitiu identificar que, embora existam mecanismos institucionais que favorecem a participação docente, persistem desafios estruturais, pedagógicos e formativos que limitam sua atuação nos processos decisórios.
Nesse cenário, a formação continuada destaca-se como uma potencialidade, pois amplia o repertório teórico, político e metodológico dos professores, fortalecendo sua autonomia e sua capacidade de intervenção crítica na vida escolar. Assim, reafirma-se que a valorização da participação docente e o investimento em processos formativos permanentes são caminhos indispensáveis para o aprimoramento da gestão democrática e para a construção de uma escola verdadeiramente participativa e inclusiva.
Os objetivos propostos na pesquisa mostraram-se satisfatórios, uma vez que possibilitaram compreender, em uma perspectiva teórica e crítica, a centralidade da participação dos professores na consolidação da gestão democrática da escola. A revisão bibliográfica evidenciou que a gestão democrática não se limita à existência de mecanismos institucionais de participação, mas depende, sobretudo, do engajamento docente nos processos decisórios e na construção coletiva do projeto pedagógico. Assim, os objetivos foram alcançados ao revelar os principais desafios que dificultam a atuação efetiva dos professores nesses espaços, bem como ao destacar o papel estratégico da formação continuada para fortalecer sua autonomia, sua postura crítica e sua capacidade de intervenção na vida escolar. Nesse sentido, a pesquisa reafirma a necessidade de repensar práticas de gestão e criar condições que valorizem o protagonismo docente, garantindo uma participação mais qualificada, ativa e coerente com os princípios da gestão democrática.
Como toda pesquisa, este estudo apresenta algumas limitações que merecem ser consideradas. Por tratar-se de uma revisão bibliográfica, os resultados dependem diretamente da disponibilidade, alcance e qualidade das produções analisadas, além disso, a ausência de dados impediu observar, na prática, como os professores vivenciam sua participação na gestão democrática e de que forma a formação continuada repercute em suas ações cotidianas. Tais limitações, entretanto, não comprometem a relevância do estudo, mas indicam a necessidade de investigações futuras que aprofundem a temática em contextos escolares reais, permitindo análises mais situadas e comparativas sobre a participação docente nos processos de gestão.
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1 Graduada em Pedagogia pela Faculdade Integrada de Ariquemes – FIAR (2001). Pós-graduação em Psicopedagógica em Educação com Ênfase em Psicopedagogia Preventiva pela Faculdade de Ciências – FACISA/CELER (2004). Mestranda Ciências da Educação na São Luís University. E-mail: [email protected]
2 Disponivel em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2023-04/pesquisa-mostra-que-71-dos-professores-estao-estressados. Acesso em: nov. 2025.