A INVASÃO DA UCRÂNIA PELA RÚSSIA E A APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17289859
Rafael Felipe da Silva1
RESUMO
A invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 gerou um dos mais complexos desafios ao Direito Internacional, particularmente no âmbito dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário. O presente estudo busca analisar os fundamentos jurídicos desse conflito, avaliando a legalidade das ações russas, a aplicação das normas internacionais e os mecanismos de responsabilização por crimes de guerra. Para tanto, a pesquisa adota uma abordagem bibliográfica. A análise é estruturada em quatro eixos: os fundamentos dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário, a contextualização histórica do conflito, a avaliação das implicações jurídicas da guerra e as sanções impostas à Rússia, além dos impactos globais da invasão. O estudo demonstra que a ação militar russa desrespeita princípios fundamentais do Direito Internacional, como a soberania estatal e a proibição do uso da força, além de evidenciar desafios na efetivação das normas de proteção humanitária diante de violações sistemáticas contra civis. Conclui-se que, apesar da condenação internacional e das sanções impostas, a guerra evidencia as limitações dos mecanismos jurídicos internacionais na contenção de conflitos armados e na responsabilização dos agentes estatais. Assim, reforça-se a necessidade de aprimoramento das instituições internacionais para garantir maior eficácia na defesa dos direitos humanos e na promoção da paz.
Palavras-chave: Direito Internacional. Direitos Humanos. Direito Humanitário. Conflito Rússia-Ucrânia. Crimes de Guerra. Sanções Internacionais.
ABSTRACT
The 2022 Russian invasion of Ukraine has posed one of the most complex challenges to International Law, particularly in the fields of Human Rights and Humanitarian Law. This study aims to analyze the legal foundations of the conflict, assessing the legality of Russian actions, the application of international norms, and the mechanisms for accountability in war crimes. To achieve this, the research adopts a bibliographic approach, based on legal doctrine, international treaties, and reports from specialized organizations. The analysis is structured around four key aspects: the fundamentals of Human Rights and Humanitarian Law, the historical context of the conflict, the legal implications of the war and the sanctions imposed on Russia, and the global impacts of the invasion. The study demonstrates that Russia's military action violates fundamental principles of International Law, such as state sovereignty and the prohibition of the use of force, while also highlighting challenges in enforcing humanitarian protection norms amid systematic violations against civilians. It is concluded that, despite international condemnation and imposed sanctions, the war underscores the limitations of international legal mechanisms in containing armed conflicts and ensuring accountability for state actors. Thus, the need to strengthen international institutions is emphasized in order to enhance the effectiveness of human rights protection and the promotion of peace.
Keywords: International Law. Human Rights. Humanitarian Law. Russia-Ukraine Conflict. War Crimes. International Sanctions.
1. INTRODUÇÃO
A invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 representa um marco geopolítico com amplas repercussões no Direito Internacional, no Direito Humanitário e na proteção dos Direitos Humanos. O conflito levanta questões sobre a soberania dos Estados, a eficácia dos organismos internacionais na contenção da violência e os desafios da responsabilização por crimes de guerra. As justificativas russas para a invasão, baseadas na proteção de minorias russófonas e na expansão da OTAN, evidenciam controvérsias jurídicas sobre intervenção humanitária e segurança global. Além disso, os ataques a civis e as investigações conduzidas pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) reforçam a necessidade de fortalecer os mecanismos de proteção humanitária.
Este estudo tem como objetivo analisar os fundamentos jurídicos do conflito, com ênfase nos Direitos Humanos, no Direito Humanitário e nas implicações para a ordem internacional. A pesquisa, de caráter bibliográfico, sistematiza conceitos fundamentais do Direito Internacional e examina a aplicabilidade dessas normas no cenário da guerra.
O paper está estruturado em quatro partes: a primeira aborda os fundamentos jurídicos dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário; a segunda apresenta a contextualização histórica do conflito; a terceira analisa as implicações jurídicas da guerra e as sanções impostas à Rússia; e a última discute os impactos globais e possíveis desdobramentos para a geopolítica internacional.
2. FUNDAMENTOS JURÍDICOS: DIREITOS HUMANOS, DIREITO HUMANITÁRIO E DIREITO INTERNACIONAL
2.1. Conceito e Princípios Fundamentais dos Direitos Humanos
Os Direitos Humanos são princípios universais inerentes a todas as pessoas, independentemente de nacionalidade, etnia, gênero ou qualquer outra condição. Eles foram consolidados ao longo da história como resposta às violações massivas de direitos fundamentais, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, culminando na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) (Lovato & Dutra, 2021). Essa declaração estabelece direitos inalienáveis, como a dignidade da pessoa humana, a igualdade perante a lei, a liberdade de expressão e o direito à vida.
O conceito de Direitos Humanos transcende o positivismo jurídico, sendo associado a valores éticos e políticos globais. Segundo Possatti e Lacerda (2024), os sistemas internacionais de proteção dos Direitos Humanos incluem tanto tratados globais, como os promovidos pela ONU, quanto sistemas regionais, como a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Esses mecanismos visam garantir a observância e a aplicabilidade dos direitos humanos, mesmo em contextos de conflitos armados.
A aplicabilidade dos direitos humanos em conflitos bélicos se tornou um dos principais desafios da comunidade internacional. Conforme apontado por Amorim (2008), os conflitos contemporâneos têm vitimado, em sua maioria, populações civis, evidenciando a necessidade de reforçar os instrumentos de proteção humanitária. O Direito Internacional dos Direitos Humanos tem o papel de assegurar que os direitos individuais não sejam suspensos arbitrariamente, mesmo em tempos de guerra, o que é complementado pelo Direito Internacional Humanitário, que estabelece normas específicas para conflitos armados.
A diferenciação entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais também é relevante para a compreensão da aplicabilidade dessas normas. Enquanto os primeiros possuem um caráter supranacional, vinculando-se a tratados e convenções internacionais, os Direitos Fundamentais são aqueles reconhecidos pelo ordenamento jurídico interno de um Estado, geralmente positivados em Constituições Nacionais (Silvério & Lopes, 2021). Apesar dessa distinção, ambos compartilham o mesmo objetivo central: garantir a dignidade e a proteção da pessoa humana contra arbitrariedades estatais ou violações por parte de terceiros.
O avanço dos direitos humanos no cenário global também se reflete na formulação de novas dimensões de proteção, classificadas em gerações ou dimensões dos direitos humanos. Segundo Lovato e Dutra (2021), a primeira geração refere-se aos direitos civis e políticos, como a liberdade de expressão e o direito à vida; a segunda geração engloba os direitos sociais, econômicos e culturais, como saúde e educação; e a terceira geração abrange direitos coletivos e difusos, como o direito ao meio ambiente equilibrado e ao desenvolvimento sustentável.
No contexto dos conflitos internacionais, os direitos humanos assumem um papel crucial na tutela de grupos vulneráveis, como refugiados, crianças e prisioneiros de guerra. A proteção dessas populações é um dos objetivos do Direito Internacional Humanitário, sendo abordada de forma detalhada no próximo subtópico.
2.2. Direito Humanitário e a Proteção da População Civil
O Direito Internacional Humanitário (DIH) é um conjunto de normas jurídicas destinadas a limitar os efeitos dos conflitos armados, protegendo pessoas que não participam das hostilidades e regulando os meios e métodos de guerra. Suas bases normativas foram estabelecidas com a Primeira Convenção de Genebra de 1864, que, posteriormente, foi ampliada e consolidada nas Quatro Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais de 1977 (Possatti & Lacerda, 2024).
As Convenções de Genebra determinam que as partes em conflito devem garantir a proteção de feridos, doentes, náufragos, prisioneiros de guerra e civis, além de proibir práticas como tortura, tratamentos desumanos e ataques deliberados contra populações desarmadas. Segundo Trindade (2015), um dos princípios fundamentais do DIH é o da distinção, que impõe a obrigação de diferenciar combatentes e civis, assegurando que ataques militares sejam dirigidos apenas a alvos legítimos.
Outro princípio essencial é o da proporcionalidade, que proíbe ataques que possam causar danos excessivos à população civil em relação à vantagem militar esperada. Isso se torna especialmente relevante diante do uso de tecnologias bélicas avançadas, como drones e armas autônomas, que podem aumentar os riscos de danos colaterais (Sousa, Cury & Dias, 2021).
Apesar da existência de normas claras para a proteção de civis, a efetiva aplicação do DIH enfrenta diversos desafios. Conforme aponta Amorim (2008), em muitos conflitos contemporâneos há uma violação sistemática das normas humanitárias, com ataques deliberados a populações civis e a desconsideração dos princípios humanitários básicos. Isso tem levado a uma crescente atuação do Tribunal Penal Internacional (TPI) na responsabilização de crimes de guerra, como no caso da invasão da Ucrânia pela Rússia, onde investigações sobre crimes contra a humanidade foram abertas pelo TPI (Somenzari, 2005).
A atuação de organismos internacionais, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), também tem sido fundamental na mitigação dos impactos dos conflitos sobre civis. Essa organização desempenha um papel essencial na fiscalização da aplicação do DIH e no fornecimento de assistência humanitária a vítimas de guerras (Trindade, 2015).
A necessidade de adaptação do Direito Humanitário às novas formas de guerra é uma questão central na atualidade. O uso de drones armados em operações militares levanta debates sobre sua compatibilidade com os princípios do DIH, especialmente no que se refere à distinção entre combatentes e civis (Nunes, 2021). O avanço tecnológico desafia a aplicação dos tratados existentes, tornando urgente o desenvolvimento de novas normativas internacionais que possam regulamentar adequadamente o uso dessas tecnologias em conflitos armados.
A análise das guerras modernas demonstra que os princípios do DIH continuam sendo violados em diversos contextos, o que reforça a importância da cooperação internacional para sua implementação eficaz. A imposição de sanções econômicas, julgamentos por crimes de guerra e o fortalecimento de organismos fiscalizadores são medidas que podem contribuir para o cumprimento das normas humanitárias e a redução dos impactos dos conflitos sobre populações vulneráveis.
2.3. Direito Internacional e a Regulamentação de Conflitos
O Direito Internacional Público regula as relações entre Estados e organizações internacionais, estabelecendo normas para a solução pacífica de conflitos e a limitação do uso da força. Sua principal base normativa está na Carta das Nações Unidas de 1945, que determina que os Estados devem buscar meios diplomáticos para resolver suas disputas antes de recorrerem à guerra (Garcia, 2005).
A legalidade da intervenção militar é um dos temas centrais do Direito Internacional. Conforme aponta Paraguassu (2016), a distinção entre jus ad bellum (direito à guerra) e jus in bello (direito na guerra) é fundamental para compreender quando e como um Estado pode recorrer ao uso da força.
O Tribunal Penal Internacional (TPI), criado pelo Estatuto de Roma de 1998, tem sido um mecanismo central na responsabilização de crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Em conflitos recentes, o TPI tem atuado na investigação e punição de violações graves do DIH, buscando garantir que líderes e comandantes militares sejam responsabilizados por ataques contra populações civis (Somenzari, 2005).
Diante dos desafios impostos pelas novas formas de guerra, o Direito Internacional continua sendo um pilar essencial para a promoção da paz e a proteção dos direitos humanos em cenários de conflito.
3. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO CONFLITO RÚSSIA-UCRÂNIA
3.1. Relação Urss e Alemanha na Segunda Guerra Mundial
A relação entre a União Soviética e a Alemanha Nazista foi marcada por um período inicial de cooperação estratégica, seguido de um conflito devastador. Em agosto de 1939, o Pacto Molotov-Ribbentrop foi firmado, um tratado de não agressão entre os dois países que continha protocolos secretos para a divisão de territórios na Europa Oriental. Esse acordo permitiu a invasão da Polônia tanto pelos alemães quanto pelos soviéticos, desencadeando a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a aliança foi rompida em junho de 1941, quando a Alemanha lançou a Operação Barbarossa, invadindo a União Soviética e ocupando vastas áreas, incluindo a Ucrânia (Aparecido & Aguilar, 2022).
A ocupação nazista da Ucrânia teve impactos significativos na população local. Além da destruição de cidades e infraestrutura, milhões de ucranianos foram mortos ou submetidos a trabalhos forçados. O território tornou-se palco de atrocidades, como o massacre de Babi Yar, onde mais de 30 mil judeus foram executados. A resistência soviética e as operações militares levaram à reconquista da Ucrânia pela URSS entre 1943 e 1944, durante a ofensiva do Exército Vermelho. Essa retomada consolidou o domínio soviético sobre a região, estabelecendo as bases para seu papel estratégico na União Soviética no pós-guerra (Silva, 2024).
3.2. A Guerra Fria e a Formação dos Blocos Geopolíticos
Após o término da Segunda Guerra Mundial, a polarização entre Estados Unidos e União Soviética resultou na divisão do mundo em dois blocos geopolíticos: o capitalista, liderado pelos EUA, e o socialista, sob influência soviética. A Ucrânia, como parte da URSS, desempenhou um papel essencial na estrutura militar e econômica do bloco socialista. Seu território abrigava bases militares estratégicas e um vasto complexo industrial-militar, sendo fundamental para o poderio soviético (Mori & Aguilar, 2022).
A Guerra Fria foi marcada por uma disputa ideológica e militar intensa, e a divisão da Alemanha simbolizou esse antagonismo. A construção do Muro de Berlim, em 1961, representou fisicamente a separação entre os dois sistemas. A Ucrânia manteve-se sob o controle soviético, enfrentando políticas de russificação e repressão contra movimentos nacionalistas. A dissolução da União Soviética, em 1991, alterou drasticamente o cenário geopolítico, levando à independência ucraniana e à redefinição das relações internacionais na região (Daehnhardt, 2015).
3.3. Criação da Otan e Sua Influência no Cenário Pós-guerra Fria
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi criada em 1949 com o objetivo de conter a expansão soviética e garantir a defesa coletiva de seus membros. A aliança tornou-se um pilar da segurança ocidental durante a Guerra Fria e manteve-se ativa mesmo após o colapso da União Soviética. A dissolução do Pacto de Varsóvia e a independência das repúblicas soviéticas permitiram a expansão da OTAN para o Leste Europeu, incluindo antigos aliados de Moscou, o que gerou crescente desconfiança por parte da Rússia (Bertazzo, 2010).
A Ucrânia, após sua independência, buscou um equilíbrio entre a cooperação com o Ocidente e a manutenção de laços com a Rússia. No entanto, a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 e o conflito no leste ucraniano aceleraram o desejo de integração da Ucrânia à OTAN, intensificando as tensões com Moscou. A guerra em curso desde 2022 reflete esse embate geopolítico, no qual a Ucrânia se tornou um campo de disputa entre a influência ocidental e os interesses russos na região (Senhoras, 2022).
4. A GUERRA RUSSO-UCRANIANA E SUAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS
4.1. Fatores Políticos e Estratégicos da Invasão
A invasão russa da Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, foi justificada pelo governo de Vladimir Putin sob diversas alegações estratégicas e políticas. Um dos principais argumentos apresentados por Moscou foi a necessidade de proteger a população de etnia russa residente nas regiões de Donetsk e Luhansk, áreas que já vinham sendo palco de conflitos desde 2014. A narrativa oficial russa sustentava que a Ucrânia promovia uma política de repressão contra os russófonos, o que, segundo Putin, legitimaria a intervenção militar para garantir a segurança desses cidadãos e evitar o que foi classificado como um suposto genocídio (Tostes & Thomaz, 2022).
Outro fator crucial apontado para justificar a invasão foi a ameaça representada pela expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para o leste europeu. A Rússia manifestou repetidas vezes sua insatisfação com a possibilidade de adesão da Ucrânia à aliança militar ocidental, considerando tal movimento uma violação das suas esferas de influência e um risco à sua segurança territorial. Moscou argumentou que o deslocamento de tropas e equipamentos da OTAN para países vizinhos intensificava uma ameaça existencial ao seu território, sendo necessário um contra-ataque preventivo para evitar um maior cerco estratégico (Carmona, 2022).
Além disso, os Estados Unidos e a União Europeia desempenharam papéis centrais na escalada do conflito. O apoio ocidental à Ucrânia, por meio de fornecimento de armamentos, sanções econômicas contra a Rússia e suporte diplomático, contribuiu para o agravamento das tensões. O governo dos Estados Unidos, desde a administração Biden, reforçou sua posição de contenção da influência russa e intensificou parcerias estratégicas com a Ucrânia, ampliando os treinamentos militares e o envio de equipamentos bélicos ao país. Da mesma forma, a União Europeia adotou uma postura mais dura contra Moscou, impondo sucessivas rodadas de sanções e promovendo o isolamento econômico da Rússia no sistema financeiro global (Melquíades Cunha, 2022).
4.2. Principais Eventos da Guerra Desde 2022
A ofensiva militar russa teve início com ataques a infraestruturas estratégicas ucranianas, incluindo bases militares, centrais energéticas e centros logísticos. As primeiras incursões foram dirigidas para a capital Kiev, bem como para as regiões leste e sul do país. Contudo, a resistência ucraniana, reforçada pelo suporte militar ocidental, impôs desafios às forças russas, levando a recuos estratégicos e mudanças na dinâmica do conflito (Carmona, 2022).
As principais batalhas ocorreram em Mariupol, Kharkiv, Severodonetsk e Bakhmut. A cidade portuária de Mariupol, um dos principais alvos russos, foi devastada após intensos combates, culminando na captura da siderúrgica Azovstal, onde forças ucranianas resistiram por meses. Já a cidade de Kharkiv, embora tenha sido alvo de bombardeios contínuos, permaneceu sob controle ucraniano após contraofensivas bem-sucedidas (Melquíades Cunha, 2022).
O impacto econômico global da guerra foi expressivo. O conflito gerou instabilidade nos mercados de energia e alimentos, uma vez que tanto Rússia quanto Ucrânia são grandes exportadores de petróleo, gás natural e grãos. A interrupção no fornecimento desses produtos elevou os preços internacionais e gerou crises inflacionárias em diversos países. Além disso, as sanções impostas à Rússia comprometeram a estabilidade do rublo e dificultaram transações comerciais com nações ocidentais, enquanto a Ucrânia sofreu com a destruição de sua infraestrutura produtiva e com o deslocamento de milhões de refugiados para países vizinhos (Campos & Santos, 2023).
4.3. Violações do Direito Internacional e Sanções Impostas À Rússia
A invasão da Ucrânia por parte da Rússia foi amplamente condenada pela comunidade internacional como uma violação da soberania territorial do país, em desacordo com princípios fundamentais do direito internacional. A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou resoluções condenando a agressão russa e exigindo a retirada das tropas do território ucraniano. Apesar dessas determinações, a Rússia manteve sua ofensiva militar e vetou medidas mais severas no Conselho de Segurança da ONU, onde possui poder de veto como membro permanente (Campos & Santos, 2023).
As sanções internacionais contra a Rússia incluíram restrições financeiras, bloqueio de ativos de oligarcas russos, proibição de importação de petróleo e gás russo em vários países e a exclusão de bancos russos do sistema de pagamentos internacionais SWIFT. Essas medidas visaram minar a capacidade de financiamento da guerra e isolar economicamente o governo de Moscou. Entretanto, a Rússia buscou alternativas econômicas por meio de parcerias estratégicas com países como China, Índia e Irã, o que permitiu certa resiliência diante das sanções (Carmona, 2022).
Além das sanções econômicas, a Rússia foi acusada de cometer crimes de guerra e violações do direito humanitário. O Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu investigações sobre ataques contra alvos civis, incluindo hospitais, escolas e infraestruturas críticas. Relatórios apontaram o uso de táticas indiscriminadas que resultaram em altos índices de mortes entre civis, configurando possíveis crimes contra a humanidade. A destruição de infraestruturas médicas, conforme reportado por organizações como a ONU e Médicos Sem Fronteiras, agravou a crise humanitária na Ucrânia, dificultando o acesso da população a serviços essenciais de saúde (Campos & Santos, 2023).
A questão da deportação forçada de civis ucranianos para territórios controlados pela Rússia e a suposta execução sumária de prisioneiros de guerra também estão sob investigação internacional. Organizações de direitos humanos relataram casos de tortura, detenções arbitrárias e desaparecimentos forçados, exigindo que tais práticas sejam levadas ao julgamento no TPI (Campos & Santos, 2023).
5. ANÁLISE COMPARATIVA: IMPACTO DA GUERRA RUSSO-UCRANIANA NO CENÁRIO INTERNACIONAL
5.1. Reflexos no Direito Internacional
A Guerra Russo-Ucraniana trouxe desafios significativos para a aplicação do Direito Internacional, especialmente no que se refere à responsabilização por crimes de guerra. Relatos de crimes contra a humanidade e possíveis genocídios emergiram desde o início da invasão russa em fevereiro de 2022, intensificando as discussões sobre a eficácia dos tribunais internacionais na punição dos responsáveis (Alamino, 2023).
O Tribunal Penal Internacional (TPI) assumiu jurisdição sobre os crimes cometidos na Ucrânia, uma vez que o governo ucraniano reconheceu sua competência por meio de declarações específicas. Contudo, a Rússia não é signatária do Estatuto de Roma, dificultando a aplicação de sanções diretas contra seus líderes. Para contornar essa limitação, países ocidentais e organizações internacionais buscam a criação de um tribunal especial para julgar o crime de agressão, como ocorreu em outros conflitos internacionais (Pimentel, 2023).
Além disso, as investigações enfrentam dificuldades logísticas, como a coleta de provas em meio a um conflito ativo e a necessidade de garantir que as vítimas tenham acesso a mecanismos de justiça eficazes. A impunidade permanece uma preocupação central, pois as violações do Direito Internacional, incluindo execuções sumárias e ataques deliberados contra civis, continuam a ser registradas no território ucraniano (Campos, 2023).
O impacto jurídico do conflito também se reflete nas relações diplomáticas internacionais. Desde o início da guerra, a comunidade global se dividiu entre aqueles que condenam a Rússia e aqueles que mantêm uma posição neutra ou favorável a Moscou. As resoluções da ONU condenando a invasão foram aprovadas por ampla maioria, mas com a abstenção ou voto contrário de países como China, Índia e Irã, evidenciando a fragmentação do sistema internacional (Loureiro, 2022).
As sanções impostas contra a Rússia, incluindo a exclusão de bancos do sistema SWIFT e o congelamento de ativos de oligarcas, demonstram uma nova abordagem de medidas coercitivas internacionais. No entanto, tais sanções também impulsionaram a reconfiguração de alianças econômicas, como o fortalecimento das relações comerciais entre Rússia e China. Isso aponta para um possível redesenho do equilíbrio de poder global, onde novas coalizões poderão desafiar a hegemonia ocidental no cenário internacional (Freitas, 2023).
5.2. Repercussões Econômicas e Humanitárias
O conflito desencadeou uma das maiores crises migratórias da Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Milhões de ucranianos foram forçados a fugir de suas casas devido aos bombardeios e à destruição de infraestruturas essenciais. Estima-se que mais de 7,5 milhões de refugiados buscaram abrigo em países vizinhos como Polônia, Romênia e Alemanha, enquanto milhões de deslocados internos continuam em situação de vulnerabilidade extrema dentro da Ucrânia (Silva et al., 2024).
Os desafios humanitários incluem a falta de acesso a serviços básicos, a necessidade de abrigo e assistência médica, além da dificuldade de integração dos refugiados em seus países de acolhimento. A logística humanitária tem desempenhado um papel crucial na mitigação dessa crise, com organizações internacionais fornecendo suporte emergencial e promovendo iniciativas de reassentamento (Brito & Barbosa, 2024).
A guerra também impactou significativamente a economia global, especialmente a europeia e a russa. O aumento nos preços do petróleo e do gás natural, em decorrência das sanções à Rússia, resultou em uma crise energética na União Europeia, forçando os países a buscarem fontes alternativas de abastecimento. A interrupção das exportações de grãos ucranianos também afetou a segurança alimentar global, elevando os preços de alimentos essenciais e exacerbando crises em países dependentes dessas importações (Freitas, 2023).
Para a Rússia, as sanções ocidentais reduziram sua capacidade de acesso a mercados financeiros internacionais e resultaram na queda do valor do rublo. No entanto, o país conseguiu redirecionar parte de suas exportações para mercados asiáticos, como a China e a Índia, minimizando os efeitos das restrições impostas pelo Ocidente (Loureiro, 2022).
Por outro lado, a guerra acelerou investimentos em setores estratégicos da economia europeia, como a transição energética para fontes renováveis e o fortalecimento da indústria de defesa. Isso evidencia um novo paradigma econômico, no qual a segurança energética e a autonomia industrial se tornam prioridades para governos europeus (Silva et al., 2024).
5.3. Possíveis Cenários Futuros para a Guerra
As tentativas de negociação entre Rússia e Ucrânia, mediadas por países como Turquia e França, não avançaram significativamente até o momento. A posição inflexível de ambas as partes em relação a questões territoriais, especialmente no que se refere ao status da Crimeia e das regiões de Donetsk e Luhansk, tem sido um dos principais entraves para um acordo duradouro (Freitas, 2023).
A continuidade do apoio militar ocidental à Ucrânia e o reforço das sanções contra a Rússia indicam que o conflito pode se prolongar, sem uma solução diplomática imediata. No entanto, cenários alternativos incluem a possibilidade de um cessar-fogo temporário ou um acordo parcial baseado em garantias de segurança para ambas as partes, ainda que isso exija concessões significativas (Loureiro, 2022).
A guerra já transformou a geopolítica global, acelerando a polarização entre blocos de influência. A União Europeia fortaleceu sua coesão interna e sua política de defesa, enquanto a OTAN ampliou sua presença no leste europeu com a adesão de novos membros, como a Finlândia. Paralelamente, a Rússia busca consolidar sua influência sobre ex-repúblicas soviéticas e fortalecer laços estratégicos com a China e o Irã (Freitas, 2023).
A longo prazo, o conflito pode redefinir a estrutura do sistema internacional, promovendo uma nova configuração multipolar. A emergência de novas alianças econômicas e militares poderá criar desafios para a ordem global estabelecida, impactando negociações diplomáticas e acordos internacionais (Loureiro, 2022).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise desenvolvida ao longo deste estudo permitiu compreender a complexidade da invasão russa à Ucrânia sob a ótica dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário. Foi possível constatar que o conflito, além de representar uma violação à soberania territorial da Ucrânia, desencadeou sérias implicações no cenário internacional, envolvendo sanções econômicas, deslocamento forçado de populações e a reconfiguração das relações diplomáticas globais. As normativas do Direito Internacional demonstram-se essenciais na tentativa de contenção das violações cometidas durante a guerra, ainda que a efetiva responsabilização dos envolvidos enfrente desafios estruturais e políticos.
Dessa forma, o estudo reforça a necessidade de fortalecimento dos mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos e da ampliação do papel das instituições responsáveis pela mediação de conflitos. A guerra entre Rússia e Ucrânia evidencia que a regulamentação jurídica dos conflitos armados ainda enfrenta limitações na sua aplicação prática, exigindo um esforço contínuo para aprimorar a eficácia das normas vigentes e garantir a responsabilização de agentes estatais e não estatais envolvidos em crimes contra a humanidade.
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1 Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo. Mestrando em Estudos Jurídicos com Ênfase em Direito Internacional pela Must University. E-mail. [email protected]