A IMPORTÂNCIA DA VIGILÂNCIA SOCIOASSISTENCIAL PARA O MAPEAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE EM MUNICÍPIO DE PEQUENO PORTE I
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15055353
Daniela Emilena Santiago1
Joisse Ferreira Fonseca Gonçalves2
Luciane Gonçalves Leite Pécchio3
RESUMO
A violência contra crianças e adolescentes tem sido recorrente na sociedade contemporânea e tem se manifestado de diversas e mais variadas formas. Para melhor compreendê-la foi realizado um mapeamento da violência em questão por meio da análise das ocorrências do Conselho Tutelar do município de Quatá-SP sendo tal ação desenvolvida por meio da vigilância socioassistencial executada por meio da política pública de Assistência Social. Nesse texto apresentamos os dados que foram produzidos nesse contexto e que são vitais para o entendimento das expressões da violência que se desenham na atualidade.
Palavras-chave: Violência, Crianças e Adolescentes, Vigilância Socioassistencial.
ABSTRACT
Violence against children and adolescents has been recurrent in contemporary society and has manifested itself in many different ways. In order to better understand it, a mapping of the violence in question was carried out through the analysis of the occurrences of the Guardianship Council of the municipality of Quatá-SP, and this action was developed through social assistance surveillance carried out through the public policy of Social Assistance. In this text, we present the data that were produced in this context and that are vital for understanding the expressions of violence that are emerging today.
Keywords: Violence, Children and Adolescents, Social Assistance Surveillance.
1 INTRODUÇÃO
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem4
A poesia de Manoel Bandeira com a qual abrimos o presente manuscrito nos mobiliza em pensar as condições concretas de existência que afetam grande parcela da população brasileira, ainda que com um rol de serviços sociais públicos que têm sido consolidados visando a minimização dessas situações. Nesse interim, casos como o indicado na poesia, demandam por várias políticas sociais, e, dentre elas a Assistência Social, intervenção vital para a diminuição da pobreza e de suas múltiplas formas de expressão. Por analogia, ações de tal envergadura demandam pela qualificação dessa política social, e, para isso o planejamento e a antecipação de ações se mostram como elementos basais. Dentre tais elementos apontamos a chamada vigilância socioassistencial.
O termo vigilância socioassistencial emerge junto à Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004) no contexto de sua publicação, nos idos de 2004. Ainda que figurasse como um conceito discutido por profissionais que, como um dos autores desse manuscrito, já atuavam na área da Assistência Social, ainda se mostrava como algo apresentado como uma espécie de referência longínqua da ser contemplada. Dessa forma, sua inserção junto a Política Nacional de Assistência Social se mostrou como ganho para a Assistência Social uma vez que a partir de então a realização de vigilância socioassistencial é apresentada como algo inerente a essa política.
Para a Assistência Social, política que até então era resignada uma subcategoria a indicação da necessidade de produção de dados sobre as mazelas do território com o objetivo de enfrentá-las e de minimizar os problemas sociais aprofundados na sociedade capitalista. Portanto, a vigilância passa a figurar como elemento integrador da Assistência Social brasileira, apresentada como vital ao desenvolvimento de uma política social planejada antecipadamente e organizada a partir das demandas e necessidades apresentadas pela população em um dado recorte social, cultural e histórico.
Nesse sentido, no ano de 2022 o Estado de São Paulo deu início a uma ação inovadora por meio da qual realizou um projeto piloto de vigilância socioassistencial com municípios de pequeno, médio e grande porte por meio da qual financiou, em parcela única, experiências por meio das quais a vigilância socioassistencial fosse empreendida. Isso porque desde o ano de 2004 as ações de vigilância socioassistencial eram realizadas pelos municípios por meio de ações pontuais, e, via de regra, sem uma formação ou orientação específica. O projeto em pauta além do subsidio financeiro, foi estruturado por meio de várias reuniões realizadas com finalidade educativa via Meeting e em modalidade presencial as quais foram organizadas pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento (SEDS) com o apoio e o fortalecimento da Divisão Regional de Assistência Social (DRADS).
O município de Quatá participou do projeto piloto no ano de 2022 porém, o mesmo foi iniciado ao final desse ano, em dezembro. Devido a isso, o recurso e as atividades foram reorganizadas para que sua execução acontecesse no ano de 2023. Em 2023 houve a contratação de uma empresa especializada que realizou o diagnóstico dos serviços e das principais violações presentes no território, culminando com a elaboração do Plano Municipal da Vigilância Socioassistencial. No entanto, no ano de 2024, devido a existência de recursos financeiros o projeto foi reprogramado sendo então permitido o custeio de abordagens orientadas ao detalhamento de dados. No município de Quatá, no ano de 2024, houve a continuidade do projeto, porém, os dados foram orientados para a questão da violência cometida contra crianças e adolescentes, dentre outros elementos afins. Também nesse caso foi importante salientar o recebimento dos recursos do Estado pois isso viabilizou a contratação de empresa especializada para a produção de dados.
Nesse interim é de fundamental importância destacar a importância da DRADS Marília-SP5, em representação ao SEDS na oferta de subsídios para o desenvolvimento das intervenções atreladas à vigilância socioassistencial. Nesse sentido, foi de vital importância o apoio das técnicas atreladas a tal dispositivo no sentido de dirimir dúvidas variadas dos profissionais e ainda para conferir o estímulo necessário para as etapas de desenvolvimento da vigilância socioassistencial no município.
No presente manuscrito apresentaremos dados que foram obtidos por meio do aprofundamento da pesquisa realizada por uma empresa contratada para sistematização de informações atreladas a violência cometida contra criança e adolescente e que adotou como referência os dados de registro do Conselho Tutelar do município e que nos auxiliam a compreender as expressões da violência que se mostraram presentes nos registros de ocorrência do referido órgão considerando o ano de 2024. Os dados em questão foram inseridos no item 2.2. do artigo, que, apresentará inicialmente e no item 2.1 indicações sobre a vigilância socioassistencial.
Por igual intento, o texto foi elaborado por meio da leitura de documentos oficiais que caracterizam a vigilância socioassistencial e também por meio da consolidação, por meio da sistematização presente, dos dados sobre violência cometida contra crianças e adolescentes com base nos registros de informações do Conselho Tutelar de Quatá.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
2.1 A VIGILÂNCIA SOCIOASSISTENCIAL NO ESTADO DE SÃO PAULO: anos 2023 -2024
A vigilância socioassistencial é apresentada pela primeira vez, no aspecto formal, digamos assim, no Plano Nacional da Assistência Social, compreendida, naquele contexto, como uma referência para a organização da Assistência Social no país. São apresentadas como funções da vigilância socioassistencial:
[...] à produção, sistematização de informações, indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social que incidem sobre famílias/pessoas nos diferentes ciclos da vida (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos); pessoas com redução da capacidade pessoal, com deficiência ou em abandono; crianças e adultos vítimas de formas de exploração, de violência e de ameaças; vítimas de preconceito por etnia, gênero e opção pessoal; vítimas de apartação social que lhes impossibilite sua autonomia e integridade, fragilizando sua existência; vigilância sobre os padrões de serviços de assistência social em especial aqueles que operam na forma de albergues, abrigos, residências, semi-residências, moradias provisórias para os diversos segmentos etários. Os indicadores a serem construídos devem mensurar no território as situações de riscos sociais e violação de direitos. (BRASIL, 2004, p. 39-40)
De maneira que a vigilância socioassistencial aparece, inicialmente, como um meio ou forma de construir indicadores e índices sobre as situações de vulnerabilidade e risco que afetam as famílias e pessoas visando, obviamente, o seu enfrentamento de maneira planejada. Por conseguinte, a vigilância pressupõe a organização do SUAS a partir de dados sistematizados.
Além disso, é apontado ainda que a vigilância socioassistencial tem como finalidade:
⏵ produz, sistematiza informações, constrói indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social, que incidem sobre famílias / pessoas, nos diferentes ciclos de vida (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos);
⏵ identifica pessoas com redução da capacidade pessoal, com deficiência ou em
abandono;
⏵ identifica a incidência de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos vítimas de formas de exploração, de violência, de maus tratos e de ameaças;
⏵ identifica a incidência de vítimas de apartação social, que lhes impossibilite sua
autonomia e integridade, fragilizando sua existência;
⏵ exerce vigilância sobre os padrões de serviços de Assistência Social, em especial aqueles que operam na forma de albergues, abrigos, residências, semi-residências, moradias provisórias para os diversos segmentos etários (BRASIL, 2004, p. 93)
Do que podemos inferir que se constitui como atribuição da vigilância socioassistencial o mapeamento de situações de risco e violência, assim como delimitar elementos que permitam a apreensão de aspectos associados aos serviços ofertados pelo SUAS, com especial atenção para aqueles que são executados no âmbito da proteção social especial como as instituições: albergues, abrigos, residências, semi-residências e moradias provisórias.
Após essa inserção junto a Política Nacional de Assistência Social a vigilância socioassistencial foi incorporada a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) sendo apresentada, no artigo 2º. aa lei como um objetivo da Assistência Social e assim apresentado: “II - a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos” (BRASIL, 2014), porém essa inserção só aconteceu no ano de 2011. Na LOAS a definição incorpora ainda como pressuposto a identificação de capacidade protetiva das famílias, ou seja, destaca a centralidade das ações considerando a dimensão sociofamiliar.
Assim, cada município foi organizando serviços e dispositivos que buscaram desenvolver a chamada vigilância socioassistencial. No Estado de São Paulo, no contexto de elaboração dos Planos Municipais da Assistência Social, passou a ser solicitada informação sobre a realização da vigilância socioassistencial desde o ano de 2012.
Tendo em vista o disposto, no ano de 2022, o Estado de São Paulo delimitou pelo destino de recursos via Fundo Estadual da Assistência Social para o financiamento das ações empreendidas por alguns municípios do Estado de São Paulo orientadas para a vigilância socioassistencial. Os municípios selecionados para participar dessa ação, um projeto piloto do Estado de São Paulo, precisariam ter ações, ainda que não sistematizadas de vigilância socioassistencial. Tal delimitação foi conferida a partir do preenchimento, pelos municípios, do Plano Municipal de Assistência Social (PMAS) no ano de 2022. A regulamentação inicial da ação se deu por meio da Resolução SEDS de número 65, de 11 de dezembro de 2022.
No quesito da delimitação a respeito dos critérios de inserção de municípios para o projeto em questão lemos, no artigo 2º, o disposto:
§1º. Os critérios de seleção foram estabelecidos a partir dos registros sobre vigilância socioassistencial existentes no PMAS web 2022 e avaliação técnica da Diretoria Regional. a) Municípios que indicaram possuir equipe específica de vigilância; b) Municípios que indicaram não possuir equipe específica de vigilância, mas indicaram realizar ações de vigilância socioassistencial e /ou possuir sistema informatizado próprio; c) Municípios que indicaram não possuir equipe específica de vigilância, indicaram não realizar ações de vigilância socioassistencial, possui ou não sistema informatizado próprio, mas apresenta capacidade de gestão; d) Municípios que indicaram não possuir equipe específica de vigilância, indicaram não realizar ações de vigilância socioassistencial, não tem sistema informatizado próprio, mas apresentam interesse em fazer e capacidade de gestão (SECRETARIA ESTADUAL DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL, 2022, s/p.)
Na resolução ainda foi indicado o valor de repasse, no caso do município de Quatá foi destinado o valor de R$32.400,00 (Trinta e Dois Mil e Quatrocentos Reais) para o custeio das atividades. Tal recurso possuía especificidades no que dizia respeito a execução financeira.
Por conseguinte, as despesas poderiam ser usadas para as seguintes despesas, conforme o artigo 3º.:
[...] a) Custeio de bens móveis e locação de materiais de informática para o aprimoramento da gestão municipal na área de Vigilância Socioassistencial. b) Utilizar até 100% dos recursos oriundos do Fundo Estadual de Assistência Social, para remuneração dos profissionais que integrarem a Equipe Exclusiva de Vigilância Socioassistencial, conforme Caderno de Orientação Técnica da Vigilância Socioassistencial (Brasil/2016). c) Contratação de serviços de terceiros – pessoa física - para apoio técnico especializado a área de vigilância socioassistencial, desde que não constitua vínculo empregatício, vedado o pagamento de encargos sociais e trabalhistas; d) Contratação de serviços de terceiros - pessoa jurídica capacitação e aperfeiçoamento de profissionais que atuam na equipe de referência da vigilância socioassistencial. e) Aquisição de serviço de fornecimento de softwares, especialmente os destinados ao processamento de dados, tais como programas para análise estatística e georeferenciamento destinados a Vigilância Socioassistencial. f) Aquisição de material de consumo, tais como papel, tinta para impressora, canetas, lápis, livros e apostilas técnicas, etc. no que poderia ser gasto (SECRETARIA ESTADUAL DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL, 2022, s/p.)
No caso do município de Quatá, tanto em 2023, quanto em 2024, foi viabilizada licitação para contratação de empresa para sistematização dos dados inerentes a cada período. Para o acesso a tais recursos foi necessária apreciação do Conselho Municipal de Assistência Social e a inserção dos dados inerentes ao financiamento junto ao sistema do PMAS WEB. Além disso, a referida resolução destaca que o município precisaria possuir um profissional de referência para as ações desenvolvidas, além de demonstrar a possibilidade de consolidar a vigilância na estrutura formal do órgão gestor da Assistência Social.
A resolução destaca também assevera o fato de que é necessário o preenchimento do PMAS no que diz respeito ao destino dos recursos e a elaboração do chamado Plano Municipal da Vigilância Socioassistencial. No ano de 2023 o município de Quatá, com o apoio da empresa contratada conseguiu elaborar o plano requerido que, posteriormente foi encaminhado para a DRADS e também para a SEDS. Já em 2024, como salientado em outros trechos dessa descrição, o mapeamento esteve orientado para a violência cometida contra criança e adolescente e que apresentaremos no item subsequente.
2.2 A VIGILÂNCIA SOCIOASSISTENCIAL E OS DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O Conselho Tutelar possui como determinação a necessidade de inserção de dados sobre os casos atendidos por meio do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (SIPIA) sendo esse um importante dispositivo de registro e construção de indicadores sobre a violência que afeta crianças e adolescentes no país. No entanto, grande parte dos municípios do país não realizam esse registro devido a dificuldades de administração do sistema das mais variadas que estão associadas a vários fatores. O município de Quatá figura como um desses municípios em que não há dados registrados no sistema e por isso, no ano de 2024 houve a ênfase para o levantamento de informações a respeito da violência contra crianças e adolescentes. Para fazê-lo a empresa contratada realizou a sistematização de informações com base nos registros e prontuários físicos elaborados pelo Conselho Tutelar considerando o registro de ocorrências do ano de 2024.
Os dados foram estruturados conforme os tipos de violência dos casos acompanhados, perfil do denunciantes, perfil do agressor, local de residência da vítima e perfil das vítimas. Nesse recorte apresentaremos os dados atrelados aos tipos de violência e ao perfil das vítimas. Os dados, como indicado, foram sistematizados por uma empresa contratada para tal finalidade. Foram produzidos por essa empresa de forma manual através da análise dos prontuários e relatórios do Conselho Tutelar. A empresa construiu e estruturou os dados, construindo, inclusive percentuais que nos auxiliam no entendimento da violência cometida contra crianças e adolescentes e dos demais elementos inerentes. Foram consultados 127 prontuários.
Bem, em relação aos tipos de violência a empresa indicara os tipos: física, negligência, sexual e psicológica. A análise realizada nos prontuários elaborados pelo Conselho Tutelar permitiu a construção dos indicadores sobre os tipos de violência presentes nas denúncias descritas nos prontuários, mas, também apresentou outros registros contidos em tais documentos que caracterizam o atendimento e de certa forma, a violação. Assim, além dos tipos de violência descritos acima ainda foram apresentados: acompanhamento policial de adolescente usuário de droga, orientação de comportamento de adolescente, evasão escolar e “comportamento estranho”. Os indicativos em pauta podem ser assim representados:
Figura 1 – Distribuição dos tipos de violência cometida contra crianças e adolescentes
Do que podemos apreender que o índice mais elevado foi o de negligência e que se expressa em atos como abandono, ausência de cuidado quando a família tem condições de fazê-lo e que cause prejuízos ao desenvolvimento de crianças e de adolescentes, como nos indica Guerra (2000, p. 07):
Configura‐se quando os pais ou responsáveis falham em termos de prover as necessidades físicas, de saúde, educacionais, higiênicas de seus filhos e/ou de supervisionar suas atividades, de
modo a prevenir riscos e quando tal falha não é o resultado das condições de vida além do seu
controle.
Por conseguinte, quando a família não tem condições de atender as demandas de seus dependentes, não temos um quadro de negligência ao passo que a mesma se aplica apenas em condições específicas. Os prontuários indicam uma variedade de comportamentos que caracterizam a negligência dentre os quais podemos citar: ausência de crianças e adolescentes em médicos agendados no município e em especialistas no município de Presidente Prudente, atrasos na escola de forma reiterada, comparecimento de criança em dias frios sem vestimenta compatível e com roupas sujas. Importante ressaltar que muitos casos foram identificados na escola e encaminhados para o Conselho Tutelar, e, há que se destacar ainda que a educação municipal confere gratuitamente uniforme completo, inclusive com roupas de frios e calçados.
A partir disso, observamos ainda um considerável índice de registros de violência psicológica, ocupando o segundo lugar no percentual sistematizado dos registros. A violência psicológica, por sua vez, é expressa com comportamentos, condutas, falas que trazem prejuízos para o desenvolvimento subjetivo das vítimas. Nessa seara apresentaram situações como ameaças de não amar mais, de dar os filhos para outros parentes, ameaça de não cuidar mais da criança, e uso de termos que desqualificam a criança e o adolescente como burro, idiota e outros mais. Também são comuns gritos continuados na prática da violência psicológica.
Na sequência observamos ainda que há um índice significativo de violência de natureza física seguida pela sexual, em menor escala. Nesse sentido, os dados demonstram mudanças em relação ao padrão convencional de pesquisa uma vez que, em grande parte dos estudos o que mais aparece é a violência física e, no caso em questão observamos que a violência física e a violência sexual aparecem com índices baixos em relação aos demais. A violência física, por sua vez: “Corresponde ao emprego de força física no processo disciplinador de uma criança. É toda ação que causa dor física na criança: desde um simples tapa até o espancamento fatal representam um só continuum de violência” (Guerra, 2000, p.08). No âmbito dos prontuários analisados a violência em pauta indica como elementos comuns: agressões com a mão, com chinelo, com fio de telefone, com cintos, com cadeira e com vassoura. Já no que diz respeito a violência sexual há registros de casos em que as vítimas eram expostas a vídeos de conotação sexual, sexo sem consentimento, assédio sexual e beijo forçado.
Outro elemento de grande importância que a pesquisa apresentou faz menção aos casos de evasão escolar para os quais o Conselho Tutelar foi acionado em grande parte dos casos e que configura como uma negligência. Muitos casos de abandono escolar são de adolescentes, em sua maioria dos dados atualizados.
No que diz respeito aos demais tipos de violência indicados observamos ainda a apresentação de acompanhamento policial de adolescente usuário de droga, o que consideramos que tenha sido uma situação atípica visto que configura conduta adotada pelos conselheiros tutelares mas não um tipo de violência. Além disso, orientação de comportamento de adolescente não constitui, a nosso ver, atribuição do Conselheiro Tutelar, destacando essa como uma postura equivocada assim como a indicação de “comportamento estranho”, pois não compete ao referido órgão esse tipo de abordagem. Além disso, nesse caso, ambos elementos não caracterizam tipos de violência.
Além dessas informações, como indicamos anteriormente, também foi elaborado uma composição de dados atrelados ao perfil das vítimas. No tocante ao perfil houve a indicação de gênero, idade e etnia. Para a construção dessas informações foi inserida a requisição, em relação ao gênero: masculino, feminino ou outros. Com relação ao perfil foi possível constatar que 48,03% são identificados como do gênero masculino, 51,13% são associados ao gênero feminino e 0,79% configurados como Outros pois não houve identificação do gênero. Ainda que o aspecto em pauta seja apresentado como relevante, o mesmo não é auto declaratório, mas sim preenchido segundo a interpretação do conselheiro que recebeu a denúncia. Por conseguinte, não há como inferir que os dados produzidos de fato representam a realidade pois casos de transição de gênero não são contemplados. No que diz respeito a etnia não foi possível identificar tal elemento uma vez que não constava em nenhum prontuário.
E, por fim, em relação a idade a representação gráfica expressa dos dados obtidos destacando assim uma grande variedade de idades, e, de maior incidência de vítimas na faixa etária que engloba 15 a 16 anos. Também figura, como podemos observar, um contingente elevado de casos na faixa etária dos 13 e 14 anos, seguido por vítimas de 09 a 10 anos e 11 a 12 anos. No entanto, há caso de violência de bebês de 06 meses e de crianças de 01 a 02 anos de idade, destacando que a violência afeta praticamente todas as idades, considerando o nosso recorte, porém, a maior incidência se destaca entre crianças maiores e adolescentes. Observamos ainda que há um contingente significativo de casos em que a idade não foi identificada comprometendo assim a potência dos dados produzidos uma vez que o ideal é que fossem mapeadas todas as informações relacionadas a faixa etária dos atendidos. A distribuição gráfica demonstra essa caracterização:
Figura 2 – Distribuição segundo a idade das vítimas
Assim, diferente do que observamos em outros territórios, nossa amostra destaca a maior incidência de violência junto a adolescentes. Não houve o cruzamento de dados que associassem idade desses grupos ao tipo de violência sofrido, o que, a nosso ver, auxiliaria substancialmente a ampliação do entendimento construído sobre a violência que afeta crianças e adolescentes no território. Para tanto, por esses dados aqui apresentados foi possível construir uma caracterização das vítimas por meio de elementos importantes e que colaboram com a apreensão desse fenômeno. Por meio desses dados será possível para a gestão a articulação de serviços que atuem no âmbito das proteções sociais: básica e especial visando minimizar a ocorrência da violência ou então por meio de intervenções específicas em casos em que a situação já foi deflagrada.
3 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prevenção da ocorrência da violência que afeta crianças e adolescentes passa por ações e políticas sociais que sejam estruturadas com tal finalidade. Para realizá-las se mostra fundamental a construção de dados e de indicadores associados a violência e, por isso, a ação em pauta foi extremamente importante. A vigilância socioassistencial mostrou-se fundamental nesse aspecto e mais, a possibilidade de contratar uma empresa por meio de recursos dispendidos do FEAS foi fundamental. Importante frisar que a construção desses indicadores foi fundamental uma vez que o Conselho Tutelar não dispõe de sistemas para o registro de tais informações.
No entanto, os dados carecem ainda de aprofundamento uma vez que seria importante, por exemplo, o cruzamento de informações sobre idade e tipo de violência. Outro elemento que se configura como relevante é a questão de gênero e que deve ser respondida pela família e quando possível pela vítima uma vez que não sabemos se há correspondência entre o caractere biológico de nascimento e o considerado do universo masculino ou feminino.
Por fim, consideramos ainda que seja vital a manutenção da vigilância socioassistencial de forma sistemática e organizada, ou seja, que a mesma possua equipe responsável por sua execução e dispositivos que auxiliem a produção de dados. Nesse sentido, a vigilância é uma potência não apenas para a produção de dados associados à violência que acomete crianças e adolescentes mas sim a outros tipos de violações que afetam os segmentos mais vulneráveis do nosso território.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: Imprensa Oficial, 2004.
GUERRA, V.N.A. Os Novos e Pequenos Mártires: infância e violência doméstica. São Paulo: LACRI USP, 2000.
Secretária Estadual de Desenvolvimento Social. Resolução SEDS nº 14, de 14 de março de 2022. Imprensa Oficial: São Paulo, 2022. Disponível em https://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/comissao-intergestores-bipartite-resolucoes/. Acesso em 10 de mar. 2025.
Secretária Estadual de Desenvolvimento Social. Resolução SEDS nº 65, de 11 de novembro de 2022. Imprensa Oficial: São Paulo, 2022. Disponível em https://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/comissao-intergestores-bipartite-resolucoes/. Acesso em 10 de mar. 2025.
1 Assistente Social graduada pela UEL, atuante no município de Quatá, Mestre em Psicologia e Mestre em História pela Unesp-SP, Doutora em História pela Unesp de Assis-SP. E-mail: santiago.dani@yahoo.com.br
2 Assistente Social, gestora da Assistência Social do Município de Quatá, Especialista em Gestão de Políticas Sociais e Trabalho com Famílias pela Unip-SP. E-mail: lucianepecchio@gmail.com
3 Escriturária no município de Quatá, Graduada em Administração de Empresas - Faculdade Ranchariense, Graduada em Ciências Contábeis - Faculdade Faccat, Pós graduação: MBA Finanças, Controladoria, Auditoria e Planejamento Tributário,Graduação em Tecnologia em Recursos Humanos - Cruzeiro do Sul. E-mail: joissefonseca@yahoo.com.br
4 Disponível em https://factivel.wordpress.com/poesia/o-bicho/. Acesso: 10 de mar 2025.
5 Agradecemos a contribuição ímpar das técnicas Dora Selma Marcolongo e Célia Batista de Melo Jorge e da Silvia Barboza, atualmente aposentada da DRADS Marília.