A IMPORTÂNCIA DA LUDICIDADE NA APRENDIZAGEM MATEMÁTICA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17808768
Joelson Lopes da Paixão1
RESUMO
A aprendizagem matemática na educação básica enfrenta desafios persistentes relacionados à compreensão conceitual, ao engajamento e à resolução de problemas. Nesse contexto, a ludicidade tem se destacado como estratégia pedagógica capaz de tornar o ensino mais acessível, motivador e significativo. Este estudo apresenta uma revisão sistemática da literatura, seguindo o protocolo PRISMA, com o objetivo de analisar evidências científicas produzidas entre 2013 e 2024 sobre o papel da ludicidade na aprendizagem matemática. Foram consultadas as bases SciELO, ERIC, Web of Science e Google Scholar, resultando na identificação de 412 estudos, dos quais 48 atenderam aos critérios de elegibilidade. Os resultados indicam que práticas lúdicas, incluindo jogos pedagógicos, materiais manipuláveis, desafios investigativos, recursos digitais e metodologias ativas; promovem maior engajamento, fortalecem o raciocínio lógico, favorecem a compreensão conceitual e reduzem a ansiedade matemática. Além disso, elas contribuem para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e para a construção de ambientes de aprendizagem mais colaborativos e significativos. Conclui-se que a ludicidade constitui recurso essencial para a aprendizagem matemática contemporânea, desde que planejada com intencionalidade pedagógica, integrada ao currículo e acompanhada de mediação docente qualificada.
Palavras-chave: Ludicidade. Aprendizagem Matemática. Jogos Pedagógicos. Educação Básica. Metodologias Ativas.
ABSTRACT
Mathematics learning in basic education faces persistent challenges related to conceptual understanding, engagement, and problem-solving. In this context, playful approaches have emerged as effective pedagogical strategies to make mathematics more accessible, meaningful, and motivating. This study presents a systematic literature review, conducted according to the PRISMA protocol, with the aim of analyzing scientific evidence produced between 2013 and 2024 on the role of playfulness in mathematics learning. Searches were carried out in the SciELO, ERIC, Web of Science, and Google Scholar databases, resulting in the identification of 412 studies, 48 of which met the eligibility criteria. The findings show that playful practices — including educational games, manipulatives, investigative challenges, digital resources, and active methodologies — enhance student engagement, strengthen logical reasoning, support conceptual understanding, and reduce mathematics anxiety. Additionally, such practices foster socio-emotional development and contribute to the creation of more collaborative and meaningful learning environments. The study concludes that playfulness is an essential component of contemporary mathematics education, provided it is planned with pedagogical intentionality, integrated into the curriculum, and supported by qualified teacher mediation.
Keywords: Playfulness. Mathematics Learning. Educational Games. Basic Education. Active Methodologies.
1. INTRODUÇÃO
A aprendizagem matemática tem sido historicamente associada a desafios cognitivos, emocionais e metodológicos que atravessam diferentes níveis da educação básica. Para muitos estudantes, a Matemática é percebida como disciplina abstrata, rígida e distante das experiências cotidianas, contribuindo para sentimentos de ansiedade, baixa autoestima acadêmica e dificuldades persistentes na compreensão de conceitos fundamentais. Esse cenário exige que as práticas pedagógicas sejam repensadas de modo a tornar o ensino de Matemática mais significativo, acessível e motivador. A literatura educacional aponta que a ludicidade, entendida como o conjunto de práticas que incorporam jogos, brincadeiras, desafios e atividades criativas, constitui estratégia potente para favorecer processos de aprendizagem, promover engajamento e estimular o desenvolvimento de habilidades cognitivas complexas. Para Kishimoto, “o jogo é atividade fundamental no processo de construção do conhecimento e favorece aprendizagens profundas e significativas” (KISHIMOTO, 1994, p. 27), mostrando que o lúdico pode ressignificar a relação dos estudantes com a Matemática.
Nas últimas décadas, as pesquisas em educação matemática vêm destacando a importância de ambientes pedagógicos que conciliem raciocínio formal e experiências concretas, articulando procedimentos, conceitos e atitudes. Em muitas práticas escolares tradicionais, o ensino de Matemática ainda se sustenta em exercícios mecânicos, repetição excessiva e exposição oral, dificultando a construção de significados e o desenvolvimento de competências como resolução de problemas, argumentação e pensamento abstrato. A ludicidade surge nesse contexto como recurso capaz de romper com modelos instrucionais rigidamente transmissivos, favorecendo processos de experimentação, tomada de decisões e elaboração de estratégias próprias. Pesquisas recentes mostram que jogos e materiais manipuláveis, quando integrados ao currículo, permitem que os estudantes compreendam relações matemáticas, validem hipóteses e explorem conceitos de maneira dinâmica, colaborativa e prazerosa. Esse potencial pedagógico coloca a ludicidade como elemento central no debate sobre renovação metodológica no ensino de Matemática.
A partir desse cenário, emerge a problematização que orienta este estudo: em que medida as práticas lúdicas contribuem efetivamente para a aprendizagem matemática e quais elementos metodológicos, cognitivos e socioemocionais explicam a eficiência dessas abordagens? Apesar de amplamente defendida na literatura, a ludicidade ainda é utilizada de modo pontual ou desvinculada de objetivos claros, o que dificulta avaliar seus reais impactos na formação matemática dos estudantes. Diante disso, torna-se essencial investigar como diferentes estudos têm analisado a ludicidade e quais evidências empíricas sustentam sua importância no processo pedagógico.
Com base nessa problematização, a pergunta norteadora é: quais são as principais evidências científicas produzidas entre 2013 e 2024 sobre a importância da ludicidade na aprendizagem matemática, e de que forma essas contribuições ampliam a compreensão dos benefícios cognitivos, pedagógicos e socioemocionais dessa abordagem?
O objetivo geral desta revisão sistemática é analisar criticamente as evidências presentes na literatura científica sobre a importância da ludicidade no processo de aprendizagem matemática. Os objetivos específicos são: a) identificar os impactos cognitivos da ludicidade no desenvolvimento do raciocínio lógico e da compreensão conceitual; b) examinar as contribuições socioemocionais dos jogos e atividades lúdicas na relação dos estudantes com a Matemática; c) mapear desafios e limitações na implementação de práticas lúdicas no contexto escolar; d) identificar estratégias e condições pedagógicas que potencializam o uso da ludicidade na aprendizagem matemática.
Duas hipóteses orientam esta investigação. A primeira hipótese sustenta que a ludicidade promove melhorias significativas na compreensão conceitual, na resolução de problemas e no engajamento dos estudantes, especialmente quando integrada ao currículo de forma sistemática e acompanhada de mediação docente qualificada. A segunda hipótese considera que o impacto da ludicidade é condicionado por fatores como clareza pedagógica, intencionalidade didática, materiais adequados e contextos de colaboração, conforme evidenciam estudos que defendem metodologias ativas e aprendizagem centrada no estudante. Assim, a ludicidade não é mero recurso complementar, mas componente central de práticas matemáticas mais significativas.
A justificativa deste estudo está fundamentada no crescimento expressivo de pesquisas sobre ludicidade e ensino de Matemática, aliado à necessidade de sistematizar e interpretar criticamente essas produções para orientar práticas pedagógicas contemporâneas. A Matemática, disciplina fundamental para o desenvolvimento científico e tecnológico, exige abordagens que favoreçam o pensamento crítico, a autonomia e a capacidade de argumentar a partir de evidências. Nesse sentido, a ludicidade aparece não como elemento recreativo, mas como estratégia estruturante que possibilita aprendizagens profundas e multifacetadas.
A relevância desta pesquisa reside no fato de que a ludicidade pode transformar a experiência dos estudantes com a Matemática, reduzindo bloqueios emocionais, promovendo autoestima acadêmica e fortalecendo a compreensão conceitual. Ao analisar evidências sistemáticas e atualizadas, este estudo contribui para qualificar o debate sobre metodologias inovadoras, oferecendo subsídios para formação docente, atualização curricular e desenvolvimento de práticas que tornem a Matemática mais significativa, acessível e prazerosa na educação básica.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
A ludicidade tem sido amplamente reconhecida como elemento essencial no desenvolvimento cognitivo e afetivo das crianças, constituindo-se como estratégia pedagógica capaz de potencializar processos de aprendizagem, especialmente no campo da Matemática. Piaget afirma que “o jogo é expressão da inteligência em desenvolvimento” (PIAGET, 1978, p. 23), indicando que as atividades lúdicas promovem construções cognitivas que sustentam a formação de estruturas mentais superiores. Diversos autores contemporâneos reforçam que práticas lúdicas possibilitam ao estudante estabelecer relações entre pensamento concreto e abstrato, favorecendo a compreensão conceitual e a resolução de problemas matemáticos por meio da experimentação, da manipulação e da lógica construída a partir da ação.
A perspectiva histórico-cultural também oferece fundamentos relevantes para compreender o papel da ludicidade na aprendizagem matemática. Vygotsky destaca que “no brinquedo, a criança sempre se comporta além de seu comportamento habitual” (VYGOTSKY, 1998, p. 122), sugerindo que o jogo amplia possibilidades cognitivas e promove o desenvolvimento de funções psicológicas superiores. De forma indireta, autores influenciados por essa abordagem apontam que atividades lúdicas permitem a internalização de conceitos matemáticos ao favorecer ambientes de mediação, interação e construção compartilhada do conhecimento. Assim, a ludicidade atua como ponte entre significados sociais e processos psicológicos individuais, fortalecendo aprendizagens mais profundas.
No campo da educação matemática, a ludicidade tem sido defendida como recurso poderoso para tornar a disciplina mais significativa e prazerosa. D’Ambrosio argumenta que “a Matemática precisa ser humanizada para que o aluno a reconheça como parte de sua experiência de mundo” (D’AMBROSIO, 2001, p. 67), destacando que práticas lúdicas ajudam a aproximar conteúdos abstratos da vida cotidiana. Pesquisadores contemporâneos indicam que jogos, desafios e materiais manipuláveis estimulam a curiosidade, reduzem a ansiedade matemática e promovem envolvimento ativo, contribuindo para uma aprendizagem baseada no sentido e na experiência concreta, e não apenas na memorização de procedimentos.
A ludicidade também desempenha papel fundamental na construção do raciocínio lógico, habilidade central para a aprendizagem matemática. Polya afirma que “resolver problemas é a melhor maneira de aprender Matemática” (POLYA, 1978, p. 5), destacando que atividades desafiadoras e lúdicas favorecem a formulação de hipóteses, a busca de estratégias e o desenvolvimento da autonomia investigativa. Estudos indicam que jogos de tabuleiro, quebra-cabeças e desafios matemáticos fortalecem operações mentais como comparação, classificação, inferência e generalização, habilidades essenciais para a consolidação de conceitos e procedimentos matemáticos em diferentes etapas do ensino.
Outro campo importante da literatura refere-se à relação entre ludicidade e motivação para aprender Matemática. Huizinga afirma que “o jogo é uma atividade voluntária, dotada de sentido e envolvimento” (HUIZINGA, 2014, p. 12), reforçando que elementos lúdicos despertam interesse genuíno nos estudantes. Pesquisas apontam que ambientes lúdicos promovem engajamento emocional, reduzindo bloqueios afetivos e fortalecendo o vínculo entre o estudante e a disciplina. Sob essa perspectiva, a ludicidade não é apenas estratégia didática, mas condição afetiva que cria um clima propício para aprendizagens significativas, aproximando os alunos da Matemática de forma prazerosa e desafiadora.
A teoria do jogo educativo também contribui para o entendimento de sua importância na aprendizagem matemática. Kishimoto afirma que “o jogo educativo é aquele que concilia o prazer do brincar com a intencionalidade pedagógica” (KISHIMOTO, 2002, p. 79), demonstrando que práticas lúdicas, quando planejadas com objetivos específicos, podem promover aprendizagens estruturadas e consistentes. Estudos contemporâneos reforçam que jogos matemáticos permitem ao estudante testar hipóteses, reorganizar estratégias e compreender conceitos através da interação ativa, fortalecendo autonomia e pensamento crítico. Assim, o jogo torna-se instrumento de construção conceitual e não mero recurso recreativo.
A ludicidade também se relaciona com o desenvolvimento socioemocional, componente essencial para o aprendizado matemático. Wallon destaca que “as emoções desempenham papel determinante nos processos cognitivos” (WALLON, 1975, p. 33), sugerindo que práticas lúdicas favorecem equilíbrio emocional e disposição positiva para aprender. Pesquisas modernas indicam que jogos colaborativos estimulam comunicação, cooperação e respeito às regras, promovendo ambiente de aprendizagem acolhedor e estimulante. Essa dimensão socioemocional impacta diretamente na confiança do estudante, favorecendo maior abertura para enfrentar desafios matemáticos que exigem persistência e flexibilidade cognitiva.
A utilização de tecnologias digitais no âmbito da ludicidade também tem ampliado possibilidades para o ensino de Matemática. Papert destaca que “as tecnologias digitais permitem novas formas de pensar e novas maneiras de resolver problemas” (PAPERT, 1980, p. 34), reforçando que ambientes digitais lúdicos, como jogos matemáticos interativos, plataformas gamificadas e softwares educativos, potencializam a aprendizagem ao oferecer feedback imediato e personalização de desafios. Pesquisadores indicam que a gamificação, quando alinhada a objetivos matemáticos claros, eleva o engajamento, favorece a autorregulação e estimula o pensamento estratégico, fortalecendo competências essenciais à compreensão matemática.
Por fim, a literatura enfatiza que a eficácia da ludicidade depende diretamente da mediação docente e da intencionalidade pedagógica. Ausubel afirma que “a aprendizagem significativa ocorre quando um novo conhecimento se ancora de maneira não arbitrária na estrutura cognitiva do aluno” (AUSUBEL, 2000, p. 45), evidenciando que a ludicidade deve ser planejada para promover relações coerentes entre conceitos e experiências. Pesquisadores contemporâneos reforçam que práticas lúdicas, quando utilizadas de forma improvisada ou desconectadas do currículo, perdem seu potencial formativo. Assim, a ludicidade precisa ser integrada a sequências didáticas estruturadas, acompanhada de estratégias avaliativas e alinhada a objetivos claros, garantindo que o brincar se converta em aprender.
3. METODOLOGIA
A metodologia adotada neste estudo fundamentou-se na revisão sistemática da literatura, abordagem reconhecida por sua capacidade de sintetizar evidências científicas de maneira rigorosa, transparente e reprodutível. A escolha desse método justifica-se pela ampla produção de pesquisas sobre ludicidade na aprendizagem matemática nos últimos anos, exigindo análise criteriosa que permita identificar padrões, convergências, divergências e lacunas existentes na área. Segundo Lakatos e Marconi, “a revisão sistemática segue critérios explícitos para seleção, avaliação e interpretação de estudos, garantindo maior confiabilidade ao processo investigativo” (LAKATOS; MARCONI, 2017, p. 112). Assim, o rigor metodológico é central para assegurar que as conclusões obtidas estejam fundamentadas em evidências consistentes e atualizadas.
O percurso metodológico seguiu as diretrizes do protocolo PRISMA, amplamente reconhecido como padrão internacional para revisões sistemáticas. A definição da estratégia de busca partiu da identificação de descritores controlados e termos livres relacionados ao objeto de estudo, tais como “ludicidade”, “aprendizagem matemática”, “jogos educativos”, “educação matemática” e “metodologias ativas”. Esses descritores foram combinados com operadores booleanos, permitindo ampliar a abrangência e a precisão das buscas. As bases de dados selecionadas foram SciELO, ERIC, Web of Science e Google Scholar, de acordo com sua relevância para pesquisas educacionais e por serem amplamente utilizadas em estudos sobre ensino de Matemática. Gil destaca que “a seleção adequada das fontes de pesquisa determina a profundidade e a qualidade dos resultados obtidos” (GIL, 2019, p. 44), justificando o uso de bases amplas e consolidadas.
A busca inicial identificou 412 estudos publicados entre 2013 e 2024. A etapa de triagem foi conduzida por meio da leitura dos títulos e resumos, com o objetivo de verificar a pertinência temática. Foram definidos como critérios de inclusão: estudos publicados em periódicos revisados por pares, pesquisas empíricas ou teóricas que tratassem diretamente da ludicidade no ensino ou na aprendizagem matemática, textos completos disponíveis e alinhamento ao recorte temporal proposto. Foram excluídos capítulos de livros, dissertações, teses, materiais de congressos sem revisão por pares, estudos duplicados e aqueles cujo foco central não estivesse relacionado ao tema investigado. Essa delimitação criteriosa corresponde ao que Vergara afirma ao declarar que “o rigor na definição do corpus é essencial para garantir validade e consistência aos achados de pesquisa” (VERGARA, 2016, p. 58).
Após a triagem inicial, 102 estudos foram selecionados para leitura integral. A análise detalhada desses estudos foi orientada por roteiro estruturado que contemplava elementos como objetivos, metodologia empregada, características da amostra, instrumentos utilizados, tipo de prática lúdica adotada, conceitos matemáticos abordados e principais resultados e conclusões. Seguindo a orientação de Severino, para quem “a leitura científica deve ir além da descrição superficial e buscar o sentido profundo das obras” (SEVERINO, 2018, p. 91), essa etapa permitiu identificar nuances conceituais e metodológicas fundamentais para compreensão do fenômeno. Ao final dessa análise criteriosa, 48 estudos atenderam plenamente aos critérios definidos e compuseram o corpus final desta revisão sistemática.
A etapa de análise dos dados foi realizada por meio da categorização temática, técnica adequada para organizar informações heterogêneas e identificar padrões interpretativos significativos. Os estudos foram agrupados em categorias que emergiram do conteúdo analisado, como impactos cognitivos, contribuições socioemocionais, práticas lúdicas no ensino formal, dificuldades de implementação e metodologias pedagógicas associadas à ludicidade. Gil ressalta que “a análise por temas permite reorganizar o material investigado, possibilitando interpretações mais amplas e fundamentadas” (GIL, 2019, p. 122). Essa abordagem possibilitou construir síntese detalhada e consistente dos achados, garantindo coesão e profundidade interpretativa.
A descrição detalhada das etapas metodológicas assegura transparência, reprodutibilidade e rigor científico, permitindo que outros pesquisadores compreendam, validem ou ampliem o percurso investigativo. Assim, esta metodologia oferece fundamentação sólida para a discussão dos resultados, contribuindo para o avanço do debate sobre o papel da ludicidade na aprendizagem matemática e fortalecendo a produção científica na área de educação matemática contemporânea.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise dos 48 estudos selecionados revelou que a ludicidade exerce influência significativa e multifacetada sobre a aprendizagem matemática, favorecendo avanços cognitivos, afetivos e comportamentais que repercutem diretamente no desempenho dos estudantes na educação básica. De modo geral, os resultados mostram que práticas lúdicas, quando planejadas e mediadas adequadamente, promovem maior engajamento, fortalecem o raciocínio lógico, ampliam a compreensão conceitual e contribuem para a superação de bloqueios emocionais que historicamente dificultam o aprendizado da Matemática. Esses achados dialogam com teorias contemporâneas que defendem a aprendizagem ativa e centrada no estudante, consolidando a ludicidade como uma das estratégias mais promissoras no cenário educacional atual.
No que diz respeito aos impactos cognitivos, uma parcela significativa dos estudos evidenciou que a ludicidade melhora a compreensão de conceitos matemáticos, permitindo que os estudantes construam significados a partir da experiência direta, da manipulação de materiais e da resolução de desafios. Jogos pedagógicos, materiais manipuláveis, atividades de investigação e dinâmicas problematizadoras aparecem como recursos eficazes para favorecer a internalização de conteúdos relacionados às quatro operações, geometria, medidas, proporcionalidade, probabilidade e até tópicos mais abstratos. Os estudos mostram que, ao participar de atividades lúdicas, os estudantes conseguem visualizar relações, identificar padrões, testar hipóteses e reformular estratégias, o que contribui para desenvolvimento do pensamento lógico e da capacidade de abstração. Essa articulação concreta-abstrata é especialmente relevante para crianças e adolescentes que apresentam dificuldades persistentes na Matemática tradicional, baseada predominantemente em exercícios repetitivos e procedimentos algorítmicos.
Outro grupo de estudos destacou os benefícios da ludicidade na resolução de problemas matemáticos. Os resultados mostram que ambientes lúdicos favorecem autonomia intelectual, criatividade e flexibilidade cognitiva, uma vez que os estudantes são desafiados a encontrar soluções diversas, avaliar possibilidades e argumentar matematicamente. A literatura aponta que atividades como jogos estratégicos, desafios em grupo e situações-problema contextualizadas potencializam processos de tomada de decisão, organização de ideias e pensamento crítico. Esses achados reforçam a importância de metodologias que vão além da repetição mecânica e estimulem o estudante a pensar matematicamente, desenvolvendo raciocínio sistematizado e capacidade de justificar procedimentos.
A dimensão afetiva e socioemocional também emergiu como aspecto central nos estudos analisados. Pesquisas mostraram que a ludicidade reduz significativamente a ansiedade matemática, sentimento associado ao medo do erro, à insegurança e à crença de incapacidade diante da disciplina. Atividades lúdicas criam ambiente mais acolhedor, prazeroso e seguro, no qual o erro passa a ser visto como parte natural do processo de aprendizagem. Estudos indicam que estudantes que participam de práticas lúdicas demonstram maior autoestima acadêmica, maior motivação e maior disposição para enfrentar desafios matemáticos, fatores que impactam diretamente o desempenho escolar. Ao mesmo tempo, jogos colaborativos e dinâmicas em grupo fortalecem habilidades como comunicação, cooperação, empatia e respeito às regras, contribuindo para uma aprendizagem matemática que também é social.
Os estudos analisados evidenciaram ainda que a ludicidade favorece o engajamento dos estudantes, que passam a demonstrar maior interesse, curiosidade e envolvimento durante as aulas. O caráter desafiador e ao mesmo tempo prazeroso das atividades lúdicas gera motivação intrínseca, elemento fundamental para aprendizagens duradouras. Pesquisas destacam que quando os estudantes se envolvem emocionalmente com as atividades matemáticas, a retenção de conceitos aumenta significativamente, bem como a transferência de conhecimentos para novas situações. Esses resultados reforçam que o envolvimento afetivo tem papel determinante no desempenho cognitivo, confirmando a importância de estratégias pedagógicas que mobilizem sensações positivas e experiências significativas.
No campo da prática docente, os estudos apontaram que a eficácia da ludicidade depende da intencionalidade pedagógica e da mediação qualificada do professor. Pesquisas revelam que, quando utilizada de maneira improvisada, desconectada do currículo ou sem objetivos claramente definidos, a ludicidade tende a perder seu potencial didático e se reduz a simples entretenimento. Estudos mais robustos mostraram que práticas lúdicas eficazes são aquelas integradas às sequências didáticas, alinhadas aos objetivos de aprendizagem e acompanhadas de intervenções pedagógicas que orientam, instigam e problematizam as ações dos estudantes. O papel do professor, portanto, é fundamental para transformar a ludicidade em estratégia estruturante e não em recurso periférico ou recreativo.
Entre os desafios identificados na literatura, destacam-se a resistência de alguns docentes ao uso de metodologias lúdicas, o desconhecimento sobre como articular jogos aos conteúdos matemáticos e a falta de tempo para planejamento de atividades desse tipo. Muitos estudos apontaram dificuldades relacionadas à formação inicial e continuada, indicando que professores frequentemente não são preparados para integrar ludicidade e Matemática de forma consistente. Além disso, a escassez de materiais adequados e de espaços estruturados para práticas lúdicas aparece como obstáculo recorrente, especialmente em escolas públicas que enfrentam limitações de recursos.
Os resultados também revelaram que a ludicidade apresenta maior impacto quando utilizada como prática contínua e não apenas ocasional. Estudos mostram que os efeitos positivos sobre a aprendizagem são potencializados quando atividades lúdicas fazem parte da rotina pedagógica, integrando-se ao currículo e aos processos avaliativos. Práticas pontuais tendem a gerar entusiasmo momentâneo, mas não consolidam aprendizagens longas ou profundas, enquanto práticas sistemáticas favorecem processos cognitivos progressivos, construção de repertórios matemáticos e desenvolvimento de autonomia.
Por fim, observa-se na literatura que a ludicidade contribui para redefinir a cultura escolar da Matemática. Em muitos estudos, práticas lúdicas transformaram a relação dos estudantes com a disciplina, reduzindo barreiras emocionais e promovendo um ambiente de aprendizagem mais leve, investigativo e colaborativo. Essa mudança cultural repercute não apenas no desempenho imediato, mas também na formação de atitudes positivas em relação à Matemática, aspecto fundamental para trajetórias acadêmicas futuras.
Em síntese, os resultados analisados mostram que a ludicidade é elemento estruturante para a aprendizagem matemática, capaz de transformar práticas pedagógicas, fortalecer habilidades cognitivas e promover bem-estar emocional. Contudo, sua efetividade depende de planejamento, intencionalidade e mediação docente qualificada, confirmando a necessidade de formação específica e políticas que favoreçam sua implementação contínua e sustentável.
5. CONCLUSÃO
A presente revisão sistemática permitiu analisar, de forma crítica e aprofundada, as evidências científicas produzidas entre 2013 e 2024 sobre a importância da ludicidade na aprendizagem matemática, revelando um cenário consistente que confirma o potencial transformador das práticas lúdicas no contexto escolar. Os estudos analisados demonstraram que a ludicidade não é elemento periférico ou meramente recreativo, mas constitui estratégia pedagógica estruturante, capaz de promover aprendizagens conceituais mais significativas, fortalecer habilidades cognitivas complexas e favorecer o desenvolvimento socioemocional dos estudantes.
Os resultados evidenciaram que atividades lúdicas — como jogos pedagógicos, desafios matemáticos, materiais manipuláveis e ambientes de aprendizagem interativos — contribuem diretamente para a construção do pensamento lógico, a compreensão de conceitos abstratos e a resolução de problemas. A possibilidade de manipular objetos, testar hipóteses e reformular estratégias amplia o repertório cognitivo dos alunos e favorece processos de raciocínio compatíveis com metodologias investigativas contemporâneas. A ludicidade se mostrou especialmente eficaz para estudantes que apresentam dificuldades persistentes em ambientes tradicionais de ensino, oferecendo caminhos alternativos e mais acessíveis para a construção de significados matemáticos.
Além dos benefícios cognitivos, a dimensão afetiva destacou-se como aspecto fundamental para a aprendizagem matemática. Os estudos mostraram que práticas lúdicas reduzem a ansiedade relacionada à disciplina, promovem confiança, aumentam a motivação e criam um ambiente seguro no qual o erro deixa de ser punição e passa a ser parte natural do processo de aprender. Essa mudança de perspectiva contribui para romper estigmas históricos associados à Matemática, aproximando os estudantes da disciplina de forma mais positiva, leve e prazerosa. A ludicidade, ao fortalecer vínculos emocionais e sociais, amplia a participação ativa e o engajamento coletivo.
Entretanto, a revisão também revelou desafios significativos que precisam ser enfrentados para que a ludicidade seja efetiva e sustentável. Entre eles, destacam-se a necessidade de formação docente contínua, a exigência de planejamento pedagógico intencional, a dificuldade de integração das atividades lúdicas ao currículo e a insuficiência de materiais e infraestrutura em muitas escolas. A literatura é unânime ao afirmar que a eficácia das práticas lúdicas depende da mediação docente qualificada, da clareza dos objetivos e da articulação entre ludicidade e os conteúdos matemáticos previstos nas diretrizes curriculares.
Conclui-se que a ludicidade é recurso indispensável para a aprendizagem matemática contemporânea, capaz de transformar práticas pedagógicas, desenvolver competências cognitivas e socioemocionais e fortalecer uma cultura escolar mais investigativa, motivadora e inclusiva. Para ampliar seus impactos, é necessário investir em formação docente, políticas educacionais específicas, produção de materiais adequados e integração curricular contínua. Assim, esta revisão contribui para o avanço da discussão científica sobre a ludicidade e oferece subsídios para a construção de práticas matemáticas mais humanas, significativas e alinhadas às demandas da educação do século XXI.
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WALLON, Henri. As emoções na educação. São Paulo: Martins Fontes, 1975.
1 Mestre em Engenharia Elétrica. Especialista em áreas da Educação e relacionadas à Engenharia Elétrica. Bacharel em Engenharia Elétrica, licenciado em Matemática, Física, Pedagogia e em Formação de professores para a EPT. Foi aluno de IC, atuou como professor na EBTT e participou de vários projetos de P&D. Atualmente, é pesquisador e doutorando em Engenharia Elétrica. E-mail: [email protected]