A IMPLANTAÇÃO DA TERAPIA FÁGICA COMO ALTERNATIVA NO COMBATE ÀS INFECÇÕES CAUSADAS POR BACTÉRIAS MULTIRRESISTENTES

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10396413


Paola Mora Armanhi1
Heloísa Maria de Campos2
Maria Paula Galvão de França3
Larissa Teodoro Rabi4
Regiane Priscila Ratti5


RESUMO
Atualmente, em nossa sociedade enfrentamos um problema sério de saúde pública: o crescente aumento do número de bactérias resistentes a múltiplas drogas, decorrente do uso indevido e indiscriminado de antibióticos. Embora existam diversas opções terapêuticas disponíveis, o grande desafio é a crescente resistência bacteriana a esses tratamentos e para isso, é necessário encontrar terapias alternativas eficazes. Uma opção viável que têm ganhado notoriedade nos últimos anos em estudos de diversos países é a Terapia Fágica. A terapia fágica consiste em uma técnica medicinal que faz uso de bacteriófagos para tratar infecções bacterianas. Os bacteriófagos são vírus que infectam bactérias e agem através de dois ciclos: um lítico e lisogênico. Ao encontrar com a membrana da bactéria, o fago injeta seu material genético dentro da mesma, realiza replicação, podendo seguir o ciclo lítico ou lisogênico e obtendo no final a lise da bactéria. Os fagos têm sido isolados e purificados pela indústria farmacêutica a partir de amostras de água, solo, esgoto ou outros ambientes onde as bactérias são ubíquas. Os fagos podem ser administrados por diversas vias: oral, tópica, intravenosa e por nebulização, dependendo do tipo de infecção e estado de saúde do paciente. Apesar da terapia fágica ter demonstrado eficiência no combate à bactérias multirresistentes, o uso desta tecnologia têm sido pouco explorada no Brasil. Sendo assim, o presente trabalho consiste em uma revisão de literatura sobre os mecanismos de ação e avanços do uso da terapia fágica no combate às infecções, discutindo estudos de casos de sucesso em diversas partes do mundo que utilizaram diferentes tipos de Fagos no tratamento de diversas infecções ocasionadas por vários tipos de bactérias.
Palavras-chave: Bactérias. Bacteriófagos. Resistência Bacteriana. Terapia Fágica.

ABSTRACT
Currently, in our society we face a serious public health problem: the increasing number of bacteria resistant to multiple drugs, resulting from the undue and indiscriminate use of antibiotics. Although there are several therapeutic options available, the great challenge is the growing bacterial resistance to these treatments and for that, it is necessary to find effective alternative therapies. A viable option that has gained notoriety in recent years in studies from different countries is Phage Therapy. Phage therapy is a medicinal technique that uses bacteriophages to treat bacterial infections. Bacteriophages are viruses that infect bacteria and act through two cycles: a lytic and a lysogenic cycle. Upon encountering the bacterial membrane, the phage injects its genetic material into it, performs replication, and can follow the lytic or lysogenic cycle, ultimately obtaining the lysis of the bacterium. Phages have been isolated and purified by the pharmaceutical industry from samples of water, soil, sewage or other environments where bacteria are ubiquitous. Phages can be administered by several routes: oral, topical, intravenous and nebulized, depending on the type of infection and the patient's health status. Although phage therapy has demonstrated efficiency in combating multidrug-resistant bacteria, the use of this technology has been little explored in Brazil. Therefore, the present work consists of a literature review on the mechanisms of action and advances in the use of phage therapy to combat infections, discussing successful case studies in different parts of the world that used different types of Phages in the treatment of various diseases caused by bacteria.
Keywords: Bacteria. Bacteriophages. Drug Resistance, Bacterial. Phage Therapy.

INTRODUÇÃO

A resistência antimicrobiana está crescendo de forma exacerbada a nível mundial. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), corre-se o risco de nos próximos anos entrarmos em uma era pós-antibiótica, onde infecções leves poderão acarretar à morte. (Rios et al. 2016).

O fácil acesso aos antibióticos sem receituário médico e/ou o uso incorreto dos mesmos, está contribuindo para esse cenário alarmante. Apesar do desenvolvimento de novas drogas, muitos antibióticos administrados tem se tornado incapaz de combater infecções, gerando altos custos com diversos tipos de antibacterianos, internações hospitalares e aumento da mortalidade. (Rios et al. 2016).

Diante desse cenário, nos últimos anos diversos pesquisadores retomaram as pesquisas com administração de bacteriófagos no combate às infecções bacterianas, anteriormente abandonado devido ao descobrimento da Penicilina. Essa terapia alternativa sugere a administração de uma alta gama de espécies de Bacteriófagos no combate a diferentes tipos de infecções bacterianas, refletindo em grandes avanços para a medicina, biotecnologia, microbiologia e imunologia. (Reina e Reina 2018). Algumas vantagens do manejo de fagos em relação aos antibióticos é a alta especificidade, o baixo custo de produção, atividade antibiofilme, e em alguns casos a associação de fagos com antibióticos tem demonstrado efetividade. (Li et al. 2021).

Para esse estudo continuar progredindo a montagem de uma biblioteca de bacteriófagos no Brasil seria vantajosa para aprofundar os testes de vias de administração, espécies de fagos adequadas para cada bactéria resistente e graus diferentes de infecção, buscando assim conseguir combater diversas infecções. (Gurney et al. 2020).

Sendo assim, o presente trabalho consiste em uma revisão de literatura sobre os mecanismos de ação e avanços do uso da terapia fágica no combate às infecções, discutindo casos medicinais de sucesso através do uso de diferentes tipos de Fagos. O trabalho busca contribuir para o avanço do conhecimento científico mostrando o potencial da terapia fágica, além de promover o estímulo do uso consciente e responsável de antibióticos.

METODOLOGIA

O presente estudo foi realizado a partir de uma revisão da literatura na qual foram realizadas buscas nas bases de dados científicas Pubmed e Scientific Eletronic Library Online (Scielo) utilizando os descritores “Bacteriófagos", "Terapia Fágica" e "Resistência Bacteriana", devidamente cadastrados na plataforma Descritores em Ciências da Saúde (DECS). O protocolo de filtros aplicados para critérios de inclusão foram: artigos completos e disponíveis gratuitamente para a população e o corte temporal aplicado foi artigos de 2013 à 2023. A seleção foi realizada a partir dos títulos e resumos dos artigos e, posteriormente, leitura na íntegra dos artigos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Resistência bacteriana

As bactérias possuem a capacidade de se adaptarem a diferentes condições externas, como por exemplo, a presença de antibióticos. Quando são expostas a antibióticos, muitas morrem, porém algumas sobrevivem e por realizarem processos de mutação ou transferência gênica, possuem vantagem competitiva em relação às outras, processo denominado como seleção natural das mais fortes. Esse resultado competitivo de bactérias mais resistentes pode ser causado pelo uso excessivo e inadequado de antibióticos. (Gurney et al. 2020).

Os mecanismos desenvolvidos pelas bactérias são diversos e complexos. Geralmente estão vinculados à resistência por alteração do alvo, resistência por inativação enzimática, resistência por alteração da permeabilidade da membrana celular e resistência por efluxo de antibióticos. (Gurney et al. 2020).

Além desses mecanismos biológicos que as bactérias encontraram para sobreviverem ao tratamento antimicrobiano, existem outras formas de resistência bacterianas desenvolvidas como a formação de biofilme, a transferência de genes de resistência entre bactérias e a evolução de novos mecanismos de resistência. (Gurney et al. 2020).

Um levantamento de dados feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil, aponta que há um crescente aumento de resistência à Carbapenêmicos (classe de antibióticos convencionais) pelas cepas bacterianas como Acinetobacter spp., Klebsiella pneumoniae, e Pseudomonas aeruginosa. (ANVISA, 2016). Portanto, a implementação da terapia fágica no Brasil, seria interessante para controlar essas bactérias multirresistentes, entretanto, infelizmente até 2020 ainda não existiam estudos clínicos com bacteriófagos publicados no Brasil. (Martins, Toleman, e Gales 2020).

Em 2013 nos Estados Unidos foram relatados mais de 80 mil infecções e 11.285 mortes causadas por Staphylococcus aureus, bactéria causadora de osteomielite e entre outras infecções perigosas. A bactéria Staphylococcus aureus possui uma tendência a desenvolver resistência e quando causa osteomielite pode levar à amputação de membros inferiores e/ou causar a morte. (Cobb, McCabe, e Priddy 2020).

O uso indiscriminado de antibióticos representa também um cenário preocupante no que diz respeito à resistência bacteriana, especialmente em 2019, com o novo vírus respiratório SARS-COV-2, o qual levou o uso inapropriado de antibióticos em todo o mundo e contribuiu no surgimento de diversas cepas multirresistentes. Esse uso exacerbado de antibióticos pode principalmente afetar nossa microbiota natural e destruir bactérias comensais. Para combater a essas bactérias resistentes à antibióticos, a criação de uma biblioteca de fagos seria uma opção vantajosa, visto que o custo e o tempo para isolar e caracterizar os fagos é mínimo comparado ao desenvolvimento de antibióticos e também já é uma realidade em vários países como os bancos de fagos no Instituto Eliava de Bacteriófagos, Microbiologia e Virologia, na Geórgia que contém mais de 1000 fagos, o Instituto Hirszfeld de Imunologia e Terapia Experimental na Polônia, que possui mais de 850 fagos e também o Banco de Bacteriófagos da Coréia com mais de 1000 fagos. (Nagel et al. 2022).

O controle de bactérias que possuem influência positiva ou negativa acerca do organismo humano é fundamental para promover a saúde e prevenir doenças, mas é um desafio, pois os antibióticos têm um amplo espectro e não são seletivos, logo são projetados para lisar bactérias boas e patogênicas, podendo causar problemas relacionados ao equilíbrio da nossa microbiota. Devido à alta especificidade dos bacteriófagos, eles são candidatos promissores nessa abordagem. (Ando 2018).

3.2 Contexto histórico da administração medicinal dos bacteriófagos

A história da Terapia fágica através do uso de bacteriófagos, inicia-se com o descobrimento de um vírus com ação inibitória do crescimento bacteriano em 1913 pelo microbiologista inglês Frederick Twort que inicialmente não conseguia defini-lo. Em 1915, o microbiologista Félix d’Hérelle realizou estudos com soldados franceses hospitalizados por um surto de disenteria hemorrágica e fez isolamentos de bactérias em meios de cultura, observando zonas de inibição quando exposto à bacteriófagos. Em 1917, ao levar seus resultados obtidos nessa pesquisa à Academia de Ciências, conseguiu caracterizar uma estrutura viral capaz de parasitar bactérias, o qual o nomeou de bacteriófago. (Osorio Abarzúa 2022).

Em 1928 a Penicilina foi descoberta por Alexander Fleming e estudos posteriores de Waksman foram essenciais para o período histórico importante que se iniciava: a Era de Ouro dos antibióticos de 1940 a 1960. (Lopes et al. 2022).

Os progressos com antibióticos fizeram com que a terapia fágica fosse abandonada, exceto em alguns países orientais que o estudo e a medicina com fagos se manteve consolidada, como Polônia e Geórgia, que possuem centros de terapia fágica. (Debarbieux et al. 2016).

Entretanto, esses rápidos avanços com antibióticos refletiram no surgimento de bactérias resistentes causada pelo uso exacerbado dessas drogas, que o próprio Alexander Fleming já havia previsto. (Kortright et al. 2019).

Em 2015, foi feito um workshop sobre a terapia fágica na Inglaterra organizado pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) o qual visava informar a população sobre os benefícios da aplicação de bacteriófagos no tratamento contra infecções bacterianas e mostrar a necessidade de investimentos para essa terapia alternativa a qual pode ser parte da solução do problema global acerca de mortes por infecções. (EMA 2015).

3.3 Bacteriófagos: mecanismos de ação

Os bacteriófagos possuem a seguinte morfologia: apresentam uma cabeça de formato icosaedro, uma espécie de dado com 20 faces e 30 arestas a qual possui um material genético do vírus e é ligada a uma longa cauda com fibras que servem como pernas (Figura 1). Há bilhões deles em todo habitat terrestre. Eles necessitam hospedar o corpo de outro ser vivo para sobreviver e ataca conectando as fibras de sua cauda na membrana da bactéria. (Saha e Mukherjee 2019).

Figura 1 – Morfologia do Bacteriófago
Fonte: Próprias autoras (2023).

Os fagos possuem dois ciclos: um lítico e outro lisogênico. Na figura 2 podemos observar a ação dos bacteriófagos no ciclo lítico que inicia-se com o fago se fixando na membrana da bactéria pelos receptores de membrana (A); depois eles injetam seu material genético na célula e dentro dela começa a ocorrer transcrição tradução e replicação viral (B), o fago finaliza sua replicação no citosol da bactéria e na etapa final produzem endolisinas, uma enzima poderosa capaz de induzir a lise bacteriana (C), com isso novos fagos são liberados no exterior e repetem todo o ciclo em bactérias adjacentes (D). (Saha e Mukherjee 2019).

Figura 2 – Ciclo Lítico do Bacteriófago
Fonte: Próprias autoras (2023).

Já os fagos lisogênicos ou temperados, também são abundantes no habitat terrestre, mas eles agem de outra maneira: a bactéria ao ser parasitada pelo bacteriófago com ação lisogênica (A), perde suas funções originais, e o material genético do fago injetado dentro da bactéria, (B) passa a fazer parte do genoma da bactéria (C), e durante a sua replicação, vai gerar novas células com o novo material genético modificado (D). Se ocorrer alguma perturbação ambiental ou outro estressor fisiológico, a bactéria pode finalizar com o ciclo lítico (Figura 4) (Saha e Mukherjee 2019).

Figura 3 – Ciclo Lisogênico do Bacteriófago
Fonte: Próprias autoras (2023).

Na Terapia fágica, os fagos são utilizados para seletivamente destruir bactérias patogênicas sem afetar as bactérias benéficas presentes no corpo humano, dessa forma a terapia fágica é indicada para tratar infecções causadas por apenas um agente causal, devido à alta especificidade dos fagos em relação às suas células hospedeiras. Além disso, os fagos podem ser selecionados para infectar apenas as cepas de bactérias resistentes aos antibióticos, o que os torna uma alternativa promissora aos antibióticos convencionais. (Harper 2018).

A farmacologia aborda dois conceitos importantes para se entender os mecanismos de ação e natureza dos bacteriófagos: farmacodinâmica e farmacocinética. A farmacodinâmica diz respeito aos efeitos positivos e negativos da substância no organismo do indivíduo. A farmacodinâmica esperada dos bacteriófagos é sua ação bactericida sobre as bactérias e uma vantagem farmacodinâmica comparada aos antibióticos é sua capacidade de não gerar nenhum ou pouco efeito colateral durante o tratamento. Outra vantagem da terapia fágica é sua toxicidade baixa ou quase nula, devido à capacidade dos fagos de se autorreplicarem não necessitando de aumento de dosagens como é feito em terapias convencionais. (Danis-Wlodarczyk, Dąbrowska, e Abedon 2021).

Já a farmacocinética aborda o comportamento da substância administrada no organismo do indivíduo, ela estuda a absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos bacteriófagos. Devido à grande variedade de espécies de bacteriófagos, eles possuem diferentes tipos de ligação ao realizar o ciclo lítico e também cada fago é específico para combater determinados tipos de bactérias e graus de infecções. Isso representa uma variedade de farmacocinéticas, pois cada fago se comporta de um jeito diferente em organismos diferentes. (Danis-Wlodarczyk, Dąbrowska, e Abedon 2021).

A eficácia do tratamento depende da absorção no local correto de infecção e da distribuição em tecidos de maneira assertiva. Uma maneira de aumentar a concentração de fagos é a administração de doses múltiplas ou contínuas de bacteriófagos, conforme relatado em pesquisas realizadas na Polônia e Geórgia. O metabolismo dos bacteriófagos está relacionado à ativação ou perda da atividade dos mesmos depois de certo tempo de ação no organismo, e sua excreção ocorre pelos rins. (Danis-Wlodarczyk, Dąbrowska, e Abedon 2021).

Antes de realizar os ensaios com fagos, eles devem passar por um criterioso controle de qualidade: é preciso primeiro escolher o local correto para obtenção dos fagos (os lugares mais indicados são esgotos de hospitais e rios, justamente por ter grande quantidade de hospedeiros bacterianos) e depois prossegue com o isolamento e caracterização dos mesmos por métodos de eficiência de plaqueamento e sequenciamento genético para caracterização da espécie dos fagos obtidos. (Aghaee et al. 2021).

3.4 O uso da terapia fágica no combate às infecções

A Terapia fágica tem sido utilizada com sucesso no tratamento de diversas infecções bacterianas, incluindo infecções de pele, do trato respiratório, do trato gastrointestinal e do trato urinário (Aghaee et al. 2021).

Oduor e colaboradores (2016) realizaram um experimento no Quênia administrando fagos para tratar uma condição patogênica rara de pneumonia disseminada por via hematogênica ocasionado por Staphylococcus aureus.

Para o estudo, foram isolados fagos de esgoto e administrados para os camundongos doentes. (Oduor et al. 2016).

Foi feito um comparativo entre um grupo de camundongos que receberam tratamento por antibióticos, um grupo que foi tratado com fagos e um terceiro grupo tratado com as duas terapêuticas em conjunto (antibióticos e fagos). O grupo de camundongos que foi medicado apenas com o bacteriófago apresentou 100% de eficiência no tratamento com apenas uma dose de aplicação, enquanto os outros grupos de camundongos foram curados, porém, apresentaram sequelas como menos bolsas de fluido seroso e alvéolos desinflados (Oduor et al. 2016).

Portanto, o estudo demonstrou segurança durante a terapia fágica contra S. aureus nessa condição in vivo. (Oduor et al. 2016).

Dallal et al (2019) utilizaram bacteriófagos para combater infecções por Salmonella enteritidis em camundongos. A Salmonelose é uma doença humana adquirida e transmitida por alimentos contaminados pela bactéria S.enteritidis causando diarreia, febre e dor abdominal.

O tratamento convencional de Salmonelose envolve antibiótico e a proposta desse estudo foi de isolar fagos capazes de lisar bactérias de S.enteritidis e testar sua eficácia em camundongos (Dallal et al. 2019).

Um fago lítico foi isolado de um esgoto hospitalar, caracterizado como SE20 e classificado na família Podoviridae. Durante o estudo, foi possível avaliar que o fago possuía um curto período de latência de apenas 30 minutos e depois disso o mesmo se espalhou no hospedeiro, indicando que seu efeito bactericida foi atingido com sucesso (Dallal et al. 2019).

O estudo comparou o prognóstico de camundongos não tratados com bacteriófagos e os camundongos tratados e os resultados mostraram que o grupo de camundongos não tratados, morreram no final do experimento, enquanto o grupo de camundongos tratados não apresentaram nenhuma alteração patológica e ao realizar a cultura bacteriana do fígado, não foram encontrados colônias de S.enteritidis (Dallal et al. 2019).

Lebeaux e colaboradores (2021) conduziram um estudo clínico administrando terapia fágica em um paciente de doze anos com fibrose cística infectado pela bactéria resistente Achromobacter xylosoxidans.

O paciente passou por uma cirurgia de transplante pulmonar duplo e tinha sido colonizado por bactérias como Aspergillus fumigatus, Achromobacter xylosoxidans e Pseudomonas aeruginosa devido à condição de fibrose cística. Após a cirurgia, a saúde do paciente agravou e o mesmo foi medicado com antibióticos. O tratamento inicial foi com tigeciclina 50 miligramas por via intravenosa duas vezes por dia durante um mês, porém os exames realizados contaram com carga bacteriana positiva e o tratamento necessitou ser alterada. (Lebeaux et al. 2021).

A segunda tentativa foi com imipenem 1200 miligramas, três vezes ao dia e após análises de amostras de escarro, a carga bacteriana ainda permaneceu positiva. Então, foi recomendado à esse paciente a terapia com bacteriófagos e os resultados foram surpreendentes. (Lebeaux et al. 2021).

Inicialmente foi administrado ao paciente um coquetel de fagos por via inalatória preparado no Laboratory for Bacteriology Research e no Laboratory for Molecular and Cellular Technology, ambos na Bélgica. A tolerância foi eficaz, entretanto ainda permaneceu uma carga bacteriana positiva, logo, foi feita a preparação de um segundo coquetel de fagos e aplicado da mesma forma no paciente e os resultados obtidos mostraram que a tolerância foi perfeita, o mesmo teve alta do hospital no dia seguinte e o mesmo continuou o tratamento com fagos por nebulização em casa, até que um mês após o tratamento com terapia fágica o paciente obteve uma melhora lenta em sua respiração e um ano após o transplante, foi notado uma melhora significativa. (Lebeaux et al. 2021).

Semler e colaboradores (2014) realizaram um estudo em camundongos infectados pela bactéria Burkholderia cepacia e testaram a eficiência da terapia fágica administrada por inalação através de nebulização. A cepa escolhida para estudo foi a bactéria Burkholderia cepacia, cuja natureza é oportunista, pois é responsável por causar doenças respiratórias como a fibrose cística.

Para a pesquisa foram isoladas 5 espécies de fagos: KS4-M, KS5, KS12, KS14 e DC1 e os resultados obtidos mostraram que a terapia fágica administrada por inalação é eficaz, resultando em uma diminuição da carga bacteriana nos camundongos em apenas dois dias de tratamento (Semler et al. 2014).

Em doenças respiratórias, a primeira abordagem é optar por administração de bacteriófagos por instilação intranasal, logo, esse foi um dos estudos pioneiros apresentando essa proposta de aplicação de fagos, comprovando que a inalação proporciona uma deposição de fagos mais ampla no pulmões dos camundongos (Semler et al. 2014).

Um estudo de Rimon e colaboradores (2023) possibilitou avaliar a eficiência da terapia fágica em camundongos infectados com a bactéria Cutibacterium acne resistente a antibióticos, causadora da acne vulgar. Para o estudo, foi feito o isolamento e caracterização de 8 espécies de fagos do Banco de Fagos de Israel através do sequenciamento genético e a via de administração escolhida foi tópica.

Os achados do estudo demonstraram que não foi detectada nenhuma resistência ao tratamento com fago, os camundongos exibiram melhora significativa na pele e depois de 6 dias já havia reduzido substancialmente a migração de neutrófilos no local da lesão. A avaliação da quantidade de neutrófilos e macrófagos na ferida foi feita pelo método de citometria de fluxo (Rimon et al. 2023).

Com o estudo, foi possível concluir que o tratamento com fagos parece ser seguro, pois não desenvolveu nenhum efeito colateral após a aplicação de bacteriófagos em pele saudável. (Rimon et al. 2023).

Wang e colaboradores (2021) estudaram a combinação do bacteriófago Phab24 com o antibiótico Colistina contra a bactéria Acinetobacter baumannii e os achados demonstraram que o fago associado à Colistina foi mais eficaz que o tratamento antibiótico isolado, demonstrando potencial sinérgico dessas terapêuticas em conjunto.

No estudo foi possível verificar que o gene responsável por desenvolver resistência ao tratamento com o antibiótico Colistina é o pmrB (G315D) que altera o envelope bacteriano tornando mais difícil da Colistina se ligar à bactéria. Os resultados demonstraram que o bacteriófago administrado para tentar combater a Acinetobacter baumannii conseguiu fazer alterações na membrana plasmática da mesma tornando-a sensível novamente ao antibiótico Colistina (Wang et al. 2021).

Neste estudo, os autores verificaram o surgimento de bactérias que desenvolveram resistência aos fagos, porém, a terapia combinada demonstrou efeito bactericida contra Acinetobacter baumannii (Wang et al. 2021).

Assafiri e colaboradores (2021) realizaram um estudo com a bactéria Klebsiella pneumoniae in vivo e in vitro administrando o bacteriófago UPM2146 isolado de um lago poluído e posteriormente purificado e testado.

A bactéria K. pneumoniae é um patógeno oportunista e nosocomial que tem capacidade de causar infecções sérias em seres humanos (Assafiri et al. 2021).

Para o estudo in vitro foram realizados testes a respeito da eficácia do bacteriófago UPM2146 com diferentes cepas de K. pneumoniae e o fago se comportou como o esperado, demonstrando eficiência na lise de diferentes cepas. (Assafiri et al. 2021).

Já o estudo in vivo utilizou-se peixes-zebras os quais foram induzidos à infecções com K. pneumoniae para testar a ação bactericida dos bacteriófagos. Os resultados obtidos demonstraram que ao administrar o bacteriófago UPM2146, a carga bacteriana reduziu drasticamente caindo para zero após 10 horas da terapia com fago. Isso indica que o UPM2146 tem potencial para ser usado para fins terapêuticos (Assafiri et al. 2021).

O trabalho realizado por Darch et al (2017) permitiu avaliar o uso da terapia fágica contra um modelo in vitro simulando uma infecção crônica de fibrose cística contaminada com a bactéria Pseudomonas aeruginosa. No estudo foi feito comparações das bactérias sem administração dos bacteriófagos e com a terapia fágica. Os resultados obtidos no trabalho demonstraram que no modelo in vitro sem o uso da terapia fágica foi possível visualizar multiplicação bacteriana.

Já o teste in vitro com a administração de bacteriófagos, verificou-se lise das bactérias no estágio inicial, sendo assim, não se formou agregados de bactérias. No segundo teste, com agregados de bactérias já formados, os fagos não foram capazes de eliminar todos os agregados, devido à presença de exopolissacarídeos (os quais agem como uma barreira física a qual impede o fago de acessar as bactérias e lisarem as mesmas), porém foi possível identificar que o uso do fago impediu a migração das bactérias de seu lugar de origem para novos locais, limitando seu potencial para formar novos focos de infecção (Darch et al. 2017).

As evidências científicas atuais acima respaldam a Terapia fágica como uma opção de tratamento eficaz no combate às infecções bacterianas, demonstrando-se uma expectativa de avanço nesse cenário atual de bactérias multirresistentes.

O potencial da terapia fágica é notável, entretanto ainda existem alguns desafios a serem superados para o tratamento continuar progredindo e se tornar um fármaco disponível no mercado assim como em outros países. (Vila, Moreno-Morales, e Ballesté-Delpierre 2020).

Os estudos precisam continuar sendo realizados para a compreensão da relação fago-bactéria para melhor definir estratégias farmacocinéticas e de aplicação para alcançar a concentração mínima de fagos no local capazes de realizar efeito bactericida. (Jassim e Limoges 2014).

Durante a terapia com bacteriófagos é importante o monitoramento constante quanto à suscetibilidade dos bacteriófagos contra as bactérias investigadas para tratamento, devido a capacidade da bactéria poder desenvolver resistência ao fago administrado. Entretanto, atualmente existem engenharias de fagos às quais atuam realizando modificações genéticas nos mesmos como o CRISPR-CAS9 que atua removendo, acrescentando ou alterando genes específicos dos fagos para atingirem os objetivos pré-estabelecidos. (Jassim e Limoges 2014).

A escolha da via de administração correta também pode influenciar no resultado do tratamento, visto que cada via de administração é indicada para tratar diferentes tipos de infecções. (Qadir, Mobeen, e Masood 2018)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A resistência microbiana é uma crescente preocupação global no que se diz respeito à medicina moderna. O uso excessivo e inadequado de antibióticos ao longo do tempo levou ao desenvolvimento de bactérias multirresistentes, dessa forma, muitas infecções se tornaram difíceis ou até mesmo impossíveis de tratar com medicamentos tradicionais.

A busca por novas alternativas terapêuticas têm se mostrado essencial para a manutenção da saúde pública. Baseando-se nesse cenário, a fagoterapia tem surgido como uma alternativa inovadora para combater a resistência microbiana. A capacidade dos bacteriófagos de se replicarem e se adaptarem às cepas bacterianas em constante mutação potencializa a probabilidade de êxito no tratamento.

A terapia com os fagos já possui mais de um século de história, contudo ainda enfrenta várias limitações. A pesquisa nessa área está em constante evolução, mas precisa avançar para uma melhor compreensão dos fagos e suas interações com o sistema imunológico. Além disso, a implantação da fagoterapia como uma alternativa aos antibióticos convencionais requer esforços colaborativos entre a comunidade científica, as autoridades reguladoras e os profissionais da saúde. A adoção criteriosa dessa terapia requer a definição de protocolos claros para a administração, dosagem e o acompanhamento clínico.

Concomitantemente, é fundamental promover o uso adequado de antibióticos para reduzir o desenvolvimento de resistência bacteriana. A terapêutica não deve ser vista como uma solução isolada, mas sim como uma parte de uma abordagem integrada para controlar as bactérias resistentes.

Em suma, a fagoterapia apresenta uma abordagem promissora para resolver a problemática da resistência microbiana. Se bem executada e desenvolvida com responsabilidade, pode oferecer uma estratégia eficaz para tratamentos, assim preservando a saúde da população contra infeções bacterianas resistentes a múltiplos antibióticos.

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Departamento de Biomedicina, Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP) Itu, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 

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