A FISCALIZAÇÃO DE CONDUTORES ESTRANGEIROS NAS FRONTEIRAS DO PARANÁ: DESAFIOS JURÍDICOS E OPERACIONAIS

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.16594701


Helio Freires da Silva Junior


RESUMO
O presente artigo analisa os desafios jurídicos e operacionais enfrentados pela Polícia Militar do Paraná (PMPR) na fiscalização de condutores estrangeiros em regiões de fronteira, com ênfase nos municípios que fazem divisa com Paraguai e Argentina, como Foz do Iguaçu, Guaíra e Santo Antônio do Sudoeste. Considerando o crescente fluxo internacional de veículos e motoristas, principalmente no contexto do Mercosul, a atuação da PMPR torna-se estratégica para a manutenção da ordem pública, da segurança viária e do cumprimento da legislação brasileira. A partir da análise de normativas nacionais, tratados internacionais e experiências práticas, o estudo explora dificuldades recorrentes como a diversidade documental, barreiras linguísticas, falta de padronização nas abordagens e limitações de acesso a bases de dados estrangeiras. Além disso, discute-se a ausência de protocolos unificados e de capacitação técnica voltada ao policiamento de trânsito internacional. Por fim, são apresentadas propostas voltadas ao aperfeiçoamento da atuação policial em zonas de fronteira, por meio de convênios, formação especializada, inovação tecnológica e integração institucional, com vistas a fortalecer a legalidade, a eficiência e a segurança nas operações de fiscalização de condutores estrangeiros.
Palavras-chave: fiscalização; condutores estrangeiros; fronteiras; PMPR; trânsito internacional.

ABSTRACT
This article analyzes the legal and operational challenges faced by the Paraná Military Police (PMPR) in monitoring foreign drivers in border regions, with an emphasis on municipalities bordering Paraguay and Argentina, such as Foz do Iguaçu, Guaíra, and Santo Antônio do Sudoeste. Considering the growing international flow of vehicles and drivers, especially within the Mercosur region, the PMPR's role becomes strategic for maintaining public order, road safety, and compliance with Brazilian legislation. Based on an analysis of national regulations, international treaties, and practical experience, the study explores recurring challenges such as document diversity, language barriers, lack of standardized approaches, and limited access to foreign databases. Furthermore, it discusses the lack of unified protocols and technical training for international traffic policing. Finally, proposals are presented to improve police operations in border areas through partnerships, specialized training, technological innovation, and institutional integration, with a view to strengthening the legality, efficiency, and safety of enforcement operations targeting foreign drivers.
Keywords: enforcement; foreign drivers; borders; PMPR; international traffic.

1. INTRODUÇÃO

O Estado do Paraná ocupa posição geográfica estratégica no cenário sul-americano por abrigar importantes pontos de fronteira com países como Paraguai e Argentina, especialmente nas regiões de Foz do Iguaçu, Guaíra e Barracão. Essas localidades, além de apresentarem intenso fluxo turístico e comercial, também concentram considerável circulação de veículos estrangeiros, o que demanda atenção redobrada das forças de segurança pública.

Neste contexto, a Polícia Militar do Paraná (PMPR) desempenha papel crucial na fiscalização de trânsito em áreas fronteiriças, atuando não apenas na prevenção e repressão de infrações administrativas, mas também no enfrentamento de crimes transfronteiriços, como contrabando, tráfico de drogas e roubo de veículos. A crescente circulação de condutores estrangeiros nas rodovias estaduais e vias urbanas fronteiriças tem imposto desafios operacionais e jurídicos, exigindo das instituições policiais conhecimento técnico, sensibilidade cultural e coordenação com órgãos nacionais e internacionais.

Entre as dificuldades enfrentadas, destacam-se a barreira linguística, a ausência de padronização documental entre os países do Mercosul, a limitação de acesso a bancos de dados de veículos e condutores estrangeiros, e a indefinição legal quanto à lavratura de autos de infração e recolhimento de documentos de fora do país.

Diante desse panorama, o presente artigo tem como objetivo analisar os principais entraves encontrados pela PMPR na fiscalização de condutores estrangeiros em áreas de fronteira, bem como propor soluções práticas que possam fortalecer a atuação institucional, respeitar os marcos legais internacionais e assegurar a segurança viária e pública nas regiões fronteiriças do estado.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E JURÍDICA

2.1. TRÂNSITO INTERNACIONAL E TRATADOS VIGENTES

A crescente integração entre os países da América do Sul, especialmente por meio do Mercado Comum do Sul (Mercosul), ampliou significativamente o fluxo transfronteiriço de veículos e condutores. Para reger essa circulação internacional, diversos instrumentos jurídicos foram firmados, com destaque para a Convenção de Viena sobre Trânsito Viário, de 1968, da qual o Brasil é signatário. Essa convenção estabelece normas uniformes para o tráfego rodoviário entre países, garantindo reconhecimento mútuo de documentos como a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV), quando emitidos por Estados parte.

Além disso, os acordos bilaterais e multilaterais firmados no âmbito do Mercosul trouxeram regras complementares específicas sobre circulação de veículos particulares, comerciais e de turismo nos países membros. Esses tratados visam facilitar o deslocamento interestadual, mas exigem das autoridades de fiscalização — como a Polícia Militar do Paraná — a observância de normas internacionais combinadas com a legislação nacional.

O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), por sua vez, editou resoluções para operacionalizar a aplicação desses acordos no território brasileiro. Dentre elas, destacam-se as normas que tratam da aceitação de documentos estrangeiros de porte obrigatório, dos prazos de permanência de veículos estrangeiros no país e da fiscalização de motoristas habilitados em outros países, desde que estejam regulares quanto aos tratados internacionais em vigor.

A adequada compreensão dessas normas é essencial para a atuação legal e eficaz da PMPR em áreas de fronteira, especialmente para garantir que condutores estrangeiros respeitem a legislação brasileira, ao mesmo tempo em que se assegura o princípio da reciprocidade previsto em tratados internacionais.

2.2. LEGISLAÇÃO NACIONAL APLICÁVEL

A legislação brasileira, em especial o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) – Lei nº 9.503/1997, estabelece normas específicas para o trânsito de veículos e condutores estrangeiros em território nacional. De acordo com o art. 2º do CTB, as regras de trânsito são aplicáveis a todos os condutores e veículos, nacionais ou estrangeiros, que circulem em vias terrestres abertas à circulação pública, inclusive nas regiões de fronteira.

O CTB reconhece a validade da Carteira de Habilitação estrangeira para turistas ou visitantes temporários por até 180 dias, desde que esteja acompanhada do documento de identidade e tradução juramentada, caso não esteja redigida em língua portuguesa, ou que tenha sido emitida por país signatário da Convenção de Viena sobre Trânsito Viário. Após esse período, exige-se a conversão da habilitação estrangeira para o padrão nacional, mediante avaliação junto aos órgãos de trânsito competentes.

No que tange à competência institucional, a Polícia Militar do Paraná (PMPR), por intermédio de seu Batalhão de Polícia Rodoviária e demais unidades operacionais, atua na fiscalização ostensiva do trânsito nas rodovias estaduais e em áreas urbanas próximas às regiões de fronteira. Essa competência está prevista tanto na Constituição do Estado do Paraná quanto nos convênios firmados com o Departamento de Trânsito (DETRAN-PR), permitindo à PMPR lavrar autos de infração, realizar abordagens e executar ações integradas com outros órgãos públicos.

Adicionalmente, resoluções do CONTRAN e normas internas do DENATRAN/SESP-PR disciplinam os procedimentos de abordagem e autuação de veículos com placas estrangeiras, além de orientações sobre a aplicação de penalidades, retenção de veículos e comunicação consular, quando necessário.

A atuação da PMPR, portanto, deve equilibrar o rigor legal com a observância dos tratados internacionais vigentes, garantindo que a fiscalização de condutores estrangeiros ocorra com segurança jurídica, respeito à soberania nacional e alinhamento aos princípios da legalidade e da reciprocidade.

3. CONTEXTO OPERACIONAL DAS FRONTEIRAS DO PARANÁ

O Estado do Paraná possui uma posição geográfica estratégica no cenário do trânsito internacional, especialmente em função de sua extensa faixa de fronteira terrestre com a Argentina e o Paraguai. Essa localização torna o estado um dos principais corredores de circulação de pessoas, mercadorias e veículos estrangeiros na Região Sul do Brasil, exigindo uma atuação policial especializada, contínua e integrada.

Dentre os pontos de maior relevância operacional, destacam-se os municípios de Foz do Iguaçu, Guaíra e Santo Antônio do Sudoeste, onde se concentram aduanas, pontes internacionais, zonas de livre comércio e um intenso fluxo rodoviário binacional. A Ponte Internacional da Amizade, em Foz do Iguaçu, por exemplo, é um dos principais eixos de ligação com o Paraguai e registra, diariamente, milhares de travessias de veículos de passeio, ônibus de turismo e caminhões de carga.

As rodovias e vias urbanas que conectam esses pontos fronteiriços, como a BR-277, a PR-323 e a PR-182, possuem características operacionais desafiadoras: grande volume de tráfego, alta taxa de reincidência de infrações, diversidade de padrões veiculares e, muitas vezes, sinalização deficitária. O policiamento nesses trechos demanda elevado nível de atenção e preparo técnico dos agentes da Polícia Militar do Paraná (PMPR), especialmente quanto à abordagem de veículos com placas estrangeiras e condutores com documentação internacional.

Dados fornecidos pelo Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFron) e por unidades do Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRv) apontam um número crescente de autuações de condutores estrangeiros, especialmente relacionadas a excesso de velocidade, desrespeito à sinalização, falta de documentação exigida e uso indevido de vias urbanas por veículos de carga internacional. Além das infrações administrativas, diversas ocorrências criminais envolvendo transporte ilícito de mercadorias, contrabando e tráfico transnacional também são registradas nesses trechos, exigindo abordagem articulada com outros órgãos, como a Receita Federal, Polícia Federal, PRF e Polícia Civil.

Esse contexto reforça a complexidade da atuação da PMPR em áreas fronteiriças e evidencia a necessidade de políticas públicas específicas, protocolos de cooperação e contínua capacitação técnica do efetivo responsável por essas regiões sensíveis.

4. DESAFIOS JURÍDICOS NA FISCALIZAÇÃO

4.1. VALIDADE E RECONHECIMENTO DE DOCUMENTOS

A fiscalização de condutores estrangeiros nas fronteiras do Paraná enfrenta um dos seus principais desafios na verificação da validade e autenticidade dos documentos de porte obrigatório, como a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) estrangeira e os certificados de registro e licenciamento dos veículos. Esses documentos, muitas vezes emitidos em idioma estrangeiro e com formatos distintos dos padrões brasileiros, dificultam a imediata análise por parte dos policiais militares durante abordagens rotineiras.

Embora o Brasil seja signatário da Convenção de Viena sobre Trânsito Viário (1968), que reconhece a validade das carteiras de habilitação internacionais emitidas por outros países signatários, na prática, nem todos os documentos apresentados seguem as exigências formais previstas, como a presença de tradução oficial ou a validade expressa dentro do território nacional. Além disso, há situações em que condutores portam permissões internacionais vencidas ou incompatíveis com o tipo de veículo conduzido, o que exige maior critério técnico na fiscalização.

Outro ponto crítico reside nas divergências legislativas entre o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e as normas vigentes em países vizinhos, como Paraguai e Argentina. Tais divergências incluem desde exigências sobre o uso de equipamentos obrigatórios (ex: extintores de incêndio, triângulo de sinalização) até a obrigatoriedade de seguros específicos para circulação em território brasileiro, como o Seguro Carta Verde. Em muitos casos, condutores estrangeiros adentram o território paranaense sem pleno conhecimento das normas locais, o que gera conflitos durante a abordagem e limita a efetividade da autuação administrativa.

Adicionalmente, a ausência de integração entre os sistemas de dados nacionais e estrangeiros dificulta a verificação da regularidade do veículo, da CNH e da existência de restrições administrativas ou judiciais. A depender da situação, o policial militar precisa recorrer ao apoio de instituições consulares ou à consulta indireta por meio de canais diplomáticos, o que compromete a agilidade e eficácia da fiscalização no local da abordagem.

Dessa forma, a ausência de protocolos padronizados e mecanismos tecnológicos de consulta em tempo real representa um entrave operacional relevante, impactando tanto a segurança jurídica da atuação policial quanto a fluidez da fiscalização em áreas de fronteira.

4.2. RESPONSABILIZAÇÃO E APLICAÇÃO DE PENALIDADES

A responsabilização de condutores estrangeiros por infrações de trânsito cometidas em território nacional configura-se como um dos aspectos mais delicados da atuação policial em áreas de fronteira. Embora o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) determine, em seu artigo 280 e seguintes, os procedimentos administrativos para lavratura de autos de infração e aplicação de penalidades, sua efetiva execução encontra entraves significativos quando o infrator não possui domicílio no Brasil.

Um dos principais obstáculos reside na dificuldade de cobrança das multas aplicadas a condutores estrangeiros, especialmente quando estes retornam ao seu país de origem sem quitar os débitos. Como não há um sistema unificado e obrigatório de cooperação entre os países do Mercosul para a execução transnacional de penalidades administrativas de trânsito, muitas dessas infrações permanecem sem a devida responsabilização financeira. A ausência de convênios específicos de reciprocidade fiscal ou de sanção impede que as penalidades impostas pelo poder de polícia administrativa brasileira tenham efetividade além das fronteiras.

Outro ponto sensível refere-se às limitações jurídicas para a adoção de medidas coercitivas, como o recolhimento de documentos de habilitação ou a retenção de veículos com placas estrangeiras. Conforme o artigo 270 do CTB, a retenção de veículo é permitida diante de irregularidades que comprometam a segurança viária ou em caso de infração grave. Contudo, na prática, a ausência de integração com os bancos de dados dos países vizinhos impede que o agente verifique com segurança a autenticidade dos documentos apresentados, o que gera insegurança jurídica na adoção de medidas mais severas, como a apreensão temporária.

Além disso, a barreira linguística, a diversidade de legislações e a ausência de treinamento específico para o efetivo que atua nas regiões fronteiriças ampliam a complexidade na formalização dos procedimentos administrativos. Em muitos casos, há necessidade de atuação conjunta com órgãos consulares, polícias estrangeiras ou a Polícia Federal para garantir respaldo institucional e diplomático às ações realizadas.

Diante desse cenário, torna-se urgente a criação de protocolos binacionais de cooperação operacional e jurídica, que permitam a responsabilização eficaz de condutores estrangeiros, com o devido respeito aos direitos fundamentais, à legislação brasileira e aos tratados internacionais firmados pelo Brasil. A integração tecnológica entre sistemas de trânsito dos países do Mercosul e a formalização de instrumentos de cobrança e compartilhamento de dados entre os Estados nacionais são caminhos promissores para sanar essas lacunas.

5. DESAFIOS OPERACIONAIS DA PMPR

5.1. BARREIRAS LINGUÍSTICAS E INTERAÇÃO COM CONDUTORES

Um dos principais entraves operacionais enfrentados pela Polícia Militar do Paraná (PMPR) nas abordagens a condutores estrangeiros em áreas fronteiriças refere-se às barreiras linguísticas. Em regiões como Foz do Iguaçu, Guaíra e Santo Antônio do Sudoeste, onde há intenso tráfego de motoristas oriundos de países hispânicos — sobretudo Paraguai e Argentina —, a dificuldade de comunicação imediata pode comprometer tanto a eficácia da fiscalização quanto a garantia dos direitos dos abordados.

A ausência de compreensão mútua entre o policial e o condutor estrangeiro compromete etapas essenciais da abordagem, como a solicitação de documentos, a explicação da infração cometida, a orientação sobre procedimentos administrativos e a eventual aplicação de medidas coercitivas. Nessas circunstâncias, a falta de domínio da língua portuguesa por parte do condutor, associada à limitação do efetivo policial em idiomas estrangeiros, acarreta ruídos na comunicação que podem gerar tensão, insegurança e até questionamentos legais quanto à validade do ato administrativo.

Além disso, não é incomum que determinados termos técnicos utilizados na legislação brasileira de trânsito não possuam equivalentes diretos em outras línguas, dificultando a tradução precisa e a plena compreensão do condutor estrangeiro sobre o conteúdo do auto de infração ou sobre as consequências legais de sua conduta. Tal situação fere princípios fundamentais do devido processo legal, como o da ampla defesa e do contraditório, especialmente quando não há intérpretes disponíveis no momento da abordagem.

Embora o Código de Trânsito Brasileiro e a legislação correlata não prevejam expressamente a obrigatoriedade de tradução dos autos de infração para línguas estrangeiras, o princípio da razoabilidade e o respeito às normas internacionais de direitos humanos recomendam que o condutor compreenda, minimamente, o motivo e as consequências da ação fiscalizatória a que está sendo submetido.

Diante disso, é recomendável que a PMPR invista em capacitação linguística básica para seus agentes que atuam em regiões de fronteira, além de elaborar protocolos padronizados com frases operacionais em espanhol, que possam ser utilizados durante abordagens rotineiras. Alternativamente, o uso de tecnologias de tradução simultânea por meio de aplicativos móveis ou centrais de apoio linguístico remotas pode suprir a ausência de intérpretes físicos no local da ocorrência.

5.2. ACESSO A SISTEMAS DE CONSULTA

A fiscalização de condutores estrangeiros em zonas fronteiriças impõe à Polícia Militar do Paraná (PMPR) um obstáculo operacional significativo: a limitação no acesso a sistemas de consulta de dados veiculares e cadastrais de outros países. Diferentemente do que ocorre com condutores nacionais, cujos registros podem ser prontamente verificados por meio de plataformas como o Sistema Nacional de Trânsito (SNT) e o Registro Nacional de Infrações de Trânsito (RENAINF), não há interoperabilidade direta entre os sistemas brasileiros e os bancos de dados de países vizinhos, como Paraguai e Argentina.

Essa ausência de integração digital compromete a eficácia da fiscalização, dificultando a verificação imediata da autenticidade de documentos, da regularidade da habilitação e da existência de pendências administrativas ou criminais envolvendo o veículo ou seu condutor. Na prática, isso significa que a autoridade policial, ao abordar um motorista estrangeiro, muitas vezes precisa confiar exclusivamente nos documentos físicos apresentados, sem meios tecnológicos ágeis para validar sua veracidade.

A alternativa normalmente utilizada nesses casos é o contato direto com as autoridades de trânsito estrangeiras por meio de canais diplomáticos, como as aduanas, consulados, ou acordos bilaterais de cooperação. Contudo, esse processo é moroso e, muitas vezes, inviável durante uma abordagem rotineira, prejudicando a efetividade da ação fiscalizatória e elevando o risco de liberação de veículos irregulares ou de condutores inabilitados.

Além disso, a ausência de padronização entre os documentos emitidos por países do Mercosul agrava a dificuldade de consulta, uma vez que os sistemas de codificação, formato e informações obrigatórias variam significativamente entre as nações. Essa diversidade documental, somada à limitação de recursos tecnológicos, pode permitir que documentos falsificados ou vencidos passem despercebidos pela fiscalização.

Nesse contexto, torna-se fundamental o avanço de iniciativas que promovam a interoperabilidade entre os sistemas de trânsito dos países do Cone Sul, conforme previsto nos acordos do Mercosul, especialmente no que diz respeito ao compartilhamento de dados de CNHs, registros veiculares e histórico de infrações. Tais medidas, além de reforçarem a segurança viária, fortalecem o princípio da reciprocidade e a cooperação policial internacional, assegurando maior legitimidade e eficácia às ações da PMPR nas regiões de fronteira.

5.3. LOGÍSTICA E RECURSOS HUMANOS

A atuação da Polícia Militar do Paraná (PMPR) na fiscalização de condutores estrangeiros nas regiões fronteiriças enfrenta desafios significativos relacionados à logística e aos recursos humanos disponíveis. A escassez de efetivo com formação técnica voltada especificamente para o trânsito internacional constitui um dos principais entraves operacionais, comprometendo a eficácia e a padronização das abordagens em áreas de intenso fluxo transnacional, como Foz do Iguaçu, Guaíra e Santo Antônio do Sudoeste.

Grande parte do contingente policial empregado nessas localidades possui treinamento voltado às demandas rotineiras do policiamento ostensivo e das abordagens convencionais previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Contudo, a fiscalização de condutores estrangeiros exige conhecimentos específicos, como noções sobre tratados internacionais de trânsito, reconhecimento de documentos veiculares emitidos por países do Mercosul, domínio de idiomas e protocolos diferenciados de atuação. A carência de capacitação nesse sentido acarreta insegurança jurídica e operacional durante as fiscalizações.

Adicionalmente, há uma lacuna normativa no tocante a procedimentos padronizados para abordagem e autuação de estrangeiros. A inexistência de protocolos oficiais específicos gera disparidades na forma como diferentes batalhões e companhias da PMPR conduzem as ocorrências em áreas fronteiriças, o que pode comprometer a isonomia no tratamento dos condutores e a própria legalidade dos atos administrativos praticados. Essa ausência de uniformização impacta não apenas a segurança jurídica da ação policial, mas também a confiança institucional perante a população local e os visitantes estrangeiros.

No aspecto logístico, destacam-se dificuldades relacionadas à insuficiência de viaturas apropriadas para patrulhamento de longos trechos de fronteira, ausência de equipamentos eletrônicos com conectividade para consultas em tempo real e precariedade de estruturas físicas em alguns postos de fiscalização. Tais limitações reduzem a capacidade de resposta da PMPR, especialmente em horários de maior fluxo ou durante operações integradas com outros órgãos.

Nesse cenário, faz-se necessária a adoção de medidas estruturais que contemplem tanto a ampliação e qualificação do efetivo, por meio de formações específicas sobre trânsito internacional e cooperação policial transnacional, quanto a padronização de rotinas operacionais para abordagem de condutores estrangeiros. Essas ações, aliadas a investimentos em infraestrutura e tecnologia, são essenciais para garantir a efetividade da fiscalização e a segurança nas fronteiras do Estado do Paraná.

6. EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

A atuação da Polícia Militar do Paraná (PMPR) nas regiões de fronteira tem se beneficiado, em determinados contextos, de experiências bem-sucedidas de cooperação internacional e interagências. Tais iniciativas demonstram o potencial das parcerias operacionais como instrumentos de fortalecimento da fiscalização de condutores estrangeiros e do combate a ilícitos transfronteiriços.

Dentre os casos de destaque, merecem menção as operações conjuntas realizadas com a Polícia Nacional do Paraguai, a Gendarmería Nacional da Argentina, a Receita Federal do Brasil e a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Essas ações integradas têm ocorrido principalmente em pontos estratégicos de tráfego internacional, como a Ponte Internacional da Amizade, a Ponte Tancredo Neves e a BR-277, em Foz do Iguaçu. Os objetivos comuns incluem o enfrentamento ao contrabando, tráfico de entorpecentes, evasão de divisas e fiscalização de veículos e condutores com documentação irregular. Tais ações reforçam a segurança regional e possibilitam o compartilhamento de informações em tempo real, além de consolidar protocolos de atuação harmônicos entre os países vizinhos.

No plano tecnológico, a utilização de ferramentas como o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), o Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (CIOSP) e bases de dados da Receita Federal e PRF têm sido fundamentais para a identificação rápida de veículos suspeitos e condutores estrangeiros com pendências ou envolvimento em atividades ilícitas. A integração de sistemas possibilita o cruzamento de informações entre instituições brasileiras e, em alguns casos, com entidades estrangeiras, mesmo diante das atuais limitações estruturais.

Adicionalmente, a PMPR tem investido na participação em treinamentos voltados especificamente para a atuação em regiões fronteiriças, com apoio de órgãos federais e internacionais. Oficiais e praças têm sido encaminhados a cursos de atualização promovidos por instituições como o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Escola Nacional de Segurança Pública (Senasp) e organismos vinculados ao Mercosul. A presença da corporação em seminários internacionais e fóruns de segurança hemisférica também tem contribuído para o aprimoramento doutrinário e o intercâmbio de boas práticas, permitindo à PMPR alinhar suas estratégias com padrões reconhecidos internacionalmente.

Essas experiências práticas evidenciam que a cooperação institucional e internacional é um elemento-chave para o enfrentamento dos desafios impostos pelo trânsito transnacional, sobretudo no contexto das fronteiras paranaenses. O fortalecimento dessas parcerias, aliado à adoção de tecnologias integradas e à capacitação continuada do efetivo, constitui caminho promissor para consolidar a atuação da PMPR como referência em fiscalização de condutores estrangeiros no Brasil.

7. PROPOSTAS DE APERFEIÇOAMENTO

Diante dos desafios jurídicos, operacionais e logísticos enfrentados na fiscalização de condutores estrangeiros nas fronteiras do Paraná, propõem-se medidas estratégicas voltadas à qualificação institucional da Polícia Militar do Paraná (PMPR) para lidar com o crescente tráfego internacional e suas especificidades legais e culturais.

Uma primeira medida estruturante seria a criação de um núcleo especializado em trânsito internacional no âmbito da PMPR, preferencialmente vinculado ao Batalhão de Polícia Rodoviária. Este núcleo teria como atribuições principais a elaboração de protocolos específicos para abordagens a condutores estrangeiros, o assessoramento técnico às unidades operacionais em áreas fronteiriças, bem como a mediação de informações junto a órgãos internacionais e entidades consulares.

Paralelamente, torna-se essencial a formalização de convênios e acordos de cooperação com o Departamento de Trânsito do Paraná (DETRAN-PR), o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), a Polícia Rodoviária Federal, os consulados do Paraguai e da Argentina, além de organismos de segurança dos países vizinhos. Tais parcerias viabilizariam o compartilhamento de dados, o reconhecimento mútuo de documentos, a viabilização de notificações administrativas e o fortalecimento da atuação integrada em operações transfronteiriças.

No campo tecnológico, recomenda-se a implantação de um sistema de leitura automática de placas de veículos estrangeiros (ALPR – Automatic License Plate Recognition) com capacidade binacional. A integração desse sistema com as centrais de comando e controle da PMPR permitiria a identificação em tempo real de veículos estrangeiros com irregularidades, histórico de ilícitos ou pendências administrativas, otimizando o processo fiscalizatório e reduzindo a dependência de consultas manuais.

Por fim, destaca-se a necessidade de capacitação continuada dos policiais militares que atuam nas regiões fronteiriças, com foco específico em legislação de trânsito internacional, tratados multilaterais, procedimentos consulares e, sobretudo, formação básica em idiomas estrangeiros, como espanhol e guarani. Tais habilidades são essenciais para a condução de abordagens eficazes e respeitosas, bem como para a superação das barreiras comunicacionais frequentemente encontradas no atendimento a condutores de outras nacionalidades.

Em conjunto, essas propostas visam não apenas aprimorar a eficiência da fiscalização em zonas de fronteira, mas também reforçar a legitimidade institucional da PMPR no contexto internacional, promovendo segurança viária, respeito aos direitos dos cidadãos estrangeiros e fortalecimento das relações diplomáticas no âmbito regional.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação da Polícia Militar do Paraná (PMPR) nas regiões de fronteira assume relevância estratégica não apenas sob a ótica da segurança pública, mas também como instrumento fundamental para a regulação e fiscalização do trânsito internacional. Diante do crescimento expressivo do fluxo de veículos e condutores estrangeiros, especialmente nas cidades de Foz do Iguaçu, Guaíra e Santo Antônio do Sudoeste, torna-se evidente a necessidade de aprimoramento da atuação policial para garantir a legalidade, a ordem viária e a integridade dos cidadãos, nacionais ou estrangeiros.

O presente artigo evidenciou que a fiscalização de condutores provenientes de outros países impõe desafios específicos, tanto no âmbito jurídico quanto no operacional. Barreiras linguísticas, ausência de padronização documental, dificuldade de acesso a bases de dados internacionais e limitações normativas na responsabilização administrativa são entraves que exigem respostas técnicas e institucionais estruturadas.

Nesse sentido, a superação dessas dificuldades requer investimentos contínuos em tecnologia de monitoramento, interoperabilidade de sistemas, fortalecimento da cooperação interinstitucional e, sobretudo, capacitação especializada do efetivo militar para lidar com as particularidades do trânsito em contextos transfronteiriços. A adoção de sistemas de leitura automática de placas internacionais, protocolos binacionais de fiscalização e formação em legislação internacional são medidas que podem qualificar significativamente a atuação da PMPR.

Com base nas experiências já consolidadas e nas potencialidades identificadas, a Polícia Militar do Paraná reúne condições objetivas para tornar-se referência nacional na fiscalização de trânsito em regiões de fronteira, atuando com legalidade, eficiência, sensibilidade cultural e respeito às normativas internacionais. Ao se posicionar proativamente frente aos desafios do cenário globalizado, a PMPR fortalece não apenas sua credibilidade institucional, mas também sua contribuição para a segurança viária e a integração regional.

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