A ESPECIFICIDADE DA QUÍMICA NO ENSINO PROFISSIONAL: ASPECTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E LEGAIS

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14518199


Vinicius Melo Soares1


RESUMO
Este estudo examina a especificidade do ensino de Química no contexto profissionalizante no Brasil, analisando os aspectos históricos, políticos e legais que moldaram sua evolução. Através de uma revisão bibliográfica sistemática, o trabalho investiga como o ensino de Química no âmbito profissional transformou-se ao longo do tempo, respondendo às mudanças sociais, econômicas e tecnológicas do país. A pesquisa revela uma transição de um ensino predominantemente teórico para uma abordagem mais prática e aplicada, influenciada por marcos históricos, políticas educacionais e legislações específicas. O estudo destaca a importância das Escolas de Aprendizes Artífices, das reformas educacionais, e de leis como a LDB e a BNCC na configuração atual do ensino profissional de Química. Conclui-se que a compreensão desses aspectos é fundamental para o desenvolvimento de estratégias pedagógicas eficazes e políticas educacionais alinhadas às demandas contemporâneas do setor produtivo e da sociedade.
Palavras-chave: Ensino de Química. Educação Profissional. Políticas Educacionais. História da Educação. Legislação Educacional.

ABSTRACT
This study examines the specificity of Chemistry education in the vocational context in Brazil, analyzing the historical, political, and legal aspects that have shaped its evolution. Through a systematic literature review, the research investigates how Chemistry education in the vocational sector has transformed over time, responding to the country's social, economic, and technological changes. The study reveals a transition from a predominantly theoretical approach to a more practical and applied one, influenced by historical milestones, educational policies, and specific legislation. It highlights the importance of Artisans' Apprentice Schools, educational reforms, and laws such as the LDB and the BNCC in the current configuration of vocational Chemistry education. The study concludes that understanding these aspects is essential for the development of effective teaching strategies and educational policies aligned with the contemporary demands of the productive sector and society.
Keywords: Chemistry Education, Vocational Education, Educational Policies, History of Education, Educational Legislation.

1. INTRODUÇÃO

O papel que a Química desempenha no ensino profissional é fundamental e está muito ligada a diversos setores, como por exemplo a indústria e a tecnologia. Fica muito claro sua importância na formação de profissionais capazes de compreender e manipular a matéria, habilidades essenciais em locais como a indústria petroquímica, farmacêutica, de alimentos e materiais avançados.

De acordo com Santos e Schnetzler (1996), o ensino de Química na educação profissional deve ir além da transmissão de conteúdos, buscando que os alunos se formem como cidadãos que compreendem e utilizam o conhecimento químico em suas atividades profissionais e sociais. Isso envolve um ensino que relaciona os conceitos químicos com as aplicações práticas no ambiente do trabalho desses alunos.

Wartha, Silva e Bejarano (2013) argumentam que a contextualização no ensino de Química não deve se limitar a exemplos do cotidiano, mas deve proporcionar uma compreensão crítica dos processos químicos em seus contextos sociais, ambientais e tecnológicos. Esta abordagem é particularmente relevante no ensino profissionalizante, onde os estudantes necessitam desenvolver competências específicas para atuar em suas futuras carreiras.

No contexto do ensino profissional, a Química proporciona aos estudantes uma base sólida para compreender processos industriais, normas de segurança, controle de qualidade e desenvolvimento de novos produtos. Kuenzer (2000) destaca que a educação profissional deve unir ciência e trabalho, na teoria e  na prática, preparando os alunos para as necessidades que venha surgir no mundo atual.

É importante ressaltar que o ensino de Química no ensino profissionalizante deve estar alinhado com as necessidades do mercado de trabalho e as inovações tecnológicas do setor. Isso requer uma constante atualização dos currículos e práticas pedagógicas, bem como uma colaboração bem próxima entre instituições de ensino e o setor produtivo.

A especificidade do ensino de Química é influenciada por aspectos históricos, políticos e legais, que moldam não somente o conteúdo ensinado, assim como também as abordagens pedagógicas e os objetivos educacionais.

Historicamente, o ensino de Química no Brasil passou por diversas transformações. Segundo Chassot (1996), a evolução do ensino de Química no país está muito ligada ao desenvolvimento industrial e às necessidades sociais de cada época. Inicialmente, o ensino de Química era voltado principalmente para a formação de uma elite intelectual, mas aos poucos foi se expandindo para atender às necessidades de mão de obra qualificada para a indústria que estava se desenvolvendo.

Na questão política, as decisões do governo têm impacto direto na formação do ensino de Química. Krasilchik (2000) mostra que as políticas educacionais acabam refletindo o momento político e econômico do país, o que acaba influenciando os objetivos do ensino de ciências, incluindo a Química. As mudanças políticas ao longo das décadas alteraram os objetivos do ensino, num momento prioriza a formação de cientistas, em outro enfatiza a preparação para o trabalho ou a formação cidadã.

Legalmente, o ensino de Química é regulamentado por uma série de documentos oficiais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 estabelece as diretrizes gerais para a educação no Brasil, incluindo o ensino de Química. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e, mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) dão as orientações específicas para o ensino de Química, destacando a importância da contextualização e da interdisciplinaridade (BRASIL, 1996; BRASIL, 2018).

Santos e Mortimer (1999) argumentam que essas diretrizes legais acabam promovendo uma abordagem mais contextualizada do ensino de Química, que buscam relacionar os conteúdos do ensino da Química com questões sociais, ambientais e tecnológicas. O que acaba refletindo uma mudança na compreensão do papel da educação química, passando de simples transmissor de conteúdos para a formação de cidadãos críticos e conscientes.

A interação desses aspectos históricos, políticos e legais resulta em uma especificidade do ensino de Química que é dinâmica e responsiva às mudanças sociais. Por exemplo, a crescente preocupação com questões ambientais tem levado à inclusão de temas como química verde e sustentabilidade nos currículos, refletindo tanto as demandas sociais quanto as orientações legais mais recentes. Nesse cenário esse trabalho tem como objetivo apresentar e discutir a especificidade da química no ensino profissional relacionando os aspectos históricos, políticos e legais.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Aspectos Históricos do Ensino de Química no Brasil

A evolução do ensino de Química no Brasil está ligada ao desenvolvimento socioeconômico e científico do país. Segundo Chassot (1996), o ensino formal de Química no Brasil teve início no período colonial, principalmente com a chegada da Família Real Portuguesa em 1808, que acabou impulsionando a criação das primeiras instituições de ensino superior.

De acordo com Rheinboldt (1994), um momento histórico importante foi a fundação da Escola Central em 1858 (posteriormente Escola Politécnica), no Rio de Janeiro, que incluía o ensino de Química em seu currículo. No entanto, o ensino de Química nessa época era predominantemente teórico e voltado para a formação de engenheiros.

Filgueiras (1990) destaca que a criação do Laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro em 1812 foi um passo significativo para o desenvolvimento do ensino prático de Química no país. Este laboratório, além de realizar análises químicas, também oferecia cursos, embora de forma limitada.

Outro momento histórico importante para o ensino profissionalizante de Química foi a criação das Escolas de Aprendizes Artífices em 1909, através do decreto do presidente Nilo Peçanha. Essas escolas, que mais tarde se transformariam nos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), foram as precursoras da rede federal de educação profissional e tecnológica (CUNHA, 2000).

Motoyama (1995) aponta que a industrialização do Brasil, especialmente a partir da década de 1930, aumentou a necessidade por profissionais qualificados em Química, o que levou à expansão e aprimoramento do ensino nesta área. Com destaque para a criação do Instituto de Tecnologia em 1933 (atual Instituto Nacional de Tecnologia) como um importante centro de pesquisa e formação em Química aplicada.

A Lei Orgânica do Ensino Industrial de 1942, parte das Reformas Capanema, foi outro marco significativo, estabelecendo as bases para a educação profissional sistemática, incluindo cursos técnicos de Química (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000).

Nos anos 1960 e 1970, o ensino de Química acabou sendo influenciado pelos projetos curriculares americanos, como o Chemical Bond Approach (CBA) e o Chemical Education Material Study (CHEMS), que buscavam modernizar o ensino de Química no país (SCHNETZLER, 1981).

A partir da década de 1980, conforme apontam Santos e Schnetzler (1996), houve um movimento de reorientação do ensino de Química no Brasil, buscando uma abordagem mais contextualizada e voltada para a formação cidadã, tendência que se consolidou com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e os subsequentes Parâmetros Curriculares Nacionais.

2.2 Aspectos Políticos do Ensino Profissional de Química no Brasil

As políticas educacionais no Brasil têm desempenhado um papel muito importante na estrutura do ensino profissional de Química, influenciando tanto a composição curricular quanto a formação de professores.

Uma das políticas mais significativas foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, que estabeleceu uma nova estrutura para a educação profissional no país. Segundo Kuenzer (2000), a LDB de 1996 separou o ensino médio da educação profissional, o que teve impactos significativos no ensino de Química, especialmente nos cursos técnicos.

O Decreto 2.208/1997, que regulamentou a educação profissional, foi outro marco político importante. De acordo com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), este decreto reforçou a dualidade entre ensino médio e educação profissional, afetando a integração entre conhecimentos gerais e específicos no ensino de Química.

A revogação deste decreto e a promulgação do Decreto 5.154/2004 representaram uma mudança de direção nas políticas para a educação profissional. Moura (2007) argumenta que este novo decreto possibilitou a reintegração entre ensino médio e educação profissional, o que teve implicações positivas para o ensino de Química, permitindo uma abordagem mais contextualizada e integrada.

No que diz respeito à formação de professores, a Resolução CNE/CP nº 2/2015, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior e para a formação continuada, teve um impacto significativo. Segundo Gatti (2010), estas diretrizes buscaram promover uma formação mais integrada entre teoria e prática, o que é particularmente relevante para o ensino de Química.

A implementação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) em 2011 foi outra política que impactou o ensino profissional de Química. De acordo com Cassiolato e Garcia (2014), o PRONATEC ampliou significativamente a oferta de cursos técnicos, incluindo os de Química, mas também trouxe desafios em termos de qualidade e integração com o ensino médio regular.

Quanto à implementação do currículo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2018, trouxe novas orientações para o ensino de Ciências da Natureza, incluindo a Química. Segundo Mozena e Ostermann (2016), a BNCC busca promover uma abordagem mais interdisciplinar e contextualizada, o que tem implicações significativas para o ensino de Química no contexto profissional.

É importante notar que a implementação dessas políticas nem sempre ocorre de maneira uniforme ou sem obstáculos. Santos e Maldaner (2010) argumentam que fatores como a infraestrutura das escolas, a formação continuada de professores e as condições de trabalho docente influenciam significativamente a efetivação das políticas educacionais no ensino de Química.

2.3 Aspectos Legais do Ensino Profissional de Química no Brasil

A legislação brasileira que regulamenta o ensino profissional, incluindo o ensino de Química, tem passado por diversas modificações ao longo dos anos, refletindo as mudanças nas políticas educacionais e nas demandas socioeconômicas do país.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996, é o principal marco legal da educação brasileira. Segundo Saviani (1997), a LDB estabeleceu as bases para a organização do sistema educacional, incluindo a educação profissional. O artigo 39 da LDB, em particular, trata da educação profissional e tecnológica, afirmando que esta "integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia" (BRASIL, 1996).

O Decreto nº 2.208/1997, que regulamentou os artigos da LDB referentes à educação profissional, teve um impacto significativo no ensino técnico, incluindo o de Química. Conforme analisado por Kuenzer (2000), este decreto separou o ensino médio da educação profissional, criando trajetórias distintas para a formação geral e a formação técnica.

A revogação do Decreto nº 2.208/1997 e sua substituição pelo Decreto nº 5.154/2004 representou uma mudança importante na legislação. De acordo com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), o novo decreto possibilitou a reintegração entre o ensino médio e a educação profissional, permitindo a oferta de cursos técnicos integrados ao ensino médio, o que teve implicações diretas para o ensino de Química.

A Lei nº 11.892/2008, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, foi outro marco legal importante. Pacheco (2011) argumenta que esta lei fortaleceu a oferta de educação profissional e tecnológica, incluindo cursos técnicos em Química.

Em relação ao currículo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, definidas pela Resolução CNE/CEB nº 6/2012, estabeleceram os princípios e critérios a serem observados na organização e no planejamento dos cursos técnicos, incluindo os de Química (BRASIL, 2012).

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), instituída pela Resolução CNE/CP nº 2/2017, embora não seja específica para a educação profissional, tem implicações para o ensino de Química nos cursos técnicos integrados ao ensino médio. A BNCC estabelece competências e habilidades na área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, que incluem conhecimentos químicos (BRASIL, 2018).

Mais recentemente, a Lei nº 13.415/2017, conhecida como a lei do Novo Ensino Médio, trouxe mudanças significativas para a estrutura do ensino médio, incluindo a possibilidade de itinerários formativos técnicos e profissionais. Segundo Ferretti (2018), esta lei tem implicações importantes para o ensino profissional de Química, ao permitir uma maior flexibilização curricular.

É importante notar que a implementação efetiva dessas leis e decretos enfrenta desafios práticos. Como observam Santos e Maldaner (2010), fatores como infraestrutura escolar, formação de professores e condições de trabalho influenciam significativamente a aplicação da legislação no cotidiano escolar.

3 METODOLOGIA

Este estudo adota uma abordagem qualitativa de pesquisa, caracterizada como uma revisão bibliográfica sistemática. Segundo Gil (2008), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos, permitindo ao investigador uma cobertura mais ampla dos fenômenos em estudo.

A escolha desta metodologia justifica-se pela natureza do objeto de estudo - a especificidade da Química no ensino profissionalizante, considerando os aspectos históricos, políticos e legais. Conforme argumenta Creswell (2014), a abordagem qualitativa é apropriada quando se busca explorar e entender o significado que indivíduos ou grupos atribuem a um problema social ou humano, o que se alinha com os objetivos deste estudo.

O processo de seleção das fontes seguiu os seguintes critérios:

  1. Relevância: foram selecionados materiais diretamente relacionados ao ensino de Química no contexto profissionalizante, ou que abordem aspectos históricos, políticos e legais da educação profissional no Brasil.

  2. Confiabilidade: foram selecionados artigos de periódicos científicos revisados por pares, livros de autores reconhecidos na área, e documentos oficiais do governo brasileiro.

  3. Abrangência: buscou-se incluir uma diversidade de perspectivas sobre o tema, incluindo estudos empíricos, análises teóricas e documentos normativos.

As bases de dados utilizadas para a busca de artigos incluíram o Portal de Periódicos CAPES, SciELO, e Google Scholar. As palavras-chave utilizadas na busca incluíram: "ensino de química", "educação profissional", "ensino técnico", "política educacional", "legislação educacional", em várias combinações.

A análise dos dados seguiu os princípios da análise de conteúdo, conforme descrito por Bardin (2011). Este método permite a identificação, codificação e categorização dos padrões primários nos dados. O processo de análise incluiu as seguintes etapas:

  1. Pré-análise: leitura flutuante do material coletado para familiarização com o conteúdo.

  2. Exploração do material: codificação e categorização das informações relevantes.

  3. Tratamento dos resultados: interpretação e síntese das informações categorizadas.

As categorias de análise emergiram dos próprios dados, mas foram orientadas pelos objetivos do estudo, focando nos aspectos históricos, políticos e legais do ensino de Química no contexto profissionalizante.

Esta abordagem metodológica permite uma compreensão aprofundada do tema, possibilitando a identificação de padrões, tendências e lacunas na literatura existente. Além disso, a revisão bibliográfica sistemática proporciona uma base sólida para futuras pesquisas empíricas na área.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 

4.1 Reflexões sobre os aspectos Históricos

A evolução histórica do ensino de Química no Brasil mostra uma transição de um ensino predominantemente teórico para uma abordagem mais prática e aplicada, especialmente no contexto profissionalizante. Conforme apontado por Chassot (1996), o ensino de Química inicialmente estava voltado para a formação de uma elite intelectual, mas gradualmente se expandiu para atender às necessidades da indústria em crescimento.

Um marco significativo foi a criação das Escolas de Aprendizes Artífices em 1909, que mais tarde se transformariam nos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs). Esta mudança, como observado por Cunha (2000), reflete a crescente demanda por mão de obra qualificada em áreas técnicas, incluindo a Química.

Estes achados corroboram com o estudo de Santos e Schnetzler (1996), que destacam a importância da contextualização histórica para compreender as mudanças nas abordagens do ensino de Química ao longo do tempo.

4.2 Reflexões sobre os aspectos Políticos

As políticas educacionais têm desempenhado um papel crucial na configuração do ensino profissional de Química. A análise revelou que as mudanças políticas frequentemente resultaram em reformulações curriculares e na reorganização da educação profissional.

Um exemplo significativo é o impacto do Decreto 2.208/1997 e sua posterior revogação pelo Decreto 5.154/2004. Conforme argumentado por Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), estas mudanças políticas afetaram diretamente a integração entre o ensino médio e a educação profissional, com implicações significativas para o ensino de Química.

A implementação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) em 2011 também teve um impacto substancial. De acordo com Cassiolato e Garcia (2014), o programa ampliou significativamente a oferta de cursos técnicos, incluindo os de Química, embora tenha enfrentado desafios em termos de qualidade e integração curricular.

Estes resultados estão em linha com as observações de Kuenzer (2000), que destaca como as políticas educacionais refletem as demandas socioeconômicas e influenciam diretamente a estruturação do ensino profissional.

4.3 Reflexões sobre os aspectos Legais

A análise da legislação mostrou que as leis e decretos têm um papel fundamental na regulamentação e direcionamento do ensino profissional de Química. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 estabeleceu as bases para a organização do sistema educacional, incluindo a educação profissional.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, definidas pela Resolução CNE/CEB nº 6/2012, estabeleceram princípios e critérios específicos para os cursos técnicos, incluindo os de Química. Essas diretrizes enfatizam a importância da integração entre teoria e prática, bem como a contextualização dos conhecimentos.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), instituída em 2018, também tem implicações para o ensino de Química nos cursos técnicos integrados ao ensino médio, promovendo uma abordagem mais interdisciplinar.

Estes achados corroboram com a análise de Saviani (1997) sobre o impacto da legislação na estruturação do sistema educacional brasileiro.

5 ANÁLISE COMPARATIVA

Comparando os resultados com outros estudos da literatura, observamos uma consonância com as conclusões de Moura (2007) sobre a importância da integração entre ensino médio e educação profissional para um ensino de Química mais contextualizado e efetivo.

No entanto, a análise também revelou desafios persistentes na implementação efetiva das políticas e leis, corroborando com as observações de Santos e Maldaner (2010) sobre a influência de fatores como infraestrutura escolar e formação de professores na aplicação prática da legislação.

De forma geral, os resultados indicam que a especificidade do ensino de Química no contexto profissionalizante é resultado de uma complexa interação entre fatores históricos, políticos e legais. Essa compreensão é fundamental para o desenvolvimento de estratégias pedagógicas eficazes e políticas educacionais que atendam às demandas atuais do setor produtivo e da sociedade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo examinou a especificidade da Química no ensino profissionalizante, considerando os aspectos históricos, políticos e legais que moldaram sua evolução no Brasil. As principais conclusões do trabalho são:

Primeiramente, a trajetória histórica do ensino de Química no contexto profissionalizante revela uma transformação significativa. Como apontado por Chassot (1996), houve uma transição de um ensino predominantemente teórico para uma abordagem mais prática e aplicada, refletindo as mudanças nas demandas sociais e econômicas do país. A criação das Escolas de Aprendizes Artífices em 1909, destacada por Cunha (2000), marca um ponto de inflexão nessa trajetória, estabelecendo as bases para o atual sistema de educação profissional e tecnológica.

No âmbito político, as constantes reformulações nas políticas educacionais tiveram um impacto profundo na estruturação do ensino profissional de Química. As análises de Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) sobre as mudanças nas políticas de educação profissional, bem como as observações de Cassiolato e Garcia (2014) sobre o PRONATEC, demonstram como as decisões políticas influenciam diretamente a oferta, o conteúdo e a qualidade do ensino de Química no contexto profissionalizante.

Do ponto de vista legal, a evolução da legislação educacional, desde a LDB de 1996 até a BNCC de 2018, tem proporcionado um arcabouço normativo que orienta e regula o ensino profissional de Química. Como argumentado por Saviani (1997), essas leis e diretrizes têm um papel fundamental na definição dos objetivos e na organização curricular do ensino técnico.

A importância de considerar esses aspectos históricos, políticos e legais no ensino de Química não pode ser subestimada. Eles fornecem o contexto necessário para compreender as atuais práticas pedagógicas, os desafios enfrentados e as oportunidades de melhoria. Como destacam Santos e Maldaner (2010), a efetiva implementação das políticas e leis educacionais depende de uma série de fatores práticos, incluindo a infraestrutura escolar e a formação de professores.

As implicações práticas deste estudo são várias. Primeiramente, sugere-se que os formuladores de políticas educacionais e os gestores escolares considerem a interação complexa entre história, política e legislação ao desenvolverem programas de ensino profissional em Química. Além disso, é fundamental que os professores de Química em cursos técnicos estejam cientes desse contexto mais amplo para melhor adaptar suas práticas pedagógicas às demandas atuais e futuras do mercado de trabalho e da sociedade.

Para futuras pesquisas, recomenda-se um aprofundamento na análise dos impactos das recentes mudanças legislativas, como a Reforma do Ensino Médio, no ensino profissional de Química. Estudos empíricos sobre a eficácia de diferentes abordagens pedagógicas no contexto do ensino técnico de Química também seriam valiosos. Além disso, investigações comparativas entre o ensino profissional de Química no Brasil e em outros países poderiam fornecer insights importantes para o aprimoramento das práticas nacionais.

Em conclusão, a compreensão da especificidade da Química no ensino profissionalizante, à luz dos aspectos históricos, políticos e legais, é crucial para o desenvolvimento de um ensino técnico de Química que seja relevante, eficaz e alinhado com as necessidades da sociedade contemporânea.

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1 Discente do Curso Superior de Licenciatura em Química do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro Campus Duque de Caxias e-mail: [email protected]