A ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR PARA CESSAÇÃO DO TABAGISMO EM CAPS: A CONTRIBUIÇÃO DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.17490523


Victoria Roberta Arial1
Dreisson Aguilera De Oliveira2


RESUMO
A cessação do tabagismo na saúde mental representa um desafio complexo, cuja abordagem nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) demanda uma atuação multiprofissional integrada, destacando a importância da contribuição farmacêutica. O objetivo deste estudo foi analisar, por meio de uma revisão narrativa, como a Atenção Farmacêutica (AF), inserida na equipe, contribui para o tratamento do tabagismo nos CAPS. A análise baseou em um levantamento bibliográfico em bases de dados eletrônicas e documentos oficiais, com foco em publicações dos últimos dez anos. A revisão aponta que, apesar das políticas de apoio, como a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), a implementação do tratamento nos CAPS é dificultada por barreiras institucionais e atitudinais. A inserção da Atenção Farmacêutica no cuidado multiprofissional surge como uma estratégia fundamental para otimizar o manejo farmacológico, dada a complexidade clínica e emocional dos pacientes com transtorno mental.
Palavras-chave: Tabagismo. Saúde mental. Atenção farmacêutica.

ABSTRACT
Smoking cessation in mental health care represents a complex challenge, whose approach in Psychosocial Care Centers (CAPS) requires integrated multidisciplinary work, highlighting the importance of pharmaceutical contributions. The objective of this study was to analyze, through a narrative review, how Pharmaceutical Care (PA), integrated into the team, contributes to smoking cessation treatment in CAPS. The analysis was based on a bibliographic survey of electronic databases and official documents, focusing on publications from the last ten years. The review indicates that, despite support policies, such as the Psychosocial Care Network (RAPS), the implementation of treatment in CAPS is hampered by institutional and attitudinal barriers. The inclusion of Pharmaceutical Care in multidisciplinary care emerges as a fundamental strategy for optimizing pharmacological management, given the clinical and emotional complexity of patients with mental disorders.
Keywords: Smoking. Mental health. Pharmaceutical care.

1. INTRODUÇÃO

A jornada em busca de bem-estar para pessoas que convivem com Transtornos Mentais representa um desafio significativo para a saúde pública, afetando aproximadamente uma em cada oito pessoas mundialmente, conforme alerta a Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS, 2022). O recente aumento dessas condições, impulsionado pela pandemia da COVID-19, não se restringe ao sofrimento psíquico, mas impacta também a saúde física e a longevidade (OPAS/OMS, 2022).

Neste percurso de cuidado, um desafio adicional e frequentemente negligenciado é a alta prevalência do tabagismo entre esses indivíduos. Para muitos, o cigarro surge como uma tentativa de alívio para as angústias emocionais (TJDFT, 2022), mas, na realidade, agrava a saúde e complica o tratamento, evidenciando o severo impacto do fumo em pessoas com transtornos mentais graves (Gowen et al.,2022).

A dificuldade em abandonar o cigarro nesta população traz consequências sérias, contribuindo para o aumento da mortalidade por doenças relacionadas ao tabaco (Souza et al., 2022) e tornando a busca pela cessação uma etapa crucial no cuidado integral.

No Brasil, o cuidado a pessoas com transtornos mentais graves e persistentes é organizado pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), serviços estratégicos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) (Portaria GM/MS nº 3.088/2011), operando sob um modelo de cuidado comunitário, territorial e de portas abertas, baseado no trabalho de uma equipe multiprofissional. Dentro desses espaços, o tratamento do tabagismo, preconizado pelo Programa Nacional de Controle do Tabagismo (INCA, 2022) e pelas diretrizes do Ministério da Saúde (CONITEC, 2021), que inclui aconselhamento e farmacoterapia, é um componente essencial. No entanto, para os usuários de CAPS, que frequentemente lidam com a complexidade de seus transtornos e o uso de múltiplos psicofármacos, abandonar o cigarro apresenta barreiras particulares. A abordagem, portanto, necessita ser sensível e integrada, demandando a colaboração de toda a equipe multiprofissional para oferecer o suporte necessário (Pires et al., 2019).

Diante desse quadro, a Atenção Farmacêutica (AF) oferece uma abordagem clínica promissora, trazendo um olhar especializado do farmacêutico que complementa e enriquece o cuidado multidisciplinar. Com as raízes filosóficas no conceito de “Pharmaceutical Care” proposto por Hepler & Strand (1990) que defende o uso responsável da farmacoterapia com foco em alcançar resultados terapêuticos concretos que melhorem a qualidade de vida do paciente. A Atenção Farmacêutica é compreendida no Brasil como uma prática de interação direta com o usuário para otimizar o tratamento (Brasil, 2002), a AF dispõe de ferramentas valiosas para o acompanhamento farmacoterapêutico integral do paciente.

Na cessação do tabagismo, o farmacêutico pode auxiliar na escolha e manejo da farmacoterapia específica, identificar e prevenir interações perigosas com os psicofármacos, oferecer suporte no enfrentamento dos efeitos colaterais do tratamento antitabágico e fornecer informações claras que fortalecem a compreensão e a decisão do paciente em continuar na jornada para parar de fumar. De fato, abordagens que integram farmacoterapia com suporte psicossocial são estudadas para promover a cessação em populações com transtornos mentais (Breitborde et al., 2021).

Considerando a importância da cessação do tabagismo para a saúde integral dos usuários de CAPS, a complexidade do tratamento nesta população e o potencial da Atenção Farmacêutica como uma intervenção facilitadora dentro da equipe, este artigo de revisão tem como objetivo central analisar, por meio da literatura científica recente, as contribuições da Atenção Farmacêutica integrada à equipe multiprofissional, para a abordagem e os resultados do tratamento para cessação do tabagismo em pacientes com Transtornos Mentais acompanhados nos CAPS. A investigação buscará responder a esta questão explorando os desafios do tabagismo e as abordagens multidisciplinares neste contexto, o papel e as intervenções específicas do farmacêutico e o impacto potencial dessas contribuições nos desfechos da cessação.

2. METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão narrativa de literatura, com abordagem qualitativa, caráter descritivo e exploratório, visando analisar a contribuição da Atenção Farmacêutica, integrada à equipe multiprofissional, na abordagem da cessação do tabagismo em pacientes com Transtornos Mentais atendidos em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Para a consecução dos objetivos propostos, foi realizado um levantamento bibliográfico por publicações científicas e documentos técnicos relevantes. A pesquisa compreendeu artigos científicos, diretrizes clínicas e documentos oficiais de órgãos de saúde. Os procedimentos adotados para a coleta de dados, envolveram consultas às bases de dados eletrônicas PubMed/MEDLINE, SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Google Acadêmico.

A estratégia de busca utilizou uma combinação de descritores controlados e palavras-chave livres, tais como "Atenção Farmacêutica", "Pharmaceutical Care", "cessação do tabagismo", "smoking cessation", "CAPS", "Centro de Atenção Psicossocial", "Transtornos Mentais", "Mental Disorders", "equipe multiprofissional", e "multidisciplinary team", em português e inglês, articulados por operadores booleanos. Foram considerados artigos publicados nos últimos dez anos, no período de 2015 a 2025, nos idiomas português e inglês.

Os critérios para seleção dos estudos, incluíram artigos que abordassem a cessação do tabagismo em pacientes com transtornos mentais, estudos realizados ou aplicáveis ao contexto dos CAPS ou serviços de saúde mental comunitários, publicações que discutem a atuação de equipes multiprofissionais e/ou o papel da Atenção Farmacêutica, artigos originais, revisões de literatura e diretrizes clínicas. Foram excluídos editoriais, cartas ao editor, resumos de congresso não publicados integralmente e estudos cujo foco principal desviasse consideravelmente do tema. A seleção dos artigos ocorreu em etapas, iniciando pela análise de títulos e resumos, seguida pela leitura na íntegra dos estudos pré-selecionados para avaliação final da elegibilidade.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

3.1. Contexto da Saúde Mental e a Urgência do Cuidado Integral

O cenário da saúde mental no Brasil tem demandado respostas rápidas e eficazes, especialmente após o agravamento de condições psíquicas decorrente da pandemia de COVID-19. O isolamento social, o luto, o medo e a instabilidade econômica contribuíram significativamente para o aumento dos casos de sofrimento mental na população. Relatórios recentes apontam que houve crescimento expressivo nos quadros de ansiedade, depressão e uso abusivo de substâncias psicoativas, exigindo a ampliação e o fortalecimento dos serviços de atenção psicossocial no país (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, 2022).

Esse contexto impõe a necessidade de reestruturação das políticas públicas de saúde mental, com ênfase na integração de cuidados contínuos e no fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A atuação da RAPS deve se alinhar às diretrizes da reforma psiquiátrica brasileira, priorizando abordagens comunitárias, multiprofissionais e voltadas à reinserção social dos usuários (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2022).

Nesse processo, destaca-se a urgência de incorporar estratégias que contemplem condições frequentemente negligenciadas nos serviços de saúde mental, como o tabagismo. Essa comorbidade, presente de forma desproporcional entre pessoas com transtornos mentais graves, contribui para a elevação da morbimortalidade deste grupo e representa um desafio ainda pouco enfrentado por profissionais e gestores da saúde pública. Portanto, transformar a atenção à saúde mental exige enfrentar não apenas os transtornos em si, mas também os fatores de risco associados, como o uso do tabaco, dentro de uma abordagem integral e intersetorial.

3.2. O Tabagismo Como Recurso de Alívio Emocional

O tabagismo continua sendo uma das principais causas evitáveis de morte no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023), o uso do tabaco é responsável por mais de 8 milhões de mortes por ano, sendo mais de 7 milhões entre usuários diretos e aproximadamente 1,3 milhão entre não fumantes expostos ao fumo passivo. Ainda segundo a OMS, mais de 1 bilhão de pessoas consomem produtos derivados do tabaco em todo o mundo, sendo a maioria residentes em países de baixa e média renda.

No Brasil, dados do Vigitel 2022 indicam uma prevalência de 9,3% de fumantes adultos, com maior frequência entre os homens (11,3%) do que entre as mulheres (7,5%). A prevalência é mais elevada entre pessoas com menor escolaridade e entre as que vivem nas regiões Sul e Sudeste (Brasil, 2023). Tais números reforçam a importância de ações contínuas de combate ao tabagismo e sua consideração como problema de saúde pública, especialmente em grupos vulneráveis, como os pacientes com transtornos mentais.

O consumo de tabaco entre pessoas com transtornos mentais graves tem sido associado, de forma recorrente, à busca por alívio de sintomas emocionais e psicológicos. Pacientes psiquiátricos relatam o uso do cigarro como forma de reduzir sentimentos de ansiedade, depressão, tédio e agitação, utilizando-o como uma estratégia de automedicação. Esse padrão de comportamento reforça a dependência química e contribui para a perpetuação do tabagismo nesse grupo populacional (Breitborde et al., 2021).

A alta prevalência do tabagismo entre indivíduos com transtornos mentais graves indica que fatores emocionais, sociais e neuroquímicos estão diretamente envolvidos na manutenção do hábito. Muitos desses indivíduos enfrentam dificuldades no enfrentamento de emoções negativas e no acesso a alternativas terapêuticas eficazes, o que favorece a permanência do cigarro como uma "válvula de escape" cotidiana (Rajan et al., 2023).

Apesar de ser compreendido como um comportamento que promove alívio temporário, o uso contínuo do tabaco agrava o estado geral de saúde, amplia o risco de comorbidades clínicas e dificulta a adesão a tratamentos psiquiátricos. Assim, torna-se indispensável reconhecer a função subjetiva atribuída ao tabagismo para que as intervenções terapêuticas sejam mais eficazes e empáticas, sem ignorar as necessidades emocionais dos pacientes.

3.3. Políticas Públicas Brasileiras no Combate ao Tabagismo

O Brasil desenvolveu, ao longo das últimas décadas, políticas públicas robustas no enfrentamento ao tabagismo. A atuação governamental tem se baseado em estratégias integradas de prevenção, tratamento e regulação do uso de produtos derivados do tabaco, com impacto positivo na redução do consumo em nível nacional (Silva et al., 2014).

Essas políticas incluem medidas como campanhas educativas, aumento de impostos sobre cigarros, proibição da propaganda comercial, advertências sanitárias nas embalagens e criação de ambientes livres de tabaco. Além disso, o país oferece acesso gratuito a tratamentos para cessação do tabagismo por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), que disponibiliza apoio psicológico e medicamentos específicos (Brasil, 2020).

Programas coordenados pelo Ministério da Saúde também reforçam o papel das unidades básicas de saúde e centros especializados, como os CAPS, na implementação de ações de promoção da saúde e apoio à cessação. A atuação integrada dessas instituições favorece o enfrentamento do tabagismo como problema de saúde pública e fortalece a articulação entre prevenção e cuidado, especialmente entre populações vulneráveis.

3.4. Rede de Atenção Psicossocial e Tratamento do Tabagismo

O Sistema Único de Saúde (SUS) fundamenta-se em diretrizes que asseguram a integralidade e a universalidade no atendimento. Duas políticas nacionais destacam-se nesse contexto: a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o Tabagismo, que orientam a organização e a prática do cuidado em saúde mental e no enfrentamento ao tabagismo.

A RAPS, instituída pela Portaria GM/MS nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, estrutura a atenção à saúde mental, álcool e outras drogas no SUS, promovendo cuidados setorizados e humanizados. Essa rede organiza serviços como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Unidades de Acolhimento, priorizando a reinserção social e a redução de danos, em alinhamento com os princípios da Reforma Psiquiátrica (Brasil, 2011).

Por sua vez, o PCDT do Tabagismo, publicado em 2020, estabelece diretrizes para o manejo clínico desta condição crônica no SUS. O protocolo recomenda intervenções como aconselhamento cognitivo-comportamental e, quando necessário, tratamentos farmacológicos, como bupropiona e terapia de reposição de nicotina, visando a cessação do tabaco e a redução de riscos à saúde (Brasil, 2020).

Ambas as diretrizes reforçam a importância de um cuidado integral e articulado, integrando diferentes níveis de atenção e serviços. Apesar dos avanços, persistem desafios como a necessidade de maior capilaridade na oferta de serviços e o fortalecimento do financiamento para a plena execução dessas políticas.

Além das ações promovidas pelo SUS, organizações não governamentais (ONGs), associações comunitárias e instituições de ensino têm desenvolvido projetos voltados à cessação do tabagismo. Iniciativas como grupos de apoio, oficinas terapêuticas, programas de aconselhamento remoto e campanhas educativas complementam as ações formais do sistema público de saúde. Essas iniciativas ampliam o alcance das estratégias de combate ao fumo, especialmente entre populações em situação de vulnerabilidade social ou com acesso limitado aos serviços regulares de saúde mental.

3.5. Prevalência do Tabagismo em Transtornos Mentais Graves

A prevalência do tabagismo entre indivíduos com transtornos mentais graves (TMG), como esquizofrenia e transtorno bipolar, é significativamente maior do que na população geral, representando um desafio crítico para a saúde pública. No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), essa disparidade evidencia lacunas na abordagem profissional e na integração de estratégias de cessação do tabagismo ao cuidado multidisciplinar, conforme apontado por evidências nacionais e internacionais.

Rajan et al. (2023) demonstram que a prevalência de tabagismo em pacientes com TMG permanece elevada, especialmente em contextos institucionais, onde fatores como estigma, falta de intervenções específicas e a percepção de que o tabagismo é uma forma de automedicação agrava o problema. Os autores destacam que, enquanto a prevalência de fumantes na população geral diminuiu, a redução entre indivíduos com TMG foi menos expressiva, ampliando a disparidade (Rajan et al., 2023). Esses achados corroboram a necessidade urgente de incluir a cessação do tabagismo nos planos terapêuticos, considerando que o tabaco é um dos principais contribuintes para a redução da expectativa de vida nessa população.

No SUS, o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Tabagismo de 2020 recomenda intervenções combinadas, como aconselhamento cognitivo e comportamental e terapias farmacológicas (bupropiona e terapia de reposição de nicotina), que podem ser eficazes também para pacientes com TMG (Brasil, 2020). Contudo, a implementação dessas diretrizes enfrenta barreiras, como a falta de capacitação profissional e atitudes negativas entre os profissionais de saúde mental.

Rogers et al. (2017) apontam que muitos profissionais percebem o tabagismo como uma escolha individual ou temem que a cessação possa exacerbar sintomas psiquiátricos, limitando a oferta de intervenções (Rogers et al., 2017). Sheals et al. (2016) reforçam que a falta de confiança na eficácia das terapias e o estigma associado ao tabagismo entre pacientes com TMG contribuem para a subutilização de estratégias de cessação (Sheals et al., 2016).

As lacunas na abordagem profissional no SUS são agravadas por desafios estruturais, como a desigualdade no acesso a serviços especializados e a sobrecarga dos profissionais. A integração do tratamento do tabagismo à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) poderia fortalecer o cuidado, mas exige maior investimento em treinamento e sensibilização. A alta prevalência de tabagismo em TMG, aliada à sua associação com maior morbimortalidade, sublinha a urgência de políticas públicas que promovam intervenções multifacetadas, alinhando diretrizes nacionais às evidências internacionais para reduzir o impacto do tabaco nessa população vulnerável.

3.6. Abordagem Profissional no Contexto do SUS

O tratamento do tabagismo no Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta desafios significativos relacionados à abordagem profissional, especialmente em serviços de saúde mental. Apesar das diretrizes estabelecidas pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Tabagismo de 2020, lacunas na capacitação, nas atitudes e na implementação de intervenções persistem, conforme evidenciado por estudos internacionais.

O PCDT do Tabagismo preconiza a integração de terapias farmacológicas, como bupropiona e terapia de reposição de nicotina, com aconselhamento cognitivo comportamental, exigindo dos profissionais habilidades técnicas e engajamento ativo (Brasil, 2020). Contudo, Rogers et al. (2017) identificam barreiras percebidas por profissionais, incluindo a falta de treinamento adequado, tempo limitado para intervenções e a crença de que o tabagismo é uma escolha individual, e não uma condição clínica. Esses fatores dificultam a adesão às diretrizes e a oferta de tratamentos baseados em evidências, especialmente em populações com transtornos mentais, onde o tabagismo é mais prevalente (Rogers et al., 2017).

Complementarmente, Sheals et al. (2016) destacam que atitudes negativas de profissionais de saúde mental, como a percepção de que cessar o tabagismo pode exacerbar sintomas psiquiátricos, contribuem para a subutilização de intervenções. A falta de confiança na eficácia das terapias e o estigma associado ao tabagismo reforçam a hesitação em abordar o tema de forma proativa (Sheals et al., 2016). Essas lacunas atitudinais e estruturais contrastam com as recomendações do PCDT, que enfatizam a necessidade de abordagens integradas e multidisciplinares.

No SUS, tais desafios são agravados por desigualdades regionais na distribuição de recursos e pela sobrecarga dos serviços. A superação dessas lacunas requer investimentos em capacitação contínua, sensibilização profissional e fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para integrar o tratamento do tabagismo às práticas de saúde mental. A articulação entre diretrizes nacionais e evidências internacionais é essencial para promover uma abordagem profissional mais eficaz e alinhada às necessidades dos usuários.

3.7. Barreiras Institucionais e Capacitação Profissional

As barreiras institucionais e a capacitação profissional são fatores críticos para a implementação eficaz de intervenções contra o tabagismo no Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente em serviços voltados para transtornos mentais graves. A ausência de estruturas adequadas e de formação contínua compromete a adesão às diretrizes nacionais.

Sheals et al. (2016) destacam que atitudes negativas dos profissionais de saúde mental, como a crença de que o tabagismo alivia sintomas psiquiátricos, representam barreiras significativas. A falta de confiança nas intervenções de cessação e o estigma associado ao tabagismo reforçam a resistência à abordagem do tema (Sheals et al., 2016). Rogers et al., (2017) apontam que a escassez de treinamento especializado e a sobrecarga de trabalho limitam a capacidade dos profissionais de implementar estratégias baseadas em evidências, enquanto políticas institucionais claras e suporte organizacional são facilitadores essenciais (Rogers et al., 2017).

A Portaria GM/MS nº 3.088, de 2011, que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), estabelece um modelo de cuidado multidisciplinaridade que poderia mitigar essas barreiras, promovendo a capacitação e a articulação entre serviços (Brasil, 2011). Contudo, a implementação da RAPS enfrenta desafios como desigualdades regionais e insuficiência de recursos, que dificultam a formação contínua e a integração do tratamento do tabagismo. Investimentos em programas de capacitação e na infraestrutura dos serviços são indispensáveis para superar essas barreiras institucionais e garantir a efetividade das intervenções.

3.8. A Atenção Farmacêutica na Equipe Multiprofissional

A complexidade do tratamento do tabagismo em pacientes com transtornos mentais, demonstrada pelas barreiras institucionais e profissionais, reforça a necessidade de uma abordagem multiprofissional coesa e completa. Neste cenário, a Atenção Farmacêutica (AF) se apresenta como um componente estratégico, capaz de agregar um conhecimento especializado que qualifica o cuidado. Fundamentada na filosofia do Pharmaceutical Care, que preconiza a provisão responsável da farmacoterapia para alcançar resultados definidos que melhorem a qualidade de vida do paciente (Hepler; Strand, 1990), a AF é compreendida no Brasil como uma prática clínica de interação direta entre o farmacêutico e o usuário para otimizar o tratamento (Brasil, 2002).

O "olhar farmacêutico" é único dentro da equipe de saúde por seu profundo conhecimento em farmacologia, farmacocinética e farmacodinâmica. Este saber permite uma análise crítica da farmacoterapia que transcende a simples prescrição e dispensação, sendo uma habilidade indispensável para os usuários dos CAPS, que frequentemente utilizam múltiplos psicofármacos (Gowen et al., 2022). A inserção do farmacêutico na equipe multiprofissional, portanto, não representa uma atuação isolada, mas uma prática colaborativa que potencializa as ações dos demais profissionais, conforme destaca a importância do trabalho em equipe para o sucesso do tratamento do tabagista (Pires et al., 2019).

A inserção do farmacêutico na equipe multiprofissional do CAPS, portanto, não representa uma atuação isolada, mas sim uma prática colaborativa que potencializa as ações dos demais profissionais. A comunicação interprofissional permite que o farmacêutico discuta com o médico prescritor sobre potenciais interações medicamentosas, ofereça suporte à equipe de enfermagem sobre o manejo de efeitos adversos e forneça subsídios técnicos aos psicólogos sobre como os medicamentos podem influenciar o comportamento e o humor do paciente. Essa integração se alinha ao que Pires et al. (2019) destaca sobre a importância da atuação conjunta da equipe para o sucesso do tratamento do tabagista, onde a soma de diferentes saberes resulta em um cuidado mais seguro e efetivo.

3.9. Intervenções Farmacêuticas na Cessação do Tabagismo

A contribuição farmacêutica para a cessação do tabagismo se materializa por meio de um conjunto de serviços clínicos, como descrito por Barros, Silva e Leite (2020). A principal intervenção é o manejo da farmacoterapia, conforme estabelecido no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Tabagismo (Brasil, 2020). O farmacêutico auxilia, em colaboração com o prescritor, na escolha da terapia mais adequada – seja a Terapia de Reposição de Nicotina (TRN), a bupropiona ou a nicotina – com base no perfil do paciente, suas comorbidades e medicamentos em uso.

Para além do medicamento, a Atenção Farmacêutica inclui o Seguimento Farmacoterapêutico (SFT), que é um dos serviços clínicos mais estudados no Brasil (Barros; Silva; Leite, 2020). Por meio do SFT, o profissional oferece orientações sobre a dependência da nicotina, desenvolve estratégias para lidar com os sintomas de abstinência, reforça a motivação para parar de fumar e promove a autonomia do paciente. Outras intervenções importantes incluem a orientação farmacêutica pontual e a educação em saúde, que capacitam o paciente a tomar decisões mais conscientes sobre seu tratamento (Barros; Silva; Leite, 2020).

Essas ações farmacêuticas são direcionadas para combater as barreiras à cessação. Ao fornecer informações claras, o farmacêutico ajuda a desmistificar crenças, como a de que o cigarro alivia sintomas psiquiátricos, uma barreira atitudinal importante identificada por Sheals et al. (2016). A aplicação dessas intervenções, seja de forma isolada ou combinada, constitui a base da prática clínica farmacêutica voltada para o cuidado integral do paciente tabagista no CAPS.

3.10. Papel Farmacêutico na Adesão Ao Tratamento Antitabágico

Um dos papéis mais críticos do farmacêutico no contexto multidisciplinar é a garantia da segurança do tratamento farmacológico. A revisão da farmacoterapia, um serviço clínico essencial, permite identificar e prevenir interações medicamentosas entre os fármacos anti tabágicos e os psicotrópicos, evitando a redução da eficácia terapêutica ou o surgimento de toxicidade. Esta é uma contribuição vital, dada a alta prevalência de polifarmácia na população atendida nos CAPS.

O manejo dos efeitos adversos da terapia de cessação é outra intervenção chave para promover a adesão ao tratamento, um desafio significativo conforme apontado por Sheals et al. (2016) e Rogers et al. (2017). Reações como insônia, boca seca com a bupropiona, se não forem adequadamente manejadas, podem levar o paciente a abandonar a terapia. O farmacêutico atua na orientação sobre como mitigar esses efeitos e na comunicação com a equipe para possíveis ajustes, o que aumenta a tolerabilidade e a continuidade do tratamento.

A consequência direta da otimização da segurança e do manejo de efeitos adversos é o fortalecimento da adesão ao tratamento antitabagismo. Ao se sentir mais seguro e amparado, e ao compreender melhor os benefícios e os possíveis desconfortos da terapia, o paciente tende a se engajar mais no plano de cuidado. A promoção da adesão é uma meta central da Atenção Farmacêutica é um fator determinante para que a farmacoterapia atinja seu potencial máximo.

3.11. O Impacto da Atuação Farmacêutica

Segundo o Conselho Federal de Farmácia (CFF, 2018), as intervenções do farmacêutico na cessação do tabagismo incluem ações educativas, avaliação da adesão, monitoramento de reações adversas e ajuste terapêutico. Essas ações ampliam o acesso ao cuidado e demonstram resultados positivos no acompanhamento de pacientes em unidades de saúde mental. A prática farmacêutica deve estar integrada ao plano terapêutico singular do paciente e articulada com os demais profissionais da equipe multiprofissional, favorecendo uma abordagem centrada no cuidado integral e na promoção da saúde.

Estudos que avaliam intervenções combinadas, como o de Breitborde et al. (2021), demonstram que a associação de farmacoterapia com abordagens psicossociais pode levar a resultados positivos, como a redução da dependência de nicotina e um número maior de tentativas de cessação em pacientes com transtornos do espectro psicótico. A contribuição farmacêutica é fundamental para garantir que o componente "farmacoterapia" dessa abordagem seja implementado da forma mais segura e eficaz possível.

A atuação do farmacêutico também pode impactar as taxas de abstinência. Ao garantir a segurança e a adesão do paciente, aumenta-se a probabilidade de que a farmacoterapia atinja seu efeito máximo, o que, combinado com o suporte psicossocial da equipe, pode levar a maiores taxas de cessação. Por fim, ao auxiliar o paciente a se livrar da dependência tabágica, a contribuição farmacêutica impacta positivamente a saúde geral, reduzindo a morbimortalidade por doenças associadas ao tabaco (Souza et al., 2022) e melhora a qualidade de vida, alinhando-se aos objetivos centrais da Rede de Atenção Psicossocial (Brasil, 2011).

4. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cessação do tabagismo em pacientes com transtornos mentais atendidos nos CAPS representa um desafio relevante para a saúde pública, dada a complexidade clínica e emocional desses indivíduos. A revisão da literatura evidenciou que a atuação integrada da equipe multiprofissional, com destaque para a Atenção Farmacêutica, é fundamental para o sucesso terapêutico.

O farmacêutico, por meio da sua expertise em farmacoterapia, contribui diretamente para a segurança, adesão e eficácia do tratamento antitabágico, auxiliando na escolha de medicamentos, no manejo de efeitos adversos e na educação do paciente. Essa atuação fortalece o cuidado centrado no usuário e melhora os desfechos clínicos, como aumento das taxas de abstinência e redução da morbimortalidade associada ao tabaco.

Apesar dos avanços nas políticas públicas e diretrizes clínicas, persistem desafios como a baixa capacitação de profissionais, estigma institucional e desigualdades no acesso aos serviços. Estudos recentes reforçam a necessidade de ampliar os programas de capacitação e integrar novas abordagens, com apoio de tecnologias e metodologias centradas no usuário.

Portanto, é necessário fortalecer a inserção do farmacêutico nos CAPS e fomentar pesquisas que avaliem, na prática clínica, os resultados dessa atuação. Essa perspectiva permitirá um avanço nas estratégias de cuidado, garantindo maior efetividade nos programas de cessação do tabagismo e promoção da saúde integral em saúde mental.

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1 Aluna do Curso de Farmácia do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP-Cruzeiro do Sul).

2 Orientador Professor do CEUNSP-Cruzeiro do Sul.