RETINOPATIA DIABÉTICA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14376212
Guilherme Augusto Pereira
Giovanna Punhagui Bachega
RESUMO
O Diabetes Mellitus (DM) é uma síndrome que envolve deficiência relativa ou absoluta de insulina, cursando com alterações no metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas. Essa doença traz como consequências complicações macrovasculares, microvasculares e neuropáticas. Dentre as complicações microvasculares, destaca-se a retinopatia diabética (RD), que está presente, principalmente, em pacientes com curso longo da doença e com difícil controle glicêmico.
A RD é a complicação crônica mais comum do diabetes mellitus. Apresenta uma evolução arrastada e progressiva, sendo a terceira causa de cegueira em adultos no Brasil (perdendo apenas para catarata e glaucoma). Sem um controle glicêmico rígido, a retinopatia diabética ocorre em quase 100% dos diabéticos tipo 1 e em 50-80% dos diabéticos tipo 2 (estes percentuais são bem menores naqueles pacientes com terapia antidiabética adequada e manutenção da hemoglobina glicada abaixo de 7%).
Para a prevenção da cegueira é essencial a realização de diagnóstico precoce e tratamento oportuno. Grande parte dos diabéticos não faz exames oftalmológicos preventivos (desconhecem as implicações da doença). O exame de fundo de olho constitui um método com grande praticidade e facilidade para avaliar os danos à retina, além de proporcionar dados acerca da atividade e do período de evolução da doença
Palavras-chave: Diabetes Mellitus, Retina, Retinopatia, Cegueira
ABSTRACT
Diabetes Mellitus (DM) is a syndrome involving relative or absolute insulin deficiency, leading to changes in the metabolism of carbohydrates, lipids and proteins. This disease results in macrovascular, microvascular and neuropathic complications. Among the microvascular complications, diabetic retinopathy (DR) stands out, which is present mainly in patients with a long course of the disease and with difficult glycemic control.
DR is the most common chronic complication of diabetes mellitus. It has a slow and progressive evolution, and is the third cause of blindness in adults in Brazil (second only to cataracts and glaucoma). Without strict glycemic control, diabetic retinopathy occurs in almost 100% of type 1 diabetics and in 50-80% of type 2 diabetics (these percentages are much lower in patients with adequate antidiabetic therapy and maintenance of glycated hemoglobin below 7%).
Early diagnosis and timely treatment are essential to prevent blindness. Most diabetics do not undergo preventive eye exams (they are unaware of the implications of the disease). The fundus examination is a very practical and easy method for assessing damage to the retina, in addition to providing data on the activity and progression of the disease.
Keywords: Diabetes Mellitus, Retina, Retinopathy, Blindness.
Introdução
O Diabetes Mellitus (DM) é uma síndrome que envolve deficiência relativa ou absoluta de insulina, cursando com alterações no metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas. Essa doença traz como consequências complicações macrovasculares, microvasculares e neuropáticas. Dentre as complicações microvasculares, destaca-se a retinopatia diabética (RD), que está presente, principalmente, em pacientes com curso longo da doença e com difícil controle glicêmico
Epidemiologia
No Brasil existem cerca de 14 milhões de pessoas com diabete mellitus. Aproximadamente metade dos diabéticos (35-40%) irão ter RD, desenvolvem algum estágio de RD, com efeitos que vão desde a diminuição parcial da acuidade visual até a cegueira. Após 20 anos de doença (DM), cerca de 90% dos pacientes com DM insulino dependentes e em aproximadamente 60% dos pacientes com DM não insulino dependentes irão ter RD. A prevalência da RB é crescente já que o DM vem aumentando cada vez mais no Brasil. Os pacientes diabéticos possuem uma probabilidade 29 vezes maior de apresentar perda visual do que um paciente não diabético. O fator de risco mais importante relacionado à gravidade e prevalência é o tempo de evolução do DM. O segundo fator de risco mais importante é o nível glicêmico elevado.
Fisiopatologia
A retinopatia diabética é decorrente de distúrbios da microcirculação retiniana (hipóxia), portanto, uma retinopatia vascular. O excesso de glicose (hiperglicemia) prolongada no organismo causa danos aos pequenos vasos sanguíneos, que afetam o fluxo sanguíneo nos vasos da retina provocando isquemia + atividade inflamatória (aumento da permeabilidade vascular). Os mecanismos geradores de dano celular nos pequenos vasos são os seguintes:
Estresse oxidativo (acúmulo de: sorbitol intracelular, produtos da glicação avançada...)
O acúmulo dos AGE (produtos da glicosilação avançada) (glicosilação avançada: aminoácidos ou proteínas que sofreram glicosilação irreversível) e a propensão à trombose microvascular constituem os principais mecanismos patogênicos propostos
Esses mecanismos levam → espessamento da membrana basal, perda de células endoteliais e pericitos, e à formação de microaneurismas (fraqueza dos microvasos)
Todos esses eventos acima geram Neovascularização + produção de citocinas inflamatórias (aumento da permeabilidade vascular). A isquemia ativa a interação de fatores angiogênicos (IGF-1, VEGF) que são liberados em diversas locais da retina. Ou seja, você tem um aumento na produção/liberação de VEGF (fator de crescimento endotelial vascular) para promover a Angiogênese e assim melhorar a oxigenação na retina. O VEGF também recruta células de defesa para vasos retinianos, produzindo ainda mais citocinas (aumento de permeabilidade vascular). VEGF é o principal fator envolvido na mediação das alterações da retinopatia diabética, tanto no edema macular quanto na proliferação de novos vaso. Os neovasos formam-se a partir das veias retinianas, geralmente adjacentes ou ao nível da papila óptica, embora possam também aparecer distantes da papila. O aumento da permeabilidade vascular provoca: exsudatos duros, hemorragias, edema retiniano. Se o edema retiniano atingir a mácula (edema de mácula) ele será sintomático
A primeira alteração na RD é o aparecimento de microaneurismas, visualizados como pequenos pontos hemorrágicos no fundo de olho. Esses microaneurismas associam-se, muitas vezes, a hemorragias retinianas, veias com dilatações e tortuosidades, e exsudato (proveninetes do extravasamento crônico de vasos retinianos e de áreas isquêmicas). Os achados na realização de fundoscopia seguem um padrão progressivo, que vai da retinopatia leve, designada pelo aumento da permeabilidade vascular, até a forma moderada a grave, representada pela oclusão vascular e com posterior proliferação e cicatrização
Classificação
A RD pode ser classificada em proliferativa, não proliferativa e maculopatia diabética. A RD não proliferativa é a mais comum, seguida pelo edema de mácula, e RD proliferativa. Em qualquer fase da retinopatia diabética, podem acontecer alterações exsudativas como o edema de mácula
1) Retinopatia diabética não proliferativa (RDNP)
Pode ir desde uma graduação leve até grave, podendo progredir, então, para a forma proliferativa, quando se estabelece neovascularização. As alterações patológicas principais estão na microvasculatura retiniana: (1) perda de células endoteliais e de pericitos, (2) degeneração e espessamento da membrana basal endotelial. As lesões provocam fraqueza dos microvasos e um aumento da permeabilidade vascular, o que pode levar ao edema retiniano ou macular, e formação de microaneurismas e de exsudatos.
Fase precoce
Microaneurismas (pequenos pontos vermelhos) (resultam da oclusão capilar; ocorrem devido à proliferação de células endoteliais a partir do leito venoso dos capilares)
Exsudatos “duros” (pequenos nódulos amarelados de material lipoproteináceo extravasado) (indicam aumento da permeabilidade vascular)
Hemorragias puntiformes (pequenos pontos vermelhos, localizados profundamente na retina sensorial e difíceis de serem diferenciados dos microaneurismas pela oftalmoscopia; é necessário angiografia com flurosceina para poder diferenciar)
Fase avançada
Um outro mecanismo patogênico começa a se manifestar: a isquemia retiniana.
A oclusão de microvasos por pequenos trombos causam sangramento e lesões isquêmicas pontuais na retina.
Os marcos desta fase são as hemorragias em chama de vela (manchas vermelhas localizadas superficialmente na camada de fibras ganglionares) e as manchas algodonosas (microinfartos da camada de fibras ganglionares)
Outros achados desta fase são as veias em rosário (beading venosos) e as anormalidades microvasculares intraretinianas (IRMA)
Pacientes com sinais oftalmoscópicos de retinopatia não proliferativa avançada apresentam grande chance (50% em 1 ano) de evoluirem para retinopatia proliferativa. Sem afetar a mácula, a retinopatia não proliferativa geralmente cursa assintomática ou com leve prejuízo à visão, sob a forma de escotomas periféricos múltiplos no campo visual
2) Maculopatia diabética
É uma das principais causas de grave deficiência visual em diabéticos. Ocorre devido ao extravasamento de fluido pelo aumento da permeabilidade capilar, provocando edema da mácula, entremeado a hemorragias e exsudatos. O paciente começa a notar metamorfopsia, borramento visual, escotoma central e importante redução da acuidade visual
3) Retinopatia diabética proliferativa (RDP)
À medida que a doença avança, a isquemia retiniana se torna mais acentuada, surgindo um novo mecanismo patogênico: a neovascularização retiniana. O que caracteriza a forma proliferativa é a existência de vasos sanguíneos alterados a partir da retina e do nervo óptico.
A perda visual na retinopatia diabética proliferativa geralmente é abrupta, decorrente de dois mecanismos (devido a neovascularização):
O Hemorragia vítrea, pela rotura dos neovasos no vítreo
O Descolamento de retina, que pode ser do tipo tracional não regmatogênica (a contração vítrea repuxa a retina macular, descolando-a; a retina está ancorada no corpo vítreo pelos neovasos) ou regmatogênica, após a formação de um rasgo retiniano localizado no pólo posterior (o tipo mais comum é a tracional)
A perda visual pode ser aguda reversível (hemorragia vítrea) ou pode ser definitiva (isquemia macular, descolamento de retina)
Diagnóstico
A retinopatia diabética só se instala após 5 anos do início da hiperglicemia. Diabéticos tipo 1 (início da doença bem delimitado) merecem a primeira avaliação oftalmológica após 5 anos do diagnóstico, enquanto que diabéticos tipo 2 (geralmente tem início da doença indeterminado, logo, a retinopatia já pode estar presente no momento do diagnóstico) precisam ser avaliados desde o momento do diagnóstico. A triagem é feita com fundoscopia sob midríase (oftalmoscopia direta). Na ausência de retinopatia, a avaliação é repetida anualmente. O achado de lesões sugestivas na oftalmoscopia direta indica uma nova avaliação por oftalmoscopia indireta e angiografia com fluoresceína. A frequência das avaliações pode ser anual, semestrais e até mesmo mensais, de acordo com a gravidade da retinopatia. As gestantes portadoras de DM devem fazer avaliações trimestrais devido ao maior risco de progressão da doença
Tratamento
Tem por objetivo estabilizar o sistema vascular e reduzir de forma considerável o risco de perda visual. O controle glicêmico rígido está sempre indicado, embora só traga benefício na fase precoce da retinopatia diabética não proliferativa, retardando ou prevenindo a sua progressão para estágios mais avançados. A cada 1% de redução da hemoglobina glicada ocorre uma redução no risco de desenvolvimento e progressão da retinopatia de 35% e de 39%, respectivamente. A retinopatia nãoproliferativa avançada, a maculopatia sintomática e a retinopatia proliferativa não sofrem influência evolutiva pelo controle glicêmico
Fotocoagulação a laser da retina
Tem como intuito a cauterização de microaneurismas (evitar hemorragias) e ablação de áreas sem perfusão capilar. O objetivo é reduzir a massa retiniana isquêmica e, portanto, a produção dos fatores angiogênicos (VEGF). O resultado é a regressão e estabilização dos neovasos. De uma forma geral, a terapia com laser reduz em 95% o risco de cegueira ou grave déficit visual
Medicamentos anti-angiogênicos via injeção intraocular na cavidade vítrea o Baseia-se no fato de que o VEGF é a molécula mais atuante na fisiopatologia da RD. Consistem na aplicação intravítreo de anticorpos monoclonais (ranibizumab, bevacizumab e aflibercept) tendo como finalidade a supressão do VEGF (diminui assim a Angiogênese e a permeabilidade capilar)
Tratamento cirúrgico
Em alguns casos, quando há descolamento de retina, hemorragia intensa no vítreo, chegando a impedir a aplicação de laser, ou mesmo quando as terapias, primária e secundária, não apresentam resposta, utiliza-se a vitrectomia como opção terapêutica. A vitrectomia remove opacidades do meio, como a hemorragia vítrea, e possibilita a liberação de trações vitreorretinianas (descolamento de retina)
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