PRINCÍPIOS DE RADIOPROTEÇÃO APLICADOS AO RADIODIAGNÓSTICO
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14267472
Aline Costa Machado Alves1
André Luiz Silva de Jesus2
RESUMO
Este artigo tem como propósito ressaltar a relevância dos princípios da proteção radiológica, preservando a qualidade dos exames de imagem e principalmente a segurança de pacientes e indivíduos ocupacionalmente expostos. Trata-se de uma revisão bibliográfica narrativa realizada através de artigos científicos, teses e dissertações, extraídos bases de dados Scielo, Google Acadêmico, Biblioteca Virtual em Saúde e EBSCOhost. De forma complementar, legislações e bibliografias relacionadas foram consultadas. Os descritores utilizados foram: princípios de proteção radiológica, princípios de radioproteção, radioproteção e proteção radiológica. Após a análise dos estudos pesquisados, é possível concluir que o conhecimento, estudo e aplicação adequada dos princípios básicos de radioproteção revela-se inegável para a otimização de doses, assegurando a segurança dos pacientes, do público e indivíduos ocupacionalmente expostos.
Palavras-chave: princípios de proteção radiológica, princípios de radioproteção, radioproteção, proteção radiológica
ABSTRACT
The purpose of this article is to highlight the importance of the principles of radiological protection, preserving the quality of imaging exams and, above all, the safety of patients and occupationally exposed individuals. This is a narrative bibliographic review of scientific articles, theses and dissertations, extracted from the Scielo, Google Scholar, Virtual Health Library and EBSCOhost databases. In addition, legislation and related bibliographies were consulted. The descriptors used were: principles of radiological protection, principles of radioprotection, radioprotection and radiological protection. After analyzing the studies surveyed, it can be concluded that knowledge, study and proper application of the basic principles of radioprotection is undeniable for optimizing doses, ensuring the safety of patients, the public and occupationally exposed individuals.
Keywords: radiological protection principles, radioprotection principles, radioprotection, radiological protection
1 INTRODUÇÃO
A radiologia geral se baseia principalmente nos raios X, uma forma de radiação eletromagnética de alta energia que possui energia suficiente para ionizar a matéria. Essa descoberta foi realizada por Wilhelm Conrad Roentgen em 8 de novembro de 1895, na cidade de Wurzburg, na Alemanha. Sua descoberta revolucionou não só a Medicina como outras áreas da sociedade, como por exemplo, a indústria.
O principal componente de um equipamento gerador de raios X é um tubo a vácuo devidamente isolado e revestido, no qual as interações entre elétrons e um alvo, composto na maioria das vezes por tungstênio, resulta na liberação dos raios X. O processo é totalmente artificial, ou seja, os raios X são emitidos apenas no momento do disparo (Mello Júnior, 2016, p. 01).
Figura 1 - Esquema de um tubo de raios X com anodo fixo.
Ao interagir com a matéria, a radiação pode transmitir parte ou a totalidade de sua energia para os átomos ou moléculas através das quais atravessam. Isso pode resultar em dois tipos de fenômenos: excitação ou ionização. Na excitação, ocorre a interação entre a radiação e a matéria, porém a quantidade de energia transferida não é o bastante para causar a ionização do átomo. Enquanto isso, na ionização, a radiação interage com a matéria de forma a retirar elétrons da eletrosfera, resultando na ionização dos átomos (Zattar; Viana; Cerri, 2022, p. 7).
Os fótons têm a capacidade de percorrer distâncias consideráveis antes de interagirem, e existem dois principais processos de interação que podem remover fótons de um feixe de raios x:
Efeito Fotoelétrico: nesse processo, um fóton transfere toda a sua energia para um elétron, resultando na ionização de um átomo. Isso é mais proeminente quando a energia do fóton é baixa e quando o número atômico (Z) do material a ser atravessado é maior. Essa interação leva à absorção da energia do fóton e contribui significativamente para a criação de contraste na imagem, criando regiões escuras.
Efeito Compton: Neste caso, o fóton cede parte de sua energia a um elétron do alvo, fazendo com que o elétron saia de sua órbita e resultando na emissão de outro fóton com energia mais baixa, que se propaga em uma direção diferente dentro do material. Esse processo aumenta a radiação dispersa, contribuindo para o ruído na imagem e prejudicando sua qualidade (Zattar; Viana; Cerri, 2022, p. 7).
Figura 2 - Esquema dos processos de interação com a matéria.
Devido às características descritas, os efeitos das radiações sobre organismos vivos são notoriamente diversos e frequentemente intrincados. As investigações relacionadas a esses efeitos geralmente têm como objetivo estabelecer conexões entre variáveis como a quantidade de radiação absorvida, a energia, o tipo de radiação, bem como os tecidos e órgãos afetados. É conhecido que diferentes tipos de tecidos reagem de maneiras distintas às quais são expostos. Essas características não indicam a suscetibilidade das células, mas resultam em uma diminuição no tempo requerido para manifestar as lesões causadas pela radiação ionizante. Células com essas características não apenas se dividem mais rapidamente, um fator essencial para induzir morte por radiação, mas também, devido a essa cinética acelerada, têm menos tempo para reparar danos subletais ou potencialmente letais (Watanabe; Arita, 2019, p. 260).
Figura 3 - Esquema representativo da sensibilidade dos órgãos do corpo humano.
O estudo que explora a influência das radiações sobre seres vivos é conhecido como Radiobiologia. Os efeitos resultam em potenciais lesões que ocorrem nas células devido às interações entre as radiações ionizantes as células do corpo humano, mais especificamente em trechos específicos do ciclo celular, conforme demonstrado na figura 4.
Figura 4 - Esquematização da evolução de um câncer.
Essas interações se manifestam de duas maneiras: através de uma ação direta, na qual um elétron interage diretamente com o DNA, ocasionando modificações, ou por meio de uma ação indireta, quando um elétron interage com uma molécula de água, gerando radicais hidroxila, mais conhecidos como radicais livres (-OH), que, por conseguinte, provocam danos no DNA (Natale, 2015, p.79).
Figura 5 - Efeitos biológicos causados pela radiação com a ação direta e indireta.
Os efeitos estocásticos são proporcionalmente suscetíveis à dose de radiação recebida, sem apresentar um limiar definido para sua ocorrência. Isso torna difícil estabelecer uma correlação direta com a exposição sofrida, já que mesmo doses baixas, frequentemente abaixo dos limites estipulados pelas normas de radioproteção, podem desencadear esses efeitos. Notavelmente, o câncer pode se manifestar até 40 anos após tal exposição, enquanto a leucemia pode surgir em um período mais curto, entre 5 e 7 anos, com um período de latência de 2 anos.
Os efeitos determinísticos resultam de doses elevadas, consideravelmente acima dos limites aceitáveis estabelecidos pelas normas de radioproteção. Nesse contexto, a severidade desses efeitos está diretamente ligada à quantidade de radiação recebida. Esses efeitos são desencadeados por uma exposição total ou localizada em uma área específica do corpo humano, resultando em níveis de morte celular irreparáveis. Além disso, a manifestação dos efeitos determinísticos pode variar de acordo com a frequência do dano e as características individuais de cada pessoa exposta (Braga et al., 2022, p. 62).
Este artigo tem como propósito ressaltar a relevância dos princípios de radioproteção, preservando a qualidade dos exames de imagem e principalmente a segurança de pacientes e indivíduos ocupacionalmente expostos.
2 METODOLOGIA
Para atender ao objetivo desta revisão bibliográfica narrativa foi realizada uma ampla pesquisa de artigos científicos, teses e dissertações no período de agosto a setembro de 2023 nas bases de dados Scielo, Google Acadêmico, Biblioteca Virtual em Saúde e EBSCOhost utilizando-se as palavras-chave: “princípios de proteção radiológica”, “princípios de radioproteção”, “radioproteção” e “proteção radiológica”
Os critérios de inclusão utilizados foram os resultados mais relevantes disponíveis entre 2018 e 2023 de tecnologias radiológicas que utilizam exclusivamente raios X.
Os critérios de exclusão foram materiais que incluem medicina nuclear, radioterapia e radiologia industrial, além da duplicidade nos resultados pesquisados nas bases de dados.
Para a elaboração do referencial teórico e desenvolvimento também foram consultadas em caráter complementar referências bibliográficas relacionadas ao tema seguindo o mesmo critério de período e legislações nacionais pertinentes.
3 DESENVOLVIMENTO
3.1 CONCEITO DE RADIOPROTEÇÃO
O conceito de “radioproteção” é um conjunto de medidas com o objetivo de proteger o ser humano contra potenciais efeitos adversos resultantes da exposição à radiação ionizante. O sistema de proteção radiológica é concebido para ser abrangente, com princípios que podem ser aplicados em diversas situações (CNEN, 2020, p. 35).
Seu objetivo fundamental é proporcionar um nível adequado de proteção a pacientes e trabalhadores, sem restringir excessivamente práticas benéficas, como a detecção precoce de doenças e o tratamento de tumores por meio da radioterapia (Natale, 2015, p. 127).
3.2 JUSTIFICAÇÃO
É fundamental possuir familiaridade com os fundamentos essenciais de radioproteção e compreender as circunstâncias clínicas que justificam eticamente a realização desse exame, garantindo que os benefícios para o paciente superem os possíveis riscos (Marinho; Visconti; Cabral, 2022).
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece uma justificação em dois níveis: uma justificação geral para a prática diagnóstica em questão e uma justificação individual para cada paciente (Natale, 2015, p. 129).
Segundo o artigo 5.4.1 da norma CNEN 3.01 de 2014, cita que são aceitáveis apenas as práticas ou fontes associadas se proporcionarem benefícios suficientes para os indivíduos ou a sociedade, compensando qualquer dano correspondente. No caso de exposições médicas, estas devem ser justificadas considerando os benefícios diagnósticos ou terapêuticos em relação aos riscos envolvidos.
3.3 OTIMIZAÇÃO
Quanto às exposições provenientes de uma fonte específica associada a uma prática, é necessário otimizar a dose de modo a manter tão baixas quanto razoavelmente exequível a magnitude dos valores individuais, o número de pessoas expostas e a probabilidade de ocorrência de exposições. Esse processo deve levar em consideração fatores econômicos e sociais. Durante a otimização, é essencial respeitar as restrições de dose associados à fonte, especialmente em exposições médicas, onde a otimização médica implica na aplicação da dose de radiação necessária e suficiente para atingir os objetivos pretendidos. Como uma condição restritiva do processo de otimização da proteção radiológica em uma instalação, é estabelecido um valor máximo de 0,3 mSv para a restrição da dose efetiva anual média para indivíduos do grupo crítico em relação à liberação de efluente (CNEN, 2014).
O setor de radiologia diagnóstica ou intervencionista deve estabelecer e implementar medidas para a constante melhoria dos processos de trabalho. Os ciclos de aprimoramento devem abranger o planejamento, a execução, a avaliação e intervenções contínuas na estrutura, nos processos e nos resultados dos serviços de radiologia diagnóstica ou intervencionista.
O serviço em questão tem a opção de utilizar as estruturas já existentes, como comitês, comissões, gerências, coordenações ou núcleos, para realizar essas atividades de aprimoramento (Brasil, 2022).
3.4 LIMITAÇÃO DE DOSE
A limitação de dose estipulada à necessidade de gerenciar as doses recebidas por indivíduos ocupacionalmente expostos, garantindo que esses valores não excedam os limites estabelecidos por normas nacionais e internacionais (Anderson; Erdmann; Backes, 2022).
É crucial abordar esses princípios fundamentais como um sistema coeso sem considerar nenhum deles de forma isolada. Especificamente, cumprir apenas os limites não é por si só uma garantia suficiente de um nível satisfatório de proteção. Os valores da dose efetiva se aplicam à soma das doses resultantes tanto de exposições externas quanto interna (Natale, 2015, p. 130).
O artigo 5.4.2 da norma CNEN 3.01 (2014), declara que para a exposição normal, os limites de dose efetiva e dose equivalente nos órgãos ou tecidos de interesse, provenientes de práticas autorizadas, não devem ultrapassar os valores especificados a menos que autorizado pela CNEN em circunstâncias especiais. Esses limites não se aplicam a exposições médicas. Os limites de dose não se aplicam a acompanhantes e voluntários em exposições médicas, mas suas doses devem ser controladas para garantir que não recebam mais de 5 mSv durante procedimentos de diagnóstico ou tratamento. Dentro desse princípio, destaca-se o conceito de ALARA (As Low As Reasonably Achievable), ou seja, tão baixo quanto razoavelmente exequível, que visa implementação de medidas de proteção radiológica (Anderson; Erdmann; Backes, 2022).
3.5 PREVENÇÃO DE ACIDENTES
Acidente radiológico tem por definição qualquer incidente relacionado a instalações ou atividades que envolva a liberação de material radioativo – que no contexto desta pesquisa engloba somente a Medicina Nuclear - podendo resultar na exposição ou contaminação inadequada de pessoas e do meio ambiente. Diante disso, é essencial desenvolver medidas para minimizar erros humanos que possam resultar em exposições acidentais (CNEN, 2020, p. 6).
Incorporar margens de segurança adequadas é fundamental para assegurar um desempenho seguro ao longo da vida útil da fonte, com foco especial na prevenção de acidentes e na mitigação de suas consequências, tanto no presente quanto no futuro. É crucial implementar um sistema abrangente de segurança e proteção radiológica, baseado em barreiras múltiplas, alinhado com a intensidade e a probabilidade das exposições potenciais envolvidos, tanto em fontes quanto em instalações (CNEN, 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a análise dos estudos selecionados e legislação vigente, é possível concluir que a aplicação adequada dos princípios básicos de proteção radiológica revela-se fundamental para a otimização de doses, assegurando a segurança dos pacientes, do público e indivíduos ocupacionalmente expostos. Esta constatação ressalta a importância da incorporação desses princípios na prática radiológica cotidiana. Nesse contexto, torna-se evidente que, apesar da existência de normas regulamentadoras que destacam a relevância desses princípios, muitos profissionais negligenciam sua implementação na rotina profissional.
Essa lacuna entre teoria normativa e a prática ressalta a necessidade de uma colaboração entre os órgãos responsáveis. Essa colaboração deve visar não apenas a fiscalização, mas também a implementação de estratégias de gerenciamento que incentivem e assegurem o pleno cumprimento das normas, como: palestras e cursos, promovendo um ambiente radiologicamente mais seguro e alinhado com os padrões de radioproteção nacionais e internacionais.
REFERÊNCIAS
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1 Discente do Curso Superior de Tecnologia em Radiologia do Centro Universitário Lusíada – UNILUS
2 Docente do Curso Superior de Tecnologia em Radiologia do Centro UniversitárioLusíada – UNILUS. Especialista em Docência no Ensino Superior. E-mail: [email protected]