DERMATITE ATÓPICA: AVANÇOS NO TRATAMENTO BIOLÓGICO E IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.18012764
Fernanda Cristina Galerani Gualtieri Parpinelli
RESUMO
A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória cutânea crônica e multifatorial, associada a predisposição genética, disfunção da barreira epidérmica, hiperreatividade imune mediada predominantemente pela via Th2 e alterações no microbioma. Seu impacto ultrapassa as manifestações cutâneas, afetando sono, produtividade, saúde mental e relações sociais. A revolução terapêutica iniciada com os agentes biológicos anti-IL-4/IL-13 e os inibidores de Janus Kinase (JAK) redefiniu o manejo da DA moderada a grave, oferecendo controle inflamatório profundo, redução sustentada do prurido e expressiva melhora na qualidade de vida. Esta revisão sintetiza avanços recentes em etiopatogênese, terapias imunológicas direcionadas, indicadores de qualidade de vida e perspectivas futuras, com ênfase na individualização terapêutica, biomarcadores emergentes e desafios de acesso no contexto brasileiro.
Palavras-chave: dermatite atópica; terapia biológica; inibidores de Janus quinase; qualidade de vida; imunopatogênese; terapia alvo; biomarcadores
ABSTRACT
Atopic dermatitis (AD) is a chronic, multifactorial inflammatory skin disease associated with genetic predisposition, epidermal barrier dysfunction, Th2-mediated immune hyperreactivity, and alterations in the cutaneous microbiome. Its impact extends far beyond cutaneous manifestations, affecting sleep, productivity, mental health, and social functioning. The therapeutic revolution introduced by anti–IL-4/IL-13 biologics and Janus kinase (JAK) inhibitors has redefined the management of moderate-to-severe AD, offering profound inflammatory control, sustained reduction of pruritus, and substantial improvements in quality of life. This review synthesizes recent advances in etiopathogenesis, targeted immunologic therapies, quality-of-life indicators, and future perspectives, emphasizing therapeutic individualization, emerging biomarkers, and challenges related to access within the Brazilian healthcare context.
Keywords: atopic dermatitis; biologic therapy; Janus kinase inhibitors; quality of life; immunopathogenesis; targeted therapy; biomarkers.
1. INTRODUÇÃO
A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória crônica recidivante que acomete até 20% das crianças e 10% dos adultos em países industrializados, representando uma das dermatoses de maior impacto global. No Brasil, estima-se prevalência entre 7% e 12%, com tendência de crescimento associada à urbanização e mudanças ambientais. A DA integra o chamado atopic march, frequentemente coexistindo com asma, rinite alérgica e alergias alimentares, refletindo uma desregulação imunológica sistêmica.
Sua etiopatogênese resulta da convergência entre disfunção de barreira cutânea — frequentemente associada a mutações no gene da filagrina — ativação exacerbada da resposta Th2 (IL-4, IL-13, IL-31) e colonização microbiana, especialmente por Staphylococcus aureus. Essa tríade perpetua inflamação crônica, prurido refratário e suscetibilidade a infecções, constituindo o cerne da fisiopatologia moderna da DA.
Embora tratamentos tópicos permaneçam fundamentais, grande parte dos pacientes com DA moderada a grave enfrenta doença persistente, impacto emocional significativo e resposta insuficiente às terapias convencionais. O surgimento de imunobiológicos e inibidores de JAK transformou esse cenário, abrindo caminho para o controle prolongado da doença e melhor qualidade de vida.
2. METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão narrativa conduzida entre janeiro de 2024 e fevereiro de 2025, estruturada conforme as diretrizes SANRA (Scale for the Assessment of Narrative Review Articles). As bases PubMed/MEDLINE, Embase, SciELO e LILACS foram consultadas utilizando descritores MeSH e DeCS: “atopic dermatitis”, “biologic therapy”, “IL-4 receptor antagonist”, “JAK inhibitors”, “quality of life” e “eczema”.
Foram incluídos ensaios clínicos randomizados de fase II e III, estudos de mundo real, meta-análises, revisões de alto impacto e diretrizes internacionais (AAD, SBD, ETFAD), publicados entre 2020 e 2025. Excluíram-se relatos de caso isolados, estudos pré-clínicos sem aplicabilidade translacional e artigos sem revisão por pares.
A seleção dos artigos foi realizada manualmente por relevância clínica, atualidade e força metodológica. Os dados foram sintetizados de forma temática, com ênfase em fisiopatologia, terapias imunológicas direcionadas e indicadores de qualidade de vida.
3. FISIOPATOLOGIA E BASES IMUNOLÓGICAS: ALVOS TERAPÊUTICOS
Papel da IL-31 no prurido
A interleucina-31 (IL-31) emergiu como um mediador central do prurido na dermatite atópica. Produzida principalmente por linfócitos Th2 e células T CD4+ ativadas, a IL-31 atua sobre receptores expressos em neurônios sensoriais (IL-31RA/OSMR) e em células cutâneas, desencadeando sinais pró-pruriginosos e neuroinflamatórios. A ativação dessa via provoca liberação de mediadores que sensibilizam terminações nervosas e promovem coceira crônica, perpetuando o ciclo prurido-coçar que agrava a ruptura da barreira e a inflamação cutânea. Clinicamente, níveis séricos elevados de IL-31 correlacionam-se com maior intensidade do prurido e pior qualidade de vida. Do ponto de vista terapêutico, antagonistas da IL-31 ou bloqueadores do seu receptor têm demonstrado redução rápida e sustentada do prurido em estudos clínicos, tornando-se um alvo relevante especialmente em pacientes cuja queixa principal é o prurido refratário.
Via Th22 e metabolismo de ceramidas
A via Th22, caracterizada por produção de IL-22, desempenha papel relevante na alterações da diferenciação queratinocitária e na composição lipídica da barreira epidérmica. IL-22 promove proliferação queratinocitária e alterações na expressão de genes envolvidos na síntese de lipídios, incluindo as ceramidas, que são essenciais para a coesão intercelular e função barreira. A redução quantitativa e qualitativa das ceramidas na epiderme contribui para maior perda transepidérmica de água, aumento de permeabilidade a alérgenos e susceptibilidade à colonização por Staphylococcus aureus. Assim, o eixo Th22–IL-22 associa-se a fenótipos com maior xerose, fissuração e espessamento cutâneo, e tem implicações terapêuticas: modular IL-22 ou restabelecer a homeostase lipídica (ex.: formulações com ceramidas ou precursores lipídicos) pode favorecer recuperação da barreira e reduzir inflamação crônica.
Fenótipo Th17 e variações populacionais (ênfase em populações asiáticas)
Embora a DA clássica esteja associada ao perfil Th2, estudos populacionais demonstram heterogeneidade imunológica — em particular, maior contribuição da via Th17 em alguns subgrupos, com destaque para populações asiáticas. O eixo Th17/IL-17 está relacionado a fenótipos com lesões mais fissurantes e a uma maior tendência a apresentar sobreposição com psoríase em aspectos histopatológicos e transcriptômicos. A ativação Th17 também se associa a respostas terapêuticas distintas: pacientes com predomínio Th17 podem apresentar melhor resposta a abordagens que modulam vias IL-17/IL-23 ou a terapias sistêmicas com efeitos mais amplos sobre inflamação. Reconhecer esse fenótipo tem importância epidemiológica e translacional, pois orienta seleção de terapias e sugere que biomarcadores moleculares e perfil regional/populacional devem ser considerados na personalização terapêutica.
Microbioma e disbiose cutânea
A disbiose do microbioma cutâneo — em especial a sobrecrescimento e a maior aderência de Staphylococcus aureus — é tanto consequência quanto motor da inflamação na DA. S. aureus secreta exotoxinas e superantígenos que intensificam a resposta Th2, aumentam a produção de IgE e promovem inflamação local, além de degradar lipídios e proteínas da barreira. Ao mesmo tempo, perda de diversidade microbiana compromete mecanismos de tolerância e favorece sinais alérgicos. Intervenções que modulam o microbioma (antisépticos tópicos seletivos, probióticos/prebióticos cutâneos, transplante bacteriano tópico em pesquisa) mostram potencial para reduzir inflamação, colonização por S. aureus e frequência de exacerbações; contudo, abordagens ainda demandam validação em estudos controlados de longo prazo. A integração do perfil microbiano com marcadores imunológicos pode melhorar estratificação e prever respostas a tratamentos específicos.
Novos biomarcadores e sua utilidade translacional
O avanço das técnicas ômicas possibilita identificar biomarcadores preditivos e de resposta que podem guiar a medicina personalizada na DA. Entre os biomarcadores promissores estão:
Níveis séricos e teciduais de IL-13/IL-4/IL-31, correlacionando com atividade de doença e prurido;
Assinaturas transcriptômicas cutâneas que distinguem fenótipos Th2-dominantes de fenótipos híbridos Th2/Th17/Th22;
Perfis lipídicos epidérmicos (ceramidas específicas) que preveem severidade e recuperação da barreira;
Marcadores de microbioma (diversidade α/β, presença de genes virulência de S. aureus) para prever risco de exacerbação;
Biomarcadores de resposta terapêutica (por exemplo, redução relativa de assinatura Th2 após 4–8 semanas) que poderiam antecipar eficácia de biológicos ou JAKi.
A incorporação desses biomarcadores em algoritmos clínicos e estudos prospectivos permitirá não só melhor seleção de pacientes para terapias específicas, como também monitorização objetiva da resposta e estratégias de descontinuação segura.
Implicações clínicas e integração ao manejo
A compreensão integrada desses mecanismos mecanísticos tem reflexos diretos na prática clínica: pacientes com prurido predominante e IL-31 elevada podem beneficiar de antagonistas desta citocina; aqueles com alteração lipidômica e déficit de ceramidas necessitam de estratégias concomitantes de restauração da barreira; indivíduos com assinatura Th17 devem ser avaliados quanto a alternativas terapêuticas e monitorização diferente. Finalmente, a avaliação do microbioma e a utilização de biomarcadores moleculares abrem caminho para ensaios adaptativos que estratifiquem pacientes desde o desenho do estudo, acelerando a evidência útil para a clínica.
4. AVANÇOS NO TRATAMENTO SISTÊMICO
Nos últimos anos, avanços em imunologia cutânea e biologia molecular ampliaram significativamente a compreensão da heterogeneidade fisiopatológica da dermatite atópica (DA). Além da clássica dominância Th2, subpopulações imunológicas e influências microbianas modulam o fenótipo clínico, a gravidade da doença e a resposta terapêutica. Entre esses mecanismos, destacam-se o papel da IL-31 no prurido, a via Th22 na homeostase lipídica, o fenótipo Th17 mais prevalente em populações asiáticas, alterações profundas no microbioma e a identificação de biomarcadores emergentes com potencial de personalização terapêutica.
1. IL-31 como principal mediadora do prurido atópico
A IL-31 é considerada o principal mediador molecular do prurido na DA, produzida predominantemente por células Th2 ativadas. A citocina atua sobre o receptor IL-31RA/OSMR expresso em neurônios sensoriais cutâneos, desencadeando vias de sinalização JAK-STAT que aumentam a excitabilidade neural e promovem hipersensibilidade ao prurido.
Além de seu papel direto na sensação pruriginosa, a IL-31 contribui para neuroinflamação, remodelamento das fibras nervosas e perpetuação do ciclo prurido-coçar, agravando a ruptura da barreira epidérmica. Níveis elevados de IL-31 correlacionam-se com maior gravidade clínica, pior funcionamento psicossocial e distúrbios de sono. Do ponto de vista terapêutico, o bloqueio da IL-31 ou de seu receptor representa uma das estratégias futuras mais promissoras para pacientes com prurido refratário.
2. Via Th22 e alterações de ceramidas
A via Th22, marcada pela produção de IL-22, exerce papel essencial no metabolismo de ceramidas, lipídios fundamentais para a integridade da barreira epidérmica. A IL-22 promove hiperproliferação queratinocitária, aumento da espessura epidérmica, redução da diferenciação terminal e alteração na composição e organização de ceramidas.
Como consequência, há diminuição da coesão lipídica, aumento significativo da perda transepidérmica de água e maior permeabilidade cutânea a irritantes e alérgenos ambientais. Pacientes com predomínio Th22 frequentemente apresentam:
xerose acentuada,
fissuração,
liquenificação,
atraso na recuperação da barreira.
A compreensão dessa via reforça a necessidade de terapias que restaurem ceramidas e regulem IL-22, além de intervenções que reconstruam a barreira epidérmica de forma funcional e duradoura.
3. Fenótipo Th17 e sua predominância em populações asiáticas
Embora a DA seja classicamente descrita como uma doença Th2-dominante, estudos transcriptômicos revelam uma participação mais expressiva das vias Th17/IL-17 em determinados grupos étnicos, especialmente em indivíduos asiáticos.
Esse fenótipo apresenta características próprias:
lesões mais espessas e fissuradas,
maior eritema,
sobreposição histopatológica com psoríase,
menor resposta a certas terapias tópicas convencionais,
resposta potencialmente superior a moduladores das vias IL-17/IL-23.
Essa variabilidade imunológica sugere que a DA é um espectro clínico, e não uma única entidade homogênea, reforçando a importância da medicina de precisão na estratificação terapêutica.
4. Microbioma cutâneo e disbiose: um eixo central da inflamação
A disbiose cutânea é um dos pilares fisiopatológicos da DA. A sobrecolonização por Staphylococcus aureus, observada em até 90% dos pacientes, aumenta a inflamação por meio de:
produção de toxinas e superantígenos,
ativação intensa das vias Th2 e Th22,
redução de lipídios estruturais,
degradação da barreira epidérmica,
bloqueio da diversidade microbiana protetora.
Microrganismos comensais, como Staphylococcus epidermidis, têm efeito regulador e ajudam a modular a imunidade cutânea. A perda de diversidade microbiana está associada a maior gravidade, maior frequência de surtos e pior resposta a terapias tópicas.
Intervenções destinadas à modulação do microbioma — probióticos tópicos, transplante bacteriano, bacteriófagos direcionados, moduladores seletivos de S. aureus — estão em desenvolvimento e podem representar abordagens futuras para reduzir inflamação e prevenir exacerbações.
5. Biomarcadores emergentes e implicações na medicina personalizada
O aprofundamento das análises ômicas (genômica, transcriptômica, lipidômica e metagenômica) tem permitido identificar biomarcadores associados à gravidade, ao fenótipo imunológico e à resposta aos tratamentos. Entre os principais destacam-se:
IL-13, IL-4 e IL-31 como indicadores de atividade inflamatória e intensidade do prurido;
Padrões transcriptômicos Th2/Th17/Th22, úteis para prever resposta a biológicos ou JAK-inibidores;
Perfis lipidômicos cutâneos, especialmente quantificação de subclasses de ceramidas, como preditores de integridade da barreira;
Marcadores de disbiose, incluindo abundância relativa de S. aureus e diversidade microbiana;
Biomarcadores de resposta precoce, como redução da assinatura Th2 em biópsias após 4–8 semanas de tratamento.
A integração desses biomarcadores a algoritmos clínicos emergentes tem potencial para revolucionar a seleção terapêutica, antecipar falhas de tratamento e promover verdadeira estratificação personalizada da DA moderada a grave.
5. IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA (QV)
A dermatite atópica (DA) exerce impacto significativo e multidimensional na qualidade de vida (QV), frequentemente desproporcional à gravidade cutânea visível. Por ser uma doença crônica, recidivante e associada a sintomas intensos — sobretudo prurido —, a DA compromete funções básicas como sono, produtividade e saúde emocional. Assim, a avaliação da QV tornou-se componente essencial na abordagem clínica e no julgamento da eficácia terapêutica.
1. Prurido: o principal determinante da piora da qualidade de vida
O prurido é descrito por muitos pacientes como insuportável, constante e exaustivo, interferindo diretamente:
na concentração e atividades cotidianas,
no rendimento escolar e profissional,
no humor e na estabilidade emocional,
na socialização, devido a constrangimento causado por coçar constante, lesões visíveis e manchas residuais.
O prurido noturno prejudica o descanso, levando a sonolência diurna, irritabilidade, fadiga crônica e aumento do risco de distúrbios psiquiátricos. A interrupção do ciclo sono–vigília está associada a maior inflamação sistêmica, pior controle cutâneo e redução da produtividade.
2. Sono, fadiga e consequências neurocognitivas
Pacientes com DA moderada a grave apresentam:
alta prevalência de insônia,
despertares frequentes,
baixa eficiência de sono,
fadiga persistente durante o dia.
Estudos demonstram que a privação de sono contribui para:
redução de desempenho cognitivo,
piora da memória de trabalho,
prejuízo na aprendizagem,
queda de desempenho escolar e profissional.
Crianças com DA frequentemente apresentam hiperatividade, irritabilidade e maior risco de ansiedade devido ao sono fragmentado.
3. Impacto emocional e saúde mental
A DA está associada a um fardo psicológico substancial. Pacientes relatam:
ansiedade,
depressão,
baixa autoestima,
estresse crônico,
sentimento de "perda de controle" sobre a doença,
isolamento social.
A visibilidade das lesões e a imprevisibilidade das crises aumentam a vulnerabilidade emocional e podem resultar em estigma social. Adultos e adolescentes com DA moderada a grave apresentam risco aumentado de depressão maior, ideação suicida e transtornos de ansiedade.
4. Impacto social e nas relações interpessoais
Lesões visíveis, coceira intensa e preocupação estética influenciam:
relações afetivas e sociais,
vida escolar e profissional,
prática de atividades físicas,
escolha de roupas e exposição corporal.
A doença interfere em situações diárias como apertos de mão, atividades com água, contato social próximo e uso de roupas específicas, gerando constrangimento e baixa autoconfiança.
5. Carga econômica e produtiva
A DA impacta também áreas econômicas e funcionais por meio de:
absenteísmo no trabalho e na escola,
presenteísmo (presença, mas com rendimento reduzido),
necessidade de cuidados médicos recorrentes,
custos relacionados a hidratantes, medicamentos, roupas especiais e tratamentos complementares.
Nos casos graves, o comprometimento funcional pode ser comparável ao observado em doenças como psoríase grave e artrite reumatoide.
6. Instrumentos de Avaliação da Qualidade de Vida
Diversos instrumentos padronizados são aplicados para quantificar o impacto da DA na QV:
DLQI (Dermatology Life Quality Index) – amplamente utilizado em adultos.
CDLQI – para crianças.
POEM (Patient-Oriented Eczema Measure) – avalia sintomas sob a perspectiva do paciente.
ItchyQOL – focado no impacto do prurido.
PROMIS measures – sono, fadiga, depressão e ansiedade.
Tais instrumentos têm sido essenciais para documentar o benefício clínico de terapias modernas, especialmente biológicos e JAK inibidores.
7. O impacto dos tratamentos modernos na qualidade de vida
Terapias alvo-específicas transformaram o cenário clínico da DA, trazendo benefícios que vão além da melhora das lesões cutâneas. Estudos mostram que:
Dupilumabe reduz intensamente o prurido e melhora sono e saúde emocional, com impacto positivo no DLQI.
Upadacitinibe e abrocitinibe promovem melhora extremamente rápida do prurido (24–72 horas), levando a recuperação precoce da QV.
Tralokinumabe e lebrikizumabe resultam em melhora sustentada da função barreira e redução de fadiga e desconforto emocional.
A melhora da QV é frequentemente o parâmetro mais valorizado pelos pacientes, superando até a aparência das lesões.
8. Qualidade de vida como desfecho clínico essencial
A compreensão de que a DA é uma doença sistêmica, e não apenas cutânea, reforça a necessidade de considerar a QV como:
desfecho primário em ensaios clínicos,
indicador de gravidade,
critério para escalonamento terapêutico,
parâmetro essencial na prática clínica.
Intervenções eficazes não apenas reduzem sintomas, mas restauram o bem-estar, favorecem relações sociais, melhoram o sono e reduzem a carga emocional e econômica associada à doença.
6. DISCUSSÃO: PERSONALIZAÇÃO E DESAFIOS
A evolução do entendimento da dermatite atópica (DA) como uma doença heterogênea, multifatorial e imunologicamente complexa impulsionou a transição de tratamentos generalistas para abordagens altamente personalizadas. O avanço das terapias alvo-específicas, aliado ao desenvolvimento de biomarcadores, permitiu que a medicina de precisão se tornasse uma realidade emergente no manejo da DA moderada a grave. Entretanto, apesar desses progressos, importantes desafios científicos, clínicos, sociais e econômicos persistem, limitando a universalização desses benefícios.
1. Heterogeneidade imunológica e necessidade de medicina personalizada
A DA não representa uma entidade uniforme, mas sim um espectro de fenótipos clínicos e endótipos imunológicos. A predominância da via Th2 é universal, porém o envolvimento variável das vias Th17, Th22, IL-31 e da disbiose cutânea cria subgrupos com características distintas.
Essas diferenças influenciam diretamente:
gravidade e padrão das lesões,
intensidade e persistência do prurido,
resposta terapêutica a biológicos e JAK inibidores,
susceptibilidade a infecções,
impacto global na qualidade de vida.
Terapias como dupilumabe e tralokinumabe são altamente eficazes em fenótipos Th2-dominantes, enquanto JAK inibidores apresentam melhor resposta em perfis mistos ou com forte componente Th22/Th17. Assim, a estratificação fenotípica e molecular torna-se fundamental para otimizar a escolha terapêutica e reduzir falhas precoces.
2. Papel emergente dos biomarcadores na seleção de tratamento
O desenvolvimento de biomarcadores é um dos maiores motores da medicina de precisão na DA. Indicadores como:
níveis séricos de IL-13, IL-4 e IL-31,
assinatura transcriptômica cutânea,
perfis lipidômicos e ceramidas,
marcadores de disbiose (ex.: abundância de S. aureus),
sinais de inflamação sistêmica e barreira defeituosa,
têm demonstrado potencial para prever resposta, identificar subgrupos específicos e monitorar desfechos terapêuticos. Contudo, a adoção desses marcadores na prática clínica ainda é limitada pela falta de padronização, custos elevados, disponibilidade restrita e ausência de validação em larga escala.
3. Equilíbrio entre eficácia, segurança e preferência do paciente
O avanço dos biológicos e JAK inibidores ampliou as opções terapêuticas, mas também trouxe a necessidade de decisões compartilhadas diante de diferenças importantes:
biológicos: excelentes em segurança e estabilidade a longo prazo;
JAK inibidores: eficácia muito rápida, porém com considerações de segurança mais detalhadas;
imunossupressores tradicionais: acessíveis e eficazes em curto prazo, porém limitados para manutenção.
A personalização deve considerar:
comorbidades (asma, rinite, obesidade),
idade e estilo de vida,
desejo do paciente por resposta rápida,
histórico de adesão,
risco-benefício individual,
possibilidade de gravidez,
impacto na qualidade de vida.
Essa abordagem centrada no paciente aumenta a adesão, reduz abandono terapêutico e melhora desfechos a longo prazo.
4. Desafios de acesso, custo e equidade em saúde
Apesar da expansão terapêutica, um dos maiores desafios permanece o acesso desigual a tratamentos modernos. Os imunobiológicos e JAK inibidores têm custos elevados e sua incorporação em sistemas públicos, como o SUS, ainda é limitada.
Barreiras incluem:
custo anual elevado dos medicamentos,
exigência de protocolos rígidos,
dificuldade de acompanhamento especializado,
disparidades regionais,
demora na incorporação de novas tecnologias.
A falta de equidade impacta principalmente pacientes com DA moderada a grave, que são justamente os que mais se beneficiariam dessas terapias.
5. Limitações terapêuticas e necessidades não atendidas
Mesmo com regimes avançados, alguns desafios persistem:
prurido residual em determinados pacientes,
inflamação crônica de barreira refratária,
exacerbamentos recorrentes,
falha terapêutica secundária,
ausência de terapias que curem a doença,
impacto psicológico e social ainda subtratado.
Além disso, embora terapias emergentes apresentem promissor potencial, ainda faltam estudos de longo prazo que avaliem segurança, custo-efetividade e impacto real na saúde populacional.
6. Futuro: integração entre imunologia, microbioma e biotecnologia
Avanços futuros deverão integrar:
perfis moleculares da pele,
análises lipidômicas da barreira,
caracterização profunda do microbioma,
IA aplicada à estratificação e decisão clínica,
terapias combinadas (biológico + modulador de microbioma),
modelos preditivos de resposta baseados em machine learning.
Essas ferramentas permitirão direcionar tratamento "sob medida", corrigir vias inflamatórias dominantes e prever o curso da doença de forma muito mais precisa.
7. CONCLUSÃO
A dermatite atópica é uma doença complexa, heterogênea e profundamente impactante, cuja compreensão evoluiu significativamente nas últimas décadas. A ampliação do conhecimento sobre suas bases imunológicas, o papel da barreira epidérmica, o envolvimento de vias como Th2, Th22, Th17 e IL-31, e a relevância da disbiose cutânea permitiu redefinir a doença não apenas como uma condição cutânea, mas como um distúrbio sistêmico com repercussões amplas na saúde física, emocional e psicossocial dos indivíduos.
A incorporação de terapias biológicas e inibidores de JAK revolucionou o manejo da DA moderada a grave, proporcionando controle inflamatório mais profundo, redução rápida e sustentada do prurido e melhora expressiva da qualidade de vida. Entretanto, a heterogeneidade imunológica entre indivíduos destaca a necessidade crescente de uma abordagem personalizada, guiada por biomarcadores, características fenotípicas e preferências do paciente. O futuro do tratamento da DA dependerá da consolidação da medicina de precisão, na qual escolhas terapêuticas serão orientadas por perfis moleculares, assinaturas inflamatórias específicas e marcadores de disbiose.
Apesar dos importantes avanços terapêuticos, persistem desafios substanciais, sobretudo relacionados ao acesso desigual a terapias modernas, à necessidade de validação de biomarcadores em larga escala e à integração plena de estratégias que abordem não apenas a inflamação, mas também o impacto psicológico, social e econômico imposto pela doença. Superar essas barreiras será fundamental para garantir que os benefícios das novas tecnologias cheguem a todos os pacientes, independentemente de contexto socioeconômico.
Em síntese, o manejo contemporâneo da dermatite atópica caminha para um modelo mais individualizado, interdisciplinar e orientado por evidências, capaz de oferecer não apenas melhora clínica objetiva, mas também reconstrução da qualidade de vida e do bem-estar global dos pacientes. O compromisso contínuo com pesquisa, inovação e equidade em saúde será determinante para transformar esse potencial em realidade clínica.
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