CIÊNCIAS MÉDICAS APLICADAS AO FISICULTURISMO E FITNESS: UMA ABORDAGEM CONSCIENTE À SAÚDE HUMANA

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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.13989538


Edson Carlos Zaher Rosa1


RESUMO
O fisiculturismo, como uma prática que envolve o desenvolvimento muscular extremo e a busca por alta performance física, demanda uma abordagem científica e médica criteriosa. As adaptações hormonais, metabólicas e bioquímicas que ocorrem no corpo humano, tanto durante o treinamento, quanto pela utilização de substâncias ergogênicas, requerem um monitoramento médico contínuo. Este artigo aborda os impactos endócrinos e metabólicos da prática do fisiculturismo e no mundo fitness em geral, enfatizando as áreas médicas envolvidas na avaliação dos atletas, como a fisiologia, endocrinologia, cardiologia, hepatologia, nefrologia, dentre outras. São discutidos os exames necessários para acompanhamento clínico, como perfis hormonais, função hepática, renal e cardiovascular, destacando os riscos associados ao uso indiscriminado de esteróides anabolizantes e outros moduladores hormonais. A conscientização sobre a importância do acompanhamento profissional, visa garantir a saúde e a segurança dos atletas.
Palavras-chave: Medicina, Fisiculturismo; Fitness; Endocrinologia; Bioquímica humana; Hormônios; Avaliação médica; Saúde humana; Medicina esportiva; Hipertrofia muscular; Metabolismo.

ABSTRACT
Bodybuilding, as a practice that involves extreme muscle development and the pursuit of high physical performance, demands a careful scientific and medical approach. The hormonal, metabolic and biochemical adaptations that occur in the human body, both during training and through the use of ergogenic substances, require continuous medical monitoring. This article addresses the endocrine and metabolic impacts of bodybuilding and the fitness world in general, emphasizing the medical areas involved in assessing athletes, such as physiology, endocrinology, cardiology, hepatology, nephrology, among others. The necessary tests for clinical monitoring are discussed, such as hormonal profiles, liver, kidney and cardiovascular function, highlighting the risks associated with the indiscriminate use of anabolic steroids and other hormonal modulators.Raising awareness of the importance of professional monitoring aims to guarantee the health and safety of athletes.
Keywords: Medicine, Bodybuilding; Fitness; Endocrinology; Human biochemistry; Hormones; Medical evaluation; Human health; Sports medicine; Muscle hypertrophy; Metabolism

1. Introdução

A arte e a ciência do Fisiculturismo em seus mais amplos aspectos está intimamente ligada entre as ciências médicas e biológicas, uma vez que tem uma relação direta com o corpo humano. Esse segmento começou a ser difundido entre os séculos 19 e 20, onde surgiram os primeiros praticantes de fisiculturismo, popularizando as exposições de seus corpos, através do treinamento de força e aprimoramento da musculatura.

Assim sendo, ao promover o crescimento muscular extremo e a definição corporal, o fisiculturismo tornou-se uma prática amplamente difundida, tanto em ambientes competitivos quanto recreativos. Contudo, essa modalidade esportiva ultrapassa os limites do treinamento físico e nutricional, envolvendo questões complexas de natureza endócrina, metabólica e bioquímica. Para alcançar resultados expressivos, muitos praticantes recorrem ao uso de recursos ergogênicos como os esteróides anabolizantes, hormônios peptídicos e outros agentes, o que pode comprometer gravemente a saúde e qualidade de vida.

Dessa forma, é imprescindível uma abordagem médica multidisciplinar para monitorar os efeitos desses compostos no organismo humano e garantir a segurança do atleta, enfatizando os cuidados em áreas como a fisiologia, endocrinologia, cardiologia, hepatologia, nefrologia, pois o monitoramente das diversas funções do corpo humano, têm um papel fundamental na avaliação dos atletas de fisiculturismo ou adeptos, considerando o impacto que a prática intensa e o uso de substâncias ergogênicas podem ter sobre os diferentes sistemas orgânicos.

Este artigo busca explorar os principais mecanismos bioquímicos e hormonais envolvidos no fisiculturismo, assim como os exames clínicos relevantes para o acompanhamento dos praticantes.

2. Fisiologia do Exercício e o Metabolismo Energético no Fisiculturismo

No contexto do fisiculturismo, o treinamento resistido promove adaptações musculares significativas, incluindo aumento da síntese protéica e a hipertrofia muscular.

É sabido que a via de sinalização mTOR (Mammalian Target of Rapamycin) é fundamental nesse processo, sendo ativada por estímulos anabólicos como o exercício e a ingestão de aminoácidos e nutrientes, especialmente o aminoácido L-Leucina.

A creatina (associação de aminoácidos como arginina, glicina e metionina) é um suplemento amplamente utilizado entre fisiculturistas, onde também desempenha um papel essencial no fornecimento rápido de ATP (Adenosina Trifosfato), especialmente em exercícios de curta duração e alta intensidade, promovendo maior resistência muscular.

Metabolicamente falando, em algumas fases específicas, o fisiculturismo exige uma dieta hipercalórica rica em proteínas para sustentar o crescimento muscular, sendo que o metabolismo energético é predominantemente anaeróbico durante o exercício resistido, com a glicólise anaeróbica e a via da fosfocreatina sendo as principais fontes de energia. No entanto, essa demanda metabólica intensa pode resultar em sobrecarga hepática e renal, especialmente quando há uso concomitante de suplementos e substâncias ergogênicas em doses suprafisiológicas.

3. Endocrinologia Aplicada ao Fisiculturismo: Modulação Hormonal e Impactos no Eixo HPG

A prática do fisiculturismo está intimamente ligada à modulação neuro-endocrinológica, com impacto direto sobre o eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HPG), sendo na maior parte das vezes, ocasionado pelo uso de fármacos sintéticos derivados de hormônios esteróides (esteróides anabolizantes).

O uso de esteróides anabolizantes exógenos suprime a produção endógena de testosterona, podendo levar à atrofia testicular e, em muitos casos, à infertilidade temporária ou permanente. A testosterona, hormônio chave para a hipertrofia muscular, quando administrada exogenamente em doses supraterapêuticas ou suprafisiológicas, aumenta significativamente a síntese protéica, mas também está associada a uma série de complicações sistêmicas e em órgãos alvo , como hepatotoxicidade, dislipidemia, hipertensão, aumento do risco de eventos cardiovasculares, dentre outras.

3.1. Testosterona

A testosterona é um hormônio esteroide derivado do colesterol, sendo que a sua síntese envolve várias etapas:

Colesterol: A síntese da testosterona começa com o colesterol, que é convertido em  pregnenolona pela enzima P450scc (CYP11A1) nas mitocôndrias das células de Leydig.

Pregnenolona: A pregnenolona é então convertida em progesterona pela enzima 3β-hidroxiesteroide desidrogenase.

Progesterona: A progesterona é convertida em 17-hidroxiprogesterona pela enzima 17α-hidroxilase.

17-hidroxiprogesterona: Esta é então convertida em androstenediona pela enzima 17,20-liase.

Androstenediona: Finalmente, a androstenediona é convertida em testosterona pela  enzima 17β-hidroxisteroide desidrogenase.

Nos homens, a testosterona é produzida principalmente nas células de Leydig no interior -dos testículos.Em menor quantidade, também é produzida nas glândulas adrenais. Já nas mulheres, a testosterona é produzida nos ovários (células da teca) e também nas  glândulas adrenais.A testosterona age nas células através de um processo específico e  complexo.  Inicialmente, a testosterona, sendo uma molécula lipossolúvel, atravessa facilmente a  membrana plasmática da célula. Uma vez dentro da célula, a testosterona se liga a um  receptor androgênico específico presente no citoplasma, formando um complexo  hormônio/receptor. Este complexo é então transportado para o núcleo da célula, onde se  liga a regiões específicas do DNA chamadas de elementos de resposta a andrógenos (AREs). Essa ligação regula a transcrição de genes específicos, aumentando ou  diminuindo a produção de certas proteínas que são responsáveis pelos efeitos observados da testosterona, como crescimento muscular, produção de espermatozoides e  manutenção de características sexuais secundárias.

3.1.1 Anabolizantes Androgênicos Esteróides (AAS)

O uso de anabolizantes androgênicos esteróides (AAS) no fisiculturismo tem como objetivo aumentar os níveis circulantes de testosterona e seus metabólitos, amplificando os efeitos anabólicos musculares, porém essa prática é acompanhada de riscos clínicos consideráveis. A supressão do eixo HPG (Hipotálamo-hipofisário/pituitário-gonadal), pode ser monitorada através de exames laboratoriais, como dosagens de testosterona, SHBG (globulina ligadora de hormônios sexuais), LH (hormônio luteinizante) e FSH (hormônio folículo-estimulante), no entanto, a restauração da função hormonal endógena, frequentemente requer o uso de moduladores seletivos dos receptores de estrogênio (SERMs) como tamoxifeno, clomifeno, ou outras classes terapêuticas, especialmente em terapias pós-ciclo (TPC).

3.2. Bioquímica Molecular dos fármacos Esteróides Anabolizantes

Os Esteroides anabolizantes são medicamentos derivados sintéticos da testosterona, modificados para aumentar seu efeito anabólico e minimizar efeitos androgênicos indesejados. Cada composto possui uma cadeia molecular única que determina seu perfil de ação, biodisponibilidade, e efeitos no organismo. A seguir, são descritas as principais características moleculares de alguns dos medicamentos esteróides anabolizantes mais comumente utilizados.

3.2.1  Durateston

Podemos dizer que o Durateston é uma combinação de quatro ésteres de testosterona (propionato, fenilpropionato, isocaproato e decanoato), sendo que a combinação destes ésteres, oferece liberação prolongada de testosterona no organismo humano.

  • Cadeia Molecular: C19H28O2 (base da testosterona)

  • Mecanismo Bioquímico: Cada éster presente nessa fórmula é metabolizado em diferentes taxas, garantindo níveis estáveis de testosterona sérica ao longo do tempo.

3.2.2. Enantato de Testosterona

O Enantato de Testosterona é uma forma éster de testosterona que possui uma liberação prolongada devido à sua ligação a um éster de 7 carbonos.

  • Cadeia Molecular: C26H40O3

  • Mecanismo Bioquímico: Após ser injetado, o enantato de testosterona é gradualmente liberado conforme o éster é clivado, resultando em um aumento sustentado de testosterona sérica.

3.2.3 Cipionato de Testosterona

O Cipionato de Testosterona é um éster de testosterona com uma estrutura muito semelhante ao enantato, mas com um éster de 8 carbonos, o que prolonga ainda mais sua meia-vida.

  • Cadeia Molecular: C27H40O3

  • Mecanismo Bioquímico: A presença de um éster mais longo confere ao cipionato uma liberação mais lenta do hormônio na corrente sanguínea, proporcionando uma liberação prolongada.

3.2.4. Boldenona

A Boldenona, também conhecida como undecilenato de boldenona, é um esteróide anabólico derivado da testosterona com uma dupla ligação entre os carbonos 1 e 2.

  • Cadeia Molecular: C30H44O3 (undecilenato de boldenona)

  • Mecanismo Bioquímico: A alteração estrutural reduz a aromatização em estrogênio, o que diminui os efeitos colaterais estrogênicos, como a retenção de líquidos.

3.2.5. Nandrolona

A Nandrolona, ou decanoato de nandrolona, é um derivado 19-nor da testosterona, significando que o átomo de carbono na posição 19 foi removido.

  • Cadeia Molecular: C28H44O3 (decanoato de nandrolona)

  • Mecanismo Bioquímico: A remoção do carbono 19 reduz a tendência de aromatização em estrogênio, diminuindo os efeitos colaterais androgênicos.

3.2.6. Oximetolona

A Oximetolona é um esteroide anabólico 17-alfa-alquilado, tornando-o oralmente biodisponível, com potente efeito anabólico e propriedades androgênicas moderadas.

  • Cadeia Molecular: C21H32O3

  • Mecanismo Bioquímico: A 17-alfa-alquilação impede sua rápida metabolização hepática, permitindo seu uso oral, mas também elevando o risco de hepatotoxicidade.

3.2.7. Metandrostenolona

Também conhecido como Dianabol, é um esteroide oral 17-alfa-alquilado, com propriedades anabólicas potentes e efeitos androgênicos.

  • Cadeia Molecular: C20H28O2

  • Mecanismo Bioquímico: Podemos dizer que é um composto similar à oximetolona, sendo a metandrostenolona resistente à degradação hepática devido à 17-alfa-alquilação, o que facilita seu uso oral.

3.2.8. Drostanolona

A Drostanolona, geralmente encontrada como propionato de drostanolona, é um derivado da diidrotestosterona (DHT), com uma metilação na posição 2 para aumentar sua estabilidade.

  • Cadeia Molecular: C23H36O3 (propionato de drostanolona)

  • Mecanismo Bioquímico: A estrutura derivada de dihidrotestosterona (DHT) faz com que a drostanolona tenha efeitos predominantemente androgênicos e promova definição muscular sem retenção de líquidos.

3.2.9. Metenolona

A Metenolona é um esteroide anabólico disponível em formas oral (acetato de metenolona) e injetável (enantato de metenolona).

  • Cadeia Molecular: C20H30O2

  • Mecanismo Bioquímico: Possui uma alta proporção anabólica/androgênica, tornando-se um esteróide com efeitos androgênicos mais tênues, podendo favorecer o ganho muscular sem grandes efeitos colaterais.

3.2.10. Oxandrolona

A Oxandrolona é um derivado sintético da dihidrotestosterona (DHT), com um átomo de oxigênio no carbono 2, aumentando sua estabilidade e resistência à degradação hepática.

  • Cadeia Molecular: C19H30O3

  • Mecanismo Bioquímico: A estrutura 17-alfa-alquilada, somada a essa modificação no carbono 2, permite que a oxandrolona tenha forte efeito anabólico, com mínima aromatização em estrogênio, sendo frequentemente usada para pacientes que necessitam de ganho de massa magra, podendo em alguns casos já documentados na literatura, até ser usada para fins terapêuticos.

3.2.11. Estanozolol

O Estanozolol é um derivado da dihidrotestosterona (DHT), com um anel pirazol adicionado ao anel A, o que confere forte efeito anabólico e resistência à degradação hepática.

  • Cadeia Molecular: C21H32N2O

  • Mecanismo Bioquímico: A estrutura 17-alfa-alquilada permite a administração oral, enquanto seu perfil anabólico é favorecido em ciclos de definição muscular, sendo usado para promover força e vascularização sem retenção de líquidos.

3.2.12. Mesterolona

A Mesterolona, também conhecida como Proviron, é um esteroide androgênico derivado da diidrotestosterona (DHT), no entanto ao contrário de outros esteroides anabolizantes, a mesterolona não possui ação significativa no aumento da massa muscular, mas é utilizada principalmente em terapias para corrigir deficiências androgênicas e melhorar a qualidade da espermatogênese.

  • Cadeia Molecular: C20H32O2

  • Mecanismo Bioquímico: A mesterolona possui um grupo metil na posição 1, o que impede a metabolização pela enzima aromatase, tornando-a não aromatizável em estrogênio. Isso permite que ela aumente os níveis de testosterona livre no plasma ao inibir a ligação da testosterona à globulina de ligação aos hormônios sexuais (SHBG), melhorando assim a disponibilidade do hormônio.

3.3. Hormônio do Crescimento (GH) e IGF-1

O Hormônio do Crescimento (Growth Hormone-GH), ou somatotropina, é um polipeptídeo secretado pela glândula pituitária anterior (hipófise anterior), essencial para o crescimento celular e regeneração tecidual, sendo que o GH humano possui 191 aminoácidos e atua ligando-se a receptores específicos em células-alvo, estimulando a produção de IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina) no fígado, o que promove o crescimento ósseo e muscular. Também aumenta a lipólise (quebra de gordura) e reduz a captação de glicose, favorecendo o uso de lipídios como fonte de energia.

A administração exógena de GH por fisiculturistas visa aumentar o crescimento muscular e promover a lipólise, mas seu uso prolongado pode causar resistência à insulina, acromegalia e aumento do risco de tumores à pacientes com predisposição.

O IGF-1 ou Somatomedina C, ao estimular a proliferação celular, pode também ter efeitos deletérios em tecidos predispostos a processos neoplásicos, assim sendo, a dosagem de IGF-1 e GH deve ser cuidadosamente monitorada para evitar complicações.

3.4. Insulina

A Insulina é um hormônio polipeptídico produzido pelas células beta das Ilhotas de Landerhans do pâncreas, sendo essencial para a regulação do metabolismo da glicose. Sua principal função é facilitar a entrada de glicose nas células, especialmente no tecido muscular e adiposo, além de regular o armazenamento de glicose no fígado na forma de glicogênio.

A insulina humana é composta por 51 aminoácidos organizados em duas cadeias polipeptídicas (A e B), conectadas por pontes de dissulfeto. 

A insulina se liga ao receptor de insulina na membrana celular, ativando a via de sinalização PI3K/Akt, o que promove a translocação de transportadores de glicose (GLUT4) para a superfície celular. Isso facilita a captação de glicose pelas células e sua utilização como fonte de energia ou armazenamento como glicogênio. Além disso, a insulina inibe a lipólise no tecido adiposo e estimula a síntese de proteínas no músculo esquelético.

A insulina é usada por alguns fisiculturistas para aumentar a captação de nutrientes pelas células musculares, promovendo o anabolismo e acelerando a recuperação pós-treino. No entanto, seu uso fora de um ambiente controlado pode ser extremamente perigoso, levando a hipoglicemia severa, choque hipoglicêmico/ coma ou até mesmo à morte.

4. Impactos Bioquímicos e Metabólicos: Anabolismo versus Catabolismo

A homeostase entre processos anabólicos e catabólicos é fundamental para o desenvolvimento da musculatura esquelética. No fisiculturismo, a suplementação protéica, especialmente com aminoácidos e aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs), promove a ativação das vias anabólicas, como a via Akt/mTOR, facilitando o aumento da síntese protéica. Contudo, a desregulação dessa homeostase, especialmente quando mediada pelo uso de substâncias exógenas, pode resultar em danos metabólicos.

Pacientes que fazem uso prolongado de esteróides anabolizantes ou outras substâncias moduladoras do metabolismo frequentemente desenvolvem resistência à insulina e disfunções hepáticas. A monitorização dos marcadores hepáticos, como as transaminases (TGO/AST e TGP/ALT) e a gama-glutamiltransferase (GGT), é essencial para a detecção precoce de lesões hepáticas. Além disso, o perfil lipídico, frequentemente alterado em usuários de esteróides, deve ser avaliado regularmente.

5. Especialidades Médicas Envolvidas na Avaliação dos Fisiculturistas

A avaliação médica de atletas de fisiculturismo requer a participação de diversas especialidades, devido ao impacto sistêmico que a prática pode ter sobre o organismo.

5.1. Endocrinologia

A endocrinologia é a ciência responsável por monitorar as alterações hormonais induzidas pelo treinamento intenso e pelo uso de substâncias ergogênicas. Exames como dosagem de testosterona, estradiol, SHBG, LH, FSH, GH e IGF-1 são fundamentais para avaliar o estado hormonal dos atletas. A intervenção endócrina pode ser necessária para prevenir complicações como hipogonadismo e infertilidade.

5.2. Cardiologia

O uso de esteróides anabolizantes está associado a um aumento do risco cardiovascular, com hipertensão, arritmias e dislipidemias sendo frequentemente observadas. A avaliação cardiológica, incluindo eletrocardiograma, ecocardiograma, teste de esforço e monitoramento da pressão arterial, deve fazer parte do acompanhamento regular de fisiculturistas, especialmente os que utilizam AAS.

5.3. Hepatologia

O fígado é frequentemente sobrecarregado devido ao uso de esteróides orais e outras substâncias ergogênicas. Desse modo, hepatopatias induzidas por drogas são comuns em usuários crônicos de esteróides, sendo essenciais exames como dosagem de transaminases, bilirrubinas e função hepática global para monitorar o estado hepático desses indivíduos.

5.4. Nefrologia

A alta ingestão protéica, comum entre fisiculturistas, pode sobrecarregar o sistema renal, especialmente em indivíduos predispostos a doenças renais. A função renal deve ser monitorada através de exames como ureia, creatinina, além da avaliação do clearence de creatinina e microalbuminúria, que são essenciais para a detecção precoce de disfunção renal. Além disso, o uso de diuréticos por fisiculturistas visando a perda de peso ou a definição muscular extrema, pode exacerbar a sobrecarga renal e levar a desequilíbrios eletrolíticos graves, o que reforça a necessidade de acompanhamento profissional.

6. Exames Laboratoriais e de Imagem para Acompanhamento Clínico

O acompanhamento clínico de fisiculturistas que utilizam hormônios e substâncias ergogênicas requer um conjunto robusto de exames laboratoriais e de imagem para detecção precoce de alterações patológicas.

6.1. Perfil Hormonal Completo

Para monitorar as alterações no eixo HPG e outros eixos endócrinos, os seguintes exames são recomendados:

  • Dosagem de testosterona total e livre.

  • Estradiol.

  • LH e FSH.

  • Prolactina, especialmente em usuários de derivados da nandrolona.

  • Níveis de GH e IGF-1 em usuários de hormônio do crescimento.

Esses exames permitem avaliar a função endócrina e ajustar a terapia conforme necessário, principalmente em fisiculturistas que fazem uso de Terapia Pós-Ciclo (TPC) após o uso de esteróides anabolizantes.

6.2. Função Hepática e Renal

O monitoramento das funções hepática e renal é de extrema importância, dado o uso de substâncias potencialmente hepatotóxicas e nefrotóxicas:

  • Transaminases (TGO e TGP) para avaliar hepatotoxicidade.

  • Gama-glutamiltransferase (GGT) e fosfatase alcalina (FA).

  • Bilirrubina total e frações.

  • Ureia, creatinina sérica e clearence de creatinina.

  • Exame de urina com microalbuminúria para avaliar danos renais iniciais.

6.3. Perfil Lipídico e Glicêmico

O uso de esteróides anabolizantes pode causar dislipidemia significativa, com redução do HDL e aumento do LDL, além de predispor à resistência insulínica:

  • Colesterol total, LDL, HDL e triglicerídeos.

  • Glicemia de jejum e hemoglobina glicada para avaliar o controle glicêmico.

6.4. Exames Cardiológicos

Para avaliar o impacto cardiovascular do treinamento intenso e do uso de substâncias, exames cardiológicos são essenciais para a segurança e manutenção de vida:

  • Eletrocardiograma (ECG) para detectar arritmias.

  • Ecocardiograma para avaliar hipertrofia ventricular esquerda, comum em usuários crônicos de esteróides anabolizantes.

  • Teste ergométrico para avaliar a capacidade funcional cardiovascular.

6.5. Exames de Imagem

A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) podem ser indicadas para avaliar lesões musculares e verificar alterações anatômicas decorrentes do treinamento intenso. Em casos de uso prolongado de hormônios do crescimento, a avaliação para acromegalia pode incluir radiografias de mãos e pés para observar alterações ósseas típicas.

7. Principais diferenças da Abordagem na Preparação de Atletas para o Fisiculturismo e Modelos em Concursos de Estética Corporal

A preparação de atletas para competições de fisiculturismo e a preparação de modelos para concursos de estética corporal individual apresentam diferenças marcantes em termos de objetivos, estratégias fisiológicas e abordagens médicas. Embora ambos os grupos estejam comprometidos com a otimização da composição corporal, as metas, a intensidade do treinamento, a manipulação dietética e a consideração dos impactos sistêmicos sobre o organismo variam significativamente entre eles.

Podemos dizer que no fisiculturismo competitivo, o principal objetivo é maximizar a hipertrofia muscular, associada à minimização de gordura corporal, visando uma definição muscular extrema e encaixe na categoria biotipal que o atleta almeja na competição. Este processo envolve uma fase técnica ciclica altamente controlada de “bulking” (aumento de massa magra) e “cutting” (perda de gordura), com manipulações rigorosas de macronutrientes e, e na maioria dos casos, o uso de agentes ergogênicos, incluindo esteróides anabolizantes, moduladores hormonais, termogênicos, medicamentos diuréticos, dentre outros. A preparação de fisiculturistas frequentemente inclui treinamento resistido de alta intensidade, associado ao monitoramento de parâmetros bioquímicos e hormonais para evitar efeitos adversos, como disfunções no eixo hipotálamo-hipófisário-gonadal e suas repercussões sistêmicas no organismo, além de lesões musculoesqueléticas.

Além disso, no contexto do fisiculturismo, há uma preocupação crescente com a manutenção da saúde cardiovascular, já que o uso de substâncias como diuréticos e a restrição hídrica severa antes de competições podem desencadear distúrbios eletrolíticos e arritmias cardíacas. Exames laboratoriais periódicos, como dosagens séricas de eletrólitos, creatinina, TGO, TGP e hemograma, são essenciais para monitorar o estado de saúde dos atletas durante esses períodos de intenso estresse metabólico.

Por outro lado, a preparação de modelos para concursos fitness e de estética corporal, embora também envolva aspectos de condicionamento físico, tende a ser menos agressiva em termos de manipulação hormonal e metabólica. O foco maior reside na manutenção de uma composição corporal equilibrada e harmoniosa, com ênfase na definição e na estética geral, sem a necessidade de atingir níveis extremos de hipertrofia ou definição muscular. A dieta desses indivíduos geralmente busca manter níveis de gordura corporal baixos, porém sem as drásticas restrições energéticas vistas no fisiculturismo competitivo. Já a suplementação, quando utilizada, foca em produtos como colágeno hidrolisado, antioxidantes e ácidos graxos ômega-3, visando a saúde da pele, cabelos e unhas, características valorizadas nesses concursos, além da saúde em geral.

Enquanto fisiculturistas frequentemente enfrentam o desafio de recuperar o equilíbrio hormonal e metabólico após ciclos de competição, modelos fitness e de estética corporal tendem a manter uma abordagem mais sustentável, com menor impacto sobre o eixo endócrino e menor risco de complicações a longo prazo. Entretanto, ambos os grupos se beneficiam do acompanhamento médico especializado, com ênfase na preservação da saúde a longo prazo e na prevenção de distúrbios metabólicos, hormonais e musculoesqueléticos.

8. Conclusão

A arte do Fisiculturismo em seus mais amplos aspectos está intimamente ligado entre as ciências médicas e biológicas, uma vez que tem uma relação direta com o corpo humano.

O fisiculturismo de um modo geral, como prática que visa a maximização da performance e da estética corporal, exige uma abordagem científica e multidisciplinar para garantir a saúde dos atletas e adeptos. A modulação hormonal e os impactos metabólicos dessa modalidade, especialmente quando associados ao uso de substâncias ergogênicas, impõem um risco significativo para o organismo por sua evidente repercussão em órgãos alvo, tornando o acompanhamento médico indispensável.

Assim sendo, diversas áreas das ciências médicas e de saúde desempenham papéis fundamentais no acompanhamento de atletas de fisiculturismo e do segmento fitness, monitorando os efeitos adversos de hormônios e moduladores metabólicos. Além disso, a realização regular de exames laboratoriais e de imagem é essencial para a detecção precoce de eventuais complicações.

A conscientização quanto ao uso seguro de hormônios e a valorização de um acompanhamento profissional qualificado e individualizado são fundamentais para garantir que o fisiculturismo seja praticado de maneira sustentável, de modo que os danos sejam minimizados ao máximo e que a saúde seja sempre o fator fundamental de todo o processo.

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1 Mestre em Medicina e Cirurgia (MSc). Doutor em Medicina (MD). Doutor em Medicina e Cirurgia (PhD). Pós-doutor em Medicina e Cirurgia (Post-doc). Pós graduado em Medicina Interna, Endocrinologia, Medicina do Esporte, Fisiologia Médica Geral, Fisiologia do Exercício e Farmacologia Clínica. E-mail: [email protected]