ANESTESIOLOGIA EM PACIENTES FISICULTURISTAS E USUÁRIOS CRÔNICOS DE ANABOLIZANTES: PRINCIPAIS RISCOS E EFEITOS METABÓLICOS NO ORGANISMO HUMANO
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.14885190
Edson Carlos Zaher Rosa1
RESUMO
A especialidade de Anestesiologia quando voltada ao estudo e aplicação de drogas anestésicas em pacientes fisiculturistas e usuários crônicos de anabolizantes apresenta desafios singulares devido às alterações metabólicas, cardiovasculares e hormonais que os mesmos poderão apresentar, induzidas na maior parte das vezes, pelo uso prolongado e em doses suprafisiológicas de tais substâncias.
Essas modificações impactam a farmacodinâmica e a farmacocinética dos agentes anestésicos, aumentando os riscos perioperatórios e assim corroborando para que toda a equipe médica esteja de alerta para possíveis intercorrências.
Desse modo, destacamos que o objetivo deste estudo é revisar os principais efeitos da classe de medicamentos esteróides anabolizantes sobre o metabolismo, suas interações com anestésicos e os cuidados anestesiológicos específicos para esse grupo de pacientes.
A metodologia consiste em uma revisão integrativa da literatura científica, destacando aspectos fisiológicos, cardiovasculares, endócrinos e hepáticos envolvidos na anestesia desses indivíduos, trazendo a tona a importância do conhecimento de tais alterações, no intuito de previnir intercorrencias graves que possam surgir colocando em risco a saúde e vida humana.
Palavras-chave: Anestesiologia, Fisiculturismo, Esteróides anabolizantes, Metabolismo, Fisiologia Humana, Ciências Médicas.
ABSTRACT
The specialty of Anesthesiology, when focused on the study and application of anesthetic drugs in bodybuilding patients and chronic users of anabolic steroids, presents unique challenges due to the metabolic, cardiovascular and hormonal changes they may experience, most often induced by prolonged use and supraphysiological doses of such substances.
These changes have an impact on the pharmacodynamics and pharmacokinetics of anesthetic agents, increasing perioperative risks and thus ensuring that the entire medical team is alert to possible complications.
Thus, the aim of this study is to review the main effects of anabolic steroid drugs on metabolism, their interactions with anesthetics and specific anesthetic care for this group of patients.
The methodology consists of an integrative review of the scientific literature, highlighting the physiological, cardiovascular, endocrine and hepatic aspects involved in the anesthesia of these individuals, highlighting the importance of knowing about these alterations in order to prevent serious complications that may arise, putting human health and life at risk.
Keywords: Anesthesiology, Bodybuilding, Anabolic steroids, Metabolism, Human Physiology, Medical Sciences.
1. Introdução
A Anestesiologia moderna enfrenta desafios constantes na adequação da abordagem anestésica para diferentes perfis de pacientes.
Partindo desse principio, destacamos os pacientes fisiculturistas profissionais, adeptos e usuários crônicos de anabolizantes, que compõem um subgrupo peculiar, cujo metabolismo alterado interfere na resposta aos agentes anestésicos utilizados na maior parte dos procedimentos de anestesia.
Podemos dizer que a adaptação fisiológica ao uso de alguns medicamentos, tais como os hormônios esteróides anabolizantes, promovem mudanças na composição corporal, no metabolismo hepático e na função cardiovascular, impactando diretamente a condução anestésica, bem como o transcorrer da mesma.
Desse modo, com o crescimento exponencial da modalidade esportiva de fisiculturismo, aliado ao uso disseminado de substâncias ergogênicas, vem sendo observado, um aumento significativo na demanda por procedimentos anestésicos nesse público, tornando essencial o estudo aprofundado dos riscos envolvidos, pois de um modo geral, o impacto dos medicamentos anabolizantes no metabolismo humano é vasto e envolve desde alterações na composição corporal, como a hipertrofia muscular excessiva (anabolismo muscular), a redução da gordura corporal (lipólise), bem como mudanças profundas na regulação hormonal, na função cardiovascular e na resposta inflamatória.
Assim sendo, o objetivo deste estudo é elucidar os principais riscos anestésicos associados ao uso crônico prolongado e de doses suprafisiológicas dos medicamentos esteróides anabolizantes, bem como propor estratégias anestesiológicas individualizadas que possam minimizar complicações intra e pós-operatórias.
2. Condições Fisiológicas e Metabólicas dos Usuários Crônicos de Medicamentos Esteróides Anabolizantes
2.1 Alterações na Composição Corporal
O uso prolongado de medicamentos da classe dos Hormônios Esteróides Anabolizantes (EAs) promovem diversos efeitos fisiológicos no organismo humano, sendo os principais a hipertrofia muscular acentuada (síntese protéica/ anabolismo) e redução da gordura corporal (lipólise).
Essa composição corporal modificada impacta a distribuição de fármacos anestésicos lipofílicos e hidrofílicos, podendo alterar a sua biodisponibilidade e meia-vida.
Já a hipertrofia muscular resulta do aumento da síntese protéica mediada por mecanismos hormonais, especialmente pelo aumento da expressão dos receptores androgênicos nos miócitos musculares. Esse crescimento desproporcional da massa muscular modifica a relação entre compartimentos corporais, influenciando a distribuição dos fármacos.
Alguns tipos de anestésicos lipossolúveis, como o Propofol, podem apresentar uma distribuição alterada nesses pacientes, exigindo ajustes na dosagem e monitorização contínua. Além disso, a baixa reserva de gordura corporal pode comprometer a liberação gradual de fármacos lipofílicos no período pós-operatório, prolongando a sedação ou aumentando os riscos de efeitos adversos.
É observada também que a alteração no volume de distribuição também pode impactar a farmacocinética dos bloqueadores neuromusculares, tornando fundamental o ajuste individualizado das doses desses agentes.
2.2 Efeitos Hepáticos
A maioria das classes moleculares de medicamentos esteróides anabolizantes (EAs), podem induzir a eventos de hepatotoxicidade, variando em quadros de colestase leve (diminuição do fluxo biliar), bem como a hepatopatias graves, como adenomas e hepatocarcinoma (neoplasias hepáticas).
A hepatotoxicidade associada aos anabolizantes pode comprometer a depuração de anestésicos e outros fármacos metabolizados pelo Citocromo P450 (CYP450), resultando em tempo de ação prolongado e maior risco de toxicidade medicamentosa.
Com alterações que podem culminar no comprometimento das funções hepáticas, o metabolismo dos anestésicos de biotransformação hepática, como Halotano e opioides também sofrerão modificações, pois o fígado desempenha um papel central na biotransformação dos fármacos anestésicos, e qualquer comprometimento funcional pode prolongar a meia-vida dessas substâncias, aumentando o risco de toxicidade e complicações hemodinâmicas.
Entre os principais mecanismos de hepatotoxicidade induzida pelo uso dos esteróides anabolizantes, destaca-se a estase biliar (dilatação do ducto biliar), que pode levar à insuficiência hepática progressiva.
A administração de anestésicos metabolizados pelo fígado deve ser criteriosa, sendo preferível o uso de agentes de metabolismo extra-hepático, como o Remifentanil, que é rapidamente metabolizado por esterases plasmáticas, minimizando os riscos de acúmulo no organismo.
2.3 Alterações Endócrinas
Podemos dizer que o eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (H-H-G) é suprimido pelo uso de anabolizantes, podendo culminar em hipogonadismo secundário e desequilíbrios hormonais que afetam a resposta inflamatória e a cicatrização no período pós-operatório.
Desse modo, o uso crônico dessas substâncias pode levar à inibição da secreção de gonadotrofinas, como o hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo-estimulante (FSH), resultando em atrofia testicular, diminuição da produção de testosterona endógena e aumento da conversão de aromatização de esteróides em hormônio Estradiol (E2), pela ação da enzima aromatase.
Essas mudanças podem comprometer a resposta inflamatória convencional, prejudicando a recuperação tecidual no período pós-operatório.
Além disso, a redução da produção de cortisol pela inibição do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (H-H-A), pode levar a quadros de insuficiência adrenal relativa, dificultando a adaptação do organismo ao estresse cirúrgico e aumentando a necessidade de reposição de corticosteróides em determinados casos.
2.4 Dificuldade de Intubação em Pacientes Fisiculturistas
Pacientes fisiculturistas, especialmente aqueles que utilizam anabolizantes em doses suprafisiológicas, podem apresentar hipertrofia cervical, aumento da massa muscular em região escapular e torácica, além de hipertrofia da língua e edema laríngeo.
Essas alterações podem dificultar a manipulação da via aérea, tornando a intubação mais complexa.
Já o uso prolongado de hormônios de crescimento (GH) pode agravar a Macroglossia e o espessamento dos tecidos moles, exigindo técnicas avançadas de manejo da via aérea, como videolaringoscopia e fibrobroncoscopia.
2.5 Redução do Tempo de Apneia (RTA)
A elevada massa muscular nesses pacientes usuários de EAs implica um aumento no consumo de oxigênio e uma redução significativa da capacidade de reserva de oxigenação.
Isso resulta em um Tempo de Apnéia Reduzido, ou seja, ocorre um menor tempo de segurança para intubação antes da dessaturação crítica.
Além disso, o uso crônico de esteróides anabolizantes pode impactar negativamente a função pulmonar, aumentando o risco de Hipóxia Intraoperatória. .
Desse modo, estratégias como pré-oxigenação prolongada e ventilação com pressão positiva são fundamentais para mitigar esse risco
2.6. Rigidez Torácica Associada a Opiáceos
Pacientes fisiculturistas frequentemente têm um tônus muscular aumentado, o que pode ser exacerbado pelo uso de opióides no intraoperatório.
A administração de Fentanil e seus derivados pode desencadear rigidez torácica severa, resultando em ventilação difícil e comprometimento da mecânica respiratória.
Esse efeito ocorre por um aumento na ativação dos neurônios motores medulares, promovendo contração excessiva da musculatura torácica.
Assim sendo, o manejo inclui o uso cauteloso de medicamentos opióides e a possível reversão com bloqueadores neuromusculares para facilitar a ventilação mecânica.
3. Efeitos Cardiovasculares e Riscos Anestésicos
3.1 Hipertrofia Ventricular e Disfunção Miocárdica
A hipertrofia ventricular cardíaca esquerda induzida por anabolizantes aumenta o risco de arritmias e insuficiência cardíaca.
A anestesia geral pode exacerbar a depressão miocárdica e comprometer a estabilidade hemodinâmica. Alguns estudos indicam que usuários crônicos de esteróides anabolizantes (EAs), apresentam uma maior incidência de disfunção diastólica e fibrose miocárdica, o que pode predispor à insuficiência cardíaca subclínica.
Durante a anestesia geral, a regulação hemodinâmica torna-se crítica, pois esses pacientes podem não tolerar bem as oscilações pressóricas, já que alguns tipos de anestésicos possuem propriedades cardiodepressoras, como o Propofol e os agentes Halogenados, devendo ser utilizados com extrema cautela, com a necessidade de um balanceamento rigoroso para evitar eventos adversos.
3.2 Hipertensão Arterial e Disfunção Endotelial
O uso crônico de hormônios esteróides anabolizantes, pode elevar a pressão arterial sistêmica (EAs) e prejudicar a vasodilatação endotelial.
Durante a anestesia geral, a regulação da pressão arterial torna-se desafiadora, exigindo um manejo cauteloso dos agentes anestésicos, pois um quadro de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é sempre um fator de risco independente para complicações anestésicas, aumentando a probabilidade de eventos cardiovasculares perioperatórios, como infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente vascular cerebral (AVC).
3.3 Risco Tromboembólico
A hipercoagulabilidade induzida pelo uso crônico de esteróides anabolizantes (EAs), aumenta o risco de quadros de Trombose Venosa Profunda (TVP) e Tromboembolia Pulmonar (TEP) no pós-operatório, demandando profilaxia rigorosa.
A ativação exacerbada do sistema de coagulação nesses indivíduos torna essencial a utilização de estratégias profiláticas adequadas, incluindo o uso de anticoagulantes de baixo peso molecular e a mobilização precoce no pós-operatório.
3.4 Dislipidemia e Risco de Aterosclerose
O uso crônico de hormônios esteróides anabolizantes (EAs) está associado a dislipidemia severa, caracterizada pelo aumento do colesterol LDL e redução do colesterol HDL, contribuindo significativamente para o desenvolvimento de aterosclerose acelerada.
Essas alterações lipídicas comprometem a integridade vascular e aumentam a probabilidade de eventos cardiovasculares agudos durante o período perioperatório.
Isso se dá pelo fato de que a deposição de placas ateromatosas pode levar a isquemia miocárdica (IM) silenciosa, tornando os usuários crônicos de anabolizantes particularmente suscetíveis a eventos trombóticos ou tromboembolíticos durante o período de anestesia.
A resposta inflamatória associada à aterogênese pode ser exacerbada no pós-operatório, aumentando o risco de instabilidade hemodinâmica e complicações isquêmicas.
Desse modo, a avaliação pré-operatória desses pacientes deve incluir exames detalhados para detecção de aterosclerose subclínica, como angiotomografia de coronárias e ecocardiograma com estresse.
Durante a indução anestésica, é essencial monitorizar de perto a hemodinâmica e evitar oscilações bruscas na pressão arterial sistêmica (PAS), que poderiam precipitar eventos isquêmicos em artérias comprometidas.
A escolha dos agentes anestésicos deve levar em consideração o perfil lipídico alterado do paciente usuário de EAs em questão, sendo os anestésicos voláteis halogenados, como o Sevoflurano, possuem efeitos protetores sobre o miocárdio isquêmico, enquanto agentes intravenosos, como o Etomidato, podem ser preferíveis em pacientes com disfunção cardiovascular significativa, devido ao seu perfil hemodinâmico mais estável.
A profilaxia perioperatória com estatinas pode ser considerada em pacientes de alto risco, visando minimizar a resposta inflamatória e estabilizar placas ateromatosas.
4. Impacto dos Anabolizantes no Sistema Nervoso Central (SNC) e Implicações para a Anestesia
4.1 Alterações Neuroquímicas e Risco de Ansiedade e Agitação Pós-Operatória
O uso prolongado de Hormônios Esteróides Anabolizantes afeta a neuroquímica cerebral, reduzindo os níveis de Serotonina e aumentando a excitabilidade neuronal.
Essa modificação neurobioquimica, pode resultar em maior propensão a distúrbios de humor, ansiedade e agitação no período pós-operatório.
Além disso, esses pacientes frequentemente apresentam tolerância aumentada a sedativos e ansiolíticos, exigindo ajustes na dosagem desses fármacos para alcançar um nível adequado de sedação e controle da dor.
A hiperatividade do eixo Hipotalâmico-Hipofisário-Adrenal (H-H-A) nesses pacientes também pode levar a uma resposta exacerbada ao estresse cirúrgico, aumentando os níveis de catecolaminas e tornando-os mais suscetíveis a episódios de Hipertensão Arterial intraoperatória e resposta simpática exacerbada.
O manejo anestésico deve incluir agentes que reduzam a hiperatividade simpática, como bloqueadores alfa-2-adrenérgicos (exemplo: Dexmedetomidina), que promovem sedação e controle autonômico sem causar depressão respiratória significativa.
Já os anestésicos voláteis, como Isoflurano e Sevoflurano, apresentam efeitos neuroprotetores e moduladores da neurotransmissão excitatória, sendo preferidos em pacientes com risco aumentado de instabilidade autonômica.
Já os benzodiazepínicos podem ter resposta imprevisível nesses indivíduos, devido a possíveis alterações na sensibilidade dos receptores GABAérgicos induzidas pelo uso crônico de anabolizantes.
4.2 Sensibilidade Alterada a Opióides e Estratégias de Controle da Dor
Os usuários crônicos de Hormônios Esteróides Anabolizantes (EAs) podem apresentar alterações na sensibilidade a opióides, devido a modificações na expressão dos receptores opióides no Sistema Nervoso Central (SNC).
Isso pode resultar tanto em maior resistência aos efeitos analgésicos de medicamentos opióides convencionais, como Morfina e Fentanil, quanto em maior predisposição a efeitos adversos, como depressão respiratória prolongada e hiperalgesia paradoxal.
Assim sendo, o manejo da dor no pós-operatório deve ser multidimensional, combinando técnicas de analgesia multimodal para reduzir a necessidade de opioides, sendo que algumas estratégias como o uso de bloqueios regionais com anestésicos locais de longa duração (exemplo: Bupivacaína) e o uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) devem ser priorizadas.
Já o uso de adjuvantes analgésicos, como Gabapentinoides (Pregabalina, Gabapentina) e antagonistas de NMDA (Cetamina), pode ser benéfico para modular a sensibilização central à dor e reduzir o consumo de opióides no pós-operatório.
5. Considerações Anestésicas Específicas para Cirurgias em Fisiculturistas e Usuários de Anabolizantes
5.1 Monitorização Hemodinâmica Avançada
Dado o alto risco cardiovascular desses pacientes, a monitorização hemodinâmica deve ser extensa e incluir, além dos parâmetros padrão (pressão arterial, frequência cardíaca, capnografia), métodos avançados de avaliação da função cardíaca, como monitorização do débito cardíaco e ecocardiografia transesofágica intraoperatória em procedimentos de maior risco.
Pacientes com hipertrofia ventricular significativa podem ter uma reserva diastólica reduzida, o que os torna mais vulneráveis a hipotensão perioperatória e episódios de baixo débito cardíaco.
O uso de fluidos deve ser rigorosamente ajustado, evitando tanto a hipovolemia, que pode comprometer a perfusão coronária, quanto a sobrecarga hídrica, que pode precipitar disfunção ventricular.
O uso de agentes vasodilatadores deve ser cauteloso, pois a disfunção endotelial presente nesses pacientes pode tornar a resposta pressórica imprevisível.
Da mesma forma, drogas vasoativas, como Norepinefrina e Fenilefrina, podem ser necessárias para o suporte hemodinâmico, devendo ser tituladas com base na resposta clínica.
5.2 Estratégias de Ventilação Mecânica
Podemos dizer que pacientes fisiculturistas possuem uma relação massa muscular/ volume torácico aumentada, o que pode alterar a mecânica ventilatória durante a anestesia geral.
A complacência pulmonar pode estar reduzida, aumentando a resistência respiratória e demandando ajustes nos parâmetros ventilatórios.
O uso de ventilação protetora com baixos volumes correntes (6-8 mL/kg de peso ideal) e pressões expiratórias positivas finais (PEEP) moderadas deve ser considerado para minimizar o risco de Atelectasia e otimizar a troca gasosa.
Durante a extubação, é essencial garantir que o paciente esteja completamente acordado e com reflexos protetores preservados, pois a depressão residual da função neuromuscular pode ser mais pronunciada nesses indivíduos.
5.3 Ajustes Farmacocinéticos e Farmacodinâmicos dos Anestésicos em Pacientes com Alterações Hormonais e Metabólicas
Os efeitos do uso crônico de Hormônios Esteróides Anabolizantes (EAs) no metabolismo hepático e renal têm implicações diretas na farmacocinética e farmacodinâmica dos anestésicos.
A indução enzimática hepática promovida por algumas dessas substâncias pode acelerar a biotransformação de determinados fármacos anestésicos, resultando em redução do tempo de ação e necessidade de doses aumentadas para alcançar os efeitos desejados.
Os anestésicos intravenosos, como Propofol e Tiopental, são altamente lipossolúveis e apresentam distribuição inicial rápida em tecidos adiposos e musculares.
Em fisiculturistas, a maior quantidade de massa muscular e a menor proporção de gordura subcutânea podem alterar a taxa de redistribuição desses fármacos, prolongando ou reduzindo seus efeitos dependendo do metabolismo hepático individual.
O Propofol, por exemplo, pode ter uma eliminação mais rápida em indivíduos com metabolismo hepático acelerado, exigindo infusões contínuas de maior taxa para manutenção da anestesia.
Da mesma forma, os medicamentos opióides, amplamente utilizados no controle da dor perioperatória, podem ter absorção e metabolismo alterados nesses pacientes.
O medicamento Fentanyl e seus análogos lipofílicos apresentam meia-vida prolongada em indivíduos com maior volume de distribuição, o que pode resultar em sedação residual e risco aumentado de depressão respiratória no pós-operatório.
A administração de antagonistas de opióides, como Naloxona, deve ser feita com cautela, pois pode precipitar sintomas de abstinência e exacerbar a resposta autonômica ao estresse cirúrgico.
Já os bloqueadores neuromusculares também podem sofrer modificações farmacodinâmicas significativas, pois o aumento da massa muscular nesses pacientes, pode resultar em maior número de receptores nicotínicos na junção neuromuscular, levando a uma menor sensibilidade a agentes bloqueadores como Rocurônio e Vecurônio. Isso pode exigir doses maiores para atingir o nível adequado de relaxamento muscular durante a cirurgia.
No entanto, a administração de medicamentos reversores como Sugamadex deve ser ajustada para evitar acúmulo do bloqueador residual e potenciais efeitos colaterais cardiovasculares indesejáveis.
5.4 Distúrbios Endócrinos e Adaptação da Resposta ao Estresse Cirúrgico
Os usuários crônicos de hormônios esteroides anabolizantes (EAs) apresentam disfunções endócrinas significativas, incluindo supressão do eixo Hipotálamo-Hipófise-Gonadal (H-H-G), resistência à insulina (RI) e alteração na resposta ao estresse cirúrgico mediada pelo cortisol.
A administração exógena prolongada de testosterona e seus derivados em doses suprafisiológicas, leva à inibição da produção endógena, resultando em atrofia testicular (hipotrofia testicular) e redução da capacidade de resposta a estímulos estressores.
Durante a cirurgia, a incapacidade do eixo adrenal de responder adequadamente ao estresse pode levar ao quadro de Hipotensão Intraoperatória Refratária (HIR), necessitando de suporte com vasopressores e maior risco de choque perioperatório.
Já em casos de pacientes com suspeita de Insuficiência Adrenal Relativa, pode ser necessário considerar a administração profilática de corticosteroides, como Hidrocortisona, para minimizar o impacto da deficiência adrenal no equilíbrio hemodinâmico.
Além disso, em casos de Resistência Periférica à Insulina frequentemente presente nesses pacientes pode impactar o metabolismo glicêmico intraoperatório, tornando-os mais propensos a episódios de Hiperglicemia ou Hipoglicemia súbita, sendo que o controle glicêmico rigoroso é essencial para prevenir complicações metabólicas pós-operatórias, sendo recomendada a monitorização contínua da glicose e, se necessário, a administração controlada de insulina endovenosa.
O desequilíbrio hormonal também afeta a resposta inflamatória no pós-operatório, isso porque a presença crônica de níveis elevados de hormônios androgênicos pode predispor à Hipercoagulabilidade e inflamação exacerbada, aumentando o risco de Trombose Venosa Profunda (TVP) e complicações tromboembólicas.
A profilaxia com anticoagulantes deve ser considerada em pacientes de alto risco, principalmente naqueles submetidos a cirurgias prolongadas ou imobilização pós-operatória.
6. Riscos Hematológicos e Coagulação no Período Perioperatório
O uso crônico de Hormônios Esteróides Anabolizantes (EAs) tem impacto significativo no sistema hematológico, afetando tanto a produção de células sanguíneas quanto a cascata de coagulação.
Estudos demonstram que esses pacientes freqüentemente apresentam Poliglobulia ou Policitemia, caracterizada por um aumento no hematócrito, na produção de glóbulos vermelhos e na viscosidade sanguínea, o que pode predispor a eventos tromboembólicos, como Trombose Venosa Profunda (TVP) e tromboembolia pulmonar (TEP).
A Hipercoagulabilidade observada nesses indivíduos ocorre devido a um aumento na produção de fatores pró-coagulantes e uma redução nos mecanismos naturais de anticoagulação, como a Proteína C e a Proteína S. Durante o período perioperatório, essa condição representa um risco adicional, especialmente em cirurgias prolongadas ou que exijam imobilização pós-operatória.
Assim, medidas preventivas, como o uso de Heparinas de baixo peso molecular e dispositivos de compressão pneumática intermitente, devem ser consideradas para minimizar complicações trombóticas.
Adicionalmente, a descontinuação abrupta de hormônios anabolizantes antes da cirurgia pode levar a efeitos paradoxais na coagulação, incluindo uma fase transitória de Hipocoagulabilidade.
Esse fenômeno ocorre devido à supressão da medula óssea e à redução na produção de Trombopoietina após a suspensão dos andrógenos exógenos. Nesses casos, a monitorização rigorosa dos parâmetros hematológicos, incluindo Tempo de Protrombina (TP), Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPa) e Contagem de Plaquetas (CP), é essencial para ajustar condutas e evitar complicações hemorrágicas no intra e pós-operatório.
7. Implicações Renais e Hidroeletrolíticas na Anestesia Geral
O impacto dos Hormônios Esteróides Anabolizantes (EAs) na função renal também merece atenção especial no contexto anestésico, pois o uso prolongado dessas substâncias pode levar a Hipertensão Arterial secundária à quadros de Nefropatia Induzida por hormônios esteróides e distúrbios hidroeletrolíticos significativos.
Por outro lado, a retenção de sódio e água, freqüentemente observada nesses pacientes, pode resultar em Edema Generalizado e Sobrecarga Volêmica, aumentando o risco de instabilidade hemodinâmica durante a indução anestésica.
Além disso, pode ser observado casos de Rabdomiólise induzida pelo uso crônico de anabolizantes e pelo treinamento físico extenuante, podendo levar à liberação excessiva de Mioglobina na circulação, aumentando o risco de Lesão Renal Aguda (LRA).
Durante o perioperatório, a monitorização rigorosa da função renal, incluindo Creatinina sérica, Ureia e Eletrólitos, é fundamental para prevenir complicações. A hidratação intravenosa agressiva pode ser necessária para preservar a perfusão renal e evitar a precipitação de Mioglobina nos túbulos renais.
O equilíbrio hidroeletrolítico deve ser constantemente avaliado, uma vez que esses pacientes podem apresentar quadros de Hipocalemia, Hipernatremia ou Hipocalcemia, condições que podem interferir diretamente na contratilidade miocárdica e na resposta à anestesia.
Desse modo, o uso criterioso de fluidos intravenosos deve ser personalizado, considerando a necessidade de reposição eletrolítica adequada para evitar Arritmias perioperatórias e instabilidade cardiovascular.
8. Conclusão
A Anestesiologia em pacientes fisiculturistas e usuários crônicos de Hormônios Esteróides Anabolizantes (EAs) representa um desafio multidimensional, exigindo conhecimento aprofundado das alterações metabólicas, endócrinas, cardiovasculares, hematológicas e neuromusculares associadas ao uso dessas substâncias.
O impacto dos hormônios anabolizantes na farmacocinética e farmacodinâmica dos anestésicos exige adaptações individualizadas na escolha dos fármacos, ajustes nas doses e estratégias para manutenção da estabilidade hemodinâmica intra e pós-operatória.
Por outro lado, quadros de hipercoagulabilidade, resistência periférica à insulina, disfunções hepáticas e renais e as alterações hormonais são fatores críticos que podem modificar a resposta anestésica e influenciar o desfecho cirúrgico.
Desse modo, uma abordagem anestésica personalizada deve incluir avaliação pré-operatória detalhada, planejamento meticuloso do manejo intraoperatório e monitorização rigorosa do paciente no pós-operatório, visando minimizar complicações e garantir uma recuperação segura.
Dado o crescente número de fisiculturistas e usuários de anabolizantes em doses suprafisiológicas submetidos a procedimentos cirúrgicos, torna-se essencial que os Anestesiologistas e demais profissionais da saúde estejam capacitados para lidar com esse perfil de pacientes.
Estudos adicionais e protocolos clínicos específicos podem contribuir para o aprimoramento das condutas anestésicas nesse contexto, promovendo maior segurança e eficácia no atendimento perioperatório dessa população.
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1 Especialista em Cirurgia Maxilo Facial e Cirurgia Crânio Maxilo Facial, Clínica Médica / Medicina Interna, Fisiologia Médica Geral, Endocrinologia e Farmacologia. Mestre em Medicina e Cirurgia (MSc). Doutor em Medicina (MD). Doutor em Medicina e Cirurgia (PhD). Pós-Doutor em Medicina e Cirurgia (Post-Doc). E-mail: [email protected]