A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA DE EMOÇÕES: DO VERBAL AO VISUAL NA PRIMEIRA GERAÇÃO DA SÉRIE INGLESA SKINS
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REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.15883963
Danilo Santos e Silva1
RESUMO
Este artigo analisa como a primeira geração da série britânica Skins realiza a tradução intersemiótica de emoções, convertendo elementos verbais (falas, monólogos internos) em códigos visuais e sonoros (gestos, silêncio, trilha sonora, enquadramento de câmera). Partindo da teoria de Jakobson (1959) sobre tradução intersemiótica e articulando conceitos de semiótica multimodal (Kress & van Leeuwen, 2006) e linguagem audiovisual (Machado, 2000), investiga-se como os estados emocionais dos personagens são representados através da interação de signos verbais e não verbais. A análise foca principalmente nas personagens Cassie e Tony, evidenciando como o audiovisual transcende o diálogo para comunicar afetos, traumas e desejos. O estudo revela que a força emocional da série está menos naquilo que é dito, e mais no que é mostrado, em silêncio ou simbolicamente.
Palavras-chave: Tradução intersemiótica. Emoções. semiótica visual. Skins.
ABSTRACT
This article analyzes how the first generation of the British television series Skins performs the intersemiotic translation of emotions by converting verbal elements (dialogues, internal monologues) into visual and auditory codes (gestures, silence, soundtrack, camera framing). Drawing on Jakobson’s (1959) concept of intersemiotic translation and incorporating theories of multimodal semiotics (Kress & van Leeuwen, 2006) and audiovisual language (Machado, 2000), this study investigates how characters’ emotional states are expressed through the interplay between verbal and non-verbal signs. The analysis focuses primarily on the characters Cassie and Tony, showing how audiovisual resources transcend spoken language to convey affects, traumas, and desires. The findings reveal that the emotional impact of the series lies less in what is said and more in what is silently or symbolically shown.
Keywords: intersemiotic translation; multimodal semiotics; audiovisual discourse; emotion; Skins.
1 INTRODUÇÃO
Certamente, na contemporaneidade, as histórias audiovisuais desempenham um papel central em como nós tanto expressamos emoções, nos conectamos e traduzimos a experiência humana. O humilde comércio do cinema, este comércio de contar histórias, e em séries e videoclipes, não se limita mais a contar histórias, mas trata-se de construir paisagens sensoriais que tocam as emoções das pessoas.
Nesse contexto, a linguagem audiovisual mostra solo fértil para explorações e análises semióticas que superam os limites do verbal. Nesse ponto, ansiedade, solidão, desejo, trauma não são mais apenas elementos do roteiro, mas se transformam em experiências estéticas completas, servidas por som, imagem, movimento e silêncio.
A série de TV britânica Skins (2007–2013), particularmente a primeira geração, destaca-se como um exemplo marcante da estética emocional de que falo. Com uma linguagem crua e estilizada, a série se livra dos clichês, assumindo uma espécie de qualidade documental ao mostrar cenas de dor, prazer e confusão existencial. Desafia-se também ao falado, através de escolhas técnicas inspiradas por uma certa linha de metteur en scène compacta e sóbria — servindo à imagem e seu contexto em vez de a si mesmo: enquadramentos específicos, uma iluminação simbólica, uso expressivo da trilha sonora — para transgredir os limites narrativos normalmente estabelecidos para optar por uma imersão sensorial e afetiva onde o falado é superado. O que não é dito se torna imagem e som.
Nessa relação, este documento sugere que o conceito de tradução intersemiótica, um conceito originalmente postulado por Roman Jakobson (1959), pode ajudar na interpretação da criação de significados na série. O autor considera a tradução intersemiótica, na mesma linha de Jakobson (1959), como as mudanças de signos de um sistema semiótico para outro, que é a "decodificação de signos verbais por meio de signos de sistemas de signos não verbais" (Jakobson, 1959, p. 114). Aplicado aos audiovisuais, isto nos convida a considerar como emoções e estados internos podem ser transformados em códigos visuais, sonoros ou cinéticos.
A série Skins não usa a linguagem escrita como a única codificação de significado; emprega outras formas de significação para transmitir emoção. Cenas com silêncios prolongados, interrupções abruptas de música diegética e enquadramentos que separam pessoas da paisagem são algumas das técnicas usadas para expressar identidades divididas. A série fala não falando; conta pausando ou olhando ou resmungando. E assim os afetos não são explicados, mas mostrados, geralmente em imagens que cortam a linearidade do enredo.
Tendo em mente algumas dessas considerações teóricas e metodológicas, este estudo parte do pressuposto de que Skins trabalha com uma lógica de codificação multimodal, significando que emoções são feitas aparecer através da articulação de múltiplos sistemas expressivos. Sua atenção se centrará em dois dos principais personagens da primeira geração: Cassie Ainsworth e Tony Stonem, cujas histórias traçam dois caminhos diferentes em direção ao sentimento de vazio, controle, finitude e reconstrução.
Por fim, busca demonstrar que a série tematiza não apenas a dor emocional, mas também a traduz em uma linguagem plástica e sensorial. A abordagem metodológica é informada pelo mundo da narração fílmica, fundamentos da semiótica e teoria multiliteral, buscando entender como o audiovisual aqui se torna uma linguagem da emoção. O estudo desta tradução intersemiótica dos afetos é, por sua vez, proposto para ajudar a fomentar uma abordagem mais crítica e sensível à leitura das formas atuais de narrar a vida humana.
2 REVISÃO DA LITERATURA
O conceito de Tradução Intersemiótica, cunhado por Roman Jakobson (1959), refere-se à transferência de sinais de um sistema semiótico para outro (por exemplo, da linguagem verbal para a linguagem visual ou auditiva). “Isto consiste na transposição de sinais dos conjuntos verbais para signos não verbais” (Jakobson, 1959, p. 114). Com a linguagem audiovisual, a prática está em andamento: os personagens dizem como se sentem não apenas através do diálogo, mas também pela forma como uma cena é construída, pela música que toca, pela postura corporal e pela maneira como a cena é cortada. A série de televisão britânica Skins oferece um rico material para tal análise porque é caracterizado por construções sensoriais nas quais a dimensão do choque visual é, por si própria, o ‘silêncio’ do diálogo falado.
Os autores Kress e van Leeuwen (2006), ao construir a gramática do design visual, insistem na interdependência de modos semióticos distintos: imagem, som, espaço, gesto e fala. Para eles, “o significado não está fixado apenas nas palavras, mas nas formas como interagimos socialmente” (Kress; Van Leeuwen, 2006, p. 2). O uso de silêncio, enquadramento simbólico e trilhas sonoras bem selecionadas realmente encapsula o que não pode ser dito em Skins.
Lucia Santaella (2001) observa que, na semiótica emocional, os sinais icônicos e indexicais como imagens e sons, respectivamente, são mais eficazes em evocar emoções do que símbolos verbais. “A linguagem visual pode fomentar uma experiência sensível direta antes da racionalização discursiva” (Santaella, 2001, p. 91). Isso fica claro em momentos como o vazio arrepiante do áudio durante a tentativa de suicídio de Cassie (Temporada I, episodio 09), quando a música cessa e os sons ambientais desaparecem. O som do silêncio aqui não apenas comunica muito, mas aumenta a intensidade emocional da personagem.
E agora, a linguagem audiovisual tem suas próprias ferramentas para abordar o inaudível. Segundo Arlindo Machado (2000), a construção subjetiva pode ser criada no audiovisual por meio de “impactos sensoriais, edição, cadência de imagens” (p. 56). Em Skins, as ansiedades dos personagens são em grande parte não verbalizadas, referidas em cortes rápidos, mudanças de luz e pausas entre as falas no roteiro. Essas não são apenas danos físicos, representam sua sensação de identidade fragmentada. Como por exemplo, quando Tony se vê no espelho após o acidente (Temporada 02, episodio 01).
Essa mobilização de vários códigos traz a série para o reino das multiliteracias, um conceito articulado por Kalantzis e Cope (2000), que, ao desafiar a ideia de leitura como alfabetização de impressos, propuseram uma versão alternativa na qual os estudantes leem textos multimodais. Em educação, isso significa lembrar que a comunicação está ocorrendo além da linguagem, no gesto, no som, no vídeo, na tecnologia, exatamente como em Skins. Como destacam os autores, “o significado é socialmente real (...) criado na articulação de diferentes modalidades comunicativas” (Kalantzis; Cope, 2000, p. 38).
2.1 A Emoção e suas representações em Skins.
São os limites da narrativa que Skins empurra ainda mais radicalmente. Motivos visuais repetidos transmitem muitas dessas emoções. Um exemplo excelente é a sequência em que Cassie assiste indiferente à sua própria imagem, enquanto murmura para o espelho: “Não comi por três dias... para eu poder ser adorável” (temporada 01, episodio 01). E essa linha não é meramente um sintoma de anorexia, mas uma condenação da estética de perfeição comercializada para os jovens, e a direção sabe transmitir esse desespero com iluminação sombria, câmera fixa e som ambiente distante e abafado.
Também é necessário reconhecer a ideia de subjetividade através da narrativa, que é articulada pela câmera subjetiva, monólogos interiores e o uso da trilha sonora para ampliar o eu. Segundo O’ Sullivan (2013), “a música opera como uma voz interna invisível que confere uma dimensão psicológica profunda à cena” (p. 58). É visto em momentos como quando “Time to Pretend” (Banda MGMT) toca enquanto eles dançam embriagados em uma festa, olhando além das consequências que se avizinham, a música expressando um desejo de se perder do mundo, assim como os personagens da série anseiam, sintonizados com a equivocada causa e efeito da juventude.
Levando em conta a fundamentação teórica, fica claro que a carga emocional de Skins não é carregada tanto por diálogos expositivos, mas por uma complexa interação de sinais intersemióticos. O não dito reverbera poderosamente na trilha sonora, no olhar, na edição, na cor. E é este material, inscrito com o uso denso e autoconsciente das linguagens, que torna a série um excelente material de estudo tanto para a tradução intersemiótica quanto para a literacia multimodal.
2.2 Cassie: O silêncio como grito visual.
Cassie Ainsworth é uma das personagens mais icônicas de Skins em termos de expressão emocional através da mídia não-verbal. Sofrendo de distúrbios alimentares, automutilação e isolamento emocional, sua subjetividade é traduzida mais por gestos e silêncio do que por discursos.
No primeiro episódio da primeira temporada, Cassie diz: "Não comi por três dias... para poder ser adorável". Esta frase, embora simples, é acompanhada por um olhar vazio e um sorriso deslocado. Enquadrada por um quarto em tons frios e pouca luz, lembra uma imagem de desolação total. A força da cena não reside nas palavras em si, mas na construção visual que tacitamente adiciona ressonância a elas.
A trilha sonora também atua como uma extensão da psique do personagem. No episódio 9 da primeira temporada, a tentativa de suicídio de Cassie é tratada com um silêncio perturbador. Não há música, nem diálogo, apenas uma câmera observando-a à distância, aparentemente tão cúmplice na dor quanto o espectador. Santaella (2001, p. 91) diz: "A ausência de som pode funcionar como um denso signo de significado emocional", e em Skins esse silêncio comunica o que apenas a fala não poderia expressar: a ausência da vontade de existir.
Cassie frequentemente utiliza expressões que não respondem diretamente ao que é perguntado, revelando sua desconexão com o mundo real. Um exemplo é o uso habitual da palavra "Wow", dita com diferentes entonações de acordo com o contexto emocional. Essa polissemia intencional é indicativa de quanto suas emoções se tornaram não-verbais: o estilo, a cadência folclórica e o olhar. É uma instância de tradução intersemiótica marcando sua instabilidade mental.
Isso também está em linha com o drama e, portanto, contribui para sua performance. Em tomadas dela, seu tamanho geralmente é bem grande e está bem no meio, enquanto as pessoas se reúnem ao seu redor, mas a câmera ainda escolhe a centralização em todas as direções, enfatizando assim sua solidão no meio da massa. Kress e van Leeuwen (2006, p. 183) chamam esse padrão de "distanciamento afetivo". Ao invés de aproximar (como na centralização), isso apenas gera mais exclusão.
Em uma cena icônica do terceiro episódio da segunda temporada, após uma aparente recuperação, Cassie caminha por uma rua do oeste de Londres. A música "Out of Time" do Blur é tocada ao fundo, enquanto ela olha para vitrines e para as pessoas com um olhar perdido. O tempo é esticado para acomodar sua subjetividade, de modo que parece como se a tortura sofrida por ela na América tivesse contaminado o tempo.
Machado (2000, p. 56) enfatiza que "exatamente porque 'a manipulação do ritmo e da temporalidade' é um dos fatores distintivos na expressão audiovisual, a edição lenta desta sequência faz algo que é um recurso essencial na criação do efeito emocional". A narrativa também usa simbolicamente a comida, ou sua ausência, como um sinal de sua tentativa de se controlar. Em vários episódios, Cassie pode manipular casualmente a comida, mas nunca comê-la. Doces, por assim dizer, podem ser suas palavras; essa contradição verbal e corporal é de fato um poderoso sinal. Santaella (2001, p. 95) aponta que "a linguagem do corpo é sempre mais sincera que a comunicação verbal".
Finalmente, ela encontra sua voz através, e simbolicamente na arte, como visto na cena em que tira uma fotografia de si mesma com a mensagem "Ninguém se importa se eu morrer" (Temporada 02, Episodio 03). O efeito da ausência de acompanhamento musical, combinado com iluminações marcadamente diferentes nesta cena, graficamente promete ajuda. Este é um exemplo de tradução intersemiótica, onde o que está escrito no texto em papel se mostra muito mais expressivo que palavras.
2.3 Tony: Crise, narcisismo e espelho quebrado.
Tony Stonem é o oposto de Cassie, seu narcisismo e manipulação verbal o colocam no centro do grupo. Mas sua relação com a linguagem se inverte após o acidente (Temporada 2, Episodio 1). A partir desse ponto, a perda de suas faculdades de fala e motoras faz com que suas emoções comecem a se desenrolar na tela. Aquela infame cena do espelho quebrado, onde ele se olha e mal sabe que é ele, é lendária: os cacos servem como metáfora de seu eu dividido. Jakobson (1959, p. 115) já havia apontado que "imagens não apenas substituem, mas também reinterpretam a linguagem verbal", e é isso que acontece aqui.
Antes do acidente, Tony é um mestre das palavras. Ele manipula, seduz e se impõe com a linguagem, como em falas como "Vocês são todos tão previsíveis" (Temporada 01, episodio 05), que exibem toda sua dominância performativa. Mas o roteiro o silencia após sua lesão cerebral, enviando-o para se reconstruir com diferentes modos de expressão. A câmera começa a focar em seus olhos, mãos e respostas físicas, como se buscasse em seu corpo o que não pode mais ser falado por sua boca.
Diferente também é a iluminação nas cenas pós-acidente. Sua solidão e perplexidade são intensificadas por seu tom de pele escuro e a luz lateral. Segundo Machado (2000, p. 69), "a luz no cinema é frequentemente usada como metáfora emotiva" e em Skins, a estética é usada para retratar o 'nada', o vazio que Tony sente ao perder o controle sobre si mesmo.
Sua convalescença é acompanhada de trilhas sonoras discordantes, como "A Message" (Coldplay), que indicam a oscilação entre nostalgia e raiva. Em uma cena (Temporada 2, episodio 3), Tony tenta ler, mas as letras se embaralham na página, a própria linguagem se torna indecifrável, espelhando sua desintegração psíquica. É um claro exemplo de tradução intersemiótica reversa: o verbal falha, e o visual lidera.
Vale mencionar também que Tony é filmado em quadros baixos antes do acidente (simbólico, concedendo-lhe superioridade) e em quadros inclinados depois, denotando instabilidade. Este efeito visual sustenta o argumento de que emoção nos audiovisuais pode ser expressa por ângulos de câmera (Kress; Van Leeuwen, 2006, p. 87).
À medida que se reconstrói, Tony aprende uma lição sobre a dor emocional despojada de linguagem. Ele sussurra, na temporada 02, episodio 07: "Estou quebrado... e não sei como consertar isso". A fala apresenta um close-up de lágrimas deslizando em um fundo silencioso. Este é o ponto em que o personagem, pela primeira vez, permite-se ser vulnerável, não da maneira que havia sido antes, com ironia e cinismo, mas completamente, emocionalmente vulnerável.
E, por fim, seu caminho demonstra como a tradução intersemiótica pode ser um método de autoconhecimento. Através da comunicação com seu corpo, com seus olhos e com o silêncio, ele se torna humano. Perceba, ele já não é o autor, ele já não é uma voz de comando, ele se torna um corpo em reconstrução, e Skins vira esta esquina com uma linguagem estética forte.
2.4 Música, edição e códigos de emoção.
A série inglesa Skins (2007-2010) pertence à primeira geração deste programa de TV e oferece material precioso para a tradução intersemiótica das emoções, devido à articulação sem precedentes de normas verbais, visuais e acústicas para a representação do mundo interior conturbado da juventude e seus inevitáveis conflitos, ansiedades e sede de liberdade.
Segundo Jakobson (1959), a tradução intersemiótica pode ser concebida como "a transmutação de signos verbais para sistemas de signos não verbais", uma possibilidade de converter palavras em imagens, sons, gestos que podem produzir novos significados. Em Skins, a música diegética e não diegética, junto com a edição nervosa e códigos visuais de emoção, além do script verbal do filme, não apenas acompanham, mas vão além disso, reformulando silenciosamente o que não dizem.
Na era contemporânea da narrativa multimodal, "[o] afeto transborda palavras e necessita de outras linguagens para ser percebido, já que há sentimentos que irrompem na cauda da cena, no som ambiente, na cor que se infiltra na tela" (Plaza, 2022, p. 98). Este ponto de vista é perceptível, por exemplo, em episódios que apresentam o colapso afetivo de Cassie Ainsworth, cujo relacionamento emocionalmente perturbado com a comida e o amor é frequentemente transmitido ao espectador através da interação de silêncios repentinos e músicas indie desalentadoras, e montadas por sequências de cortes que atravessam camadas narrativas lineares.
A música em Skins pode ser considerada, nesse sentido, como um "operador de sentido intersemiótico" (Machado, 2020, p. 74), ou seja, algo que ultrapassa a condição de mero ruído de fundo e se torna texto que dialoga com a ação. O uso de "Roads" do Portishead em uma cena onde não há áudio, mas apenas vemos Sid Jenkins escapar em silêncio, produz resultados semelhantes na sua comunicação; nada vocalmente, mas grita abandono e perda. Conforme observado por Dantas (2021, p. 56):
Quando a fala se perde, a música fala. É nos contrastes entre letra e acorde que um léxico de angústia, rebeldia ou positividade, vasto demais para uma conversa linear, é enunciado. Desta forma, o som se torna uma narrativa fluente que é intraduzível por palavras.
Esta citação ampliada demonstra como a trilha sonora serve como uma unidade independente de sentimento, que se move em conjunto com sensações em movimento.
A edição, por sua vez, funciona como um processo de realce afetivo. A montagem frenética de festas ou brigas expressa a pulsação jovem vibrante, ou talvez estados alterados de consciência. Wohlwend (2023) cita Oliveira dizendo que a edição é um código de afeto que "(...) trabalha não apenas para ordenar cenas, mas para produzir sensações quase tácteis por parte do espectador, mobilizando os sentidos sinestésicos." De fato, dentro de Skins, a mudança brusca de uma batida eletrônica eufórica para um silêncio completo é a representação auricular da mudança do êxtase para a solidão e nenhuma palavra precisa ser dita.
Além disso, a própria caracterização trabalha em direção à tradução intersemiótica das emoções. Closes obsessivos nos olhos de Cassie ou Tony, em cores saturadas, revelam microexpressões de medo ou manipulação, por exemplo. Para Bentes (2021, p. 44), "a emoção cinematográfica é construída na articulação entre som, imagem e o não uso da fala; é a coreografia entre brilhar, esconder e silenciar." Em Skins, os jovens são assim seduzidos por esta coreografia semiótica.
Em conclusão, ao examinar a primeira série de Skins sob a perspectiva da tradução intersemiótica, pode-se inferir que as emoções não existem tanto nos roteiros, mas no que podemos identificar na textura entre música, edição e códigos visuais. A figura se desintegra na imagem, que por sua vez se une com o som em um bombardeio incessante de significados. Como resumido corretamente por Plaza (2022, p. 103): “Intersemiótica não é mero ornamento, mas a própria condição de existência para os afetos que fogem da linearidade da linguagem. É apenas na sobreposição de signos que o não dito é percebido.”
O programa de TV Skins, portanto, se legitima como um paradigma excepcional de uma série juvenil que vai além dos limites da expressão verbal, confiando na força do visual e do sonoro para capturar emoções.
A trilha sonora em Skins não é mera ambientação; ela serve como um veículo afetivo para monólogos internos. Cada faixa selecionada é propositalmente colocada como reflexo do humor do personagem. Como destaca O’Sullivan (2013, p. 89), “a música em mídias audiovisuais age como um discurso internalizado, e de fato diz o que os personagens não dizem”. Essa teoria é comprovada em um espectro de cenários, um dos quais é a cena final da primeira temporada, quando Wild World, de Cat Stevens, foi tocada, que foi um clímax emocional da dor e desintegração que cada jogador havia experimentado.
Além da música, a edição é fundamental. A cena em que Chris é abandonado por sua mãe no episódio 8 da primeira temporada é editada com cortes bruscos do quarto vazio para closes de seus olhos manchados de lágrimas. A música tocando suavemente na trilha sonora é "Not About Love", de Fiona Apple, e indica o abismo entre a aparência externa de controle e a implosão emocional. Como observa Machado (2000, p. 71), "editar é determinar o ritmo da emoção: rápido para raiva, lento para tristeza, pausado para luto".
A relação entre imagem e som é, repetidamente, ironicamente justaposta. O desespero também se disfarça de euforia, quantas vezes em festas, uma das cenas de aparente abandono do filme, somos sacudidos por uma música dançante, mas há algo autodestrutivo por baixo, seja “Time to Pretend”, com personagens usando drogas? Suas letras? “Vamos ganhar algum dinheiro e depois morrer”, que prenuncia o hedonismo niilista evidente no episódio. A música entrega o que os personagens nunca conseguem dizer: uma consciência de vazio.
O uso de repetições como indicadores de dor é outra forma de comunicá-la através de fatores visuais. A série frequentemente retrata personagens em caminhadas solitárias por ruas, corredores, túneis. Esses caminhos literais atuam como metáforas para o deslocamento interior. É a música que os envolve que soa essas experiências emocionais que podem ser compartilhadas. Como afirma Santaella (2001, p. 98), “o som, quando em sincronia com o corpo em movimento, espalha a emoção pelo espaço”.
Em Skins, ela segue passos como pensamentos não declarados. A série também explora a ruptura da diegese sonora. Em cenas mais íntimas, quando Jal ou Michelle está só, o único som que você ouve enquanto não estamos na perspectiva delas é o som ambiental (um passo, uma respiração, as folhas). A substituição de uma ênfase positiva na vulnerabilidade atrai o espectador para o quadro. O silêncio aqui novamente se torna uma tradução da ausência, de nada, de vazio literal.
O que essas abordagens revelam é que o universo afetivo de Skins é criado mais por meio de sons, imagens e tempos suspensos do que por meio de linguagem. A emoção é um projeto estético, e os meios audiovisuais fornecem um tipo especial de gramática para expressá-la, uma gramática trans semiótica que resiste aos limites do verbal.
3 METODOLOGIA
Este estudo utiliza uma abordagem qualitativa que é interpretativa por natureza e visa decodificar estratégias de tradução intersemiótica na primeira geração da série britânica Skins. Focamos na forma como emoções e o mundo interior pessoal são "traduzidos" através de diferentes sistemas semióticos, principalmente verbal, visual e sonoro, de uma perspectiva multimodal (Leess; WCS, 2006).
O estudo é conduzido dentro do quadro teórico da semiótica, com especial ênfase na noção de tradução intersemiótica de Jakobson (1959), entendida como a transferência de significados entre sistemas de signos. Além disso, apoia-se nas descobertas de Arlindo Machado de sua pesquisa sobre idioma audiovisual (2000) e seus aspectos de deciframento de imagem e organização semiótica conforme proposto por Kress e van Leeuwen (2006), usando-os em ocasiões a seu favor. Trabalhos de autores que examinam a comunicação não verbal, como os de Santaella (2001) e O'Sullivan (2013), também foram utilizados nesta pesquisa.
O corpus de pesquisa inclui episódios selecionados das duas primeiras temporadas da série, focando nos discursos dos personagens Cassie Ainsworth e Tony Stonem. Isso porque ambos passam por profundas transformações emocionais e, além do domínio das palavras, oferecem ricos exemplos para imaginar novas formas de olhar e ouvir através das suas imagens, sons, movimentos corporais e o silêncio. As cenas escolhidas são aquelas relevantes para a expressividade e estão cheias de símbolos.
Examinaremos as cenas que escolhemos da série através de análise descritiva e interpretativa, seguindo tanto características formais (como enquadramento, edição, uso de som e ritmo narrativo) quanto recursos expressivos (ação corporal, entonação, expressão facial e pausas). Nosso objetivo é ver como essas estratégias funcionam em conjunto para criar um significado cheio de afeto, funcionando como formas de tradução intersemiótica das emoções.
Além de assistia as cenas do seriado, este documento também analisa discursos e silêncios como textos com o objetivo de entender como a linguagem audiovisual cria sua própria gramática de emoção usando sua multiplicidade de códigos. Todos os episódios foram assistidos várias vezes, prestando muita atenção aos detalhes visuais e auditivos para que todas as cenas fossem transcritas ou descritas em arquivos analíticos. As cenas foram verificados apenas para erros irrelevantes; onde a informação não estava diretamente relacionada ao assunto, foi apenas ignorada ou omitida por completo (por exemplo, se aparecesse um personagem irrelevante em uma cena).
Dessa forma, nosso método não é dar um embelezamento ilusionista da simplicidade de Skins, mas sim apresentar uma interpretação unificada e consistente de como essa série elabora experiências emocionais através de escolhas estilísticas e narrativas que procedem por múltiplos modos. Ao destacar a interpenetração da matéria, esperamos iluminar como meios semióticos auxiliam a construção da sensibilidade em qualquer meio ou forma estética.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da primeira geração da série Skins (Temporadas I e II), baseado na tradução intersemiótica, revela um mundo narrativo moldado pela força do silêncio, das enquadraduras, da música e de sua ausência. A série se afasta do modelo verbalista de expressões emocionais para manifestar emoções e adota uma estética audiovisual que confia na inteligência afetiva do espectador. Nesse sentido, Skins não apenas narra, mas converte estados psicológicos por meio de diferentes códigos: visuais, auditivos, corporais, em consonância com a ideia de transposição intersemiótica de Jakobson (1959).
Os personagens Cassie e Tony foram examinados como encarnações simbólicas dessa abordagem. Em Cassie, a troca silenciosa é um ato de resistência contra o discurso normativo e também um clamor desesperado que emana através de suas distâncias, dos silêncios solenes e de seus olhares vazios. Em Tony, vemos a queda de um sujeito que acreditava ingenuamente no pleno poder da linguagem verbal, a necessidade de ter que se remontar através de gestos e vulnerabilidade. Ambos mostram como a série funciona com a falta de palavras como uma abundância de significados, como uma linguagem ampliada.
Mobilizando elementos como a trilha sonora emocional, o piscar, a edição descontínua, as imagens icônicas (o espelho quebrado, o corpo imobilizado), a série cria uma gramática da emoção que não é linearmente textual. Santaella (2001), Machado (2000) e Kress e van Leeuwen (2006) nos ajudam a perceber que os significados gerados não estão confinados (ou produzidos) pela fala, mas gerados através da articulação entre vários modos semióticos.
Nesse sentido, Skins constitui um objeto de estudo muito interessante para a pesquisa no campo da Literatura, especialmente no que se refere à semiótica, à tradução intersemiótica, à linguística multimodal e à análise de textos audiovisuais. Além disso, fornece fundamentos para debates pedagógicos no ensino de inglês (idioma) através das oportunidades resultantes para trabalhar com multiliteracias e literacia midiática crítica.
Parece, então, que, através de imagens, sons, silêncio e uso do tempo (em bebidas, cigarros e outras medidas de tempo "morto"), ao captar cenas e emoções da distância da escolha, que o uso da linguagem em Skins é mais do que 'apenas' palavras. Você seria capaz de ver dor em um olhar, amor em uma música, desespero em uma pausa, e tudo isso, somado à linguagem.
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1 Doutorando em Ciências da Educação do Instituto Christian Bussines School (CBS), Flórida, Estados Unidos. E-mail: [email protected]. ORCID: https://orcid.org/0009-0005-9836-4287